(continuação)
Este texto não tem finalidade apologética, seu objetivo é apenas a edificação dos católicos. Como os católicos não duvidam de que o príncipe dos Apóstolos esteve em Roma, deixaremos de lado os vários depoimentos de santos e escritores da Antiguidade cristã confirmando esta tese. Já na metade do século II, era voz corrente a tradição de que São Pedro foi o fundador da Igreja de Roma.28
Com relação ao martírio de São Pedro e São Paulo na capital do Império, citemos apenas o testemunho do Papa São Clemente, em sua carta de Roma aos coríntios, escrita entre os anos 95 e 97, cuja autenticidade não é posta em dúvida:
“Tomemos os nobres exemplos fornecidos em nossa própria geração. Por inveja e ciúme, os maiores e mais justos suportes da Igreja sofreram perseguição e foram entregues à morte. Coloquemos diante de nossos olhos os ilustres Apóstolos. Pedro, que em consequência de injusto zelo, sofreu não um ou dois, mas numerosos trabalhos; e, tendo sofrido o martírio, entrou no lugar de glória que lhe era devido”.29 Menciona em seguida São Paulo e numerosos eleitos que foram reunidos aos outros e sofreram martírio ‘entre nós’ (en hemin, isto é, entre os romanos). Esse Papa está sem dúvida falando da perseguição de Nero, como o prova toda a referência, e desse modo se refere ao martírio de Pedro e Paulo na época.30
Escrevendo no início do século III, em apoio a uma tradição já existente, Tertuliano afirma que São Pedro foi crucificado. Nisto é endossado por Orígenes, que acrescenta: “Pedro foi crucificado em Roma, com sua cabeça para baixo, como ele mesmo tinha desejado morrer”.31 O escritor eclesiástico Eusébio, no início do século III, apresenta o 13º ou 14º ano de Nero como a data do martírio dos dois Apóstolos, coincidindo com os anos 67 e 68, data aceita por São Jerônimo.
Conforme a tradição, baseada também no testemunho de Tácito (historiador romano do fim do I século e começo do II), as horríveis cenas de perseguição de Nero ocorriam nos jardins deste nas colinas do Vaticano, e ali teria acontecido também o martírio de São Pedro.
Durante certo tempo os restos de Pedro permaneceram com os de Paulo numa galeria na Via Ápia.32 Constantino mandou construir uma magnífica basílica no local do martírio de São Pedro, no Vaticano, a qual foi substituída no século XVI pela atual e imponente basílica, que é a mãe de todas as igrejas.
Da estadia de São Pedro em Roma e de seu martírio como primeiro bispo da Cidade Eterna — portanto, o primeiro Papa —, deriva a primazia da sede romana e o primado de Pedro sobre todas as igrejas.
No decurso das vicissitudes humanas pelas quais passou a Igreja, inserindo-se na vida complexa e cambiante dos povos, o dogma do primado do Papa foi se desenvolvendo e precisando-se. Ora nos enfrentamentos com autonomias eclesiásticas e ciúmes locais, ora cobiçado pelas ambições políticas e competições jurídicas, mais raramente por doutrinas de pura especulação, sempre permaneceu substancialmente idêntico ao desígnio primitivo do Divino Mestre.33
Fazendo prevalecer a tradição, o Concílio Vaticano I definiu solenemente o primado do romano pontífice, na Constituição dogmática I ‘Sobre a Igreja de Cristo’, onde expôs e definiu a natureza e a amplitude do primado do Romano Pontífice.
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A respeito, encerramos a presente matéria com um comentário de Plinio Corrêa de Oliveira, em 11 de novembro de 1988:
“Bem no meio da Praça de São Pedro, chama a atenção um obelisco — agulha de pedra muito alta, coberta de inscrições egípcias. Os faraós mandavam erigir obeliscos narrando os fatos do reinado deles, ou coisas do gênero. O Egito foi a mais gloriosa das nações antigas, e a Grécia formou grande parte de sua cultura aproveitando elementos da cultura egípcia. Os romanos, por sua vez, inspiraram-se em larga medida na cultura da Grécia. Assim, um obelisco no centro daquela praça tem muito significado. No alto do obelisco foi colocada uma cruz, simbolizando assim o triunfo da Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre o mundo inteiro.
E a ideia que preside o conjunto da praça e da Basílica de São Pedro é a representação de uma chave. É muito significativa tal representação em forma de chave, lembrando as chaves do Apóstolo São Pedro –– a chave dos Céus e a da Terra –– o poder exercido no Reino do Céu e, indiretamente, no Reino da Terra!”.
Notas:
1. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Saint Pierre, Prince des Apôtres, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo VII, p. 422.
2. Cfr. F. Bechtel, Bethsaida, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
3. A. Tricot, Saint Pierre, Dictionnaire de Théologie Catholique, Librairie Letouzey et Ané, Paris, 1935, tomo XII, col. 1748.
4. Cfr. S. Vailhé, Capharnaum, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
5. A. Tricot, op. cit. col. 1748.
6. G. Glez, Primauté du Pape, Dictionnaire de Théologie Catholique, Librairie Letouzey et Ané, Paris, 1935, tomo XIII, col. 250.
7. Les Petits Bollandistes, op. cit. p. 423.
8. Id. Ib. p. 424.
9. A. Tricot, op. cit. col. 1749.
10. A. Loisy, Les évangiles synoptiques, Ceffonds, 1907-1908, t. I, p. 529 sq.,apud Glez, id. ib.
11. J.P. Kirsch, op. cit.
12. Les Petits Bollandistes, op. cit. p. 425.
13. Id. Ib. p. 427.
14. G. Glez, op. cit. col. 250.
15. Les Petits Bollandistes, op. cit. p. 426.
16. J. P. Kirsch, op. cit.
17. G. Glez, op. cit. col. 256.
18. Bíblia Sagrada, Edições Paulinas, São Paulo, 1980.
19. Lagrange, L’Évangile de Jésus-Christ, p. 512-513, apud G. Glez, op. cit.col. 259.
20. G. Glez, op. cit. col. 259.
21. Les Petits Bollandistes, op. cit. p. 428.
22. Id. Ib. p. 429.
23. A. Turrado, Turrado, op. cit. p. 141.
24. Les Petits Bollandistes, op. cit. p. 430.
25. Id. ib. p. 431.
26. Les Petits Bollandistes, op. cit. p. 442.
27. J. P. Kirsch, op. cit.
28. Cfr. J.P. Kirsch, op. cit.
29. The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition, Fathers, Clement of Rome, Letter to the Corinthians, cap. 5.
30. J.P. Kirsch, op. cit.
31. Id. Ib.
32. Id. ib.
33. G. Glez, op. cit. col. 248.
Legendas:
- Crucifixão de São Pedro – Caravaggio (1571–1610). Basílica de Santa Maria do Povo, Roma.
- Sepulcro de São Pedro, no Vaticano.