(Os subtítulos insertos no texto e as notas são desta Redação)
O Congresso Mundial do Apostolado Leigo, recentemente realizado em Roma, constituiu um dos fatos marcantes do pontificado de Pio XII, e um dos acontecimentos mais salientes da história bimilenar do apostolado leigo na Igreja de Deus.
Com efeito, sob as vistas do Romano Pontífice, reuniram-se em Roma figuras exponenciais do laicato católico do mundo inteiro, para um mútuo conhecimento de anelos, de preocupações e de projetos, que auxiliará poderosamente a solução, em escala internacional, dos graves problemas espirituais e temporais com que se defronta a ação da Igreja em nossos dias.
Este Congresso foi um excelente testemunho de amor e de confiança da Sagrada Hierarquia, e muito especialmente do Vigário de Jesus Cristo, nos apóstolos leigos. O simples fato de sua realização atesta toda a importância que a Igreja atribui à ação do leigo no século XX. As numerosas provas de consideração de que foi cercado o Congresso ainda mais realce deram ao honroso apreço da Hierarquia. De outro lado, a alocução então pronunciada pelo Santo Padre, que foi sem dúvida a chave de ouro do Congresso, constituiu um verdadeiro hino de amor paternal do Vigário de Cristo, enaltecendo os múltiplos títulos pelos quais a Igreja deposita Sua esperança na ação dos leigos. Transcrevendo em nossas páginas o admirável discurso de Pio XII, não poderíamos deixar de consignar todo o estimulo que ele é de molde a trazer às atividades do laicato católico nesta diocese e no Brasil inteiro, sob suas múltiplas e providenciais formas: Ação Católica, Congregações Marianas, Apostolado da Oração, Pias Uniões de Filhas de Maria, etc. Assim, nossa piedade filial se rejubila em assinalar o grande benefício que as palavras do Papa trazem para o apostolado leigo do qual tanto espera o Brasil.
Toca-nos agora recolher e aproveitar os preciosos frutos deste Congresso. Primeiramente, por um redobrar de zelo nas atividades apostólicas, segundo a mente e as diretrizes do Vigário de Cristo. Em segundo lugar, por um estudo particularmente atento da alocução com que Pio XII brindou os leigos católicos do mundo inteiro.
Para este efeito, publicamos aqui um comentário rápido do documento pontifício.
De há muito vinha sendo prejudicado o surto de apostolado leigo, por profunda diversidade de pontos de vista entre doutrinadores e homens de ação, divididos uns e outros acerca das relações da Ação Católica com a Sagrada Hierarquia, e com as demais organizações do apostolado. Certas sentenças divulgadas com insistência, ora de modo mais velado, ora explícito, na cátedra, na imprensa, em reuniões e círculos de Ação Católica, etc., tendiam a constituir e apresentar a A.C. como um corpo estranho dentro da estrutura jurídica tradicional da Igreja. Munida de um mandato pontifício que lhe era absolutamente peculiar, investida, por uma participação estrita nos próprios poderes da Hierarquia, de uma verdadeira função governamental na Igreja, a Ação Católica era tida como um organismo autônomo em relação aos Bispos ou pelo menos ao Clero. Em consequência, o Assistente Eclesiástico só tinha dentro dela um poder de veto, e isto mesmo apenas no caso em que as deliberações dos leigos tivessem qualquer coisa de contrário à doutrina da Igreja. Como se vê, o Sacerdote não era senão o encarregado da manutenção da ortodoxia. Toda a direção das atividades, dentro dos limites da ortodoxia, cabia aos leigos.
Precisamente nesta autonomia, logicamente deduzida dos pressupostos errados relativos à participação e ao mandato, constituiria uma das notas distintivas entre a Ação Católica e as demais associações de apostolado, já que estas últimas, não tendo mandato nem participação, dependiam inteiramente do Clero.
Outro conceito corrente era de que absolutamente todas as modalidades do apostolado deveriam ser englobadas e monopolizadas por uma só organização, a A.C. Toda forma do apostolado alheia aos quadros desta seria quase diríamos espúria.
Analisando estas tendências em seu conjunto, poderíamos ver nelas o reflexo das duas tendências essenciais da sociedade temporal contemporânea: democraticismo, pela diluição da diferença específica entre plebe e hierarquia na estrutura da Igreja; e socialização, pela absorção de todas as atividades privadas em favor de um só organismo oficial monopolizador.
Na sua alocução, o Santo Padre Pio XII dá os princípios fundamentais relativos ao apostolado leigo, quer da A.C. quer das outras organizações, e deixa bem claro que no conjunto destes princípios não têm o menor lugar, nem a pretensa participação dos leigos no governo da Igreja, nem o suposto mandato peculiar da Ação Católica. Pelo contrário, esta última figura precisamente entre as associações mais dependentes do Clero, e isto precisamente em virtude de sua própria excelência. Assim, a partir da alocução pontifícia, todas as digressões referentes ao mandato, à participação etc., enquanto elementos novos na estrutura jurídica da Igreja, perdem inteiramente sua razão dê ser.
Dizemo-lo com um suspiro de alívio. In veritate caritas. Ficam definitivamente superadas as velhas discussões, e um terreno largo e fecundo se abre daqui por diante à cooperação de todos os católicos sob a direção do Sumo Pontífice e dos Bispos, inteiramente esquecidas as divergências de ontem, e voltados os olhares exclusivamente para as labutas de amanhã.
Estamos certos de que esta concórdia é o fruto almejado pelo coração amoroso do Vigário de Jesus Cristo. O Papa não quer ver em seus filhos, com o augusto pronunciamento doutrinário que hoje publicamos, vencedores nem vencidos, mas apenas irmãos afetuosos, cordial e humildemente unidos em torno do Pai comum.
É neste espírito que publicamos o discurso do Santo Padre, acompanhando-o de notas da lavra desta redação que condensam a sentença errada a que se refere cada tópico da alocução. Os subtítulos também são nossos.
Terminamos este comentário saudando fraternalmente, no amor ao Vigário de Jesus Cristo, in Christo et in Petro, todos os pensadores e homens de ação do apostolado leigo no Brasil, qualquer que tenha sido até aqui sua posição perante os problemas que o documento de Pio XII luminosa e definitivamente esclarece.
É grande a consolação e alegria que inunda Nosso coração ante o espetáculo de vossa imponente assembleia, onde vos vemos reunidos sob Nossos olhos, a vós Veneráveis irmãos no episcopado, e a vós também, queridos filhos e filhas, que acorrestes de todos os continentes e de todas as regiões ao centro da Igreja, para aí celebrar esse Congresso Mundial sobre o Apostolado dos leigos. Vós lhe estudastes a natureza e o objeto, lhe considerastes o estado presente e reeditastes sobre os importantes deveres que lhe incumbem em previsão do futuro. Foram para vós dias de oração instante, de sério exame de consciência, de troca de experiências. Para concluir, viestes renovar a expressão de vossa fé, de vosso devotamento, de vossa fidelidade ao Vigário de Jesus Cristo e rogar-lhe que fecunde com Sua benção vossas resoluções e vossa atividade.
Muito frequentemente, no decorrer de Nosso pontificado, temos falado, em circunstâncias e sob aspectos bastante variados, desse apostolado dos leigos, em nossas mensagens a todos os fiéis ou ao Nos dirigirmos à Ação Católica, às Congregações Marianas, aos operários e às operárias, aos mestres e às mestras, aos médicos e aos juristas, e também aos meios especificamente femininos, para insistir acerca de seus deveres atuais mesmo na vida pública, bem como a outros. Foram para Nós outras tantas ocasiões de tratar, incidental ou expressamente, de questões que encontraram, nesta semana, lugar marcado em vossa pauta.
Desta vez, em presença de tão numerosa elite de Sacerdotes e de fiéis, todos bem conscientes de sua responsabilidade nesse ou para com esse apostolado, desejaríamos, com uma palavra muito breve, «situar» seu lugar e seu papel atual à luz da história passada da Igreja. Ele nunca lhe foi estranho; seria interessante e instrutivo seguir-lhe a evolução no decurso dos tempos passados.
Costuma-se dizer com frequência que, durante os quatro últimos séculos, a Igreja foi exclusivamente «clerical», por reação contra a crise que, no século XVI, pretendera chegar à abolição pura e simples da Hierarquia e, a propósito, insinua-se que está em tempo de ampliar ela os seus quadros (l).
Semelhante julgamento está de tal modo longe da realidade quanto foi precisamente desde o santo Concílio de Trento que o laicato tomou posição e progrediu na atividade apostólica. É coisa fácil de verificar; basta recordar dois fatos históricos patentes entre muitos outros: as Congregações Marianas de homens exercendo ativamente o apostolado dos leigos em todos os domínios da vida pública, e a introdução progressiva da mulher no apostolado moderno. E convém, a respeito desse ponto, relembrar duas grandes figuras da história católica: uma é a de Maria Ward, essa mulher incomparável que, nas horas mais negras e mais sangrentas, a Inglaterra católica deu à Igreja; a outra, a de São Vicente de Paulo, figura incontestavelmente de primeira plana entre os fundadores e os promotores das obras de caridade católica.
Não se deveria também deixar passar desapercebida, nem sem lhe reconhecer a benéfica influência (2), a estreita união que, até a Revolução francesa, colocava em relação mútuas, no mundo católico, as duas autoridades estabelecidas por Deus: a Igreja e o Estado. A intimidade de suas relações no terreno comum da vida pública criava - em geral - uma como que atmosfera de espírito cristão que dispensava grande parte do trabalho delicado ao qual devem hoje se dedicar os Padres e os leigos para proverem à salvaguarda e ao valor prático da fé.
No fim do século XVIII um fator novo entra em jogo. De um lado, a constituição dos Estados Unidos da América do Norte — que tomavam um desenvolvimento extraordinariamente rápido e onde a Igreja devia logo crescer consideravelmente em vida e em vigor — e, doutro lado, a Revolução francesa, que, com suas
São Bernardo
De uma carta ao Papa Inocêncio II a respeito dos erros de Pedro Abelardo, teólogo afamado:
TEMOS em França um indivíduo que de antigo mestre-escola se transformou em teólogo, e, depois de haver passado toda sua juventude nos tumultos da dialética, vem agora enfurecer-se até o frenesi contra as Sagradas Escrituras. Esforça-se ele por ressuscitar todos os antigos erros, condenados há tempo e sepultados no esquecimento, tanto seus como de outros autores, e ainda por cima pretende conhecer quanto há de mais recôndito no mais profundo da terra; e, mostrando com seu modo de agir que a única coisa de que ainda não se deu conta é sua insigne nesciedade, entra pelos próprios umbrais da vida eterna para esquadrinhar os mais sublimes arcanos de Deus, e em seguida volta a baixar até nós para contar-nos as palavras inefáveis que a nenhum homem é dado exprimir; com o que, enquanto parece disposto a dar-nos cumpridamente a razão de tudo, mesmo daquilo que é superior a toda a razão, o que realmente demonstra é estar contra toda a razão e contra a própria fé.
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Acabamos de ver como, segundo nosso teólogo, a onipotência existe no Padre, e em troca no Filho só há uma certa potência. Diga-nos agora o que sente acerca do Espírito Santo. "A bondade ou benignidade por essência, diz ele, que é o nome com que designamos o Divino Espírito, não é em Deus nem potência nem sabedoria". Eu via Satanás, diz o Divino Mestre, que caia do céu como um relâmpago (Luc. 10,18). Tal deve ser sempre a queda daqueles que se querem fazer maiores do que são e pretendem alturas para eles inaccessíveis. Já vedes, Santo Padre, porque graus, ou melhor, por que princípios corre nosso homem para sua ruína. Onipotência, certa potência, nenhuma potência. Só de ouvir tais dislates me horrorizo, e julgo que este meu horror é argumento suficiente para refutá-los. Contudo, há de mais elevado no mais alto do céu e quanto dominando a perturbação que embarga meu espírito, aduzirei aquela passagem de Isaias, que no momento me ocorre, e na qual fica vingada a injuria feita ao Divino Espírito. Diz o mencionado Profeta, falando d'Ele, que é: "Espírito de sabedoria e Espírito de fortaleza" (Isai. 11,2). Bastam estas simples palavras para confundir vitoriosamente a inqualificável audácia desse homem, ainda que não sejam suficientes para reprimi-la e aterrá-la. Ó língua palradora! Mesmo que a injúria que fazeis ao Padre e ao Filho vos fosse perdoada, poderíeis, acaso esperar o mesmo de vossa blasfêmia contra o Espírito Santo? O Anjo do Senhor só espera um sinal e vai fender-vos pelo meio com sua espada exterminadora, por terdes dito: "O Espírito Santo não é em Deus nem potência nem sabedoria". Deste modo o orgulhoso, quando pretendia trepar até o alto, resvala e se despenha. (Epistola CXC).