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IGREJA E MAÇONARIA (conclusão)

(Íntegra na 1.a pág.)



Nosso clichê da 1a. página: Troféu da Batalha de Lepanto
1. Espada de D. João d'Áustria, comandante das tropas cristãs; 2. Estandartes cristãos; 3. Insígnias turcas; 4. Capacete de aço em forma de turbante e túnica turca de brocado de prata e ouro; 5. Sabre do almirante turco Ali Bajah; 6. Capacete pertencente ao mesmo; 7. Elmo turco.


NOVAS ELEIÇÕES NA INGLATERRA, PROVA DE FOGO DA GRANDEZA BRITÂNICA

Adolpho Lindenberg

Quando os nazistas se apossaram da França dizia-se que esta tinha perdido uma batalha, porém não a guerra. A Inglaterra durante o último conflito mundial não sofreu nenhuma derrota decisiva, mas os valores pelos quais os seus soldados lutaram — a grandeza do Império Britânico, a preservação da liberdade política e econômica e a sobrevivência do espírito tradicional inglês, austero, nobre, tenaz e conservador — vieram a sofrer um abalo muito sério com a vitória dos trabalhistas nas eleições de 1945. O programa do Labour Party continha proposições e reivindicações que revelavam uma ideologia tão alheia, tão contrária à cultura tradicional britânica, quanto o era a ideologia nazista. Os conservadores e tudo o que eles representam de autenticamente inglês, sofreram sua primeira derrota em 1945 e a segunda em 1950. Esta última foi menor, mas permitiu que o governo de Attlee continuasse a desenvolver sua política socializante e esquerdista. Resta-nos saber se nas eleições convocadas para o dia 25 sairão vencedores, pois caso contrário nada mais podemos fazer senão esperar que esse imenso e notável Império Britânico, tão cheio de defeitos e de grandes qualidades, finde tristemente os seus dias, a serviço de uma ideologia que teria causado desprezo e horror àqueles que o fundaram.

Seis anos e meio na vida de uma nação é pouco, mas o socialismo é uma tal lepra que não lhe é necessário muito tempo para transformar e mutilar qualquer povo que queira viver segundo seus princípios. O leão britânico saiu de uma guerra de seis anos, ferido, mas altivo e ameaçador. Hoje, depois de seis anos de paz, período este que permitiu à França, à Itália e até mesmo à Alemanha e ao Japão se reconstruírem, encontramos a Inglaterra na iminência de uma bancarrota econômica, com o império esfacelado, sem exército e com o prestigio internacional abaladíssimo. Dir-se-ia que o leão se transformou em um velho e desdentado cão São Bernardo. Os amigos têm pena, simpatia e vontade de auxiliar; os inimigos votam-lhe desprezo e pouco caso. Recordemos em poucas linhas como não houve característica, qualidade e manifestação de prestígio do povo britânico que não tenha sido atingido pela ação nefasta do governo trabalhista:

1. — O espírito aristocrático britânico

Desde a era vitoriana o protótipo do aristocrata era o inglês: em todo o mundo quando se queria dizer que um homem reunia as mais elevadas qualidades de educação e de domínio sobre si, dizia-se que era um gentleman. O traje e a compostura masculina eram ditados pelos figurinos britânicos e não havia solenidade, festa ou cerimônia realizada pelos ingleses que não se distinguisse em alta medida por sua imponência, discreção e consciência de uma indiscutível superioridade.

Hoje em dia tudo isso são glórias passadas — o estado de depauperação em que se encontram a nobreza e a alta burguesia, em virtude da política de «redistribuição das riquezas» por meio de impostos progressivos, aliada ao espírito igualitário que os trabalhistas insuflaram por toda a ilha, faz do inglês um homem trivial, pobremente vestido e mal alimentado.

2. — A Inglaterra sempre teve grandes homens

Quem visita em Londres o museu «Army and Navy» admira, mais do que os troféus de guerra, os retratos dos líderes políticos e militares ingleses destes últimos cem anos: Marlborough, Nelson, Wellington, Lawrence, Churchill, Montgomery, Mountbatten, todos eles lá estão com o seu olhar de aço, grande fleugma e profunda convicção da incomparável grandeza do Império Britânico. Homens com vários defeitos mas com grandes qualidades, fibra e personalidade nunca lhes faltaram: construíram um grande império e por ele morreriam. Comparando-os com estes tristes, burocráticos e apagados lideres trabalhistas, como Attlee, Morrison, Shinwell, Bevan, compreende-se de relance em que grau de decadência o governo inglês caiu.

3. — A Inglaterra foi, depois dos EE.UU., o país mais rico do mundo

É fato que a guerra empobreceu todas as nações, é fato também que o desmembramento do império deve ter privado a metrópole de grandes fontes de renda, mas não se compreende que até a Alemanha, o Japão e a Itália estejam podendo se equilibrar economicamente e a Inglaterra apresente um déficit de 750 milhões de esterlinos. A situação econômica é de tal maneira grave que se julga que o fato de ter o sr. Attlee sido obrigado a convocar as eleições se prende ao seu fracasso em obter auxílios financeiros em Washington ou em Ottawa.

Se observarmos o acervo de realizações do governo trabalhista encontraremos facilmente a explicação desse estado de coisas. Foram feitas desapropriações onerosíssimas, como as da indústria do carvão, do sistema de transportes e das fundições de aço; criaram-se gigantescas organizações de assistência médica e hospitalar gratuita. Todas estas nacionalizações e esta extensão inimaginável dos serviços públicos ocasionou a criação de uma burocracia inacreditavelmente complexa e onerosa. As fiscalizações, o controle governamental, os impostos pesadíssimos, a permanente ameaça de nacionalização cercearam e desencorajaram completamente a atividade dos homens de negócios e dos industriais britânicos. Não foi sem razão que a simples noticia da convocação de eleições ocasionou uma alta geral na Bolsa de Londres e um telegrama da U.P. relata que «tal foi o desejo de comprar títulos britânicos que houve casos em que os corretores tiveram que vender ações em dólares para reunir o dinheiro de que necessitavam para adquirir ações e títulos nacionais».

4. — O império britânico era um fator de equilíbrio no cenário político mundial

Em todo o mundo as pequenas e as grandes nações vêm se coligando em federações, das quais o Benelux é um ótimo exemplo, mas o Império Britânico, contrariando esta tendência universal, se desmembrou. Não se sabe quem perdeu mais com a independência da Índia e do Egito, se estes mesmos, a Inglaterra ou se o próprio mundo. É inútil dizer que a política do sr. Attlee nada fez para evitar este desmembramento, nem sequer cuidando de suscitar partidos simpáticos à Inglaterra naqueles países.

5. — O prestigio internacional da Grã-Bretanha baseava-se não só na sua força como na decisão pronta de a usar, quando preciso

O Império Britânico foi construído pelas armas e se perpetuou graças à combatividade, dedicação e espírito de sacrifício de seus soldados e marinheiros. Hoje em dia a passividade e a fraqueza dos governantes ingleses constitui um convite aos inimigos internos e externos para se apoderarem das últimas riquezas e posições-chave do grande império. As provocações começaram na Índia, no Egito, no Extremo Oriente, e até a Argentina e o Chile reivindicaram possessões inglesas com um desembaraço e uma insolência que arrancaram do velho Churchill amargas considerações sobre o «desprestigio em que se encontram as forças navais de Sua Majestade». O triste caso do petróleo iraniano veio ainda mostrar que a tradicional política inglesa de suscitar nas possessões movimentos nativos simpáticos à ocupação, caiu em franco desuso.

6. — A Inglaterra, pela ordem natural das coisas, deveria ser o melhor aliado dos EE.UU. em sua luta com a URSS

Os americanos salvaram os ingleses de uma derrota quase certa na guerra de 1914, e de uma catástrofe certíssima nesta última. O natural seria que, independente de quaisquer considerações ideológicas, o povo inglês estivesse ansioso de retribuir o favor recebido, apoiando os EE.UU. na luta contra a URSS. E o está realmente, mas o mesmo não acontece com os socialistas que dirigem seus destinos, os quais, além de hostis ao individualismo e ao espírito de liberdade dos americanos, são «favoráveis à revolução marxista por meio de uma evolução lenta e sem violência.»

A política externa de orientação esquerdista que durante os seis anos e meio de governo o Labour Party desenvolveu na Europa, a amizade com Mao Tsé Tung, a venda a este de materiais estratégicos, como a borracha, depois de iniciada a guerra na Coréia, mancharão a história britânica com nodoas semelhantes às que ocasionaram a guerra do ópio e dos boers na África do Sul.

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As eleições do início de 1950 deram aos trabalhistas 315 deputados, aos conservadores 298 e aos liberais 9. Nas eleições de 25 deste mês, espera-se, e nós o desejamos de todo o coração, que os conservadores vençam, por uma razoável maioria. O próprio «News Chronicles», que é trabalhista, acha que os «tories» obterão 49% dos votos, os trabalhistas 39.74 e os liberais 10%.

Os franceses, na última guerra, por pouco não sucumbiram sob o jugo nazista, mas depois reagiram e combateram com fervor até a vitória final. Chegou agora a vez dos ingleses, vencedores do totalitarismo nazista, mas vencidos na primeira batalha contra o totalitarismo socialista. Vejamos se saberão reagir como os franceses o fizeram e se infligirão aos socialistas uma decisiva e humilhante derrota, como estes merecem.

DIVÓRCIO E ROMANTISMO

Plinio Corrêa de Oliveira

Vai intensa por todo o país, graças a Deus, a campanha contra o divórcio, a tal ponto que se pode considerar já superado o momento mais agudo da crise. Entretanto, cumpre estar vigilante, pois, ao longo da luta ainda poderemos ter amargas surpresas. E, mesmo depois de cessada a batalha, pode o perigo renascer inopinadamente a qualquer momento, prevalecendo-se os divorcistas de circunstâncias ocasionais mais ou menos imprevisíveis, de que nossa época é fecunda, para suprimir a indissolubilidade do vínculo conjugal.

Convém, pois, continuar a despertar as atenções, a mobilizar as energias, a aplicar, de encontro aos alvos mais acertados, todos os meios de persuasão. É a propósito deste último ponto, que queremos fazer algumas considerações.

Se analisarmos a maior parte dos trabalhos que, nesta campanha, têm sido produzidos contra o divórcio, seremos forçados a concluir que, se de um lado merecem todo o louvor por sua seriedade, sua clareza, pela probidade de sua argumentação, entretanto quase todos pagam tributo a um tal ou qual academismo. Os argumentos que ventilam seriam bons para persuadir intelectuais retamente intencionados. Mas, em via de regra, são inteiramente inoperantes para todo um imenso setor da opinião pública, cujas preferências vacilam entre a indissolubilidade e o divórcio, com um forte pendor para este último. E por isto é que, ouvidos os argumentos mais concludentes, demonstrada pela própria linguagem dos números (a melhor para os espíritos superficiais) a nocividade do divórcio para a família e a pátria, reduzido a um silêncio embaraçado e entediado, o divorcista se cala por algum tempo, tartamudeia à la diable alguns farrapos de argumento, e por fim retoma toda a discussão no seu ponto de partida: "então, não pode o cônjuge infeliz refazer sua vida? é justo privá-lo do direito de reconstruir sua felicidade"? Todos os que temos lutado contra o divórcio, sabemos como é frequente esta atitude. Os argumentos mais claros, mais incisivos, mais perfurantes, resvalam sobre mentalidades corno esta, sem as atingir. Expostos tais divorcistas ao metralhar da lógica, encolhem-se. Cessado o fogo, reaparecem intactos. A campanha antidivorcista eficaz não pode deixar de tomar na maior consideração este fato. Se ela quiser conquistar terreno, deve reconhecer que as vias de acesso que lhe permitirão penetrar em mentalidades como esta ainda não estão convenientemente conhecidas e exploradas. É forçoso que voltemos nossas vistas para a verdadeira cansa desse estado de espírito, a fim de encontrar argumentação adequada que o corrija.

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Com estas palavras, quero falar do romantismo. Nos compêndios, diz-se que esta escola já morreu. Evidentemente, é isto verdade se se trata de literatura ou de arte. Mas será igualmente verdade se se trata da vida? Os modos de ser e de sentir que o romantismo criou estão de fato inteiramente alheios aos hábitos mentais e afetivos de nossos coevos. No que diz respeito ao casamento, é bem verdade que a atitude do homem contemporâneo não se ressente de qualquer influência romântica? E que relação existe entre esta influência e o problema do divórcio ? Evoquemos antes de tudo alguns tipos de "heróis" e "heroínas" do romantismo. O "herói" de gênero "delicado" poderia ser imaginado como um jovem (nada menos romântico do que os 50 anos!) esguio, pálido, de feições regulares, grandes olhos melancólicos perdidos no vago do horizonte, com um desalinho poético no penteado e no traje, o peito arfando de aspirações ardentes, indefinidas, torturantes, por uma fel cidade Mas ele é um incompreendido inexplorados de sua personalidade, há horizontes sublimes, há anelos indizíveis que pedem, procuram, imploram a compreensão de uma "alma irmã". Deve existir pela vastidão deste mundo um ser feito para o compreender. Ele o procura pois assim encontrará a felicidade... e vagueia tristonho pela vida, até que o encontre. O herói romântico de tipo "terrível", algum tanto diverso na aparência física, é idêntico, do ponto de vista moral, ao modelo que acabamos de descrever: exuberante de varonilidade, compleição atlética, beleza algum tanto sombria, segundo o estilo de algum personagem de Wagner, grande fortuna, grande situação social, influência imensa, tudo enfim que a vida pode oferecer...

Mas (e aí está o "romântico" do quadro) no coração uma chaga: um afeto ardente, uma decepção tremenda, uma persuasão tão pesada e tão fria quanto uma laje sepulcral, de que jamais há de encontrar na terra a correspondência afetiva com que sonha seu coração.

Simetricamente, formou-se a figura da "heroína", de que não nos seria difícil evocar dois modelos característicos. Um é do gênero "mignon". Ela é um mimo de delicadeza de alma e de corpo. Qualquer dor a faz chorar, qualquer arranhão de alma a faz sofrer. Ingênua como uma criança, traz no coração uma imensa vontade de se dedicar e de ser querida por alguém. Precisa de proteção, pois sua fragilidade é completa, e se espelha na meiguice de seu olhar, nas inflexões harmoniosas de sua voz, na finura de seus traços, na requintada delicadeza de toda sua compleição. Outro modelo seria a heroína do gênero "grande". Beleza deslumbrante, estatura e porte de rainha, centro natural de todas as atenções, de todas as homenagens, de todas às dedicações, presença dominadora e fatal. No coração, é claro, uma crispação oculta, um travo profundo, uma grande e oculta dor. É a amargura de uma desilusão passada, a procura ansiosa e já sem esperanças, de alguém que verdadeiramente a compreenda. A seus pés, poetas, duques, milionários gemem inutilmente. Seu olhar indiferente, altaneiro, profundo e tristonho , procura ao longe, pela vida afora, aquilo que jamais encontrará. É a verdadeira felicidade de um grande afeto, segundo as aspirações "elevadíssimas" e torturantes que lhe trazem a alma num secreto e incessante verter de sangue.

Os leitores sorrirão talvez. Não parece bem verdade que tudo isto acabou? Quem vê passar, em seu automóvel de cor risonha, o jovem ou a jovem desta era de lepidez, sport e vitaminas, não achará que estamos a léguas do romantismo? O jovem é robusto, alegre, parece bem instalado na vida, cheio de senso prático e do desejo de vencer. A jovem é desembaraçada, empreendedora, utilitária, muitas vezes ardida. Também ela está alegre, sente-se bem, e quer "aproveitar" a existência. Que há nela de comum com a dama de gênero lacrimejante que comovia nossos avós?

Não negamos que o utilitarismo moderno criou um clima de muito maior tolerância para o casamento inspirado em motivos cinicamente financeiros. Não negamos que os cálculos concernentes à carreira, à posição social, influenciam hoje muito mais frequentemente os casamentos do que outrora. Mas erraria quem quisesse generalizar absolutamente os numerosos exemplos concretos que se poderiam apresentar neste sentido. A despeito de todo o utilitarismo, o terreno reservado ao "sentimento" continua muito considerável. E, se analisarmos este "sentimento", veremos que ele não é senão uma adaptação muito superficial dos velhos temas românticos.

Nossa era de democracia já não admite personagens mercantes e excepcionais. O "herói" é hoje um "popular guy" e a moça uma "glamour-girl". Um "popular guy" como mil, bem entendido, e uma "glamour girl" como mil também. A mecanicidade existência hodierna força-os a ser menos assíduos do que seus ancestrais, no devaneio e nas intermináveis divagações. Tudo isto circunscreve de vários modos o âmbito das efusões imaginativas e sentimentais. Mas todas estas reservas feitas, sempre que eles se ocupam de amor, é o mesmo sentimentalismo adocicado, são os mesmo anelos vagos, as mesmas incompreensões, as mesmas afinidades, os mesmos sobressaltos, as mesmas crises, as mesmas ânsias de felicidade afetiva sem fim, e a crônica precariedade de todas estas "felicidades". Não queremos aqui fazer um estudo psicológico da produção literária e artística mais ou menos de segunda classe que corre mundo, e que forma verdadeiramente o espírito da massa. Basta que nosso leitor tenha um pouco o senso da realidade que a todo o momento o rodeia, para perceber quão justas são nossas observações. De fato, a grande maioria dos casamentos realizados por motivo de afeto se constrói hoje em hoje em dia sobre sentimentos absolutamente embebidos de sentimentalismo romântico.

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E aqui está o problema. Se alguns casamentos se fazem por interesse, e outros por afeto, e se os que se fazem por afeto em geral se fazem sob o influxo do romantismo, a questão da estabilidade do convívio conjugal depende de saber até que ponto o interesse ou o romantismo podem levar os cônjuges a se suportar mutuamente.

Não falemos do interesse. O assunto é por demais claro. Falemos do romantismo.

Antes de tudo, acentuemos que o romantismo é essencialmente frívolo. Ele supõe de bom grado as maiores virtudes na "heroína" ou no "herói". Mas no fundo estas virtudes pesam muito pouco na balança, como fator de sobrevivência do afeto reciproco. Comunismo efeito, o sentimentalismo perdoa geralmente, sem grande dificuldade, defeitos morais reais, ingratidões, injustiças, e até traições. Mas ele não perdoa trivialidades. De sorte que - para ir a carne viva da realidade é preciso exemplificar - um modo ridículo de roncar durante o sono, o mau hálito, qualquer outra pequena miséria humana enfim, pode matar inapelavelmente um sentimento romântico... que resistiria às mais graves razões de queixa. Ora, a vida quotidiana é um tecido de trivialidades, e não há pessoa que no convívio íntimo não as tenha mais ou menos difíceis de suportar. Por isto, já se tornou banal falar das desilusões que vem depois da lua de mel. "Passado este período", me disse certa vez alguém, "minha esposa não me deu nenhuma decepção, mas me encheu de desilusões". E como o romantismo por essência e por definição é todo feito de ilusões, de afetos descontrolados e hipotéticos por pessoas que só seriam possíveis no mundo das quimeras, a consequência é que em pouco tempo os sentimentos que eram a única base psicológica da estabilidade do convívio conjugal se desfazem.

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Naturalmente, uma pessoa nestas condições não desce ao fundo das coisas, não percebe o que há de substancialmente irrealizável em seus anelos, e julga pura e simplesmente que se enganou. Entendeu ela, pois, que ainda pode encontrar em outrem a felicidade que o casamento não lhe deu. habituada a viver única e exclusivamente para a própria felicidade, habituada a ver a felicidade realizada única e exclusivamente na satisfação dos devaneios sentimentais, tal pessoa julgará sua vida irremediavelmente estragada, se não se satisfazer de outro modo. E julgará igualmente estragada a vida de todas as numerosas outras pessoas que tiverem caído no mesmo "equivoco". De onde o divórcio lhe parecerá absolutamente tão necessário quanto o ar, o pão ou a água.

A uma pessoa neste estado de espírito, que impressão poderá causar uma argumentação seria contra o divórcio, reforçada pela linguagem fria das estatísticas? Habituada a divagar, e não a pensar, ela detesta toda a argumentação, máxime quando séria. A linguagem dos números lhe parece ridícula em assuntos como este. Falar-lhe da sociologia a propósito de casamento e de amor se lhe afigura tão chocante quanto falar dos assuntos mais técnicos da botânica a um poeta entretido em admirar a beleza de uma flor.

Compreende-se, pois, que a campanha antidivorcista, ferreamente coerente em todos os seus argumentos, bate num alvo errado procurando convencer com argumentos baseados na moral ou no bem do Pais, gente unicamente preocupada em alcançar a felicidade individual num mundo de sonho e de quimera.

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E aqui chegamos ao fim. Em última analise, romantismo é apenas egoísmo. O romântico não procura senão sua própria felicidade, e só concebe o amor na medida em que o "outro" seja instrumento adequado a torna-lo feliz. Este felicidade afetiva, ele a deseja tão exclusivamente que, se der largas a seu sentimento, saltará sobre todas as barreiras da moral, dará de barato todas as conveniências do bem comum, e satisfará brutalmente seus instintos. E sobre o egoísmo nada se constrói... a família menos ainda do que qualquer coisa.

É preciso, pois, desfechar uma tremenda ofensiva anti-romântica, para mostrar a substancial diferença que vai da caridade cristã, toda feita de sobrenatural, de bom senso, de equilíbrio de alma, de triunfo sobre os desregramentos da imaginação e dos sentidos, toda feita de piedade e de ascese enfim, para o amor sensual, egoístico, feito de descontroles, de sentimentalismo romântico ainda tão em voga. É falso imaginar que os verdadeiros esposos cristãos são os heróis de romance que por uma feliz coincidência conseguiram fazer um casamento autêntico, segundo o Direito Canônico, como passo preliminar para a satisfação de suas paixões, mas que levam para o tálamo conjugal o mesmo estado de espírito, o mesmo egoísmo, a mesma imortificação de qualquer amor de aventura.

Enquanto a concepção sentimental-romântica influenciar implícita ou explicitamente a mentalidade dos nubentes, todo o casamento será precário, pois terá sido construído sobre o terreno essencialmente pegajoso, movediço, vulcânico, do egoísmo humano.

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Diz-se comumente que a família é a base da sociedade. Os casamentos nascidos do sentimentalismo egoístico e romântico são a base da Cidade do Demônio, em que o amor do homem a si mesmo é levado até o esquecimento de Deus. Os casamentos nascidos do amor de Deus, e do amor sobrenaturalmente santo ao próximo, até o esquecimento de si mesmo, são a base única da Cidade de Deus.