VERBA TUA MANENT IN AETERNUM
A frequente confissão das faltas veniais
PIO XII: O mesmo sucede com a falsa opinião dos que pretendem que não se deve ter em conta a frequente confissão das faltas veniais, pois que importante é a confissão geral que a Esposa de Cristo, com seus filhos a Ela unidos no Senhor, faz todos os dias por meio dos Sacerdotes, antes de subirem ao altar. É verdade, e vós bem o sabeis, Veneráveis Irmãos, que há muitos modos, e todos muito louváveis, de obter o perdão destas faltas; mas, para progredir mais rapidamente no caminho da virtude, recomendamos vivamente o pio uso, introduzido pela Igreja sob a inspiração do Espírito Santo, da confissão frequente, que aumenta o conhecimento próprio, desenvolve a humildade cristã, desarraiga os maus costumes, combate a negligencia e tibieza espiritual, purifica a consciência, fortifica a vontade, presta-se à direção espiritual, e por virtude do mesmo Sacramento aumenta a graça. Portanto, os que menosprezam e fazem perder a estima da confissão frequente à juventude eclesiástica, saibam que fazem uma coisa contraria ao espírito de Cristo e funestíssima ao Corpo Místico do Salvador. (Encíclica "Mystici Corporis", de 29-VI-1943).
O poder temporal da Igreja
PIO IX: Proposição condenada: "A Igreja não pode empregar a força nem tem nenhum poder temporal direto ou indireto "(27ª prop. do "Syllabus", extraída da Encíclica" Ad Apostolicae", de 22-VIII1851).
A realeza de Cristo no domínio temporal
PIO XI: Errará gravemente quem arrebatasse a Cristo o poder sobre todas as coisas temporais, pois Ele recebeu do Pai um poder absoluto sobre todas as coisas criadas, de modo que tudo está sujeito a seu arbítrio; não obstante, enquanto viveu sobre a terra se absteve completamente de exercitar tal poder; e tal como desprezou então a possessão e o cuidado das coisas humanas, assim permitiu e permite que seus possuidores delas se utilizem (Encíclica "Quas Primas", de 11-XII-1925).
A beleza da Santa Igreja age sobre as almas
LEÃO XIII: Considerada em sua forma e em sua beleza nativa, a Igreja deve ter uma ação muito poderosa sobre as almas; e não se distanciará da verdade quem disser que esse espetáculo pode dissipar a ignorância, retificar as ideias falsas e os preconceitos, sobretudo junto àqueles cujo erro não provem de culpa própria. Ele pode mesmo excitar nos homens o amor à Igreja, um amor semelhante à caridade sob cujo impulso Jesus Cristo escolheu a Igreja como Esposa, resgatando-a com seu Sangue Divino. (Encíclica "Satis Cognitum", de 29-VI-1896).
Não são de Cristo os que não se adestram a sofrer
LEÃO XIII: Toda a vida cristã deve ser resumida neste dever capital: não ceder à corrupção dos costumes do século, mas lhe opor uma resistência constante. É o que o Autor de nossa Fé, Jesus Cristo, proclama em cada uma de suas palavras e ações, por suas leis e instituições, por sua vida e sua morte. Apesar, pois, de sermos arrastados desse teor de vida pela depravação de nossa natureza e de nossos costumes, é nosso dever correr ao combate que nos é proposto animados das mesmas armas que tinha Aquele que "à felicidade que Lhe era proposta, preferiu a Cruz" (Hebr. XII, 1,2). E por isto cumpre que os homens vejam e compreendam, antes de tudo, quanto é contraria à profissão do nome de cristão esta procura, hoje tão comum, dos prazeres de toda natureza, este horror aos trabalhos inseparáveis da virtude, esta tendência a nada negar a si mesmo de quanto, suave e delicadamente, lisonjeia os sentidos. "Os que são de Cristo crucificaram sua carne com seus vícios e concupiscências" (Gal. V, 24), de onde decorre que não pertencem a Jesus Cristo os que não se adentram nem se habituam a sofrer, e que não sabem desprezar os requintes e as delicadezas do prazer (Encíclica "Exeunte jam Anno", de 25-XII1888).
Como deve ser um jornal católico
PIO X: A firmeza nos princípios, a franca profissão de sua Fé, o zelo em defender a verdade e combater o erro, a constância em reivindicar os sagrados direitos da Igreja e do Papado, bem como em difundir os ensinamentos da Sé Apostólica, e sobretudo a dócil observância das diretivas pontifícias, não somente em matéria de doutrina mas também de disciplina e de ação católica, estiveram sempre em singular estima em vosso valoroso jornal, e nunca ele esqueceu esses princípios em tão longo período de tempo: isso é um penhor seguro dos serviços que ele poderá ainda prestar, no futuro, à Igreja e à Sociedade, tendo sempre presente ao espírito a obra luminosa e serena de seus campeões..., tão eminentes na imprensa católica (Carta ao Diretor e colaboradores da "Unità Católica", de Florença, de 15-X-1912).
Louvor dos exercícios espirituais de Sto. Inácio
PIO XI: A elevação de doutrina espiritual, absolutamente alheia aos perigos e erros dum falso misticismo, a admirável adaptação dos Exercícios a qualquer classe e estado de exercitantes, ou se entreguem nos mosteiros à vida contemplativa ou passem ativamente a existência em negócios seculares, a unidade tão harmoniosa das suas partes, a maravilhosa e lúcida ordem com que nas meditações se vão sucedendo umas às outras as verdades; finalmente os documentos espirituais, que, depois de sacudido o jugo do pecado e purificadas as doenças que dominam em nossas ações habituais, levam o homem pelo seguro atalho da abnegação e vitória sobre os maus hábitos até às alturas mais sublimes da oração e do amor divino; tudo isto, sem duvida, mostra de sobejo a força e a eficácia intrínseca do método de Santo Inácio e recomenda abundantemente os seus Exercícios. (Encíclica "Mens Nostra", de 20-XII-1928).
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CORRESPONDÊNCIA
Escreve o Revmo. Padre JULIO MEINVIELLE, insigne pensador e escritor argentino: “... Li com especial interesse "CATOLICISMO" que me pareceu muito bom. O artigo de Pacheco Salles intitulado "Justiça Social" é extraordinário... De completo acordo com o artigo "O Século da guerra, da morte e do pecado".
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Escreve o Revmo. Padre JOSÉ OLIVEIRA, S. J., do Colégio Loyola de Belo Horizonte: "...Não posso traduzir em palavras o prazer intelectual que me proporcionou a leitura daquelas oito paginas de substancioso conteúdo! É puro catolicismo sem medo e sem mancha! Conhecendo, como de longa data conheço, os mentores intelectuais do jornal, tenho a firme convicção de que ele virá prestar um inestimável serviço à Igreja no Brasil, especialmente quanto à divulgação e defesa do pensamento oficial da Igreja. Que se mantenha pois, e progrida cada dia mais, para bem das almas e maior gloria de Deus!"
Escreve o sr. REYNALDO CRUZ, nosso correspondente em Santos, Est. de S. Paulo: ".. .Quero ainda transmitir a V. S. um trecho de carta que, sobre nosso valoroso jornal, recebi do sr. Álvaro Augusto Lopes, brilhante homem de letras, jornalista e critico desta cidade: "Trata-se de uma publicação graficamente bem feita, animada de alto espírito religioso, em cujas páginas, redigidas em linguagem muito clara e muito simples, lateja um sopro ardente de fé. Vazado em tom sereno, mas firme, abordando as questões propostas com intrepidez das verdadeiras convicções, sua leitura se faz com ameno interesse, mercê do alto pensamento que o inspira”.
Escreve-nos "Ultramontano", do Rio de Janeiro: "Li no livro "Historia de uma Família", da autoria de Joseph Piai, O.F.M., as seguintes considerações a respeito da vida de continência perfeita, adotada no inicio da vida de família dos pais de Santa Teresinha:
"Podemos, sem duvida, ver nisso apenas um sonho, com seu que de utopia, junto a uma desconfiança excessiva de tudo o que se refere aos sentimentos, e ir mesmo até à condenação dos sistemas de educação truncada dessa época. Não será, contudo, mais prudente, encarando a maravilha de santidade que veio a nascer de tal união, acentuar a conveniência sobrenatural de tais prelúdios? Para se ver como o egoísmo estava bem longe da sua resolução de manter castidade perfeita, basta notar que eles receberam, nesse tempo, em sua casa, um menino de cinco anos, o qual conservaram durante alguns anos" (pag. 47). E adiante, mostrando que ambos mudaram de orientação, para dar filhos a Deus, diz: "A vida em comum de ambos não era a exploração egoísta do Matrimonio — o que lhes causava horror instintivo, nem uma evasão mística para fora do Matrimonio, tentação subtil a que iam cedendo, mas uma ascensão coletiva no Matrimonio e pelo Matrimonio. Seu amor não era subtilizado, sublimado, refinado, a ponto de parecer desencarnado, mas tinha arroubos de novos, etc. etc." (pag. 153).
Estas considerações causaram em meu espírito certa confusão, e, embora conheça alguns exemplos de Santos que ilustram o caso, pergunto:
a) Pode alguém casar-se com intenção de guardar, com mutuo consentimento, continência perfeita? O fim do Matrimonio não é ter filhos? Para que então casar-se quem tem aquela intenção?
b) Pode o egoísmo conseguir levar alguém à vida de perfeita continência no Matrimonio? Será que, constituindo tal estado de vida uma "evasão mística para fora do Matrimonio", não é logicamente menos perfeito? E acaso será mais adequado ao casamento o amor que não é "subtilizado", nem "sublimado", nem "desencarnado", como somos levados a concluir com a leitura acima?
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R - A questão da continência perfeita no Matrimonio foi posta quando chegou a plenitude do Novo Testamento. É o que afirma Santo Agostinho no seu opúsculo "De bono coniugali":
"Naqueles tempos, diz o Santo referindo-se ao Velho Testamento, quando o mistério de nossa salvação estava ainda velado nos arcanos proféticos, mesmo os que eram continentes antes das núpcias casavam-se levados pelo dever de procriar, e não porque dominados pela concupiscência".
Acontece, no entanto, que no limiar da Nova Lei ergue-se como portal sublime na Nova Ordem Celestial que o Filho de Deus trouxe à terra, a inefável união entre S. José e Maria Santíssima, esses dois modelos de castidade virginal, vinculados, não obstante, num legitimo e verdadeiro matrimonio.
Este fato subentendia o que os teólogos, mais tarde, exprimiram claramente, a saber, que o consentimento matrimonial tem por objeto a obrigação mutua dos cônjuges, e não o uso do matrimonio. Já Hugo de S. Vitor definira o matrimonio: "o consentimento espontâneo e legítimo pelo qual o homem e a mulher se constituem devedores um do outro" (De B. Mariae Virginitate. De Sacramentis). De maneira que pode existir verdadeiro casamento, ainda que jamais venha a ser consumado pela união dos corpos.
Por esse motivo, todos os moralistas admitem a possibilidade de pessoas casadas se obrigarem, por voto, à continência, sem que por isso se dissolva o vinculo matrimonial que as une. Tais pessoas ficam impedidas, sob pecado, do uso do matrimonio, mas continuam usufruindo de todas as graças anexas a este Sacramento.
Compreende bem esta doutrina todo aquele que se capacita do espírito de pureza e castidade de que Jesus Cristo informou a sua Igreja. Tornou-se a pureza e castidade a característica dos verdadeiros sequazes do Divino Salvador. Se a miséria da carne inclina os homens para a vida comum e ordinária, não quer isto dizer que não possam eles se elevar a uma existência mais excelsa, ao ideal mais sublime, ao qual S. Paulo desejava que todos os homens se voltassem (I Cor. 7,7). Mesmo as pessoas que se casam não devem desde logo renunciar a uma semelhança tão grande com o Divino Salvador. Pois, ensina Santo Agostinho: "Aqueles que, pela enfermidade da carne, casaram-se, si depois a venceram, ainda que não lhes seja licito dissolver o vinculo, que livremente puderam criar, e devam conservar-se tais como os tornou a forma do Matrimonio; não obstante, o façam de maneira que, por mutuo consentimento, subam a um grau mais excelso de santidade; ou, se ambos não estão em igual condição, aquele que se elevou atenda apenas ao direito da outra parte, conservando sempre, em todas as cousas, casta e religiosa harmonia" (De Bono Coniugali).
O exposto contem a resposta a nosso consulente. Normalmente as pessoas casam-se para ter filhos. E abençoados são estes lares que povoam a terra, e encaminham os homens para o Céu, mediante a santidade de seu lar, e a educação católica fervorosa de seus filhos. As pessoas que assim procedem estão no caminho da santificação própria. Santificam-se no estado matrimonial, pelo mesmo matrimônio, cujos encargos assumem com a intenção reta de servir a Deus. Não fazem, porem, mal aqueles que, embora casando-se, de mutuo consentimento, levados pela graça de Deus, resolvem conservar continência perfeita. Como a finalidade primaria do casamento é a prole, quem pretende, desde o inicio conservar perfeita continência no matrimonio, deve ter uma razão honesta que justifique semelhante resolução, e seja de ordem sobrenatural para ser meritória.
Seria nada compreender do Cristianismo condenar essa atitude. Entre a primeira e a segunda, aqueles que se resolvem à vida conjugal comum, e aqueles que santificam sua união com a continência perfeita, poderíamos dizer com S. Paulo que os primeiros fazem bem, mas os segundos "melius faciunt" (I Cor. 7,38), tanto excede a castidade sobre a vida conjugal. E ninguém tema que esta doutrina vá despovoar a terra. E ainda que assim acontecesse, observa Santo Agostinho: Se o mundo devesse cessar de existir por excesso de virtude seria apenas a realização mais rápida da perfeita cidade de Deus no Céu.
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O grande apóstolo da virgindade, S. Paulo, não ignorava a enfermidade humana e a virulência das paixões. De maneira que, por mais que ele alicie os homens a se encaminharem nas veredas da castidade perfeita (e para isso multiplica os argumentos e as considerações de toda ordem), não obstante, ele estabelece a lei comum que o homem tenha a sua mulher, e esta seu marido, e aconselha muita prudência, antes de se determinar a adotar o estado de solteiro durante toda a vida. Todo este modo de agir de S. Paulo entendeu a Tradição no sentido de que só mediante uma graça especial de Deus, uma vocação clara para certas pessoas, um auxilio peculiar para outras que, contra a vontade, se vêm na contingência de não casar, é que o individuo poderá observar a continência perfeita.
Isto posto, como poderíamos admitir que o egoísmo seria bastante para levar os casados a uma perfeita continência? Deus jamais dá graça para o egoísmo. Aliás, uma das manifestações do egoísmo, especialmente no homem, mais marcante, é no sentido da paixão sensual. De maneira que só por uma irreflexão é que poderia alguém, cônscio da doutrina católica, afirmar que casados mantêm-se em perfeita continência movidos tão somente pelo egoísmo de uma vida mais cômoda, para não ter a labuta com os filhos. Tais pessoas não se casam. Seu egoísmo acha muito dura a perenidade da vida conjugal. O egoísmo é como os sentidos, precisa variar. Ninguém melhor o exprimiu do que Verdi na ária do 1º ato da Traviata, quando Violeta, apesar de apaixonada por Alfredo, teme decidir-se porque se trata de "um amor serio", e os sentidos nada gostam de serio.
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Sobre a parte final da carta, digamos que, como a castidade é a melhor preparação para o casamento (são os puros antes do casamento que, depois de casados, observam as normas do "casto conubio"), assim, quanto mais elevado for o amor que une os esposos, quanto menos tiver de sensual, tanto mais racional será a vida dos mesmos, e tanto maior será o número de graças que Deus lhes concederá. Ainda neste ponto, é Santo Agostinho quem nos ilustra com as considerações sobre os Antigos Patriarcas, que se casavam não levados pela paixão, mas pelo dever de procriar. Parece-nos, por isso, que as expressões "subtilizado", "sublimado", "desencarnado", são todas elas mal soantes, pois que tendem a insinuar que no casamento qualquer afeição que não tenha sua parte sensual é impróprio de tal estado de vida; o que é contrario a toda a tradição católica.
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OS CATÓLICOS FRANCESES NO SÉCULO XIX
Ofensiva católica contra a Universidade
Bertrand de Poulangy
Chefiado por Montalembert e sustentado por Louis Veuillot com "L’Univers", o Partido Católico iria travar a batalha pela liberdade de ensino. Para entendermos bem tal batalha, precisamos retroceder um pouco no tempo.
Todos os políticos liberais franceses combateram o monopólio do ensino, durante a Restauração. Como discípulos fiéis do romantismo, não regatearam louvores e discursos inflamados a favor da liberdade de ensino em particular. Ao subir ao trono Luís Felipe em 1830, e com ele os liberais, continuaram estes a incensar a liberdade, mas sem nada fazer para transformá-la em realidade. Foi preciso o processo de Montalembert, Lacordaire e de Coux, em 1831, para lembrar-lhes a necessidade de legislar sobre o assunto, necessidade essa logo esquecida quando os chefes do movimento católico, às voltas com a questão de "L’Avenir", os deixaram em paz.
Em 1836 o chefe do gabinete era Guizot, um dos mais conhecidos liberais da época, e Montalembert começava os trabalhos para a formação do Partido Católico. Para evitar a arregimentação das forças católicas, iniciou Guizot a preparação de um projeto de lei atendendo grande parte das suas reivindicações. Guizot caiu antes de apresentá-lo à Câmara, indo Victor Cousin para o Ministério da Instrução Pública.
Cousin é hoje um nome de segundo plano, e sua filosofia eclética foi completamente abandonada. No século XIX, porém, sua influência era enorme. Professor universitário, seus cursos eram declamados segundo todas as regras patéticas do romantismo então em voga. Suas aulas eram iniciadas em tom de voz baixo, de cabeça inclinada e em atitude humilde e sofredora. Subitamente levantava a cabeça, e traspassando o auditório com o olhar, elevava a voz e dominava a sala. Com truques de oratória como este, fazia adeptos para sua filosofia pouco consistente. Era um grande orador e um ator perfeito. Naquele século de oratória, não é de espantar que tenha sido o ditador da Universidade, à qual impôs sua doutrina como filosofia oficial.
Ao ser Victor Cousin nomeado ministro da Instrução Pública, eram recentes seus artigos e discursos pela liberdade de ensino, que fizera durante a Restauração. Ainda não lhe era, pois, possível contradizer-se. Por outro lado, o projeto de Guizot tinha a vantagem de dar um golpe de morte aos trabalhos de Montalembert, e não custava nada continuar a estudá-lo, atrasando o mais possível sua remessa à Câmara para discussão. Daí o espetáculo curioso, que era o ditador da Universidade preparando uma lei destinada a diminuir sua própria influência. Mas é claro que a lei não estava pronta quando Cousin deixou o Ministério da Instrução Pública, sendo substituído por Villemain.
Na fraseologia francesa do século XIX, Villemain era um perfeito honnête homme. Também professor universitário e bom burocrata, era meticulosamente cumpridor dos deveres de seu cargo. Sinceramente fiel às doutrinas de seus amigos, não podia compreender por que estes o criticavam quando levava até as últimas consequências os princípios que eles mesmos lhe ministravam. Como universitário, desejava o monopólio, e não entendia o jogo de Guizot e Victor Cousin. Daí o projeto de lei por ele rapidamente preparado e apresentado à Câmara, em cujo preâmbulo dizia:
"A liberdade de ensino é admitida em princípio pela Constituição, mas não lhe é essencial, e o próprio caráter da liberdade política muitas vezes se acentuou com a influência exclusiva e absoluta do Estado na educação da juventude".
O projeto permitia a constituição de escolas secundárias livres, mas sob três condições:
1) Os diretores e professores deviam ter graus universitários, que só eram conferidos pela Universidade;
2) Deviam também apresentar um certificado de moralidade;
3) Deviam apresentar um certificado de capacidade distinto dos graus universitários;
Além disso, não podiam ser professores os religiosos de congregação "não autorizada"; e os seminários menores, que até então não estavam sob a tutela da Universidade, eram sujeitos às mesmas exigências para as escolas leigas.
O monopólio se acentuava, e o maior erro de Villemain foi tocar nos seminários menores. Diante disso os bispos não podiam continuar em silêncio, deixando aos leigos a tarefa de conquistar a liberdade de ensino. Mons. Clausel de Montals, Bispo de Chartres, deu o exemplo protestando publicamente contra o projeto, e foi logo seguido por 52 membros do Episcopado. Todos os jornais católicos combatiam o projeto e publicavam as pastorais que o condenavam.
Pela primeira vez, viu-se as forças católicas reagirem em sua totalidade contra um projeto de lei lesivo aos direitos da Igreja. Diante de tal resistência, os políticos liberais atacaram rudemente o projeto na Câmara. Guizot e Victor Cousin comandavam o ataque. Espantado, Villemain via seus próprios amigos combaterem as suas ideias, que eram também as deles. O projeto foi retirado, e pouco depois Villemain deixava o Ministério.
Foi então que "L’Univers" passou a ter como principal redator Louis Veuillot, e que Montalembert voltou da ilha da Madeira. O resultado do protesto coletivo do Episcopado fortaleceu o Partido Católico, e os dois líderes decidiram passar à ofensiva contra o monopólio. Não se tratava mais de conseguir licença para abrir escolas católicas, mas sim de combater o ensino universitário, mostrando quanto ele era contrário à doutrina católica.
O primeiro passo nesse sentido foi dado por Mons. Clausel de Montals, com uma pastoral em que apontava os erros da filosofia de Victor Cousin e os perigos que corriam os católicos com o seu ensino. "L’Univers" publicou essa pastoral e iniciou uma série de artigos sobre a Universidade. Montalembert, de volta à Câmara dos Pares, deu o sinal de combate em um discurso célebre, em que dividia os franceses em duas categorias: católicos, filhos dos cruzados; e liberais, filhos de Voltaire.
Apanhados de surpresa, os políticos liberais tentaram evitar a luta. Victor Cousin se fez humilde, segundo seu hábito, justificando-se e acrescentando prefácios explicativos em seus livros de filosofia. Os melhores juízos sobre essa sua atitude foram os de Saint Beuve, que a chamou de charlatanismo, e de Henri Heine, classificando-a de hipocrisia.
Mas essa farsa durou pouco tempo, pois a Universidade tinha agora pela frente um partido forte e poderoso. Lança ela então à luta todos os professores. Na Câmara, referindo-se aos católicos, Thiers exclama: "Já é tempo de esmagarmos essa gente com as mãos de Voltaire". As máscaras tinham caído. A luta estava sendo travada com campos bem divididos, e se prolongará por todo o reinado de Luís Felipe.