Plinio Corrêa de Oliveira
A confusão é obra do demônio, pai da mentira. Pela própria natureza das coisas, não pode o espírito do mal, senão em raras ocasiões, mostrar-se a descoberto. O sinal mais seguro de sua ação e de sua presença é a confusão, a contradição, o caos dentro do qual ele pode agir sem se mostrar muito claramente. Pelo contrário, a lógica, a coerência, a harmonia, a clareza são distintivos necessários de todo o ambiente em que age o Espírito Santo. Por aí pode medir-se quão forte é o sopro do espírito das trevas no mundo convulso e crepuscular em que vivemos.
Mas Nossa Senhora, a quem foi dada a missão de sempre esmagar a Serpente, alcança para a Igreja - não raras vezes nos momentos de suprema angústia - os triunfos esplendidos que em pouco tempo reduzem a nada tramas seculares de Satanás.
É um destes triunfos que esperamos como desfecho para a crise trágica de nossos dias. E novamente a Roma imortal de S. Pedro virá a ser o centro de gravidade de toda a vida dos povos. Pois é só com o triunfo do Papado que o mundo pode sair das trevas, da confusão e da agonia em que jaz.
Já me tem tocado várias vezes o encargo de escrever, para um jornal, o artigo clássico de passagem de ano, em que o leitor espera que se ponham em ordem as impressões do ano findo, e aguarda alguns prognósticos para o ano novo. Confesso que jamais senti dificuldade em realizar a tarefa. Com um pouco de memória, solidez nos princípios, coerência no pensamento, não é difícil, habitualmente, analisar e sistematizar fatos. Estes parecem quase sempre mais confusos à primeira vista do que são na realidade. Basta que encontremos o ângulo de visão justo - no caso a Doutrina Católica - para imediatamente os entender. E, pois, sem grande esforço pode o jornalista católico corresponder em cada princípio de ano à legítima expectativa de seus leitores.
Desta vez, porém, confesso que receio não vencer a dificuldade da tarefa. Há muito que dizer. E, ao mesmo tempo, quase nada. Pois o panorama de conjunto do ano de 1951 é realmente confuso, maciçamente confuso e, insipidamente confuso. Insisto neste último particular. Há confusões interessantes. São as confusões de superfície, que deixam perceber em seus refolhos um sentido profundo que se trata de encontrar. Mas há confusões insípidas porque não têm refolhos, não ocultam no âmago dos fatos uma lógica profunda, nem podem ser reduzidos à ordem e à clareza por qualquer espécie de interpretação. Quanto a 1951, estamos neste último caso. Em si, a confusão é brutal e inextricável. Não se pode senão aceitá-la tal qual, e raciocinar sobre ela. Ora, haverá algo que convide menos a falar do que a confusão? E haverá algo que obrigue a mais prolixidade do que a confusão, quando se tem absolutamente que discorrer sobre ela?
Como se vê a tarefa é difícil. Ataquemo-la entretanto, sem fazer um plano preestabelecido, pois nem isto a confusão permite.
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Lancemos os olhos para o mapa ideológico do mundo, pois são as ideias que acima de tudo nos interessam. No terreno do maior conflito de culturas de nossos dias, que nos trouxe o ano de 1951? Confusão.
De um lado, no Ocidente, continuou a grande investida das tendências religiosas modernas contra a Igreja. O católico que ainda veja no protestantismo ou no espiritismo os principais adversários da Fé nos grandes centros cultos e desenvolvidos, estará atrasado como alguém que supusesse que os automóveis disformes e canhestros do ano de 1900 constituem o que de mais eficiente e estético se conhece em matéria de locomoção. O verdadeiro adversário está no panteísmo, em suas múltiplas formas. Arranhe-se qualquer sistema filosófico com ares de novo, qualquer forma mais ou menos recente de “espiritualismo”, e, logo abaixo do verniz, encontrar-se-á o panteísmo. O universo é divino, e a humanidade, parte integrante do universo, também é divina. A felicidade do homem consiste em tomar consciência de seu caráter divino, excitando dentro de si a sensação vivida da sua própria divindade, o que consegue por uma série de exercícios mentais ou fórmulas litúrgicas mais ou menos mágicas, cujas modalidades variam de sistema a sistema, e em geral - como de direito em toda a magia - são conhecidas somente por uns poucos iniciados. Esta manifestação das energias divinas no íntimo de nosso ser, além de nos prestar toda a sorte de serviços psíquicos interiores úteis e deleitosos, também é muito proveitosa para o próprio cosmos. Com efeito, quanto mais excitamos em nós as energias divinas, tanto mais elas se ativam nos outros seres. E, à medida em que se ativam nos outros seres, progride todo o universo cujo desenvolvimento consiste, em essência no desdobrar das energias divinas que se encontram neles mais ou menos como o vento no espaço.
Este sistema traz, evidentemente, a morte da inteligência. Se o homem quer conhecer Deus e comunicar-se com Ele, não deve estudar nem pensar. Basta-lhe conhecer os métodos aptos a suscitar nele a experiência sensível da presença e da ação das energias universais e divinas dentro de si mesmo.
Também a vontade perde sua razão de ser dentro deste sistema. Não há propriamente uma união com a divindade por meio do esforço da vontade aplicada em praticar o bem e evitar o mal. Basta que o homem consiga despertar dentro de si por meio de métodos adequados a sensação experimental de que seu ser está naturalmente impregnado de forças divinas; o que aliás não é tão difícil pois todo o iniciado conhece tais métodos e nele se pode exercitar.
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Está claro que nada disto teria capacidade de sedução, nem encanto, se não se envolvesse nos véus do mistério. Assim, a magia ressurrecta do século XX inventou não só vocábulos mas vocabulários inteiros, novos e complicados, todo um sistema literário cheio de figuras esfumaçadas e vistosas, em que estas afirmações fundamentais, variáveis aliás de escola para escola quase ao infinito em seus pormenores, vão sendo postas em circulação para uso da pobre Cristandade diluída, narcotizada e insensível do século XX.
Dai, evidentemente, uma imensa confusão de conceitos, de sistemas, de tendências. Durante todo o ano de 1951, esta confusão não fez senão perdurar e crescer.
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Assim, fora das fronteiras da Igreja grassa uma religiosidade que em última análise é perfeitamente ímpia. E nos meios católicos? Ao mesmo tempo que formulamos a pergunta, contrai-se de tristeza nosso coração. Manda a verdade que se diga que também aí a confusão existe.
Com vigilância de Pastor, com sabedoria de Mestre, com doçura de Pai, o Santo Padre Pio XII vem apontando há cerca de dez anos, em reiterados documentos, a existência de doutrinas, “que serpeiam entre os fiéis” diz o mais antigo destes documentos que é a “Mystici Corporis”, e que, sob aparências de piedade e ortodoxia, tentam levá-los para erros gravíssimos em matéria de Fé e costumes, entre os quais o próprio panteísmo. Depois da “Mystici Corporis” tivemos a “Mediator Dei”, a “Bis Saeculari”, a “Humani Generis”, a recente alocução pontifícia aos membros do Congresso Mundial do Apostolado Leigo, e agora a alocução aos Pais de Família, que hoje publicamos, e que contém advertências de uma gravidade quase trágica. Em todos estes documentos, ora explícita ora implicitamente, o Santo Padre Pio XII trata dos erros que circulam disfarçadamente entre os fiéis, provocando a surpresa e a desolação dos que tomam consciência de toda a gravidade dos fatos. Em 1951, a investida sorrateira continuou sempre mais vasta e mais e mais ativa. Mas... nisto vai o ápice da confusão, não são muitos os que, passando da esfera elevada da doutrina Pontifícia para a vida quotidiana, sabem ver o progresso onímodo e contínuo das tendências novas. De onde, ainda que bem intencionados, muitos cruzam os braços, e até censuram os que se preocupam com o mal. Com o que, embora não o queiram, fazem o jogo dos semeadores de confusão...
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Este jogo da confusão, todas as forças da impiedade bem percebem quanto lhes convém. Exemplo a Rússia. Durante todo o ano de 1951, na Hungria, na Polônia, na Rumânia, na China, procurou ela com todo o empenho, não propriamente fechar as igrejas e exterminar todo e qualquer culto, o que seria uma
(continua)