AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
Atitude de duas épocas perante o luto
Plinio Corrêa de Oliveira
Estes clichês ilustram bem as considerações publicadas na 1a página deste número, sobre os funerais e o luto.
Um, obra de Jean Fouquet, representa os funerais do Étienne Chevalier, no século XV. O outro é uma fotografia de um automóvel para transporte funerário, dos que atualmente se usam em São Paulo.
Na cena medieval, o transporte fúnebre é feito à mão, por personagens que caminham com fisionomia compungida e passo cadenciado. O aspecto de conjunto do cortejo é grave e solene, exprimindo adequadamente a terrível majestade da morte.
Costumes sociais deste feitio manifestam bem que o homem tomava perante a morte uma atitude de cristão: nem fugia dela espavorido, nem procurava disfarçar sob aparências anódinas o que ela tem de terrível. É que o filho da Igreja crê na Redenção e na Ressurreição.
Os funerais hodiernos são bem diversos! Cada vez mais, tendem eles a dar à morte o caráter de um acidente sem importância, e a apagar dos aspectos da existência quotidiana tudo quanto lembre o que naquela há de terrível.
As condições técnicas da vida de nossos dias favorecem, por singular coincidência, este pendor. E em geral não se nota esforço dos artistas e dos técnicos para obviar na medida do possível a este grave inconveniente.
Assim, pode haver algo de mais parecido com um carro de entrega de mercadoria, do que este auto funerário? Seria só tirar a Cruz, tirar a cortina, e estaria tudo feito.
CORRESPONDÊNCIA
De S. Excia. Revma., o Sr. D. Raimundo de Castro e Silva, dd. Bispo Auxiliar de Teresina (Piauí): «Recebi já dois números de seu excelente jornal CATOLICISMO que li com multo proveito e maior satisfação. Quero apresentar meus parabéns ao Exmo. Sr. Bispo Diocesano, D. Antonio de Castro Mayer, e a V. Revma. pelo bem imenso que este jornal de Campos, do Estado do Rio, vai fazer pelo Brasil afora. Que Deus Nosso Senhor abençoe este novo e brilhante arauto de nossa fé.»
De S. Excia. Revma., o Sr. D. José Lazaro Neves, C. M., dd. Bispo Auxiliar de Assis (S. Paulo): «Quero felicitá-lo pelo esplêndido mensário CATOLICISMO. Tomei o último número de CATOLICISMO e achei interessantíssimo, e fui procurar os números anteriores. Está faltando o no 4 que ou não chegou ou se perdeu aqui na minha ausência. Rogo-lhe a bondade de m'o mandar também, pois quero fazer a coleção dessa preciosidade.»
Do Sr. Djalma de Souza Villela, Belo Horizonte (Minas): «Resta-me apresentar-lhe os parabéns e os votos para que CATOLICISMO continue bravo e ortodoxo como tem sido. É um jornal onde não se encontra uma palavra inútil. Admiro-o da primeira à última página...»
Do Revmo. Pe. Jefferson Valgueiro Diniz, Pádua (Rio): «Recebemos os primeiros números do vibrante jornal CATOLICISMO. É magnífico, penas soberbas. É pena que não seja um diário ou um hebdomadário.»
De J. J. M. F. , Campos: «Ouço muitas vezes censurar os jesuítas, como representantes de uma mentalidade católica tacanha, com ranço de Inquisição espanhola. Diz-se que apregoam um catolicismo de obediência cega, quando o católico deve ser homem do século, cheio de personalidade, que pratica os mandamentos não porque é obrigado, mas pelo gosto que o inclina às ações impostas pelos mesmos. Que diz CATOLICISMO a propósito?»
R. O Santo Padre Pio XI, na Carta Apostólica «Meditantibus Nobis», afirma o seguinte dos Exercidos Espirituais de Santo Inácio de Loyola: «Santo Inácio aprendeu da própria Mãe de Deus como devia combater os combates do Senhor. Foi como que de Sua mão que ele recebeu esse código tão perfeito — é o nome que em toda verdade lhe podemos dar — de que todo soldado de Jesus Cristo se deve servir, isto é, os Exercícios Espirituais.» E linhas abaixo: «Se bem que, como já dissemos, não faltem outros métodos de fazer os exercícios, é, entretanto, certo que o método de Santo Inácio possui uma verdadeira excelência, e que, sobretudo pela esperança mais segura que proporciona de vantagens sólidas e duráveis, é objeto de uma aprovação mais abundante da Santa Sé.» As razões destas vantagens sólidas e duráveis exprime o Papa nos seguintes termos: «Nos exercícios organizados segundo o método de Santo Inácio, tudo se dispõe com tanta sabedoria, tudo está em tão estreita coordenação que, se não se opõe resistência à graça divina, eles renovam o homem até suas profundezas e o tornam perfeitamente submisso "à Divina Autoridade» (AAS. vol. 15, pg. 629-30 — os gritos são nossos).
Firmados nesta augusta sentença, podemos sem receio, tomar como guia de nossa formação, para chegar a uma mentalidade genuinamente católica, aos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Ora, o último capítulo deste livrinho, chamado pelo beneditino Blosio «tesouro» (apud Enc. «Mens Nostra»), se ocupa precisamente deste ponto: «sentire cum Ecclesia»; o que poderíamos traduzir: afinar toda a alma com a Igreja. Pois naquela expressão «sentire cum Ecclesia», não se trata apenas das reações dos sentidos, das afeições; o «sentire» ali está para indicar o sentimento que acompanha a inteligência, que dá suavidade às luzes da razão, que dá humanidade aos juízos formados friamente pelo raciocínio, que faz enfim com que o homem todo-inteligência, vontade e coração — sintonize seus atos, suas reações, todo seu modo de proceder, com a Igreja.
Neste capítulo, Santo Inácio aduz várias regras que o fiel deve aplicar para chegar ao «sentire cum Ecclesia Dei», para formar a mentalidade católica. Todas as regras são importantes, mas a primeira é fundamental; as outras não passam de aplicações particulares dessa primeira. Diz assim: «Posto de parte todo julgamento próprio, devemos manter a alma preparada e pronta para obedecer em todas as coisas à verdadeira Esposa de Cristo Nosso Senhor, que é a nossa Santa Madre Igreja Hierárquica.»
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Esta primeira norma, como dizíamos, é básica. Quem a não aplicar fracassará ainda que se empenhe no uso de todas as demais. Isto posto, vê o amável consulente que Santo Inácio coloca como base e fundamento de nossa mentalidade católica a obediência, e a obediência que poderíamos dizer «cega», pois ele exige que o homem, primeiro, se esvazie a si mesmo totalmente, pondo de parte todo julgamento próprio; o que se deve entender de qualquer opinião que possa ter a respeito de qualquer assunto. Santo Inácio não põe restrição nenhuma à sua sentença. Diante da Igreja Hierárquica deve o fiel estar como uma «tábula rasa», onde a Igreja escreva tudo, absolutamente tudo que quiser.
É a famosa obediência «tamquam cadaver» que muitos censuram porque não lhe atinam bem com o significado. «Tamquam cadaver» quer dizer, sem opor resistência; não quer dizer, passivamente, sem vida. O fiel deve obedecer reagindo vitalmente, mas reagindo no sentido da concordância plena com a vontade divina, só e exclusivamente porque é vontade divina. E se depõe todo julgamento próprio, é para que sua adesão à vontade divina seja mais plena, mais perfeita.
O que Santo Inácio também deseja com esta regra, é obter que o cristão se coloque dentro do espírito de obediência, isto é, que obedeça precisamente porque é mandado, pela honestidade especial que há na sujeição a Deus Nosso Senhor; e não porque gosta do que é objeto do preceito. Eis o ponto que deve atingir o fiel se quiser sentir bem com a Igreja.
Que é de fato, a Igreja? É a continuação de Cristo Redentor. Jesus ao morrer conquistou para Si a Igreja, e por Ela continua sua obra de Redenção. Quer dizer que a virtude que anima esta Igreja é a mesma que operou a Redenção. Ora, a virtude que operou a Redenção foi a obediência. É o que diz S. Paulo: «pela obediência de um só, muitos se tornaram justos» (Rom. 5,19), e confirma o Evangelista quando narra o passo da agonia de Jesus Cristo diante da vontade do Padre Eterno, não porque lhe agradasse o que o Pai ordenava — «Pai, se é possível, afaste-se de Mim este cálice» — mas só porque era vontade do Padre Eterno — «todavia, faça-se não a Minha, mas a Tua vontade» (Mat. 26,39).
Santo Inácio, portanto, quando colocou como base da formação católica, da mentalidade católica, a obediência como tal, nada mais fez do que resumir o conteúdo da Redenção. Não admira que Pio XI tenha autenticamente declarado que a formação dos Exercícios, porque superior, mereceu mais amplos aplausos da Santa Sé.
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Pelo exposto, cremos que se enganam aqueles que criticam os Jesuítas, e vêm na formação católica com base na obediência como tal, uma formação deficiente. Mais. A formação que pretenda outro fundamento jamais será uma formação católica integral; pois só a atitude de absoluta sujeição a Deus é homenagem condizente com as relações objetivas entre o Criador e sua criatura. «Deus meus es tu, quoniam bonorum meorum nos eges», diz o Salmista. Não Precisa Deus de nosso julgamento, de nosso gosto, de nosso nada. E o fiel que faz desta verdade norma de toda sua vida, é o que melhor culto rende à Majestade Divina.
Mas, esta atitude não será contrária à natureza humana? Não é próprio do homem só agir quando está convencido de que deve fazê-lo?
Muito pelo contrário. Nada mais racional, nada mais conveniente à criatura do que obedecer totalmente ao seu Criador, sem pedir-lhe contas de Suas ordens e mandamentos. Uma estrutura espiritual, pois, baseada na sujeição absoluta a Deus, é das mais racionais, das mais convenientes à natureza humana. É preciso mostrar que se deve obedecer a Deus, e à Sua Igreja, cujos motivos de credibilidade são claros e convincentes. E isto deve bastar, para que um espírito reto imediatamente se entregue com toda a docilidade nas mãos de Deus e de sua Igreja.
Também não resulta de semelhante formação uma mentalidade fria, tíbia, pouco ajustada à vitalidade humana que se move por motivos internos, e não por coação externa. Pois, quando o homem se capacita de que é feitura de Deus, Senhor Supremo e medida de todas as coisas, e Pai cheio de misericórdia pelos seres dotados de razão, já se convence de que tudo quanto procede deste Altíssimo Senhor e Bondosíssimo Pai só pode ser conveniente à sua pessoa, à perfeição de sua natureza. Entrega-se então de corpo e alma ao objeto da vontade divina, com aquele dinamismo e alacridade que admiramos nos Santos. De maneira que o homem se despoja totalmente pela obediência pura e simples; e Deus vem em auxílio de sua vontade que de modo tão perfeito deseja fazer-lhe o beneplácito, e constrói na sua alma o edifício admirável da vida nova na ordem sobrenatural.
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Eis o ponto de divergência entre o que nos parece a doutrina genuína da Igreja e a concepção que provocou estas considerações. O pensamento nesta expresso, é de que o fiel não se deixa levar tanto pela obediência, quanto por isso que gosta do que Deus manda. Há na sua formação um coeficiente pessoal, que diríamos estritamente pessoal, porque oposto à obediência pura e simples da outra posição. Parece-nos que uma tal formação não fugiria a uma amalgama esdrúxulo de natural e sobrenatural, quando não fosse mais do que um edifício de base meramente psicológica, racional: o homem obedece porque gosta, e aprecia o objeto do preceito. E este gosto, prazer, conveniência ele o pede não à graça, mas ao seu íntimo, às suas inclinações naturais. No fundo predomina a vontade humana.
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Encerremos estas notas, observando que em nada censuramos o estudo e o esforço daquelas pessoas que, para mais intensamente atenderem à vontade santíssima de Deus, procuram, com a sobriedade e humildade convenientes ao limite das potências humanas, melhor penetrar as razões dos mandamentos divinos. Há neste esforço muito da piedade com que filialmente se dedicam os servos de Deus ao conhecimento dos desígnios da Providência, sem as pretensões de conhecer-lhes os arcanos profundos. Mas é um amor posterior à primeira devoção total da obediência que não procura causas de maior dedicação, mas esclarecimentos para fidelidade maior. Pois quanto melhor percebem «quam suavis est Dominus», tanto mais fácil é sua devoção.
OS GUERREIROS BATALHARÃO E DEUS LHE DARÁ A VITÓRIA
As Ordens Militares foram suscitadas por Deus para opor à violência do mal a violência do bem
Entre as Ordens Religiosas de vida ativa estão incluídas as antigas Ordens Militares e as Redentoras.
A Santa Igreja, por inspiração do Espírito Santo, engendra através dos tempos os diversos Institutos Religiosos, a fim de atender às necessidades das almas em cada momento histórico, e manifestar a pujança de sua vitalidade.
Na Idade Média havia união entre a Igreja e o Estado, e a comunidade dos povos cristãos, fundada na mesma Fé, constituía a Cristandade, grande família de povos sob a autoridade espiritual do Papa e o primado temporal do Imperador do Sacro Império Romano Germânico. Contra a integridade da Igreja e da Cristandade investiam continuamente inimigos de duas classes, os internos e os externos. Os primeiros eram os hereges, que por meio de suas doutrinas, espiritual e temporalmente revolucionárias, procuravam arrebatar regiões e até nações inteiras à jurisdição da Santa Sé e do Império. Os segundos eram de um lado os bárbaros do Oriente-norte europeu, e de outro os muçulmanos da Espanha, Ásia Menor e norte da África. Estes atacavam com frequência as fronteiras do mundo cristão, e infestavam os mares perseguindo os peregrinos que iam visitar os Lugares Santos.
Urgia defender contra estas violências a Fé e a civilização católica. Como empreender tal defesa? Para consegui-lo, a Igreja suscitou as Ordens Militares.
Pode-se defender a fé pela espada
Soa muito mal aos ouvidos acostumados a receber com avidez as sentenças liberais, este princípio vigoroso: pode-se defender a Fé pela espada. Entretanto, exprime ele uma verdade incontestável. De fato, a Moral católica nos ensina que é lícito pegar em armas para lutar pela própria honra, pela da família e da pátria. Porque, então, não haveria de ser assim com relação à Fé, o tesouro mais precioso que Deus nos deu, e que confiou em depósito à Igreja? Mais do que lícito, pode ser obrigatório, uma vez que cruzar os braços e esperar tudo de Deus seria abusar da Providência. Aos que quiserem ver uma contradição entre a confiança na Providência e a atitude militante dos católicos, conviria lembrar as palavras de Santa Joana D'Arc quando lhe perguntaram para que precisava de soldados se Deus lhe prometera salvar a França: "Les gens d'armes batailleront et Dieu leur donnera la victoire" — Os guerreiros combaterão e Deus lhes dará a vitória.
A uma ação pela força impõe-se uma reação também pela força. E, assim, para confundir e abater pelas armas aos que armados contra Ela se levantavam, recorreu a Santa Igreja às Ordens Militares e Cavalheirescas.
Características das Ordens Militares
A missão a que eram chamadas as Ordens Militares só poderia ser exercida por leigos, pois aos clérigos é vedado derramar sangue, em virtude de seu caráter sagrado. O aparecimento das Ordens Militares abria, desse modo, novo e amplo campo de ação ao apostolado leigo.
Os membros destes Institutos deviam também pertencer à nobreza, porque é função própria desta arriscar a vida, na guerra, pela defesa da Fé e do bem comum.
Eram contudo verdadeiros Religiosos, de vez que emitiam votos solenes de pobreza, castidade e obediência, além do voto especial de defender pelas armas a causa da Igreja, e adotavam uma Regra monástica, como a de Santo Agostinho, São Bento ou São Basílio.
As Ordens Militares mais famosas
Tendo nascido no século X, no tempo do Imperador Oton III, tomaram as Ordens Militares grande impulso durante as Cruzadas. Entre outras, sobressaíram então, pelo zelo e valor na proteção dos Lugares Santos, a Ordem Hospitalaria e Militar de São João de Jerusalém, hoje chamada Ordem de Malta, a Ordem do Santo Sepulcro, a dos Templários e a Teutônica.
Merece especial destaque a Ordem de Malta porque, além de conservar todas as características de uma verdadeira Ordem Militar bem como grande vitalidade, possui ainda hoje a condição de entidade soberana.
A Ordem de Malta em Jerusalém
Na segunda metade do século XI um grupo de navegantes e mercadores amalfitanos obteve concessão para construir em Jerusalém um conjunto de edifícios compreendendo uma igreja, sede comercial, hospedaria e hospital para os peregrinos de Amalfi. A instituição tomou o nome da igreja de Santa Maria Latina e foi a princípio confiada aos Beneditinos para o serviço de culto. No hospital, que era dedicado a São João Batista, o Bem-aventurado Gerardo fundou uma confraternidade hospitalária. Era o núcleo inicial de um novo instituto religioso. O Superior chamava-se Mestre e os Religiosos, irmãos servidores dos pobres. Vestiam hábito e manto negro, a que mais tarde acrescentaram a cruz branca de oito pontas, que passou a ser o seu distintivo. O sodalício foi aprovado pelo Papa Pascoal II, em 1113, tornando-se a Ordem dos Hospitalários de São João de Jerusalém. Os seus membros, que viviam como frades segundo a Regra de Santo Agostinho, logo se distinguiram pela assistência prestada aos peregrinos e aos cruzados. Numerosas casas filiadas ao Hospital de Jerusalém foram fundadas por esse tempo em toda a Europa.
Com a morte do Fundador e em face dos ataques dos Turcos contra o Reino Latino de Jerusalém, a Ordem tomou sobre si novos encargos. Salientaram-se então os Cavaleiros de São João Hierosolimitano pelos feitos de armas contra os infiéis na Palestina, e também na função importantíssima de manter a atenção do Ocidente Católico voltada para a Terra Santa, através das pregações que se faziam em todas as igrejas, hospitais, mansões e comendas da Ordem na Europa.
A Ordem em Chipre e Rodes
Caídos novamente os Lugares Santos sob o domínio completo dos infiéis, os Cavaleiros de São João se estabeleceram na Ilha de Chipre, onde se dedicaram a organizar uma poderosa frota, na esperança de reconquistar a Palestina. No começo do século XIV transferiram-se para Rodes, que oferecia melhores condições estratégicas. Aí adquiriu a Ordem um novo traço característico, a de verdadeiro Estado Soberano, regido por leis próprias, dotado de exército e armada, sem reconhecer dependência senão à Santa Sé. Em 1312, foi extinta a Ordem dos Templários e grande parte de seus bens reverteram em benefício da Ordem dos Hospitalários. O mesmo se deu quando Inocêncio VIII decretou, em 1489, a supressão da Ordem do Santo Sepulcro. Assim, os Grão-Mestres dos Cavaleiros de São João passaram a ter também a dignidade de Mestres da Ordem do Santo Sepulcro, intitulando-se "Dei gratia Sacrae Domus Hospitalis Sancti Johannis Hierosolymitani et Militaris Ordinis Sancti Sepulchri Dominici Magister humilis, pauperunque Jesu Christi custos" — Por graça de Deus, humilde Mestre da Santa Casa do Hospital de São João de Jerusalém e da Ordem Militar do Santo Sepulcro do Senhor e defensor dos pobres de Jesus Cristo. Com o aumento do número de Cavaleiros, que afluíam de todas as partes da Europa, formaram-se grupos nacionais ou regionais, ditos "Línguas", cada uma com um dirigente, a quem mais tarde foi reservado um cargo no governo da Ordem, como o de Almirante, Marechal, Grão-Comendador e outros.
Tendo Rodes como base de operações, os Cavaleiros de São João empreenderam diversas expedições à Ásia, infligindo muitas derrotas aos turcos. Após a queda de Constantinopla, em 1453, os infiéis avançaram rumo ao ocidente da Europa, e o único baluarte da Cristandade no Oriente ficou sendo Rodes. Os turcos não podiam suportar esta situação. Em 1522 atacaram a Ilha com um acúmulo tremendo de forças: 700 naus de guerra e 200.00 homens. A defesa de Rodes, que foi feita por 300 cavaleiros, 300 escudeiros, 5.000 soldados regulares alguns milhares de homens recrutados na Ilha, constituiu uma das maiores batalhas navais dos Tempos Modernos. A resistência durou cinco meses, findos os quais os Cavaleiros, numericamente inferiores, e cobertos de glória, capitularam honrosamente.
A Ordem em Malta
Poucos anos depois, o Imperador Carlos V concedeu aos valorosos sobreviventes da batalha de Rodes, a soberania da Ilha de Malta, com a condição de que ocupassem e defendessem Trípoli. Foi um encargo pesado, com que os Cavaleiros arcaram durante mais de vinte anos, tendo sido afinal obrigados a abandonar a cidade africana, conservando porém o domínio de Malta.
Das páginas mais gloriosas da história da Ordem foi a defesa da Ilha contra as forças de Solimão, o Magnífico. Orgulhoso de inúmeras vitórias em terra, e preocupado com os revezes que a armada dos Cavaleiros de Malta frequentemente lhe impunha, resolveu, de uma vez por todas, liquidar com o seu poderio. O assalto dos maometanos começou em Maio de 1565. Foram lançados contra a Ilha mais de 200 navios e 50.000 homens, em quanto que as forças da Ordem eram constituídas por 600 cavaleiros e ajudantes de armas e 8.000 soldados. Depois de quase quatro meses de luta c inimigo, que perdera 20.000 homens, levantou o cerco e bateu em retirada. Em homenagem ao heroico e valoroso Grão Mestre, João de La Valette, foi construída a cidade que leva o seu nome e até hoje é a capital da Ilha.
Não cessaram os Cavaleiros de castigar os turcos, até que, no século XVIII, com o declínio da potência muçulmana, se empenharam principalmente na repressão dos piratas que infestavam o Mediterrâneo.
Infelizmente, tudo quanto se relaciona com o homem é precário. No século XVIII, veio para a Ordem um período de decadência, e a Ilha, outrora inexpugnável, foi conquistada sem dificuldades por Napoleão em 1798, passando em seguida para o domínio britânico. A Ordem de Malta parecia destinada a morrer.
A Ordem em nossos dias
A Providência, porém, socorreu esta ínclita família religiosa. Reformada por Leão XIII no fim do século passado, após múltiplas vicissitudes reassumiu as antigas funções hospitalárias e assistenciais, retomou contato com os cavaleiros dispersos por todo o mundo, e encetou em novas condições sua benemérita e tradicional atuação.
A sede magistral está presentemente localizada em Roma e o Soberano Grão Mestre da Ordem é Sua Alteza Eminentíssima, o Príncipe D. Ludovico Chigi Albani Della Rovere, Marechal da Santa Igreja Romana, figura de alto prestígio no Vaticano, na Itália e nas esferas diplomáticas.
Os membros da Ordem são de duas categorias: os professos, verdadeiros Religiosos, com votos de pobreza, castidade e obediência, e os não professos. À primeira pertencem os cavaleiros de justiça que pronunciaram votos, os capelães e os oblatos de justiça professos. À segunda pertencem os cavaleiros de justiça, isto é, que têm os graus de nobreza requeridos, mas não professos, os cavaleiros de honra e devoção, as damas de honra e devoção e outros dignatários. As atividades externas da Ordem consistem principalmente nas obras hospitalárias, nas quais se distinguiu nas últimas guerras mundiais. A soberania da Ordem é reconhecida pela Santa Sé e por outros países, que mantêm legações junto ao Grão Mestre.
Perspectivas de futuro
À primeira vista dir-se-ia que a Ordem de Malta está fadada a desaparecer, pois a era das Cruzadas está definitivamente encerrada; a função da nobreza está aparentemente terminada; o Cavaleiro de Malta, enfim, ao mesmo tempo Religioso e leigo, parece um anacronismo dentro da vida atual da Igreja, em que todas as grandes Ordens Religiosas masculinas são de Sacerdotes.
Entretanto, a realidade é que a defesa da Igreja a mão armada pode de um momento para outro tornar-se mais necessária do que nunca; é falsa, pois, que em nossa época não haja mais ambiente para o espírito das Cruzadas. A função da nobreza não está encerrada, pelo contrário, cabe-lhe papel insubstituível na obra imensa da restauração de todas as coisas em Cristo, papel esse extensivo — como disse o Papa em discurso à nobreza romana — às aristocracias não juridicamente definidas, mas existentes de fato nas Américas. Por fim, estamos precisamente na época em que o apostolado leigo toma grande impulso, e em particular o apostolado dos leigos que vivem no estado religioso, de acordo com os princípios da Constituição "Provida Mater Ecclesia", do Santo Padre Pio XII, que regulou os Institutos Seculares, a que já nos referimos no primeiro artigo desta série.
Quem quisesse, pois, ver no espírito, na organização, nos fins da Ordem de Malta um anacronismo ridículo, estaria muito longe da verdade e do "sentire cum Ecclesia"
As Ordens Redentoras
Destinavam-se as Ordens Redentoras especialmente ao resgate dos prisioneiros cristãos em poder dos maometanos. Ainda existem hoje a Ordem da Santíssima Trindade, ou dos Trinitários, e a Ordem dos Mercedários. A Ordem da Santíssima Trindade foi fundada no século XII por São João da Mata e São Felix de Valois. Com o fim de remir os prisioneiros, os Trinitários angariavam esmolas e mesmo se ofereciam como reféns. A Ordem Real e Militar da Bem-aventurada Virgem das Mercês foi fundada no século XIII por São Pedro Nolasco. Além dos três votos fundamentais, os Mercedários faziam um quarto, de resgatar cristãos cativos.
Segundo cálculos feitos por estudiosos, cerca de 900.000 cristãos foram libertados das mãos dos sarracenos pelas Ordens Redentoras. Atualmente os Trinitários e os Mercedários exercem apostolado nas prisões.
LEGENDAS
- A Igreja do Palácio Magistral da Ordem de Malta, em Roma.
- Aspecto do Palácio Magistral da Ordem de Malta.
- A Assunção, iluminura de um antifonário medieval em pergaminho, do Mosteiro de Guadalupe, Espanha.