LEÃO XIII — Do número destes benefícios não se deve riscar a distribuição das pequenas quantias consagradas à esmola. É a esta que se refere o preceito de Cristo: "Do que vos sobeja dai esmola" (Lc. 11, 41). Os socialistas condenam-na sem dúvida, e querem que ela desapareça do mundo, como injuriosa para a dignidade natural do homem. Mas se ela é feita segundo os preceitos do Evangelho (Mt. 6, 2-4) e de maneira verdadeiramente cristã, não mantém certamente de modo algum o orgulho daqueles que a dão e não é uma vergonha para os que a recebem. Tão longe está de ser desonra para o homem que, ao contrário, sustenta a união da comunidade humana, estreitando os laços que cria a troca de serviços entre os homens. Ninguém, com efeito, é tão rico que não careça dos outros; ninguém é tão pobre que não possa, em alguma coisa, ser útil a outrem; é natural que os homens peçam com confiança e prestem com benevolência mútuo apoio. Assim a justiça e a caridade, ligadas uma à outra pela lei justa e suave de Cristo, mantêm de maneira admirável a coesão da sociedade humana, e levam providencialmente cada um dos membros a trabalhar a um tempo para o bem particular e comum. (Encíclica "Graves de communi", de 18-1-1901).
LEÃO XIII: Assim, pois, sob os auspícios da Igreja, manifestou-se uma certa união de ação entre os católicos, e estabeleceram-se algumas instituições práticas para auxílio do povo, exposto não menos frequentemente às ciladas e aos perigos do que à indigência e aos trabalhos. No começo, esta espécie de beneficência popular não costumava distinguir-se por qualquer título particular. O nome de "socialismo cristão", introduzido por alguns, e as outras expressões derivadas desta, caíram com razão em desuso. Em seguida aprouve a certos, e com bom senso, chamá-la "ação popular cristã". Lugares há onde aqueles que se ocupam destas coisas são denominados "cristãos sociais". Noutras partes essa mesma ação é chamada "democracia cristã" e os que a ela se entregam "democratas cristãos"; ao contrário, o sistema sustentado pelos socialistas é designado sob o nome de "democracia social". (Encíclica "Graves de communi", de 18-1-1901).
Jordão Emerenciano
Um grande francês, cujo nome pronuncio com respeito embora discorde de muitos pontos de sua doutrina, nome que evito declinar porque em torno dele se formaram odiosos preconceitos — disse alguma vez que tudo que era contra a Igreja em França, era antinacional. E não precisava ir longe para demonstrar que a unidade da sua Pátria fora obra não só dos Reis como dos Bispos. A sua grandeza era obra comum dos poetas e soldados e também dos seus Religiosos e dos seus Santos.
Ontem, como no futuro, a Igreja em França representava e representará uma força e um princípio de que as melhores fontes de inspiração e de vida francesa não se podem dissociar e nem devem esquecer sob pena de risco grave e fatal.
Por consequência tudo quanto atentasse contra essa força e esse princípio seria antinacional, anti-francês.
O mesmo podemos os brasileiros dizer a respeito da Igreja no Brasil. A Ela devemos também um dos mais sólidos elementos da nossa unidade e da nossa formação. Em grande parte o nosso caráter, a nossa personalidade, a nossa maneira de ser e de viver são-Lhe devidos.
Um dos nossos historiadores escreveu que todos os grandes movimentos do Brasil começavam sempre no Largo da Igreja matriz. Antes de embarcarem para a conquista do sertão e o recuo do meridiano, os bandeirantes recebiam a benção de um Padre e imprecavam o auxilio de Deus. O primeiro pensamento dos que iam expulsar hereges e invasores era também pedir as bênçãos divinas. Verdadeiro serviço de Deus era considerada essa tarefa de expulsar invasores, preservar a unidade moral e espiritual da pátria que nascia.
Até nos movimentos cívicos e políticos, alguns não de todo defensáveis, era invocada a cooperação de Padres e Frades que até nas conspirações são encontradiços.
Frades e Padres estiveram nas bandeiras, nas reações e até nas revoluções. Toda a história nacional está cheia dessas figuras religiosas que transbordam também para a história da nossa literatura.
Não se pode negar que a Igreja foi no Brasil, logo de início, um alto poder de disciplina moral e espiritual como um fecundo agente da civilização. Os primeiros passos da nossa literatura foram ensaiados à sombra dos claustros dos Religiosos e sobretudo nos colégios da Companhia. Tivemos também os grandes Bispos que muitas vezes juntaram na mesma mão o báculo e o bastão de comando. Não faltou sequer o batismo do sangue dos nossos mártires.
Desse modo a nossa formação, o nosso caráter, a nossa fisionomia espiritual e moral estão intimamente ligados ao apostolado da Igreja, no Brasil. E assim sendo podemos dizer que tudo que é contra a Igreja no Brasil é antinacional.
De certo não será exagero lembrar que muitos intelectuais católicos, bons intelectuais e bons católicos mas deslembrados talvez dos seus deveres de intelectuais católicos, têm esquecido aquela verdade tão simples mas tão difícil de manter permanentemente a salvo. Não raro, estão a louvar e a admirar, no domínio da história, da literatura e até da ética, postulados que embora nada tenham aparentemente em contrário à Igreja ou à Pátria, são, no fundo anticatólicos e por isso mesmo antinacionais. Não raro são largados, a esmo, verdadeiros balões de ensaio como divórcio, secularização de Ordens religiosas, limitações ao exercício do culto, introdução de dispositivos constitucionais anticlericais, sem que mereçam a devida reação.
Esquecem-se de que precisam viver em permanente vigilância a fim de evitar que por incúria ou omissão se perca ou comprometa esse grande patrimônio moral, e podermos dizer realmente e não apenas nos lábios: Tudo que é contra a Igreja no Brasil é antinacional.
Plinio Corrêa de Oliveira
Nossa época sente vergonha da velhice. Este sentimento está tão radicado, que mesmo o que de longe a ele toca lhe desagrada.
Assim, tanto quanto possível, evita-se até parecer ter idade madura. Todo o mundo quer parecer moço. E não são raros os que almejam parecer mocinhos.
Nestas afirmações não vai qualquer exagero. Basta que cada qual olhe em torno de si, e quiçá até para si.
Toda a maquilagem feminina representa um esforço não só no sentido de diminuir a idade, mas de aparentar - tanto quanto o implacável rigor da natureza permita - uma mocidade quase próxima da adolescência. As cores e as formas dos trajes, as atitudes, os gestos, a linguagem, os temas de conversa, o riso, tudo enfim é explorado no sentido de acentuar esta impressão. Os homens não usam maquilagem, senão às vezes nos bigodes e nas têmporas. Mas cada vez mais os trajes típicos da idade madura vão sendo por eles abandonados: as linhas severas, as cores discretas, o feitio sóbrio vão cedendo lugar ao feitio esportivo, às cores claras, às linhas lampeiras. Isto se nota sobretudo nas praias de banho, onde não é raro ver graves professores, políticos de renome, banqueiros sisudos, vestidos precisamente como os netos: pés semi-descalços, cabelos ao vento, blusinha amarelo-canário, calção azul celeste que nem de longe chega ao joelho, felpo à mostra nos braços e nas pernas, risinho brejeiro na boca velha, uma luz factícia mantida à custa nos olhos cansados, e em tudo um tremendo esforço para ocultar uma idade que pertinazmente se atesta, se afirma, se proclama a si mesma por todos os poros.
* * *
Por que tudo isto? Antes de tudo, porque o homem pagão de nossos dias vive para o prazer, e a idade do prazer é por excelência a juventude; pelo menos para os que não compreendem que a mocidade, como escreveu certo autor, não existe para o prazer mas para o heroísmo.
Mas há outra razão. É que a velhice, se pode representar a plenitude da alma, é certamente uma decadência do corpo. E, como o homem contemporâneo é materialista e tem os olhos fechados para tudo quanto é do espírito, claro está que a velhice lhe há de causar horror.
Mas a realidade é que, se um homem soube durante toda a vida crescer não só em experiência, mas em penetração de espírito, em bom senso, em força de alma, em sabedoria, sua mente adquirirá na velhice um esplendor e uma nobreza que transluzirá em sua face e será a verdadeira beleza de seus últimos anos. Seu físico poderá sugerir a lembrança da morte que se aproxima. Mas em compensação sua alma terá lampejos de imortalidade.
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Exemplo memorável do que afirmamos é, em nossos dias, Winston Churchill, a cuja inteligência rutilante de lucidez, a cuja vontade de ferro um grande povo confiou a mais difícil das tarefas, que é reerguer um Império decadente.
Nossa primeira gravura o apresenta aos 34 anos. É indiscutivelmente um moço bem apessoado, inteligente, de futuro. Mas nem seu olhar tem a profundeza, nem o porte a segurança, nem a fisionomia a força hercúlea da fotografia de Churchill em sua velhice, que apresentamos em nosso segundo clichê.
A mocidade sem dúvida se foi, e com ela a louçania. Mas a alma cresceu enquanto o tempo marcava implacavelmente o corpo. E esta alma é por si só a coluna sobre a qual repousa todo um Império.
Isto é - ainda mesmo na ordem meramente natural - a glória e a beleza do envelhecer.
Quantos e quão mais decisivos seriam esses comentários se quiséssemos considerar os dados sobrenaturais do assunto!
Plinio Corrêa de Oliveira
Concluímos hoje nossos comentários sobre a alocução do Santo Padre aos dirigentes do Movimento Universal por uma Confederação Mundial.
Vejamos como, na alocução, se situa o problema da organização jurídica da sociedade internacional.
Em suas linhas teóricas gerais os termos deste problema são muito claros.
Em todos os homens, notamos duas espécies de atributos. Uns são inerentes à sua própria natureza, e constituem aquilo por onde não são, nem plantas, nem pedras, nem Anjos. Estes atributos evidentemente são comuns a todos os homens. Outros, pelo contrário, são próprios a certas nações. Assim, por exemplo, os traços distintivos do francês não são de modo nenhum os do alemão. Em cada país, por sua vez as diversas regiões têm, não só as características nacionais, outras que lhes são peculiares. Assim, na Itália, entre o florentino e o siciliano, quantas diferenças se podem apontar! Por fim, em cada província a cidade, em cada cidade a família, em cada família - por vezes - o ramo, em cada ramo o indivíduo têm suas características espirituais e físicas inconfundíveis.
Assim vistas as coisas, cada indivíduo, como membro que é de uma série de grupos concêntricos que vão desde o lar até a sociedade internacional, tem por assim dizer várias zonas de personalidade, susceptíveis respectivamente de desenvolvimentos próprios, e que vão desde os traços genéricos e comuns de toda a humanidade até as menores minúcias do feitio personalíssimo de cada qual.
Trata-se de saber se todas características são conformes à natureza humana, e a ela inerentes, ou se lhe são extrínsecas e contrárias à sua verdadeira dignidade. Na primeira hipótese as nações, as regiões, os municípios, devem subsistir como todos espirituais e morais bem definidos, e, pois, com cultura, civilização e governo próprio. Em caso contrário devem desaparecer, fundindo-se num só todo.
É este o cerne do problema.
A diversidade de opiniões, de instituições, de costumes, de modos de ser, muito considerável entre as nações de outrora, os dialetos, as danças regionais, os trajes, os costumes, as manifestações artísticas de cada província ou zona vão desaparecendo a olhos vistos. É isto um mal ou um bem? A técnica industrial moderna, baseada na máquina que é estritamente impessoal, inexoravelmente anônima, inflexivelmente uniforme em toda a sua produção, tem conduzido à padronização de todos os objetos de uso individual, e tende a asfixiar em escala sempre crescente as manifestações de personalidade do homem contemporâneo. É isto grave? Ou não passa de bagatela? Em suma, todos os povos e nações podem ser fundidos em um só povo universal, em uma só Pátria comum? Neste caso, seria possível constituir, não tanto um supergoverno mundial (isto é, um governo com esfera de ação superior aos governos locais, mas que deixasse viver os outros), mas um só governo universal debaixo do qual todas as autoridades locais não fossem senão administrativas? Seria isto útil, seria conforme à ordem natural das coisas?
Todos estes problemas dependem essencialmente da questão preliminar. Isto é suficiente para mostrar toda a importância desta.
Sua atualidade não é menor. Desde o século XIV, começou a se esboçar, com a queda do feudalismo e a germinação do Estado moderno, uma tendência unificadora poderosa. Assim, aos poucos, as regiões, com a decadência da autoridade feudal que era intrinsecamente local, foram passando para o domínio pleno das coroas que atuaram como forças essencialmente centralistas. De outro lado, grande número de Estados se foram juntando em um só cetro, mercê de guerras ou de sucessões dinásticas: Leão ( séc. XII ), Granada ( séc. XV ), Aragão ( séc. XV ), a Navarra Espanhola ( séc. XVI ) a Castela; a Irlanda ( séc. XII ) e a Escócia ( séc. XVII ) à Inglaterra; os Países Baixos ( séc. XV ), a Boêmia ( séc. XVI ), a Hungria ( séc. XVII ), etc. à Casa d’Áustria. Quando, em 1789, os tempos modernos deixavam de existir, e se inaugurava o período contemporâneo, este processo de aglutinação tinha caminhado enormemente em todos os países. Por certo existia uma Navarra com instituições e costumes próprios, teoricamente independente, e ligada à França pela mera circunstância de ser seu Rei também Rei de França. Mas de tal maneira era isto teórico, que bastou à Revolução por assim dizer uma penada para fundir a Navarra (e a fortiori meros feudos como a Bretanha) à França, para formar um só Estado maciço, como uma barra de aço, que é a França de hoje. Neste sentido, foi a França uma precursora. No século XIX, a centralização política e administrativa se foi acentuando cada vez mais em todos os Estados europeus em que reinos teoricamente existentes como o Algarves, os “das Espanhas”, foram fundidos com a mesma facilidade com que se fundiu a Navarra no século XVIII. E, ao mesmo tempo, dois grandes movimentos unificadores transformaram em Estados compactos duas grandes nações: a Alemanha, que passou de mera “Confederação Germânica” a Império em 1870, e a Itália, em que se amalgamaram o Piemonte, a Lombardia, o Vêneto, a Toscana, o Reino das Duas Sicílias e por fim, com a tomada de Roma também em 1870, os Estados Pontifícios.
É verdade que, em sentido contrário, algumas descentralizações ocorrem no mapa europeu durante o século XIX, sob a pressão do princípio das nacionalidades e de outros fatores: do Império Otomano se destacaram ( 1829-1878 ) várias monarquias cristãs, Grécia, Bulgária, Montenegro, Sérvia, Rumânia; já no início do século XX, em 1905, a Noruega se separou da Suécia para formar reino à parte; em 1830 a Bélgica se constituiu como Estado distinto da Holanda e da França; a monarquia austro-húngara se desmembrou depois da primeira guerra mundial em numerosas repúblicas soberanas, Áustria, Hungria, Tchecoslováquia, e parte de seu território foi ainda incorporado à Iugoslávia ( a Sérvia acrescida do Montenegro, etc. ) à Polônia ressurrecta.
Entretanto, dos dois fenômenos, o centralizador e o descentralizador, o primeiro se mostrou durável e o segundo efêmero. Com efeito, depois dos tratados de paz de 1918, nenhum Estado mais se desmembrou, e, em sentido contrário, um movimento grupalista se vai pronunciando cada vez mais entre os países menores. Este movimento se tornou particularmente claro depois da última guerra. Certos Estados pequenos, notando a insuficiência de seus recursos econômicos militares dentro da grande tragédia contemporânea, foram levados a unir-se para constituir um organismo super-estatal mais eficaz. O exemplo mais característico é a “Benelux”, formada pela Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Também as nações do Báltico — Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia — tendem a constituir uma união parecida com a Benelux. Menos próxima, porém muito mais importante é a construção do organismo a que se projeta dar o nome de “Estados Unidos da Europa”. Churchill dedicou à realização deste empreendimento boa parte dos lazeres que seu recente ostracismo lhe dava; e tudo leva a crer que sua ascensão ao poder acelerará consideravelmente os estudos, as negociações destinadas a tal fim. De outro lado, a Liga Árabe está se constituindo em poderosa federação na África e Ásia. E a União Latina, em boa hora inaugurada no Rio do Janeiro, é uma semente que parece rica em frutos no sentido federalista.
Em contraposição a estes triunfos unitaristas poder-se-ia mencionar, é certo, o fracasso aparente das duas grandes tentativas de formar um super-Estado, isto é a Liga das Nações e a ONU. Entretanto, ninguém adverte que o super-Estado de fato está em vias de se realizar, embora de outro modo. Com efeito, todas as nações do mundo estão amalgamadas em dois grandes blocos hostis, e cada um destes blocos toma sempre mais claramente a “allure” de super-Estado em relação aos povos que o compõem. À medida que a paz armada vai durando, ambos estes blocos vão lucrando em coesão e homogeneidade. Deflagrada a guerra, o bloco vencedor se assenhoreará do bloco vencido, e o mundo inteiro ficará unificado sob a virga férrea da nação líder do bloco vencedor. Assim, com a ONU, sem ela, contra ela até se necessário fosse, os acontecimentos nos iriam conduzindo para a unificação.
Resumindo:
a) o regionalismo do Estado antigo foi substituído pelo centralismo do Estado moderno;
b) as nações pequenas fundiram-se, para constituir Estados grandes, formando blocos internacionais importantes;
c) as nações de uma mesma raça ou de um mesmo continente tendem a formar imensos blocos federativos;
d) o mundo inteiro por sua vez já está dividido em apenas duas grandes hostes. Depois da guerra, a nação líder da hoste vencedora dominará, e sob seu domínio unificará o mundo, se outras circunstâncias não intervierem.
Diante deste movimento várias vezes secular, poderoso, universal, atualíssimo, trata-se de fixar a posição do pensamento católico.
Basta isto para provar a atualidade e a importância do problema sobre o qual versou a alocução pontifícia.
Diante de tal problema, qual a posição católica? A Igreja é contrária a este movimento?
Sim e não, diz-nos a alocução pontifícia. De uma lado, reconhece ela que a existência de um órgão supranacional destinado a manter e vindicar os princípios do Direito Internacional, e a trabalhar para o bem dos povos, é plenamente conforme à ordem natural, e, portanto, altamente desejável.
De outro lado, porém, mostra que a estruturação deste órgão não lhe é indiferente. Se for centralizador, se pois implicar na destruição de todas as nações, a Igreja se lhe oporá. Se porém respeitar a existência e os direitos de todos os povos, a Igreja o aprovará.
No que consistem precisamente esta existência e estes direitos?
Um povo existe normal e plenamente quando tem uma alma própria, e suficiente liberdade para estruturar segundo esta alma as suas instituições, costumes, cultura e modo de vida. Assim, uma organização mundial não deve ter em mira, de nenhum modo, a destruição das características nacionais ou regionais. Pelo contrário, deve ver nelas verdadeiros tesouros de humanismo ( no sentido bom deste complexo vocábulo ) e, pois, as deve proteger com todas as suas forças. Exemplo desta atitude sábia é a própria Igreja. Em seu grêmio convivem pacificamente todos os povos. A Igreja quer irmaná-los, como boa Mãe que é. Mas uma mãe não irmana seus filhos destruindo-lhes as características psicológicas e a personalidade. Ela os educa de maneira que, retamente e plenamente desenvolvida a personalidade de cada qual, entendam-se perfeitamente. E, por isto, se a Igreja trabalha com empenho para que todos os povos se amem, não quer que o suíço, o chinês, o escocês, o turco, sejam menos caracteristicamente nacionais do que são. O mesmo deve fazer toda organização supranacional digna deste nome. Assim é que se respeita o direito à existência de todos os povos. Este direito, aliás, não é ilimitado. Das características nacionais, algumas há que não podem ser respeitadas, e que um organismo supranacional deveria estar em condições de proscrever. São as que contrariam os princípios da moral natural e cristã, como o hábito de certos selvagens, de enterrarem vivos alguns de seus filhos.
Quanto aos direitos de um povo, pelo menos em tese é fácil de os definir. Há um princípio importantíssimo da doutrina católica que aqui se aplica em toda a sua plenitude. É o da subsidiariedade.
Normalmente, cada indivíduo deve fazer só por si tudo quanto estiver em sua própria alçada. A família existe para fazer o que o homem isoladamente não consegue. O município existe para fazer o que não conseguem as famílias. A província para suprir os municípios. E o Estado para suprir as províncias. Destarte, a família é subsidiária em relação aos indivíduos, e assim sucessivamente até o Estado.
Cada uma destas entidades tem por fim, não matar ou absorver as entidades de caráter inferior, mas favorecê-las. Assim, a família fará o possível para aumentar a individualidade e capacidade de ação de cada um de seus membros. E assim a província deve ser ciosa de respeitar a esfera dos municípios e de os ajudar a desenvolver em toda a amplitude sua atividade normal; o país está no mesmo dever em relação às províncias. E, em consequência, o organismo supernacional deve agir única e exclusivamente numa esfera que transcende dos interesses peculiares de cada Estado, e se situa no plano mais alto do bem comum de todos eles.
Neste sentido, a Igreja aprovaria um organismo supranacional. Mas não se ele se identificasse com o domínio absoluto de um povo sobre os outros, e a absorção de todos os Estados em um só.
Há ainda outra lição importante no documento pontifício. É quanto ao modo por que as nações devem representar-se no organismo super-estatal.
Com efeito, o Sumo Pontífice mostra que as considerações meramente numéricas não são suficientes. Estas considerações sobre as quais se baseou inteiramente o regime representativo contemporâneo, levaram ao fracasso o Estado hodierno. Seria erro muito grave pô-las como base do organismo super-estatal.
E realmente o Iraque tem mais habitantes do que a Suíça; a Ásia mais nações do que a Europa. Se se tomar em linha de conta exclusivamente a força do número — número de indivíduos ou número de Estados — tirar-se-á a direção do mundo às nações mais cultas para a transferir às mais atrasadas.
Mas há outro gênero de considerações numéricas que também não podem preva-[NR: texto truncado no original] de ouro, ou de bombas atômicas.
Em outros termos, os Estados Unidos e a U.R.S.S. estão na liderança dos dois blocos mundiais. No caso de uma guerra desejamos de todo o coração que os norte-americanos derrotem os soviéticos em toda a linha. Sem embargo disto, queremos afirmar que nem a América do Norte nem a Rússia estão em condições de liderar os respectivos blocos. A Rússia, por motivos óbvios. Os Estados Unidos por dois motivos. Primeiramente, porque num bloco de que façam parte latinos e anglo-saxões não existe o menor motivo para que a liderança toque a estes. E se devesse tocar a anglo-saxões melhor seria que tocasse aos britânicos, superiores quase em tudo quanto não seja numérico.
Todas estas considerações nos levam a saudar com efusiva simpatia a União Latina criada no Rio. E é com esta saudação que encerramos o presente comentário.