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AS FAMÍLIAS RELIGIOSAS (4)

Para atender as atuais necessidades da Igreja, suscitou a Providencia admirável variedade de novos institutos religiosos

À medida que o edifício majestoso da civilização cristã da Idade Média foi sendo destruído pelas arremetidas da Revolução, começaram a tornar-se cada vez mais prementes as necessidades pastorais. Problemas que outrora encontravam solução fácil, dada a unidade religiosa e as harmoniosas relações entre a Igreja e o Estado, passaram a causar sérias preocupações aos Pastores. Assim acontecia com o ensino da doutrina às crianças, a educação cristã da juventude, a assistência aos pobres e aos doentes, a preservação da família, da profissão, da cultura, e tudo o mais. Sentiam os Bispos falta de colaboradores eficazes, que, sujeitos a eles, pudessem auxiliá-los nesse vastíssimo campo de apostolado.

Em tal conjuntura, mais uma vez manifestou-se a vitalidade da Santa Igreja que suscitou novos institutos religiosos, aptos a promover não só a perfeição de seus membros pela prática dos conselhos evangélicos em comunidade, mas também a atender às novas exigências de apostolado.

As Congregações Religiosas

As primeiras Congregações Religiosas datam do fim do século XVI. Surgiram inicialmente sob a aprovação dos Bispos — institutos de direito diocesano — e depois receberam aprovação da Santa Sé, vindo por esta forma a ser de direito pontifício. Para se ter ideia do florescimento das Congregações Religiosas basta assinalar que só no século passado foram aprovadas pela Santa Sé cerca de 400. Segundo as últimas estatísticas da Sagrada Congregação dos Religiosos existem atualmente perto de 100 Congregações masculinas e mais de 700 femininas, sem contar as de direito diocesano.

A característica fundamental desses Institutos está em que seus membros pronunciam votos simples. A profissão simples torna ilícitos, mas não inválidos os atos contrários aos votos, quando suscetíveis de nulidade, ao passo que a solene os torna inválidos.

Além da finalidade principal, que é atingir a perfeição evangélica, as Congregações Religiosas têm sempre uma finalidade particular de apostolado. Quanto aos membros, há Congregações constituídas de Sacerdotes, e de leigos.

Vejamos algumas das Congregações Religiosas mais conhecidas.

Passionistas

São Paulo da Cruz, nascido em Ovada, no Piemonte, em 1694, foi o fundador da Congregação da Santíssima Cruz e Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Retirou-se em 1720 no Monte Argentário, na Toscana, e lá, entregue à contemplação e duras penitências, preparou-se para formar essa sociedade de homens generosos, dispostos a santificar-se e fazer apostolado junto ao povo pela pregação de missões. Seguindo as normas deixadas pelo Santo Fundador os Padres Passionistas, que são atualmente em número de 3200, muito têm feito pela santificação dos fiéis através da intensificação da devoção à Sagrada Paixão de Nosso Senhor.

Redentoristas

O insigne cantor das glórias de Maria, Santo Afonso Maria de Liguori, nasceu em 1696, perto de Nápoles, de uma família nobre. Estudou Direito e, obtido o grau de Doutor, advogou no foro napolitano. Sentindo-se chamado por Deus a vida mais perfeita, após muitas lutas com o pai, recebeu a ordenação sacerdotal. Certa vez, uma Religiosa sua dirigida revelou-lhe a visão que tivera na qual ele aparecia como fundador de novo instituto apostólico. Pouco depois surgia a Congregação do Santíssimo Redentor. Aos membros prescreveu o Santo, além dos três votos fundamentais, um quarto de perseverança na Congregação. A finalidade particular deste instituto de Sacerdotes é a cura das almas, essencialmente por meio de missões entre o povo.

Três legados fecundos deixou Santo Afonso a seus filhos: um amor intenso ao Santíssimo Sacramento, terníssima devoção mariana, e zelo ardente pela pureza da doutrina. No seu tempo campeavam os hereges laxistas, que, sob pretexto de combater o jansenismo, pregavam um afrouxamento da repulsa ao pecado. Contra eles escreveu o Santo a famosa "Medulla Theologiae Moralis". Feito Bispo de Santa Ágata dei Goti, manifestou de novo sua intransigência em relação ao erro, atacando principalmente os protestantes e enciclopedistas, que tentavam expandir-se no Reino de Nápoles.

O pequeno grupo de seguidores de Santo Afonso cresceu continuamente e constitui hoje uma grande Congregação, com quase 7.000 membros espalhados por todo o mundo. O Brasil em particular muito deve aos Padres Redentoristas, que sem descanso vão pregando missões por todas as dioceses para reavivar a vida religiosa de nosso povo.

Os Cordimarianos ou Claretianos

Fundou a Congregação dos Missionários Filhos do Coração Imaculado de Maria no ano de 1849, o admirável Bispo mariano Santo Antonio Maria Claret, canonizado no ano passado, no dia 4 de Maio. Os Cordimarianos, que são em número de 2.400, dedicam-se a múltiplas obras de apostolado, como a educação da juventude, a boa imprensa e as missões. São conhecidas suas realizações no Brasil, bastando, lembrar a revista "Ave Maria", editada em S. Paulo, com mais de 50.000 assinantes espalhados por todo o território nacional.

Os Salvatorianos

A Congregação do Santíssimo Salvador nasceu em Roma, tendo sido seu fundador o Padre Francisco Maria da Cruz Jordan. A finalidade especial desta família religiosa é fomentar entre os fiéis o amor a Jesus Salvador. Os Padres Salvatorianos são aproximadamente 1.000 em todo o mundo, contando com várias casas no Brasil.

Os Missionários da Companhia de Maria

Foi fundador desta Congregação o grande devoto de Nossa Senhora, São Luiz Maria Grignion de Montfort. Poucos homens no século XVIII, diz o Padre Faber, trazem em si mais fortemente gravados os sinais de homem da Providência, do que este novo Elias, missionário do Espírito Santo e de Maria Santíssima. Nasceu em Montfort no ano de 1673. Ordenado Sacerdote em 1700, consagrou-se inteiramente à pregação de missões na França, por ordem do Papa Clemente XI, a fim de combater o jansenismo. Perseguido por toda parte, suspenso mesmo de ordens em quase todas as dioceses que percorreu, nunca cedeu, entretanto, à tentação de procurar acordo com os inimigos da devoção à Santíssima Virgem. Para continuar a sua missão fundou uma Congregação masculina, a Companhia de Maria, e uma feminina, a Congregação das Filhas da Sabedoria. Dentre os seus escritos o mais importante é o "Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem", em que anuncia com palavras proféticas a devoção salvadora dos últimos tempos. Morreu São Luís Grignion com 43 anos, pronunciando estas palavras —"Graças a Deus e à Virgem Santíssima". Os Missionários da Companhia de Maria são atualmente cerca de 1350, e têm casas no Brasil.

Os Sacramentinos

Em meio a graves dificuldades conseguiu o Bem aventurado Pedro Julião Eymard reunir em 1856 os primeiros discípulos e fundar a Congregação do Santíssimo Sacramento. A sua finalidade é prestar culto a Jesus Sacramentado e difundir a devoção à Eucaristia. Os Sacramentinos possuem casas em diversos países, onde mantêm com muito zelo a prática salutaríssima da Adoração Perpétua.

Os Missionários do Verbo Divino

A Sociedade do Verbo Divino foi fundada pelo Servo de Deus, Padre Arnaldo Janssen, em 1875, com o fim especial de dedicar-se à obra das missões entre os pagãos. Aprovada em 1901 pelo Papa Leão XIII, desenvolveu-se a Congregação muito rapidamente, contando atualmente com 4.500 membros. Também fundou o Padre Janssen a Congregação das Servas do Espírito Santo.

Mantêm no Brasil duas províncias com educandários, casas de formação e boa imprensa. Ninguém ignora o extraordinário apostolado que nas famílias faz o semanário "Lar Católico", por eles editado em Juiz de Fora.

Os Salesianos

São João Bosco fundou em 1859 a Pia sociedade de São Francisco de Sales, destinada especialmente a trabalhar pela santificação da juventude pobre e abandonada. Nas mais difíceis circunstâncias, tendo fracassado todos os recursos humanos, não desanimava D. Bosco, mas dizia confiante: "Deus providebit", e se encomendava à Virgem Auxiliadora. E os rogos nunca deixaram de ser atendidos. Em 1872 fundou, coadjuvado por Santa Maria Mazzarello, canonizada no dia 24 de Junho deste ano, a Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora, que se dedica à educação cristã das jovens.

Sociedades Religiosas

O que caracteriza as Sociedades Religiosas é o fato de se emitirem nelas votos privados, isto é, votos que, apesar de verdadeiros, não são recebidos oficialmente pela Igreja. Há algumas Sociedades Religiosas muito conhecidas em todo o mundo cristão.

Assim, os Lazaristas e as Irmãs Vicentinas. O grande apostolo da caridade, São Vicente de Paulo, foi o fundador desses Institutos, que surgiram em 1625. Os Padres Lazaristas, que são perto de 5.000, dedicam-se à formação do Clero, dirigindo seminários, bem como à pregação de missões. As Irmãs Vicentinas consagram-se especialmente ao serviço dos doentes, e é de 43.000 o seu número.

Também os Palotinos, fundados em Roma, no ano de 1835, pelo Beato Vicente Palloti, que lhes deu o encargo de pregar missões, bem como aplicar-se ao estudo e ao ensino.

São José Benedito Cottolengo foi o Santo da caridade no século XIX. Admirável pela sua confiança em Deus, fundou em Turim em 1828 a Pequena Casa da Divina Providência, onde as Irmãs socorrem a todos os necessitados. Esta instituição é um vivo testemunho da indefectível Providência de Deus, uma vez que é sustentada exclusivamente pelas esmolas que chegam sem ser pedidas e são distribuídas sem restrição.

Institutos Seculares

Gênero novo de vida religiosa inauguraram os Institutos Seculares. Recentemente aprovou-o Santo Padre Pio XII na Constituição "Provida Mater Ecclesia". Os seus membros emitem votos privados e não vivem necessariamente em comunidade, mas buscam a perfeição evangélica no século e nele se dedicam a obras de apostolado.

Conclusão

O simples relato que em alguns artigos fizemos acerca das Ordens, Congregações, Sociedades e Institutos Religiosos nos faz sentir de um lado a prodigiosa vitalidade do Corpo Místico de Cristo, e de outro o cuidado constante dos Sumos Pontífices de não permitir que seja cerceada esta multiforme unidade suscitada pelo Espírito Santo.

Longe do espírito da Igreja estaria quem visse nesta diversidade riquíssima uma dispersão de forças inútil e até prejudicial. O Espírito sopra onde quer. Admiremos os desígnios da Providência que encaminha os predestinados a uma vida mais perfeita aos mais variados campos, seja na penitência das Ordens Contemplativas, seja nos trabalhos apostólicos da cura das almas, seja nas obras de caridade, e que, por meio desses diferentes institutos, patenteia aos fiéis como são inesgotáveis os frutos que gera a imitação de Cristo.


CORRESPONDÊNCIA

Do Exmo. Revmo. Snr. D. Francisco Expedito Lopes, DD. Bispo de Oeiras: "Deveras entusiasmado com a ótima apresentação e não menos excelente elaboração de seu magnífico periódico "CATOLICISMO", do qual já tenho em mãos três exemplares, apresso-me em trazer a V. Revma. o meu sincero "muitíssimo obrigado" pela delicadeza da remessa, bem como expressar os meus sentidos parabéns pelo bom êxito que vem tão facilmente obtendo na difícil tarefa do jornalismo católico".

Do Snr. Homero Gonçalves Barradas (Porto Alegre): "Devo felicitá-lo pela grande realização que é CATOLICISMO, o jornal que V. Revma. dirige e que é, sem sombra de dúvida, o melhor jornal católico do Brasil. Tanto por sua inteligente feição gráfica, como pelo brilhantismo de seus redatores e, principalmente, por sua orientação segura e ortodoxíssima, "CATOLICISMO" merece ser chamado o melhor jornal católico de nossa terra, ainda que ele seja apenas um mensário que concorre com muitos diários".

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Escreve T. D. G. S. (Campos): .Diante das repetidas restrições que CATOLICISMO tem feito à doutrina político-social de Maritain, esposada por Trintão de Ataíde, pergunto se estamos no campo da opinião, em que seja licito divergir.

R.: CATOLICISMO veio a lume com a aprovação, bênçãos e encorajamento de nosso zeloso Bispo Diocesano, com o fim de auxiliar os fiéis na formação de uma mentalidade genuinamente católica. Motivou seu lançamento uma sugestão do sr. Bispo diante da infiltração liberal mesmo nos meios católicos. Pois, muitos fiéis há que, embora aceitem sinceramente todos os artigos da Fé e preceitos da Moral católica, de fato têm um modo de pensar e agir, um procedimento e uma orientação destoantes do espírito de Jesus Cristo e ajustado aos ideais pagãos que dominam a sociedade moderna. Causa desta incongruência é o princípio liberal, suavemente insinuado, e aceito pelo comodismo individualista do século passado, segundo o qual, a Religião é questão de sentimento, pertence à ordem privada, desenvolve-se à margem da vida profissional e social. Consequência deste estado de coisas são as antinomias com que topamos, a todo instante, no mundo de hoje: católicos socialistas; fiéis, senão divorcistas, muito favoráveis a medidas que desagregam a família; homens de prática religiosa, que no entanto frequentam e fazem os seus frequentarem festas mundanas, sensuais e pagãs.

Também é consequência daquela dissociação — que, diríamos, é na sociedade o correlativo da separação entre a Igreja e o Estado na ordem política — é a floração, mais ampla do que se poderia supor, de opiniões que pretendem justificar uma completa autonomia da ordem social e econômica em relação às normas da Igreja. Esta deveria, como entidade particular, usando de seu vigor incomparável, tonificar os grupos sociais de maneira que a sociedade, por si mesma, mediante um impulso interno, sem atenção a mandamentos de fora — barreiras ao livre e espontâneo desenvolvimento da vida — se tornasse visceralmente cristã.

É fácil de ver como tal programa se opõe diametralmente a tudo quanto a Igreja estabeleceu, no século passado e no início deste, contra o Liberalismo. Infelizmente nem todos assim percebem, enlevados como estão pelo sabor da novidade, e especialmente pela consonância que este ponto de vista apresenta com o ambiente liberal em que está mergulhada a sociedade.

A fim de reavivar nos espíritos as doutrinas da Igreja, têm CATOLICISMO recordado os documentos pontifícios contra que se chocam estas opiniões. De fato, dada sua finalidade, não interessam a CATOLICISMO polêmicas de ordem pessoal. Sempre que critica uma opinião, aduz logo a palavra autêntica da Santa Sé, a fim de que seus leitores percebam qual o espírito que deve esforçar-se por conseguir o católico integral. Eis dados suficientes para responder ao nosso consulente.

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Nesta mesma ordem de ideias, temos ouvido afirmar que não há mal algum em subscrever as opiniões de Maritain, uma vez que a Santa Sé ainda não se pronunciou a respeito.

Este modo de pensar pertence ao Jansenismo. Foram os Jansenistas que, com suas distinções sutis, pretenderam conservar-se na Igreja sem abjurar seus erros; que divulgaram a opinião absurda de que só se deve considerar como condenado o que se exprime com as mesmas palavras da opinião reprovada pela Igreja. Em outros termos, para estes senhores, o católico deve ser de uma tal miopia intelectual que não saiba fazer uso de sua inteligência, que não saiba perceber o que há de geral numa proposição condenada, e portanto não saiba perceber o mesmo erro em outro caso concreto em que, sob novas formas, ele se apresente.

Não é esta a tradição da Igreja. Ainda agora, na encíclica “Sempiternus Rex”, publicada por motivo do 15º centenário do Concílio de Calcedônia, recorda o Papa a oposição unânime dos Padres Conciliares ao pedido dos imperadores do Oriente, no sentido de se lavrar condenação contra Eutiques. Não, diziam eles, porquanto aí estão o símbolo de Constantinopla e os cânones da Igreja, em que a doutrina vem clara e suficientemente exposta (Cfr. A.A.S. vol. 43, pág. 632).

Aliás, seria ridículo pensar que a Igreja deva a todo momento estar a condenar os mesmos erros por isso que são eles renovados pelos desvarios polimorfos do orgulho humano. Não queremos com isto afirmar que a Igreja por vezes não renove suas condenações. Quando Ela julga de conveniência para edificação das almas, o faz. Porém, Ela mesma é o juiz que resolverá da oportunidade ou não de semelhante medida. Sem embargo disto, cada fiel fica obrigado a aplicar às opiniões correntes as decisões promulgadas pela Igreja em circunstâncias anteriores.


Pio XII e o apostolado leigo (conclusão da última página)

"Tanto é louvável manter-se acima dos partidos quanto é reprovável deixar campo livre, na direção do Estado aos indignos e incapazes"

consequências tanto na Europa como no além-mar, terminava por separar a Igreja do Estado. Sem efetuar-se em todo lugar ao mesmo tempo nem no mesmo grau, essa separação teve por toda parte como consequência lógica deixar a Igreja prover por seus próprios meios à existência de sua ação e ao cumprimento de sua missão, na defesa de seus direitos e de sua liberdade. Foi a origem dos assim chamados movimentos católicos que, conduzidos por Sacerdotes e leigos, arrastam, confiados nos seus efetivos compactos e na sua sincera fidelidade, a grande massa dos fiéis ao combate e à vitória. Não é já uma iniciação e uma introdução dos leigos no apostolado?

Vigor novo do Apostolado leigo

Nesta solene ocorrência, consideramos dever muito agradável dirigir uma palavra de reconhecimento a todos os que, Sacerdotes e fiéis, homens e mulheres, se incorporaram a tais movimentos (3) pela causa de Deus e da Igreja e cujos nomes merecem ser citados com honra em toda parte.

Eles sofreram, combateram, unindo do melhor modo seus esforços por demais dispersos; os tempos não estavam ainda maduros para um congresso tal qual o que acabais de celebrar. Como chegaram eles, pois, à maturação no decurso desse meio século? Vós o sabeis; em ritmo cada vez mais acelerado, a fenda que desde muito tempo separara os espíritos e os corações em dois partidos, pró e contra Deus, a Igreja e a Religião, alargou-se e se aprofundou; ela delineou, talvez não com igual nitidez por toda parte, uma fronteira no próprio seio dos povos e das famílias.

Existe, é verdade, toda uma multidão confusa de tíbios, irresolutos e flutuantes, para os quais a religião é ainda talvez alguma coisa mas algo de bem vago, sem nenhuma projeção em sua vida. Essa turba amorfa pode, a experiência o ensina, ver-se de um dia ou outro, de improviso, na contingência de tomar uma decisão.

Tríplice missão da Igreja

Quanto à Igreja, tem Ela ante todos uma tríplice missão a cumprir: erguer os fiéis fervorosos ao nível das exigências do tempo presente (4); introduzir aqueles que se demoram nos umbrais, na cálida e salutar intimidade do lar; reconduzir os que se afastaram da religião, e que no entanto Ela não pode abandonar à sua miserável sorte. Bela tarefa para a Igreja, mas que se tornou difícil devido a que, embora no conjunto Ela tenha crescido consideravelmente, seu Clero todavia não aumentou em proporção. Ora, o Clero tem necessidade de se poupar antes de tudo para o exercício de seu ministério propriamente sacerdotal, onde ninguém o pode substituir.

Necessidade do Apostolado leigo

Um complemento fornecido pelos leigos ao apostolado é portanto de necessidade indispensável. Que ele seja de precioso valor, a experiência da fraternidade de armas ou de cativeiro ou de outras provações da guerra aí está para dar testemunho. Ela atesta, principalmente em matéria de religião, a influência profunda e eficaz dos companheiros de profissão, de condição, de vida. Esses fatores e muitos outros, devidos às circunstâncias de lugar e de pessoas, tornaram mais largas as portas à colaboração dos leigos no apostolado da Igreja.

A abundância de sugestões e experiências permutadas no decurso de vosso Congresso, como também o que dissemos nas ocasiões já mencionadas, Nos dispensam de entrar em pormenores mais amplos acerca do apostolado atual dos leigos. Contentar-Nos-emos, pois, em vos expor algumas considerações que podem lançar um pouco mais de luz sobre um ou outro dos problemas que se apresentam.

Todos os fiéis devem ser Apóstolos

1 — Todos os fiéis, sem exceção, são membros do corpo místico de Jesus Cristo. Segue-se que a lei da natureza e, mais premente ainda, a lei de Cristo, lhes impõem a obrigação de dar o bom exemplo de uma vida verdadeiramente cristã: «Christi bonus odor sumus Deo in iis qui solvi fiunt, et in iis qui pereunt». — «Somos para Deus o bom odor de Cristo em meio àqueles que são salvos em meio àqueles que se perdem» (2 Cor. 2,15). Todos estão também convocados, e hoje sempre mais intensamente, a pensar, na oração é no sacrifício, não somente em suas necessidades privadas, mas ainda nas grandes intenções do reino de Deus no mundo, conforme o espírito do «Pater noster», que o próprio Jesus Cristo ensinou.

Não porém igualmente

Poder-se-ia afirmar que todos são igualmente chamados ao apostolado na acepção estrita da palavra? Deus não deu para tanto a todos nem a possibilidade, nem as aptidões. Não se pode exigir que se encarregue de obras desse apostolado a esposa, a mãe, que educa cristãmente os filhos, e que deve além do mais trabalhar em casa para ajudar o marido a sustentar os seus. A vocação de apóstolos não se destina portanto a todos (5).

Difícil fixar a linha demarcatória do Apostolado

Realmente, é árduo traçar com precisão a linha demarcatória, a partir da qual começa o apostolado dos leigos propriamente dito. Dever-se-á, por exemplo, considerar como tal a educação dada seja pela mãe de família, seja por educador e educado. [NR: truncado no original] ...ra santamente zelosos no exercício de sua profissão pedagógica; ou então o procedimento do médico afamado e francamente católico, cuja consciência não transige nunca quando a lei natural e divina está em jogo, e que milita com todas as suas forças em favor da dignidade cristã dos esposos, dos direitos sagrados da prole; ou ainda a ação do estadista católico em favor de uma política ampla acerca de casas para os menos favorecidos?

Muitos se inclinariam para a negativa, não vendo em tudo isso mais que o simples cumprimento, bastante louvável, mas obrigatório, do dever de Estado.

Valor do Apostolado Individual

Conhecemos entretanto o poderoso e insubstituível valor, para o bem das almas, desse simples cumprimento do dever de Estado por milhões e milhões de fiéis conscienciosos e exemplares.

O apostolado dos leigos, no sentido próprio, está sem dúvida em grande parte (6) organizado na Ação Católica e nas outras instituições de atividade apostólica aprovadas pela Igreja (7); mas, fora destas, pode haver e há apóstolos leigos, homens e mulheres, que olham o bem a fazer, as possibilidades e os meios de fazê-lo; e eles o fazem preocupados unicamente em conquistar almas para a verdade e a graça. Pensamos também em tantos leigos excelentes, que, nas regiões em que a Igreja é perseguida como o era nos primeiros séculos do Cristianismo, substituindo da melhor maneira os Sacerdotes encarcerados, pondo mesmo em perigo a própria vida, ensinam ao redor de si a doutrina cristã, instruem acerca da vida religiosa e do justo modo de pensar católico, conduzem à frequência dos Sacramentos e à prática das devoções, especialmente da devoção eucarística. Vós os vedes em ação, a todos esses leigos; não vos inquieteis em perguntar-lhes a que organização pertencem (8); admirai antes e reconhecei de bom grado o bem que eles fazem.

Liberdade na polimorfa atividade apostólica

Longe de Nós a intenção de depreciar a organização ou de subestimar o seu valor como fator de apostolado; Nós a estimamos, pelo contrário, muitíssimo, principalmente num mundo em que os adversários da Igreja se precipitam sobre esta com a massa compacta de suas organizações. Mas não deve ela conduzir a um exclusivismo mesquinho (9), ao que o Apóstolo chamava «explorare libertatem»: «espreitar a liberdade» (Gol. 2,4). No quadro de vossa organização, deixai a cada um grande amplitude para desenvolver suas qualidades (10) e dons pessoais em tudo o que pode servir ao bem e à edificação: «in bonum et aedificationem» (Rom. 15,2) e regozijai-vos quando fora de vossas fileiras virdes outros, «conduzidos pelo espírito de Deus- (Gal. 5,18), conquistar seus irmãos para Cristo.

Submissão x Hierarquia

2 — O clero e os leigos no apostolado.

É fora de dúvida que o apostolado dos leigos está subordinado à Hierarquia Eclesiástica; esta é de instituição divina; não é portanto possível independer dela. Pensar de outro modo seria solapar pela base a rocha sobre a qual o próprio Cristo edificou a sua Igreja (11).

E não só ao Bispo, mas também ao Pároco

Isto posto, seria ainda errôneo crer que no âmbito da diocese, a estrutura tradicional da Igreja ou sua forma atual colocasse essencialmente o apostolado dos leigos em linha paralela ao apostolado hierárquico, de sorte que o próprio Bispo não pudesse submeter ao Pároco o apostolado paroquial dos leigos. Ele o pode; e pode estabelecer como regra que as obras de apostolado dos leigos destinadas à própria paróquia estejam sob a autoridade do Pároco. O Bispo constituiu a este, pastor de toda a paróquia, e ele é, como tal, responsável pela salvação de todas as suas ovelhas (12).

Que possa haver, de outra parte, obras de apostolado leigo extra-paroquiais e mesmo extra-diocesanas, —diríamos de mais bom grado supra-paroquiais e supra-diocesanas — segundo exija o bem comum da Igreja, é igualmente verdade e não é necessário repeti-lo (13).

Submissão maior da Ação Católica

Em Nossa alocução de 3 de maio último à Ação Católica Italiana deixamos entendido que a dependência do apostolado dos leigos em relação à Hierarquia admite graus. Essa dependência é mais estreita para a Ação Católica; esta representa com efeito o apostolado dos leigos oficial (14); ela é um instrumento nas mãos da Hierarquia, deve ser como que o prolongamento do seu braço, está por essa razão submetida por natureza à direção do superior eclesiástico. Outras obras de apostolado dos leigos, organizadas ou não, podem ser deixadas mais à livre iniciativa, com a amplitude que exigirem os fins a atingir (15). É claro que, em todo o caso, a iniciativa dos leigos no exercício do apostolado deve-se manter sempre dentro dos limites da ortodoxia e não se opor às prescrições legitimas das autoridades eclesiásticas competentes.

Os leigos: instrumentos conscientes

Quando comparamos o apóstolo leigo, ou mais exatamente o fiel da Ação Católica a um instrumento nas mãos da Hierarquia, de acordo com a expressão que se tornou corrente, entendemos a comparação no sentido de que os superiores eclesiásticos dele usam da maneira pela qual o Criador e Senhor usa das criaturas racionais como instrumentos, como causas segundas, «com uma doçura cheia de atenções» (Sap. 12, 18). Que façam pois uso deles, com a consciência de sua grave responsabilidade, encorajando-os, sugerindo-lhes iniciativas e acolhendo de bom grado as que lhes forem propostas por eles, e conforme a oportunidade aprovando-as com largueza de vistas. Nas batalhas decisivas é por vezes do front que partem as iniciativas mais felizes. Disto oferece a história da Igreja exemplos assaz numerosos (16).

«Emancipação dos leigos»: frase condenável

De maneira geral, no trabalho apostólico é de desejar que a mais cordial harmonia reine entre Sacerdotes e leigos. O apostolado de uns não é concorrência ao de outros. E mesmo, para bem dizer, a expressão «emancipação dos leigos» (17) que se ouve aqui e acolá em nada Nos apraz. Soa de maneira desagradável. Aliás é historicamente inexata. Eram então crianças, menores, e tinham necessidade de esperar a emancipação, esses grandes condottieri aos quais fazíamos alusão ao falar do movimento católico dos últimos cento e cinquenta anos? De resto, no reino da graça, todos são tidos como adultos.

E é isto que tem valor.

O Clero, capaz para todo Apostolado, mas insuficiente em número

O apelo ao concurso dos leigos não é devido à fraqueza ou ao revés do Clero em face de sua tarefa presente. Que tenha havido fraquejamentos individuais, é a inevitável miséria da natureza humana, e coisa que se encontra por toda a parte, mas, para falar de modo geral, o Padre tem olhos tão bons quanto o leigo para discernir os sinais do tempo, e não tem o ouvido menos sensível para auscultar o coração humano. O leigo é chamado ao apostolado como colaborador do Padre, frequentemente colaborador muito precioso, e mesmo necessário em virtude da falta de Clero, muito pouco numeroso, dizíamos, para ser apto a satisfazer sozinho sua missão.

Vários campos de apostolado

3 — Não podemos terminar, queridos filhos e filhas, sem recordar o trabalho prático que o apostolado dos leigos realizou e realiza no mundo inteiro, em todos os domínios da vida humana individual e social, trabalho cujos resultados e experiências conferistes e discutistes nestes dias: apostolado a serviço do matrimônio cristão, da família, da criança, da educação e da escola; para os jovens e as jovens; apostolado de caridade e de assistência sob seus aspectos hoje incontáveis; apostolado em prol de melhoria prática das desordens sociais e da miséria; apostolado nas missões ou em favor dos emigrantes e dos imigrantes; apostolado no domínio da vida intelectual e cultural; apostolado das diversões e do esporte; enfim, e não é o menor, apostolado da opinião pública.

Recomendamos e louvamos vossos esforços e vossos trabalhos, e acima de tudo o vigor da boa vontade e do zelo apostólico que trazeis em vós, que espontaneamente manifestastes durante o próprio Congresso, e que, quais fontes poderosas de águas vivificantes, tornaram fecundas suas deliberações.

A Igreja fora dos Templos

Nós vos felicitamos por vossa resistência a essa tendência nefasta que reina mesmo entre católicos, e que desejaria confinar a Igreja nas questões ditas «puramente religiosas»: e nem é necessário fazer esforço para saber ao certo o que se entende por esta expressão: contanto que a Igreja se confine no santuário e na sacristia, e deixe preguiçosamente a humanidade a debater-se fora, na angústia e nas necessidades, nada mais se lhe pede.

É a pura verdade: em certos países ela é forçada a se enclausurar assim. Mesmo nesse caso, entre as quatro paredes do templo, ela deve ainda fazer do melhor modo o pouco que ainda lhe é possível. Ela ai não se confina nem espontânea nem voluntariamente.

Pois o homem é fiel também na vida social

Necessária e continuamente a vida humana, privada e social, se encontra em contato com a lei e o espírito de Cristo; dai resulta, por força das coisas, uma compenetração recíproca do apostolado religioso e da ação política. Política, no sentido elevado da palavra, não quer dizer outra coisa senão colaboração para o bem da Cidade, Polis. Mas esse bem da Cidade se estende muito amplamente e, por conseguinte, é no terreno político que se debatem e também se ditam as leis de maior alcance, como as que concernem ao matrimônio, à família, à criança, à escola, para Nos limitarmos a esses exemplos. Não são questões que interessam de modo capital à religião? Podem elas deixar indiferente, apático, a um apóstolo?

Apostolado e política

Na alocução citada mais acima (3 de maio de 1951), traçamos o limite entre Ação Católica e ação política. A Ação Católica não deve entrar em luta na política de partido. Mas como dizíamos também aos membros da Conferência Olivaint, «tanto é louvável manter-se acima das querelas contingentes que envenenaram as lutas dos partidos... quanto seria reprovável deixar campo livre, para dirigir os negócios do Estado, aos indignos e aos incapazes» (disc. 28 de março de 1948). Até que ponto pode e deve o apóstolo manter-se à distância desse limite? É difícil, acerca deste ponto, formular uma regra uniforme para todos. As circunstâncias, a mentalidade, não são as mesmas em todas as partes.

Congratulações

Recebemos vossas resoluções com prazer; elas exprimem vossa firme boa vontade de vos estenderdes a mão uns aos outros, por sobre as fronteiras nacionais, a fim de chegar a uma plena e eficaz colaboração na caridade universal. Se há no mundo uma potência capaz de derrubar as mesquinhas barreiras de preconceitos e de «partis pris», e de dispor as almas a uma franca reconciliação e a uma fraternal união entre os povos, é bem tal potência a Igreja Católica. Podeis regozijar-vos com altivez. A vós cabe contribuir para isso com todas as vossas forças.

Bênção final

Poderíamos dar a vosso Congresso melhor conclusão do que repetir as admiráveis palavras do Apóstolo das nações: «De resto, irmãos, estai na alegria, tornai-vos perfeitos, animai-vos uns aos outros, tendo um mesmo sentimento, vivei em paz, e o Deus de amor e de paz será convosco» (2 Cor. 13, 11). E quando o Apóstolo conclui: «Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunicação do Espírito Santo sejam com todos vós» (ib. v. 13), exprime ele aquilo mesmo que toda ação vossa procura levar aos homens. Que esse dom encha também vossas próprias almas e vossos corações.

Seja este Nosso voto final. Queira Deus atendê-lo e cumular-vos, a vós e a todo o orbe católico, com Suas melhores graças, em penhor das quais vos concedemos, com toda a efusão de Nosso coração, Nossa Benção Apostólica.

NOTAS

(1) «Ampliar seus quadros», isto é, colocando leigos em bom número de cargos ou funções até aqui reservados exclusivamente a clérigos. Dentro desta linha de pensamento estaria a sentença de que a A. C. é uma atividade «especificamente sacerdotal», que confere aos leigos um poder público dentro da Igreja. Os exageros relativos ao mandato, e à participação — vocábulo muito correto que se encontra em várias definições de Pio XI, mas que foi abusivamente interpretado — estão na mesma linha.

(2) Escritores recentes têm afirmado que o regime da união do Estado à única Igreja verdadeira representou um mal para esta, e que os próprios interesses do catolicismo melhor se ajustariam ao pluralismo religioso preconizado para a futura cristandade. Referindo-se de passagem ao regime da união o Sumo Pontífice lhe proclama pelo contrário a benéfica influência.

(3) É de se notar que o Santo Padre fala no plural, de todos os «movimentos», ao contrário da sentença errônea que atribuiria a Roma o desígnio de fechar todas as associações para só deixar viva a A. C. Esta pluralidade de organismos de apostolado é mantida ainda hoje, como prescreve esta mesma alocução, linhas abaixo.

(4) Enumerando as finalidades da Igreja, e portanto do apostolado leigo, Pio XII começa por mencionar a santificação dos bons, ao contrário da sentença que apontava no chamado apostolado de conquista, isto é, de conversão de pecadores ou apóstatas, a finalidade exclusiva ou quase exclusiva da A. C.

(5) Por esta afirmação do Papa vê-se que erravam aqueles quê faziam da inscrição na A. C. um como que sexto mandamento da Igreja, ato obrigatório para todos e quaisquer fiéis, e inculcado como tal na instrução catequética preparatória do casamento.

(6) O Papa afirma a legitimidade e a autenticidade do apostolado leigo exercido fora de quadros definidos e organizados e, pois, condena qualquer monopólio.

(7) O Papa reafirma que o apostolado dos leigos pode ser exercido tanto na A. C. quanto em outras associações.

(8) Cfr. nota 6.

(9) Cfr. nota 6.

(10) O Sumo Pontífice condena a padronização absoluta da formação religiosa e apostólica.

(11) O Sumo Pontífice acentua assim a gravidade de qualquer erro visando diminuir a dependência do apostolado leigo em, relação à Hierarquia.

(12) Erroneamente afirmavam muitos que a A. C. não dependia do Vigário ou Assistente Eclesiástico, mas só do Bispo.

(13) Proscreve aqui o Papa a opinião que negava autenticidade a qualquer obra de apostolado que não fosse estritamente paroquial: movimentos interparoquiais ou diocesanos, bem como obras de apostolado leigo existentes no interior de instituições isentas como Mosteiros, Conventos, etc.

(14) A sentença errada quereria que a A. C., precisamente por ser um organismo oficial, fosse independente. Afirmava-se até que nisto estava um dos traços diferenciais entre as Congregações Marianas, organismos extra-oficiais e dependentes do Diretor Eclesiástico, e a A. C., organismo oficial, quase independente do Assistente Eclesiástico. A «Bis Saeculari», afirmando serem as CC. MM. verdadeira ação católica, revestidas com todas as notas distintivas desta, esclareceu o assunto. A presente alocução vem dar o último remate. Cumpra observar que nesta Diocese as CC. MM. e as Pias Uniões são organismos fundamentais da A. C., em inteira paridade com outras associações da Ação Católica.

(15) As Conferências de São Vicente de Paulo, por exemplo.

(16) A sentença contrária via na plena sujeição dos leigos à Hierarquia algo de tirânico e vergonhoso, bem como um entrave à ação apostólica daqueles.

(17) Promovida sob o infundado pretexto de participação, mandato, etc.