Pergunta — Quero perguntar a
diferença entre orar e rezar, já que o
dicionário Aurélio fala que são sinônimos.
Porém, ao celebrar a Santa Missa, o Padre às vezes fala
oremos e outras vezes rezemos. Os protestantes falam
que devemos orar e não rezar... E que, segundo a
Bíblia, não devemos orar repetidas vezes, e por
isso eles condenam o Terço.
Cônego JOSÉ LUIZ VILLAC
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Resposta — Como já
diz a consulente e o atestam os dicionários, orar e
rezar são sinônimos. A Liturgia da Santa Igreja —
cuja língua materna é o latim — emprega em
diversas circunstâncias o oremus, que se traduz em
vernáculo por oremos ou rezemos, posto que são
sinônimos.
Orar vem do latim orare; e rezar,
do latim recitare, que também deu em português
recitar. Já em latim, os verbos orare e recitare
têm sentidos muito próximos: o primeiro significa
“pronunciar uma fórmula ritual, uma oração,
uma defesa em juízo”; o segundo, “ler em voz
alta e clara” (portanto, o mesmo que em português
recitar). Entretanto, para orare prevaleceu na
latinidade e nas línguas românicas o sentido de rezar,
isto é, dizer ou fazer uma oração ou súplica
religiosa (cfr. A. Ernout–A. Meillet, Dictionnaire
étymologique de la langue latine — Histoire des mots,
Klincksieck, Paris, 4ª ed., 1979, p. 469).
Nós, católicos, damos ao verbo rezar
um sentido bastante amplo e genérico, e reservamos a
palavra oração mais especialmente — mas não
exclusivamente — para os diversos gêneros de oração
mental, como a meditação, a contemplação
etc. Não há razão, portanto, para fazer dessa
ligeira diferença, comum nos sinônimos, um tema de
disputas.
Os protestantes, entretanto, salientam a diferença
por dois motivos. Primeiro, porque para eles serve de senha.
Com efeito, acentuando arbitrariamente essa pequena diferença
de matiz entre as palavras, eles utilizam orar em vez de
rezar, e assim imediatamente se identificam como crentes
(como diziam até há pouco) ou evangélicos
(como preferem dizer agora). Isso tem a vantagem, para eles, de
detectar entre os circunstantes os outros protestantes que ali
estejam. É um expediente ao qual recorrem todas as seitas
dotadas de um forte desejo de expansão, como é o caso
dos protestantes no Brasil.
Por outro
lado, a oração, para os protestantes, não tem o
mesmo alcance que para nós, católicos. Enquanto para
nós o termo oração engloba todos os
gêneros de oração — desde a oração
de petição até as orações de
louvor e glorificação de Deus — os protestantes
esvaziam a necessidade da oração de petição,
que para eles tem pouco ou nenhum sentido. Com efeito, como nós,
católicos, sabemos, a vida nesta Terra é uma luta
árdua, em que devemos pedir a Deus em primeiro lugar os bens
eternos, e depois os bens terrenos de que temos necessidade. É
o que ensinou Nosso Senhor Jesus Cristo.
Do ponto de vista católico, o termo oração engloba todos os gêneros de oração, desde a de petição até as orações de louvor e glorificação de Deus
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A errônea doutrina protestante
Para os protestantes, não é preciso
pedir os bens eternos, porque eles defendem erroneamente que a
salvação depende exclusivamente de Deus, sem nenhuma
necessidade da cooperação do homem. Segundo doutrina de
muitas seitas protestantes, Deus já elaborou, desde toda a
eternidade, duas listas: a lista boa, dos que irão para o Céu;
e a lista negra, dos que irão para o inferno. Assim, quem está
numa lista nada pode fazer para mudar de lista. Se está na
lista boa, pode pecar à vontade, porque será salvo; e
quem estiver na lista ruim pode rezar e fazer toda a penitência
e as boas obras que quiser, que nada lhe adiantarão, pois já
está condenado. Assim, a oração de petição,
para eles, não tem nenhum sentido, nenhuma eficácia
para a obtenção da vida eterna. Porque tanto a salvação
como a condenação já estão
predeterminadas desde toda a eternidade. Nestas condições,
a única oração que tem algum sentido é a
oração de louvor, glorificação de Deus e
ação de graças. Pela escolha gratuita que Deus
teria feito, de nos incluir na lista boa... Por isso, uma vez que
entre nós, brasileiros, a palavra rezar, embora tenha
um sentido abrangente e amplo, conforme foi explicado no início
do artigo, remete mais à idéia de oração
de petição, os protestantes preferem dizer orar,
porque têm em vista preponderantemente a oração
gratulatória (de ação de graças) e
doxológica (de louvor e glória a Deus).
Quanto aos bens desta vida, tampouco tem muito
sentido, para eles, a oração de petição.
Pois, segundo a doutrina protestante, se temos fé —
indício de que estaríamos na lista dos predestinados —
Deus nos premia também com o sucesso na vida terrena. Não
cabe refutar aqui essa falsa doutrina. Nossa intenção é
apenas apontar a errônea — e, aliás, monstruosa —
concepção teológica que está por trás
de uma opção lingüística aparentemente
inócua.
O próprio Jesus Cristo Nosso Senhor deu o exemplo de uma oração longa e repetitiva no Horto das Oliveiras
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É louvável persistir no pedido
Para sustentar que “não devemos orar
repetidas vezes”, os protestantes, como diz a missivista,
apelam para a Bíblia. Provavelmente se referem ao Evangelho de
São Mateus (6,7): “Nas vossas orações,
não queirais usar muitas palavras, como os pagãos, pois
julgam que, pelo seu muito falar, serão ouvidos”.
A interpretação deste texto de São
Mateus não é entretanto a que os protestantes lhe dão.
Ele significa simplesmente que a eficácia da oração
não decorre da loquacidade, mas sobretudo das boas disposições
do coração. As disposições sendo boas, em
princípio, quanto mais se reza, melhor! E o próprio
Jesus Cristo Nosso Senhor deu o exemplo de uma oração
longa e repetitiva no Horto das Oliveiras, quando, prostrado com o
rosto em terra, rezou por mais de uma hora, dizendo: Pai, se é
possível, afaste-se de mim este cálice; mas não
se faça a minha vontade, e sim a vossa (cfr. Mt 26, 39-44;
Lc 22, 41-45).
Quanto à necessidade da insistência na
oração, no Evangelho de São Lucas (11, 5-8) se
lê a impressionante lição do Divino Mestre: “Se
algum de vós tiver um amigo, e for ter com ele à
meia-noite, e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães,
porque um meu amigo acaba de chegar a minha casa de viagem, e não
tenho nada que lhe dar; e ele, respondendo lá de dentro,
disser: Não me sejas importuno, a porta já está
fechada, e os meus filhos estão deitados comigo; não me
posso levantar para te dar coisa alguma. E, se o outro perseverar em
bater, digo-vos que, ainda que ele se não levantasse a
dar-lhos por ser seu amigo, certamente pela sua importunação
se levantará, e lhe dará quantos pães precisar”.
A reiteração de nossos pedidos a
Deus deve pois chegar a esse ponto da importunação,
segundo o conselho do mesmo Nosso Senhor. E por aí se vê
como os protestantes, abandonando a sabedoria da Igreja e
arrogando-se o direito ao livre exame, se afastam da reta
interpretação das Sagradas Escrituras, fazendo ilações
lineares, sem levar em conta outras passagens sobre o mesmo tema, o
que é indispensável para chegar ao verdadeiro sentido
de todas elas.
Importunação do filho que
enternece a mãe
Quanto à negação do valor do
Terço, é mais uma vez o resultado da análise
vesga que caracteriza toda a teologia protestante. O Terço é
composto das mais sublimes orações: o Pai-Nosso, a
Ave-Maria e o Glória ao Pai. Porém não se
restringe à repetição mecânica dessas
orações. Sua concepção é outra:
enquanto os lábios proferem palavras sublimes, a mente se
eleva à contemplação dos principais mistérios
de nossa Fé e o coração se abrasa no amor de
Deus e da Santíssima Virgem. Que exercício de devoção
poderia haver mais precioso do que esse? Por isso os Papas o colocam
logo depois da Santa Missa e do Breviário, para os sacerdotes,
e da recepção dos Sacramentos pelos leigos. O Terço
é uma suave importunação que enternece o Coração
da Mãe de Deus, uma aparente contradição nos
termos — importunação enternecedora! — que
para nós, católicos, não constitui nenhum
embaraço (a Bíblia a explica), mas que não entra
numa cabeça protestante. Dá pena! Sobretudo dá
pena que eles não tenham Nossa Senhora por mãe. É
o que de pior podia lhes acontecer.
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