NO 50° ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO BOLCHEVISTA
(continuação)
destruição. Negar o caráter positivo dessa ação contrária ao comunismo é o mesmo que negar o conteúdo positivo da atuação de um exército que repele a invasão inimiga, dos bombeiros que extinguem um incêndio, dos médicos que lutam contra alguma epidemia, etc.
Uma sociedade como a TFP, que realiza uma considerável obra positiva de formação cívica da opinião pública, e de assistência à juventude moral e materialmente necessitada, pode — mais do que muitas outras entidades — afirmar a legitimidade e necessidade do anticomunismo.
Tal afirmação, a TFP pode fazê-la sem temor de ser alcunhada de fascista ou nazista. Pois se tornou notório, durante o apogeu nazi-fascista, o combate sem tréguas que aqueles de seus diretores, que então tinham ação na vida pública conduziram dentro dos meios católicos contra o totalitarismo vermelho ou pardo, através do prestigioso hebdomadário paulistano "Legionário".
Homenagem aos heróis do anticomunismo
Isto dito, compreende-se que uma palavra de homenagem comovida se profira aqui em memória de quantos, nestes cinqüenta anos, derramaram seu sangue levantando bem alto o pendão da luta anticomunista. Formam eles um longo, glorioso e trágico cortejo que começou com os valorosos russos brancos e se veio desdobrando através de vários povos e continentes. Nele notamos com especial emoção os "cristeros" mexicanos, os "requetés" da guerra civil espanhola, e os heróis da insurreição húngara de 1956.
Também desejamos mencionar todas as vítimas que, nos campos de concentração, bem como nas várias prisões comunistas, desde a patibular Lubianka de Moscou, até a sinistra La Cabaña cubana, morreram, ou sofrem e agonizam no momento, por sua indômita recusa em aceitar o marxismo.
Prestamos especial homenagem a todos quantos pelo mundo vão sofrendo a difamação e campanha de silêncio, a perseguição econômica e outras formas de pressão moral com que o comunismo alveja os que se lhe opõem.
Uma figura há — vítima dos maiores tormentos morais e físicos — que simboliza de modo inigualável, nestes dias, a luta de todos esses heróis. É um Príncipe da Igreja que, por sua afirmatividade, seu desassombro, seu heroísmo de mártir autêntico, plenamente merece a púrpura que o exorna: Sua Eminência o Cardeal Mindszenty, Arcebispo de Esztergom e Primaz da Hungria, cujo nome é pronunciado com veneração e com indizível afeto por todos aqueles em cujo peito ainda vive autenticamente a fé.
O fracasso mundial do proselitismo comunista
Enganar-se-ia quem supusesse que os sacrifícios de todos esses bravos têm sido inúteis.
O comunismo se encontra, é certo, em um apogeu. Domina um dos mais extensos impérios da História: desde o Elba até o Pacífico, desde o Pólo Norte até o Vietnã. A êste império há que acrescentar os diversos "enclaves" vermelhos na própria Ásia, na África e na América.
Entretanto, a História deixa bem claro que tal império de nenhum modo foi formado pela persuasão ideológica ou pelo livre assentimento dos povos que o integram. Nasceu ele da força brutal, do maquiavelismo político, da fraqueza quando não da cumplicidade de elementos instalados em posições de cúpula das próprias nações cuja missão é conter a expansão do comunismo.
Dado que êste é principalmente uma seita, e que enquanto tal visa convencer toda a humanidade do acerto de suas doutrinas, constitui para ele um fracasso iniludível o fato de que suas vitórias hajam sido sistematicamente filhas da violência, da traição e da imprevidência, e não da persuasão.
O manifesto comunista de Karl Marx foi lançado em 1848. Durante cento e vinte anos, portanto, o comunismo vem conclamando as massas para o confisco, para o morticínio e para a impiedade. Nesta faina lhe têm sobrado os meios de propaganda: dinheiro fácil, agentes numerosos, técnicas de intimidação e confusão requintadas. Entretanto, nem uma só vez conseguiu ele apossar-se do governo pelo sufrágio popular. Nos próprios países em que chegou a arrebatar o poder não lhe foi possível até agora persuadir e menos ainda entusiasmar as multidões. Os seus déspotas só logram governar apoiados na opressão, na força e na espionagem policial. O "paraíso" vermelho parece tão atraente aos que nele habitam, que para evitar evasões em massa é mister fechá-lo como uma prisão.
É patente que o marxismo perdeu nestes cem anos a batalha pela conquista da opinião mundial. Se disto mais alguma prova fosse necessária, dá-la-ia o repetido insucesso das guerrilhas que ele vem ateando com insistência em diversos países da América Latina. Lançadas habitualmente com sobejos recursos materiais e técnicos, acabam por se extinguir como uma chama à qual falta o ar. Por quê? Sabe-se que nenhuma guerrilha é capaz de prolongar-se muito, sem o apoio das populações. E as guerrilhas comunistas têm definhado e morrido porque jamais obtiveram a simpatia dos honrados trabalhadores a que visam "libertar".
Cada vez mais — em conseqüência — o comunismo, para progredir, precisa disfarçar-se e diluir-se em "frentes comuns", "terceiras-forças", movimentos democrático-socialistas de rótulo cristão ou não cristão. De tal maneira ele se sabe indigesto para o paladar de toda a humanidade quando se apresenta com seu sabor próprio.
E mesmo esses numerosos disfarces se vão desacreditando um a um. Disto dá provas em nosso País o calor com que importantes e dinâmicos setores da juventude, fechando o ouvido aos apelos esquerdistas do filocomunismo, confluem para as fileiras sempre mais numerosas e mais entusiásticas da TFP.
Este fracasso se deve à inteligência, à ação e à efusão do sangue dos que nestes últimos cem anos têm lutado por toda a face da terra contra o marxismo. A efusão do sangue tem, entretanto, sua glória própria. Rendamos um preito especial aos heróis incontáveis que tombaram, e cujo nome está escrito no Livro da Vida.
O dissídio sino-russo o "aggiornamento" soviético: fundas suspeitas
Uma panoramização atualizada da situação do comunismo no mundo, por mais sumária que seja, não pode abstrair do problema que preocupa incontáveis espíritos sérios: até que ponto é profunda, consistente e durável a animosidade recíproca, alardeada por Moscou e Pequim?
Na raiz da divisão entre os dois "grandes" do comunismo, se apontam divergências de interesses econômicos e políticos. Tais divergências são difíceis de verificar por um observador ocidental, não só em razão da distância geográfica, como da carência de informações. Com efeito, sendo a China vermelha e a União Soviética países estritamente ditatoriais, nos quais todas as informações são de fonte oficial e, portanto, dadas em proveito próprio, e acrescendo que a liberdade de movimentos e de investigação dos observadores para além da cortina de ferro e da cortina de bambu é muito escassa, o material informativo sobre a fricção dos interesses de ambas as nações é de pouca valia.
Principalmente, é difícil saber de que peso essa fricção é na fixação dos rumos políticos do mundo comunista em face do mundo livre. Em outros termos, se em determinado momento se abrir para o Cremlin a possibilidade de jogar uma cartada internacional que lhe assegure algum enorme progresso em detrimento do Ocidente, até que ponto poderá ele contar — apesar do presente dissídio — com a solidariedade de Pequim? Caso essa cartada importe numa mais acentuada superioridade de forças da União Soviética, estará a China vermelha disposta a aceitar tal conseqüência, para o bem da expansão do comunismo? Mutatis mutandis, pergunta análoga se poderia fazer quanto à atitude da Rússia numa eventual cartada jogada pela China contra alguma nação livre da Ásia ou da Oceania.
Como é bem de ver, esta problemática domina todo o assunto. É ela de índole essencialmente ideológica, pois importa em saber se a fidelidade dos governantes atuais das duas grandes potências do comunismo à causa da expansão mundial deste último é bastante forte para os impelir à imolação dos respectivos interesses nacionais ou pessoais.
Muitas pessoas pensam encontrar elementos seguros para a solução deste problema no que parece estar ocorrendo na Rússia. A julgar por notícias vindas desse país, dir-se-ia com efeito que algo de novo ali começou a existir. Um surto ideológico à maneira de um "aggiornamento" (tomada a expressão em seu sentido etimológico) se iria operando nos arraiais mais conscientes e lúcidos do comunismo russo, o que faria esperar para a URSS um movimento análogo ao que foi o de Termidor na fase de liquidação final da Revolução Francesa. Esse "aggiornamento", inspirado pelo desejo da paz e pelo manifesto absurdo de algumas conseqüências extremas do marxismo, conduziria ao relaxamento na coerência ideológica do Partido, a uma liberalização política interna em face das tendências oposicionistas, e por fim a uma distensão nas relações diplomáticas com o mundo livre.
Segundo consta, o sopro de neotermidorismo se estaria fazendo sentir especialmente entre os comunistas descontentes. E seria tão forte, que mesmo nos setores governamentais e nas esferas dirigentes do PCUS estaria ele determinando uma ou outra profunda mudança de orientação.
Todas estas notícias se situam no campo político. E em política é preciso saber desconfiar. Assim, cabe a pergunta: até que ponto é autêntico esse conjunto de constas? Qual a verdadeira força desse "aggiornamento" no marxismo? Crepita ele contra as intenções dos supremos dirigentes do Partido e do governo? Ou pode ser comparado a uma mecha de fogo cuja graduação, dependente inteiramente dos desígnios do Cremlin, se acha agora em ponto algum tanto alto, só para facilitar um jogo internacional deste?
Sim, um jogo gigantesco. Considerados os efeitos que têm produzido no Ocidente essas versões difundidas por todas as esferas filo-soviéticas, e acolhidas benevolamente em desavisados ambientes não comunistas, vê-se que a União Soviética alcançou com elas em breve tempo resultados superiores às expectativas mais otimistas.
Se não fosse, por exemplo, a crença numa profunda "evolução" interna na Rússia, de Gaulle não teria desenvolvido uma política exterior que importou em criar um sensível mal-estar no Ocidente e acarretou uma diminuição de eficácia da NATO. Se dividir é a condição preliminar para imperar, é o caso de dizer que os rumores de um degelo ideológico na URSS alcançaram para esta última um precioso resultado. Pois lançaram uma não pequena medida de confusão e divisão na opinião pública de aquém da cortina de ferro e de bambu.
Estas considerações são bastantes para que não se entreguem a um otimismo irrefletido, precipitado e possivelmente suicida os elementos responsáveis do mundo livre. E para que não baseiem toda a sua conduta em versões mal controladas, a respeito de fatos aliás instáveis por sua própria natureza.
Mas, dir-se-á, esta atitude de vigilância não põe em risco a paz?
A paz é certamente um bem inestimável. Não há sacrifício lícito que não se deva fazer em prol dela. Um destes sacrifícios consiste em manter diante das potências comunistas uma vigilância penetrante e calma. Tal vigilância fica a meio termo entre os dois extremos que com- prometem a paz: a agressividade e a indolência. Ora, tal vigilância, é preciso recomendá-la mais do que nunca, no que concerne a um eventual degelo na Rússia. E se desse degelo se deve desconfiar, também cumpre não confiar na consistência do espalhafatoso antagonismo entre Moscou e Pequim. Pois, como vimos, o degelo ideológico dos soviéticos seria o fator mais ponderável do antagonismo sino-russo.
Causa por isto alguma surpresa que certos círculos de responsabilidade em diversos países tenham continuado a deitar toda a confiança no dissídio China-Rússia, depois de haverem presenciado a colaboração política das duas potências em favor do Egito contra Israel. E que continuem a crer sem sombra de dúvida nas intenções pacíficas dos atuais dirigentes soviéticos, apesar de haverem sido noticiados nos últimos dias quatro fatos bem próprios a despertar as mais fundas apreensões:
1 — as despesas militares da Rússia para o próximo ano terão um aumento de 3 trilhões e oitocentos bilhões de cruzeiros velhos, atingindo um total de 50 trilhões de cruzeiros velhos;
2 — o poder defensivo antimíssil da URSS está sendo consideravelmente acrescido;
3 — a URSS está passando, em matéria de mísseis, de uma posição meramente defensiva, para uma posição ofensiva, e equipa submarinos capazes de bombardear com esses engenhos qualquer litoral da Europa, América ou outro continente;
4 — uma poderosa esquadra de guerra soviética se introduziu no Mediterrâneo, e pode a todo momento atacar qualquer nação do sul da Europa.
É fácil de ver quanto importa, à vista de tais fatos, não dar crédito fácil à autenticidade, à consistência e à durabilidade do "aggiornamento" russo e do correlato dissídio entre Moscou e Pequim.
Uma das mais trágicas injustiças da História: as nações cativas
Um balanço dos reflexos do fenômeno comunista no mundo contemporâneo não poderia deixar de incluir uma referência dorida a uma das maiores injustiças de toda a história da humanidade.
Enquanto um vento de anticolonialismo sopra pela África e pela Ásia, e uma sensibilidade anticolonialista por vezes exacerbada se indigna com qualquer vestígio de colonialismo em qualquer parte do mundo, uma oprobriosa campanha de silêncio procura fazer esquecer que o colonialismo mais reprovável mantém cravadas as suas garras em numerosos povos dignos, por vários títulos, de sorte bem diversa.
Com efeito, a dominação vermelha, alcançada pelo maquiavelismo e baseada na força, conserva sujeitos a um jugo injusto e a um regime social e econômico desumano, antinatural e nefasto, povos na maior parte ilustres por seu papel na cristandade, pelo valor de sua cultura, de sua arte e de seu progresso técnico. Mencionemo-los um a um pois, já que cada um tem um título a nosso respeito: albaneses, alemães, armênios, bielo-russos, búlgaros, chineses, coreanos, croatas, cubanos, eslovenos, eslovacos, estonianos, georgianos, húngaros, letos, lituanos, macedônios, mongóis, poloneses, romenos, russos, sérvios, tchecos, tibetanos, ucranianos e vietnamitas.
Esse gênero de dominação tem todas as agravantes. Representa a sujeição do cristão ao ateu, do homem probo ao regime ímprobo, do homem civilizado à barbárie marxista. Importa na sujeição de povos estuantes de vitalidade e de possibilidades de progresso, a uma tirania onímoda, que os paralisa e que os asfixia, e em cujas garras se debatem em vão, sujeitos como estão a déspotas que não têm recuado diante de práticas genocidas, de perseguições religiosas e raciais, e de deportações em massa, — muito semelhantes, note-se, às do nazismo.
Não é só o crime que constitui uma vergonha, mas também a indiferença ante ele, a placidez do espectador que, sentindo-se a coberto do risco, não quer assumir o duro ônus da defesa da vítima. Desta vergonha participam no mundo livre consideráveis setores de egoístas, quando não de simpatizantes do agressor. Não somos destes, e não queremos ser daqueles.
A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade não pode deixar que transcorra o ominoso cinquentenário da revolução bolchevista, sem que — em meio a tantos silêncios deploráveis — levante contra esse colonialismo sua voz, a qual vai alcançando sempre maior ressonância na América Latina como em diversos ambientes da Europa e da América do Norte.
Esse protesto vai acompanhado de uma expressão de profunda solidariedade com o sofrimento de todos os povos de além da cortina de ferro e da cortina de bambu, e de uma saudação fraterna aos refugiados de tantas nações mártires legitimamente saudosos da pátria em que deixaram o melhor do seu coração.
Pelo Brasil
O infortúnio do próximo nos leva a erguer ao Altíssimo nossa ação de graças pelo fato de ter nosso País escapado ao gravíssimo perigo comunista, de que o libertou o benemérito movimento de 31 de março.
O comunismo continua a ser um perigo no Brasil. Mas importa saber com precisão no que consiste a força deste perigo.
No auge da crise janguista, bem claro se tornou em que setores sociais mais intensa — ou melhor diríamos mais agressiva — é a fermentação vermelha.
Com efeito, enquanto as camadas populares de tal maneira faziam ouvidos moucos à demagogia, que chegou a se queixar delas o Presidente em discurso proferido na antevéspera de sua queda, era em certos círculos (aliás minoritários) da burguesia que o janguismo tinha seu verdadeiro dispositivo de base: a "inteligenzia" comunista ou comunistizante, o esquerdismo demo-cristão e as "terceiras-forças" de todo naipe. Nestes ambientes é que o comunismo também poderá encontrar a todo momento os adeptos fanáticos, os cúmplices e os inocentes-úteis com que tentar alguma aventura no Brasil. Aventura tanto mais aliciante quanto constitui a única perspectiva de vitória para quem, como os agentes de Moscou e de Pequim, fracassou no intento de inocular nas massas a sua doutrina; para quem — como os déspotas soviéticos ou chineses — ao espírito aventureiro, servido pela violência e pelo maquiavelismo, deve vários de seus êxitos mais espetaculares.
Sintomático do fato de que a altura_imgualidade de um esquerdismo agressivo, ou até por vezes de um prurido comunista indisfarçável, é maior em certos círculos burgueses do que nas massas, é o que ocorre com os abnegados militantes da Tradição, Família e Propriedade que oferecem à venda em logradouros públicos obras anticomunistas. Nos bairros habitados pelas camadas mais modestas, inclusive o operariado, são recebidos com urbanidade e simpatia tão gerais, que é raro serem alvo de algum protesto. Nos bairros preferidos pelas camadas mais elevadas, pelo contrário se bem que a atitude da grande maioria seja também cortês, simpática e não raro até entusiástica — são sensivelmente mais freqüentes os protestos de sentido esquerdista e mesmo comunista. Destes protestos, vários vêm de donos de carros que diminuem a marcha para lançar brados esquerdistas aos nossos militantes, e logo a seguir corajosamente disparam, a toda a velocidade. Assim procedem, por exemplo, alguns tantos ocupantes de automóveis de alto preço...
A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade está bem certa de que, não só pela presença pessoal como em espírito, serão incontáveis os brasileiros que se associarão no dia 5 às Missas que, em doze unidades da Federação, ela fará celebrar na intenção de que, vencidos os indeslindáveis e vigorosos dispositivos de difusão comunista, dissipada a simpatia, a ingenuidade e a displicência que diante do comunismo em certos círculos existe, a Terra de Santa Cruz nunca deixe de ser um País de civilização cristã, fiel ao seu passado e cada vez mais próspero e poderoso ao longo do seu porvir.
São Paulo, 1.° de novembro de 1967
O CONSELHO NACIONAL
Plinio Corrêa de Oliveira
Presidente
Fernando Furquim de Almeida
Vice-Presidente
Eduardo de Barros Brotero
1.° Secretário
Caio Vidigal Xavier da Silveira
2.° Secretário
(Seguem-se as assinaturas dos demais membros do Conselho).
Uma Santa que morou no Brasil
Madre Cabrini atravessou vinte vezes o Atlântico e foi uma alma contemplativa
Luiz Sérgio Solimeo
O Brasil, imenso país de sólida tradição católica, ainda não teve a felicidade de ver um de seus filhos — quer de nascimento, quer adotivo — elevado à glória dos altares. É certo que também em nossa terra tem havido virgens prudentes, mães de família semelhantes à mulher forte da Escritura, varões intrépidos na fé. Basta lembrar, num halo de carinho e veneração, as figuras do Padre Anchieta, de Frei Galvão, da Madre Voiron, ou do incomparável Dom Vital. Esperemos, pois, com confiança que o pronunciamento da Igreja venha em breve satisfazer nosso desejo de ver um brasileiro no catálogo dos Santos.
Se tal honra, entretanto, ainda não nos foi dada, podemo-nos alegrar com a passagem pelo Brasil de pelo menos dois Santos canonizados: São João de Brito e Santa Francisca Xavier Cabrini. Por um ano, de 1908 a 1909, permaneceu esta última entre nós, exercendo fecunda atividade em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sobre a então Capital do país escreveu a Serva de Deus, depois de lá ter estado de passagem, em 1901: "O Rio de Janeiro é realmente belo! Gosto de seus montes sorridentes, suas espaçosas quadras e belos jardins" ("Travels of Mother Frances Xavier Cabrini", The Missionary Sisters of the Sacred Heart of Jesus, Chicago, 1955, p. 214). Mais tarde, em sua estadia no Rio, teve que enfrentar uma epidemia, de varíola, na qual pereceram duas de suas religiosas. Não esmoreceu, todavia, a Santa, e fundou uma escola na Praia do Flamengo e um colégio na mata da Tijuca. O Cardeal Arcoverde presidiu à inauguração do primeiro estabelecimento, em 25 de junho de 1908.
Em São Paulo já havia um colégio fundado por Freiras enviadas pela Madre Cabrini quando de sua permanência em Buenos Aires, alguns anos antes. Conta-se que nessa casa muitas vezes ia ela à cozinha ensinar a Irmã cozinheira (que ainda vive) a fazer a tradicional polenta. Admirável simplicidade de uma Santa já então famosa em todo o mundo.
Na oportunidade da festa litúrgica de Santa Francisca Xavier Cabrini — que ocorre a 13 de novembro — neste ano que é o qüinquagésimo de sua bem-aventurada morte, "Catolicismo" se alegra em recordar a figura, ao mesmo tempo delicada e varonil, da Fundadora das Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus.
*
Nascida nas tranqüilas planícies lombardas, em Santangelo, próximo de Lodi, em 1850, a Madre Cabrini desde cedo ouviu aquela voz de Deus que pergunta: "Quem enviaremos Nós?", e como o Profeta respondeu: "Aqui me tendes, enviai-me a mim" (Is. 6, 8). Renunciando assim à tranqüilidade de uma vida comum, essa alma ardente deu-se por inteiro ao ideal missionário. Fundou uma Congregação religiosa, atravessou vinte vezes o Oceano, galgou picos nevados, cortou desertos, e fez de dois continentes seu campo de ação para a glória de Deus.
O que impressiona singularmente nesta grande mulher de corpo débil, recusada por várias Famílias religiosas por causa de sua saúde delicada, é a rapidez com que seu zelo a impulsiona a agir. Atravessa o Atlântico, passa oito semanas em Nova York, funda ali um asilo e uma escola, volta para a Itália, leva a bom termo mais algumas fundações na península, e poucos meses depois já se encontra novamente na América.
Cognominada a Mãe dos Emigrantes, mereceu sobejamente o título. Embora seu maior desejo, desde a infância, fosse demandar terras pagãs, sua atividade apostólica esteve centrada sobre esta porção tão desprotegida e ameaçada do rebanho de Cristo. Sobretudo nos Estados Unidos, país protestante e anglo-saxão, os italianos que vinham buscar trabalho em terra estranha, eram olhados com desconfiança e desprezo, chamados pejorativamente de "white nigers"; ao mesmo tempo, por não entenderem senão muito mal a língua, ficavam em desolador abandono espiritual. Depois, longe do meio em que haviam sido criados, tendo que lutar arduamente para conseguir o sustento, influenciados por um ambiente hostil a tudo que era católico, facilmente deixavam as práticas religiosas. Para fazer face a esta grave situação, o Bispo de Placência, Monsenhor Scalabrini, fundou os Missionários de São Carlos Borromeu, que partiam para a América acompanhando os emigrantes. Foi a convite deste santo Prelado que a Madre Cabrini abriu, em 1889, o primeiro asilo de sua Congregação para filhos de italianos na América.
A partir de então, fez 27 viagens por mar, seguiu seus compatriotas por todo o interior dos Estados Unidos, fazendo fundações de Nova York a Seattle, no extremo norte do país (sem esquecer as minas do Colorado, beneficiadas com um colégio em Denver) abrindo colégios e hospitais em Chicago e Nova Orleans; veio até a Argentina e o Brasil, outros importantes centros de imigração; e percorreu Paris e Londres recolhendo os italianinhos pobres que perambulavam pelas ruas das duas grandes capitais, para onde se havia dirigido em primeiro lugar a emigração peninsular.
Além das iniciativas destinadas sobretudo ao bem espiritual dos italianos que se expatriavam, Santa Francisca fundou um colégio em Madrid, a convite da Rainha da Espanha, e outro na Nicarágua, atendendo à sugestão de uma senhora nicaragüense que encontrou em uma de suas viagens.
Esta atividade fecundíssima, de uma intensidade e rapidez estonteantes, nascia de uma única fonte — a santidade. Nos primeiros tempos da Congregação, quando falava às noviças, muitas vezes era arrebatada de tal modo pelo amor de Deus, que saía a correr pelo convento, precisamente como se lê na história de grandes místicas do passado.
Sua vida espiritual tinha como centro o enlevo pela Sagrada Eucaristia, pelo Sagrado Coração de Jesus e pela Santíssima Virgem. Nas notas que escrevia durante suas viagens, para as noviças do colégio de Roma, pode-se ler trechos de uma beleza mística — e de um vigor varonil — sobre estas devoções.
Observa ela a respeito do Coração de Jesus: "Se refletirmos bem, para nós não há distâncias: as Missionárias do Sagrado Coração de Jesus participam da imensidade deste Divino Coração que abrasa tudo, congrega tudo, anima tudo, une tudo em Si mesmo. É Ele que nos sustenta nestas separações temporárias, que nos faz ter parte em sua Força, que nos comunica toda a graça. Ele é o nosso verdadeiro tesouro; amai-O com todo o vosso coração, servi-O cheias de fé, encorajai todas as almas a se desapegarem de todas as criaturas, de todas as coisas, inclusive de si mesmas, para terem o verdadeiro amor dEle, que é uma antecipação do Céu" ("Travels...", p. 1). E em outro trecho: "Santa Margarida Maria A Lacoque viu belamente gravados no Sagrado Coração de Jesus os nomes daqueles que procurariam torná-Lo conhecido, e o Divino Coração fez-lhe ver que estes nomes nunca poderiam ser riscados. O fogo de seu amor é grande e deseja comunicar-se, e aqueles que diligenciam em fazê-Lo amado são particularmente amados e premiados com graças especiais" ("Travels ...", p. 41).
Sobre Nossa Senhora, as considerações da Santa são autênticos poemas, e lembram, por seu estilo abrasado e pela doutrina vigorosa que supõem, um São Bernardo ou um São Luís Grignion de Montfort.
"Oh! quão boa e amável — escreve ela — é Maria! Ela é a propícia Estrela da Manhã, a inspiradora e guia de todas as nossas empresas, e por esta razão as Missionárias do Sagrado Coração não devem temer nada. Nossa grande Mãe e Fundadora está perto de Deus, unida a Deus. Oh, a grandeza de Maria! Ela foi constituída a fonte de todas as graças, o seguro canal da Misericórdia de Deus, a escada do Céu, a porta do Paraíso. Maria, ó filhas, é essa mística montanha santa, adornada pelo Espírito Santo e de cujo cume jorra uma fonte de água límpida, dividida em infinitos canais que irrigam todo o mundo. Portanto, nossas casas, nossos trabalhos estão absolutamente seguros na mão de Maria enquanto nós tivermos sua fé, invocarmos e imitarmos suas virtudes, como verdadeiras Missionárias que queremos ser. Se quiserdes converter o mundo inteiro, invocai Maria, porque Ela é a nuvem resplandecente vista pelo Profeta Elias, elevando-se sobre o mar é gradualmente dominando todo o céu, precipitando-se por fim em chuva abundante sobre toda a terra, alcançando mesmo os habitantes das partes mais remotas do globo. Sim, podeis fazer tudo com Maria. Ela extirpa todas as heresias, erradica todos os cismas e destrói todos os ídolos. Ela causa por todo o mundo o triunfo de nossa Santa Fé e incrementa e amplia o Redil de Cristo, que estas místicas águas irrigam e fazem frutificar. Confiai tudo a Ela; mais, fazei tudo sob seus auspícios e não A deixeis nem por um momento. invocai-A sempre e Ela purificará vossos corações, fazendo-os dignos de vossa alta vocação" ("Travels. ..", p. 153).
Diante de uma terrível tempestade no mar das Caraíbas, Santa Francisca Xavier volta-se com confiança para a Virgem Santíssima:
"Durante esse tempo, fiquei rezando a Nossa Senhora do Santo Rosário, em cujo mês nós viajávamos. Acendi também a vela de Nossa Senhora de Loreto, tão eficaz contra as tempestades no mar, e nossa Santa Mãe veio realmente em nossa ajuda, livrando-nos do extremo perigo que nos cercava.
Oh, quão boa é Maria! quão doce e amável! Toda a terra está cheia de sua bondade. Todos séculos têm testemunhado as maravilhosas e misericordiosas obras de suas santas mãos. Não temos nós freqüentemente a experiência evidente de como Ela nos ama e nos protege? Como uma Mãe cheia de compaixão para com cada uma de nós, Ela se apieda daquelas que a invocamos com fé. Oh! que felicidade sermos filhas de uma tal Mãe!" ("Travels . . .", p. 38).
Durante suas numerosas viagens por mar, o que mais lhe pesava era a falta da comunhão. Quando o navio chegava a algum porto, a Madre apressava-se a descer e procurar comungar. Certa vez, no Panamá, chegou a fazer uma longa viagem de barco (o porto era distante da cidade) para receber a Eucaristia.
"Cada dia, escreve ela esperançada, temos percorrido de 387 a 403 milhas e, portanto, amanhã à noite estamos certas de chegar ao Havre. Que alegria sentimos com a idéia de poder no próximo domingo cumprir o preceito assistindo a Santa Missa, e receber a Sagrada Comunhão em ação de graças pela boa viagem, e para obter sempre maiores graças que nos auxiliem a servir nosso querido Senhor mais fervorosamente e procurar sua maior glória" ("Travels...", p. 19) .
"Sonhei que recebia a Sagrada Comunhão. É impossível recebê-la aqui no mar, e hoje, especialmente, senti muito, porque ouvi dizer ontem (para meu grande desprazer) que haverá um serviço religioso feito por um ministro protestante. Mas, graças a Deus, já é quase meio-dia e ninguém fez menção de tal" ("Travels...", p. 15).
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A Madre venerava profundamente os Santos, modelos propostos pela Igreja para nossa imitação e poderosos intercessores junto de Deus por nós. É a bela relação que há entre a Igreja, Militante, Padecente e Triunfante. Freqüentemente recorria a eles e os apresentava como exemplo a suas Religiosas. Refere ela a propósito de uma outra tempestade: "Rezamos também a São Luís para que enviasse os Anjos do Céu para salvar-nos dos perigos iminentes, e ele, tendo compaixão de nós que colocamos todas as nossas obras em honra de seu centenário, mandou-nos imediatamente ajuda e agora temos um mar quieto, calmo e suave. Ontem o mar se parecia com uma alma agitada pelo remorso e soberba e que nunca encontra a paz com Deus" ("Travels..." p. 38).
A festa de Santa Margarida Maria desperta