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OS CATÓLICOS FRANCESES NO SÉCULO XIX

Luta contra a Companhia de Jesus

Bertrand de Poulengy

A vitória alcançada pelos católicos na Câmara dos Pares, contra o projeto de lei relativo ao ensino, foi dupla. Além de terem eles suscitado uma oposição como nunca se registrara, o relator, Duque de Broglie, foi obrigado a atenuá-lo para obter sua aprovação. As modificações do Duque de Broglie não satisfizeram os católicos, mas também não foram aceitas pelos "universitários". O projeto foi encaminhado à Câmara dos Deputados, e aí o seu relator foi Thiers, cujo encargo era espinhoso, dado o progresso sempre crescente do movimento católico e a oposição da universidade.

Era necessário encontrar um meio de dividir os católicos, a fim de conseguir o estabelecimento definitivo do monopólio universitário. Ora, existiam na França congregações religiosas não permitidas por lei, mas que o governo tolerava; e uma das condições para o exercício do magistério, que os universitários incluíam em todos os projetos de lei do ensino, era que o candidato a professor não deveria pertencer a tais congregações; entre elas, a Companhia de Jesus, que desde Luís XV não tinha permissão de possuir casas na França.

Desde a sua fundação os jesuítas foram combatidos pelos inimigos da Igreja, e as calúnias que contra eles se levantavam sempre encontravam eco em certos católicos. Era notório que o Arcebispo de Paris na época, Mons. Affre, não os via com bons olhos, e muitos dos dirigentes do Partido Católico eram francamente seus adversários. No seio de "L’Univers", a desinteligência entre Veuillot e Montalembert levara a dividir-se sua direção entre o célebre jornalista e o Conde de Coux, inimigo declarado da Companhia de Jesus. Lacordaire e Foisset também não estavam longe de dar crédito à campanha anti-jesuítica.

Não sendo a sua existência permitida por lei, e tendo contra si uma secular campanha de difamação e pelo menos a má vontade de alguns dirigentes católicos, a Companhia era o alvo ideal para Thiers e a universidade. Michelet, Edgar Quinet e Eugênio Sue fizeram reviver as antigas acusações contra os inacianos, e pouco a pouco Thiers deslocava o campo de luta, obrigando os católicos a se ocuparem menos da liberdade de ensino para defender a grande Ordem tão injustamente atacada.

Nesse meio tempo, o Ministro da Instrução Pública Villemain teve um ataque de loucura, que se manifestou pela mania de perseguição. Via jesuítas por toda parte, em salas vazias, nas pedras das ruas, e gritava horrorizado que eles o acusavam de ter assassinado a esposa. O governo substituiu Villemain por Salvandy. De acordo com Luís Felipe, o projeto de ensino foi posto de lado.

No entanto a campanha contra os jesuítas recrudesceu, e todos os recursos da corrente dos "universitários" foram lançados à luta. Veuillot, embora entravado pelo Conde de Coux, constituiu-se como sempre um dos campeões da defesa Companhia de Jesus e pôs a nu todo o ridículo e a má fé dos adversários desta. Eis, por exemplo, um comentário do grande jornalista a um discurso de Victor Cousin:

"O Sr. Cousin começou com um tom dolente; está morrendo; não saiu desta casa senão para observar o que se passa; suplica a seus colegas que tenham piedade dele e permitam que fale de seu lugar, porque vai desfalecer; tudo com um tom de fender as rochas, e com uma gesticulação que faz sorrir os pares, os funcionários, os espectadores. O menino que leva a água açucarada vai contá-lo a seus camaradas; as portas se entreabrem; de todos os lados, cabeças curiosas vêm contemplar os desmaios do Sr. Cousin. Terminada essa pequena encenação, nosso moribundo entra na matéria com uma voz tonitruante, e durante uma hora entrega-se à indignação do mais fogoso zelo universitário. O que ele diz é... que é preciso expulsar os jesuítas".

Apesar do zelo de Veuillot e Montalembert, a difamação dos padres de Santo Inácio aumentava e a divisão dos católicos se tornava patente. Thiers, Odilon Barrot e outros líderes da Câmara resolvem então aproveitar a situação e propor a dissolução da Companhia na França. Thiers defende o projeto com a mais refinada hipocrisia, pedindo que as leis sobre as congregações religiosas sejam executadas. Alegava que defendia a "augusta religião de seus pais" ao reclamar a expulsão dos jesuítas, culpados provavelmente da agitação a respeito do monopólio do ensino. Em vão os líderes católicos mostram a improcedência dessas acusações. A expulsão é aprovada por esmagadora maioria.

A situação se complicara, e o Partido Católico fazia projetos para a resistência. Um jesuíta ilustre, o Padre Ravignan, seria o homem da resistência quando fosse aplicada a lei. Em primeiro lugar, seria feito um memorial bem fundamentado, estabelecendo os direitos da Companhia. Se, apesar disso, a lei fosse executada e as casas fechadas, o Padre de Ravignan resistiria e seria preso. Se fosse possível fazer com que ele permanecesse preso, seria o ideal. Berryer, líder do Partido Monarquista, célebre advogado e orador, o defenderia. Se o Padre de Ravignan fosse condenado, apelar-se-ia. E assim por diante. Os planos eram bons e o Geral da Companhia abençoou a ideia de resistir, mas o Partido já estava seriamente afetado pela divisão.

Logo depois da resolução da Câmara, começou a circular o boato não desmentido de que o Arcebispo de Paris desejava a expulsão; ainda mais, que a lei fora um triunfo para ele. Sabendo que a resistência se organizava, Mons. Affre se opôs a ela, e declarou que se os padres jesuítas não se submetessem às leis, retirar-lhes-ia o poder de confessar. Montalembert se decidiu então a escrever ao Arcebispo. Citaremos algumas passagens dessa carta:

"A acreditar em pessoas que se dizem bem informadas, Vossa Excelência teria resolvido aproveitar-se das medidas violentas que o governo projeta contra os jesuítas, para reduzi-los ao papel de padres administradores das paróquias de Paris. Por outro lado, ter-se-ia encarregado de negociar com o resto do episcopado no interesse do governo, e de prometer aos bispos, como preço da adesão tácita à proscrição dos jesuítas, a criação de um grande número de novas circunscrições, a autorização de um estabelecimento de ensino dirigido por padres em cada diocese, a restauração de um certo número de catedrais, em primeiro lugar a de Notre-Dame de Paris. Em uma palavra, a Igreja de França consentiria, por seu silêncio, no sacrifício da inocência e da virtude. Esse silêncio seria pago a dinheiro, e o Arcebispo de Paris seria o intermediário desse novo gênero de pacto entre a Igreja e o Estado".

Depois de afirmar que não acreditava nesses boatos, Montalembert pedia que o prelado saísse do seu silêncio: "Não se vê sem tristeza o contraste dessa conduta com a de todos os outros bispos que têm jesuítas em suas dioceses, e que tiveram de manifestar suas disposições. Sabe-se que o Arcebispo de Rouen, o Bispo de Metz e o Bispo de Nantes declararam que seus palácios episcopais seriam o domicílio dos jesuítas quando essas vítimas da liberdade eclesiástica fossem expulsas de suas casas. Entretanto, nenhum desses bispos sancionou tanto quanto vós, Monsenhor, por sua presença e autoridade, a pregação dos jesuítas; nenhum deles presidiu, como vós, a um retiro de vários milhares de homens, pregado por um jesuíta; nenhum deles celebrou a maior festa deste ano de 1845, dando a santa comunhão solenemente ajudado por um jesuíta; nenhum deles, enfim, teve no passado motivos de queixas contra os jesuítas, e portanto não pode encontrar, nas leis da própria cortesia mundana, um motivo bastante poderoso para não os cobrir contra seus atuais inimigos com uma proteção patente e generosa".

AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Tipos humanos característicos

Plinio Corrêa de Oliveira

Albrecht Dürer, o célebre pintor alemão (1471-1528), deixou-nos este autorretrato (Auto retrato aos 26 anos; Museo del Prado, Madrid), famoso não só pela beleza do modelo, como sobretudo pelo valor artístico do trabalho.

Deixamos de lado qualquer consideração estética ou artística, para considerar a tela do ponto de vista do ambiente, dos costumes e da civilização que nela se refletem. Dürer é um homem da Renascença, com todas as contradições, desvios, extravagâncias e atributos que se contêm neste apelativo. Ainda ligado à Idade Média, entretanto em sua fisionomia não se refletem os valores sobrenaturais de uma alma verdadeira e profundamente cristã. Ele é inteiramente natural em todos os seus predicados: inteligência lúcida e profundamente crítica, grande riqueza de personalidade, indiscutível originalidade de espírito, vontade de ferro. Vendo-o, não se dirá que é um cristão, mas não se poderá negar que é um homem ( na medida em que esta perigosa distinção pode ser aceita ). Era este gênero de homens que o Ocidente do século XVI produzia, formava, honrava, e proclamava como salientemente e tipicamente seus.

*

Comparemos os valores naturais (pois queremos ficar estritamente neste terreno) de um homem-tipo de seu tempo, com os que possivelmente existem neste jovem de nossos dias.

Tal é o contraste, que a comparação até dói. Este pobre ser sem profundidade mental, sem personalidade definida, sem princípios, sem convicções, sem fibra - que parece saber apenas sorrir, e sorrir sem motivo preciso -, certamente não tem a grandeza de qualidades humanas de Dürer. Compare-se a distinção de um, com o "laisser faire" de outro; a seriedade de um e a profunda e substancial superficialidade do outro; a fibra de um e o jeito "bon enfant" do outro: o contraste não poderia ser maior.

Quem é este jovem? Não é um anônimo, nem um "marginal". Pelo contrário, seus colegas de uma grande universidade americana o proclamam a figura exponencial - do ponto de vista da personalidade e da simpatia - de todo o corpo discente. Este é o tipo humano que com mais facilidade atrai a estima, o interesse, o entusiasmo dos que têm uma mentalidade inteiramente formada segundo o gosto do século XX.

NO PRIMEIRO MISTÉRIO DOLOROSO CONTEMPLAMOS A AGONIA DE JESUS NO HORTO

Divino Jesus, nós vos oferecemos este terço que vamos rezar...

Plinio Corrêa de Oliveira (*)

1ª Conta

Neste mistério, sofreu Nosso Senhor o tormento da solidão. Não da solidão que é calma, recolhimento, prece, a solidão que é o paraíso da alma verdadeiramente interior, mas a solidão criada pela indiferença geral, pela incompreensão e pelo ódio.

No momento em que o Senhor se preparava para morrer pela humanidade, forçoso seria que a Seu lado estivessem todos os que ouviram maravilhados as Suas palavras. Tal era o deslumbramento causado pelos Seus ensinamentos, que os homens, para O ouvir, se embrenhavam pelo deserto, sem cogitar de agasalho nem de pão. No momento da dor e do perigo, onde estão estas multidões? Quando o Senhor fazia milagres, o povo empolgado O aclamava. Onde está agora este povo? Como explicar que a Seu lado nem sequer figurem os leprosos que limpou, os cegos e os mudos que curou, os mortos a quem restituiu a vida? É que é fácil crer à vista do milagre, mas é difícil afirmar nossa Fé em face dos que não viram milagres, ou não querem crer. Aclamar ao Senhor em meio a uma multidão empolgada não é difícil. Mas sustentar o sarcasmo, a incompreensão, a hostilidade, nos ambientes em que se conspurca a Fé, é muito difícil. Vibrar de entusiasmo ouvindo o ensinamento do Senhor, é fácil. Mas pôr em prática seus mandamentos quando, depois de passado o entusiasmo, cada qual retorna à inexorável trivialidade da vida quotidiana, é muito mais difícil. É inegável que as multidões se entusiasmaram pelo Mestre. Seu pecado não consistiu em que o entusiasmo fosse fraco, mas em que ficasse apenas em entusiasmo. E, por isto, no Horto das Oliveiras o Senhor está só. Só, e oferecendo por mim os méritos da Sua imensa solidão. Para que eu seja menos covarde, para que eu não seja uma alma frívola, que vive de entusiasmos, mas uma alma superior e profunda que vive de convicções e de firmes resoluções. Pelo auxílio de vossa divina graça, dai-me, Senhor, fortaleza para Vos proclamar à face de vossos adversários, e para perseverar invencivelmente fiel a Vós, na luta obscura e quotidiana do cumprimento do dever.

2ª Conta

Alguns fizeram exceção. Foram coerentes. Deixaram tudo, negócios, famílias, situação, para se consagrarem inteiramente ao Senhor. No cumprimento do dever quotidiano, souberam ser exímios. Não houve canseiras, nem calúnias, nem sarcasmos que os fizessem desertar. Entretanto, também estes deixam só ao Senhor. Dormem acabrunhados, fugindo assim, no torpor do sono, à realidade da vida, pesada demais para seus ombros. Como explicar esta defecção? É que sua generosidade foi suficiente para as circunstâncias comuns da vida quotidiana, com seus pequenos reveses, com suas incontestáveis satisfações. Abandonaram tudo, é verdade, mas em compensação três deles viram a glória do Senhor no alto do Tabor, e todos participavam aos olhos do povo da grandeza do Mestre. Praticaram até milagres. Foram assim arrancados ao anonimato obscuro e pesado que pareceria ser o normal de sua vida. A vida quotidiana lhes corria, pois, austera, mas muito suportável. O Senhor porém não se contenta com as almas que são generosas tão somente no teor miúdo da vida quotidiana. Um dia ou outro, uma tragédia vem para os que Ele prefere. Tragédia interior, ou tragédia exterior, uma coisa e outra em geral, e no mais dos casos várias tragédias que se sucedem até a morte. E estes homens fraquejam. Na vida de todos os dias, não se prepararam para as grandes ocasiões, para as imolações enormes, para as renúncias completas. Afinal, chegada a hora de Deus, rompeu-se o quadro da existência normal e quotidiana. O momento da angústia, da perseguição e da dor chegou. E ei-los que dormem, deixando só o Mestre. E eu, Senhor? Até que ponto estou disposto ao heroísmo? Até que ponto estou pronto a deixar por Vós todas e cada uma das coisas grandes e pequenas que constituem o prazer de minha vida quotidiana? Sei que por mim nada posso. Mas sei também que com vosso auxílio serei capaz de tudo. Dai-me vossa graça, para que eu não seja daqueles que “não podem vigiar uma hora convosco” (cfr. Mt. XXVI, 40). Para que eu não me deixe arrastar por tanta covardia, quero na minha vida quotidiana preparar-me para tudo, “vigiando e orando a fim de não cair em tentação” (cfr. Ibid.).

3ª Conta

Senhor, estais só. Só, porque Vos abandonaram. Só, ainda, porque Vos odeiam. Ao longe, brilham as luzes da cidade eleita que, esquecida de Vós, agora se prepara para o repouso ou para o prazer. É aquela Jerusalém bem amada entre todas as cidades da terra, sobre a qual sopra agora contra Vós um vento de incompreensão culposa e de torpe hostilidade; aquela Jerusalém que não Vos quis conhecer, e em cujas muralhas agora se prepara o deicídio. Odeiam-Vos aqueles a quem amastes. Congregam-se para Vos matar, precisamente aqueles a quem quisestes reunir à roda de Vós como faz a galinha com seus pintainhos. Vós quisestes amar, mas não quiseram o vosso amor. Sois o grande Rejeitado: “in propria venit, et sui Eum non receperunt” ( Jo. I, 11 ).

Quantas vezes é esta, Senhor, a situação de vossos servos. Apregoam a verdade, fazem o bem, e são odiados. Quantas e quantas vezes, sentimos também nós, que somos rejeitados!

Diante desta rejeição, qual vossa atitude? Perseverais: em vosso ensinamento, nada se altera; em vossa lei, nada se abranda, ainda que todos, absolutamente todos Vos abandonem. Sofreis só. E encheis Vossa solidão voltando-Vos para o Padre Eterno.

Imito vosso exemplo? Tenho a dignidade e a coragem de perseverar na integridade da Fé, na intransigente perfeição da virtude, ainda que isto me custe um completo alheamento em relação a todos? E, neste alheamento, o que faço? Perco-me em gemidos estéreis? Ou volto-me para Vós, que sois o meu Deus?

Quando o ódio gratuito de vossos adversários fizer de mim um grande isolado, um grande rejeitado, dai-me, Divino Jesus, a graça de me voltar inteiramente para Vós, e de imitar em relação ao mundo a dignidade inefável, a cristalina intransigência, sem revolta nem fraqueza, de que me destes exemplo neste passo de vossa Paixão.

4ª Conta

As sombras da apreensão, da angústia, da dor, de todos os lados Vos circundam, e a presciência de tudo quanto Vos vai suceder desde já Vos submerge num oceano de dor. Vedes em espírito ulular em torno de Vós a multidão embrutecida e entregue ao demônio. Desde já, sentis em vossa alma as bofetadas, os açoites, as injúrias, todo o peso do ódio que Vos levará à Cruz. Sabeis que, para Vós, não há outra perspectiva senão a dor, a dor invariável, sistemática, completa, a dor meticulosa, omnímoda, prolongada, até o grande abandono final no alto da Cruz: “dolores mortis circundederunt me”.

Como agis? Que exemplo me dais? Fechais os olhos ao que vem? Não. Encarais a dor objetivamente, inteiramente, sem disfarçar nem atenuar nada. Vossa força se afirma na consideração lúcida e implacável da verdade. E vossa perseverança não se mantém por uma voluntária e covarde ignorância do que virá.

E eu, Senhor, como procedo diante da dor? Ouso encará-la? Ouso prever com objetividade plena tudo quanto - na contingência das coisas humanas - posso razoavelmente prever que vem sobre mim? Ou pertenço à inumerável multidão dos que se deixam anestesiar por um otimismo falso e leviano, procurando mentir-me a mim mesmo quando de mim se aproxima a desventura?

Em face da dor, dai-me, Jesus, a força de a encarar com o realismo absoluto com que a considerastes Vós.

5ª Conta

A consideração da dor produziu em Vós seus últimos efeitos. Suastes sangue... É a manifestação mais extrema da angústia e do sofrimento.

Entretanto, nem por um momento vacilastes. Este sofrimento que prevíeis, Vós o quisestes sempre, inteiramente, tal qual era, sem uma restrição, sem uma mitigação, desde que tal fosse a vontade do Pai Celeste.

Bem considerada chaga por chaga, espinho por espinho, bofetada por bofetada, ultraje por ultraje a vossa imensa dor, Vós a quisestes. E isto porque infinitamente maior do que este oceano incomensurável de dores era vossa determinação de fazer a vontade do Pai Celeste; era vosso amor aos homens a quem havíeis de remir; era o vosso ódio ao pecado e ao demônio, a quem íeis esmagar. E aceitastes vossa Paixão, destes consentimento pleno, libérrimo, irrestrito, à vossa Morte.

Nesta aceitação, meu Jesus, como que sofrestes inteira a vossa Paixão e vossa Morte. A vontade de dar é o melhor do dom. A aceitação livre e voluntária da dor é o que há de mais agudo na própria dor. Neste momento, manifestastes Vosso desejo de nos dar tudo, gota por gota, de Vosso Sangue, e Vossa própria Vida. É o exemplo do ato de vontade mais forte, mais livre, mais deliberado, mais inabalável que se possa conceber.

E eu? A pergunta me acabrunha e me reduz ao silêncio.

6ª Conta

Entretanto, dando-me este exemplo, quisestes que o imitasse, por amor de Vós. É absolutamente preciso chegar até aí. Como fazer? Sinto medo, sinto pavor, minhas forças estão numa desproporção com este ideal que me atrai, porém me faz estremecer até no que há de mais íntimo dentro de mim.

Se consulto as minhas próprias forças, vejo com a mais cruel das evidências minha radical insuficiência.

Mas ainda aqui, Vosso exemplo não me falta. Também Vós sentíeis tédio e pavor: “coepit pavere et taedere”, diz de Vós o Evangelho (Mc. 14, 34). E me ensinastes a ser filial para convosco; pedistes que de Vós se afastasse o Cálice da amargura. “Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este Cálice” (Mt. 26, 39). Não devemos ser de um estoicismo orgulhoso e geométrico. Devemos pedir francamente o que nosso coração de filhos deseja. Mas pedir como Vós pedistes: “se é possível...”, isto é, se de acordo com as vistas amorosas da Providência, esta dor não for necessária para nosso próprio bem, para o bem de toda a Igreja Santa de Deus.

Doenças, perseguições, provações, miséria, de tudo isto posso pedir a Deus que me livre... “se for possível”. E, se outras forem a vistas de Deus, devo preferir as doenças à saúde, as perseguições à tranquilidade, as provações à bonança, a miséria à fortuna.

Como não reconhecer que isto me causa terror?

7ª Conta

Ainda tenho de Vós neste passo outro exemplo a aprender. Quantos há, que dizem que a provação é forte demais para eles. E, sob este pretexto, abandonam a luta. Forte demais, certamente a provação o pode ser. Mas quão fútil é o pretexto dos que por isto desertam da luta!

Imerso na angústia, recorrestes à oração. E, sendo-Vos manifestado que a dor não Vos seria poupada, entretanto Vos foi dada a consolação misteriosa que Vos deu alento. Vossa oração foi ouvida. O auxílio do Céu não Vos faltou.

Também eu nas horas de angústia devo redobrar na oração. E se de mim não for afastado o cálice, terei sempre, se rezar até o fim com toda a perseverança, a força sobrenatural necessária. Minha força me vem, não de mim, mas de Deus. E com a graça de Deus tudo poderei suportar.

Longe de mim, pois, blasfemar contra Vós, dizendo que não resisti por falta de forças. As minhas, bem o sei, não bastam. Mas o auxílio de Vossa graça jamais nos faltará.

8ª Conta

Em Vossa Alma, Senhor, a Paixão já está realizada, a Morte de algum modo já se consumou. Aceitastes tudo, com uma firmeza divinamente inabalável. Depois, vieram os algozes, veio o filho da iniquidade, que com um beijo Vos traiu, os que dormiam fizeram o que se podia esperar de quem dorme nas horas de Deus, isto é, fugiram espavoridos. Fostes preso porque quisestes, preso pela vontade do Pai Celeste e por Vosso consentimento, e não pelas armas miseráveis daqueles celerados. Foi o que afirmastes a Pedro, documentando Vossas palavras com mais um admirável milagre. E seguistes para Vos imergir no imenso mar de Vossas dores, rumo à Cruz e à Sepultura.

9ª Conta

Ficou novamente ermo o Horto das Oliveiras. Mas seu nome nunca mais se apagou da mente dos homens. Por todo o sempre, de todos os recantos da terra, para ele afluíram e afluirão homens cheios de respeito, de gratidão e de amor. Consideraram como honra e como graça, oscular a terra vulgar de que é feito. Levaram para casa como joias de valor as folhas das oliveiras que ali vicejam. Nunca um cristão sofreu dores e angústias, sem que elas se aliviassem no pensamento dos grandes tormentos do Horto. Dele se pode dizer que “bem-aventurado o chamarão todas as gerações”, porque nele houve a imensa imolação de alma do Filho de Deus.

10ª Conta

Se bem-aventurado é o Horto em que sofrestes, meu Deus, quanto mais bem-aventurado é o Seio em que fostes gerado! Quanto mais bem-aventurado é o Coração daquela que consentiu no sacrifício tremendo de naquele momento não estar a Vosso lado! Quanto mais bem-aventurada é a vontade sobrenaturalmente inquebrantável daquela que de Sua parte quis inteiramente, absolutamente, que por amor de Deus e nosso sofrêsseis tudo quanto havíeis de sofrer!

Permiti entretanto, meu Jesus, um reparo. Renunciastes a tudo, neste passo, e até à companhia física e sensível de Vossa Mãe. Entretanto, tivestes uma consolação que não Vos abandonou: a certeza de que em espírito Ela esteve convosco, sofrendo absolutamente todas as Vossas dores, com um amor e uma intensidade de participação que nenhuma linguagem humana é capaz de exprimir.

Na conclusão desta dezena, desejo pedir-Vos uma graça. É possível que me reserveis ao longo da vida tormentos inexprimíveis. É possível que durante estes tormentos não tenha de Maria Santíssima nenhuma consolação sensível. Eu Vos peço entretanto que não permitais que nesses momentos se apague de meu espírito a convicção de que em toda a realidade Ela está ao lado de mim, como esteve ao lado de Vós. Pois isto só, quanto conforta, Vós mesmo bem o sabeis, Divino Jesus.

Promessas de Nossa Senhora ao Bem-Aventurado Alano da Rocha

1º. A todos dos que recitarem o Meu Rosário prometo a Minha especialíssima proteção. Será o Rosário uma arma poderosíssima contra o Inferno: extinguirá os vícios, destruirá o pecado e vencerá as heresias.

2º. Quem recitar devotamente o Meu Rosário, meditando os seus santos mistérios, será isento de grandes perigos: não morrerá de morte repentina, mas converter-se-á, se for pecador; aumentará em graça, se for justo; e todos se tornarão dignos da Glória Eterna.

3º. O que Me pedirem por meio do Meu Rosário, eu de boa mente o obterei.

4º. Os que propagarem a devoção do Meu Rosário, serão socorridos por Mim em todas as necessidades.

5º. A devoção do Meu Rosário é um poderoso sinal de predestinação.

6º. Todos os que se me recomendarem por intermédio do Meu Rosário, não se condenarão eternamente.

7º. Os verdadeiros devotos do Meu Rosário não morrerão sem Sacramentos.

8º. As almas devotas do Meu Rosário serão livres do Purgatório no mesmo dia em que morrerem.

9º. Os verdadeiros filhos do Meu Rosário gozarão duma subida glória no Céu.