Não será uma Federação Europeia leiga um passo para a república universal maçônica?
(continuação)
verdadeiramente praticar a Sua Lei, e estavam convictos de sua missão de estender o domínio desta Lei até os últimos confins da terra;
b) - como fruto desta fé coerente e robusta reinava em todos os espíritos um mesmo modo de conceber o homem, a família, as relações sociais, a dor, a alegria, a glória, a humildade, a inocência, o pecado, a emenda, o perdão, a riqueza, o poder, a nobreza, a coragem, em uma palavra, a vida;
c) - daí, também, uma forte e substancial unidade de cultura e civilização, a despeito de variantes locais prodigiosamente ricas em cada nação, em cada região, e em cada feudo ou cidade;
d) - diante da dupla pressão dos sarracenos vindos da África, e dos pagãos vindos do Oriente da Europa, a ideia de um imenso risco comum, em que todos deviam auxiliar a todos, para uma vitória que seria de todos.
Todo este conjunto de fatores de unidade encontrou seu grande catalisador em Carlos Magno ( 742-814 ), que encarnou aos olhos de seus contemporâneos o tipo ideal do soberano cristão, forte, bravo, sábio, justiceiro e paternal, profundamente amante da paz, mas invencível na guerra, considerando sua mais alta missão pôr a força do Estado ao serviço da Igreja para manter a Lei de Cristo em seus reinos, e defender a Cristandade contra seus agressores. Este homem símbolo realizou seus ideais, e quando Leão III, no ano de 800, na Igreja de Latrão, o coroou Imperador Romano do Ocidente, deu o mais alto remate à obra que Carlos Magno estava levando a efeito: ficava constituído, abrangendo toda a Europa cristã, um grande Império, destinado antes de tudo a manter, a defender, a propagar a Fé.
Este Império durou de 809 a 911. Em 962, o Imperador Otão, o Grande o ressuscitou, dando origem ao Sacro Império Romano Alemão. Assim, com vicissitudes diversas, das quais a mais terrível foi a cisão trágica do protestantismo e a eclosão das tendências nacionalistas, no século XVI, manteve-se pelo menos teoricamente esta grande instituição até 1806, quando Napoleão Bonaparte obrigou Francisco II, o último Imperador Romano Alemão, a aceitar a extinção do Sacro Império, e a assumir o simples título de Imperador da Áustria com o nome de Francisco I.
Não obstante certos períodos de crise, o Sacro Império teve grandes eras de glória, e sua estrutura serviu de fato para exprimir o ideal cristão de uma grande família de povos, unida à sombra maternal da Igreja, para manter a paz, a Fé, a moral, para defender a Cristandade, e apoiar no mundo inteiro a livre pregação do Evangelho.
Assim, em princípio, vê-se que a Igreja não se limita a permitir, mas favorece de todo coração as superestruturas internacionais, desde que se proponham um fim lícito. Em essência, pois, só merece aplausos a ideia de aproximar num todo político bem construído, os povos europeus.
As circunstâncias de momento parecem tornar particularmente oportuna a medida. Diante de um inimigo externo comum, lutando com uma crise econômica internacional, nada mais justo e recomendável do que todas as nações da Europa livre convergirem para lutar e vencer.
Mas aprovar a ideia em princípio é uma coisa. Aprová-la incondicionalmente, quaisquer que sejam suas aplicações práticas, é outra. E até esta incondicionalidade não podemos chegar.
Vivemos em uma época de estatalização brutal. Tudo se centraliza, se planifica, se artificializa, se tiraniza. Se a Federação europeia entrar por este caminho, aberrará das normas muito sábias do discurso do Papa Pio XII aos dirigentes do movimento internacional em favor de uma Federação Mundial ( v. “Catolicismo”, nº 8 ).
Antes de tudo, devemos fazer sentir que a Igreja é contrária ao desaparecimento de tantas nações para constituir um só todo. Cada nação pode e deve manter-se, dentro de uma estrutura supranacional, viva e definida, com seus limites, seu território, seu governo, sua língua, seus costumes, sua lei, sua índole própria. Um de nossos colaboradores já teve ocasião de desenvolver este princípio quando comentou em números anteriores a alocução monumental do Papa Pio XII, há pouco citada ( Plinio Corrêa de Oliveira, nºs 8, 9, 11 e 12 ). A Alemanha é uma nação, a França outra, a Itália outra. Se alguém as quisesse fundir como quem joga num cadinho joias de finíssimo valor, para as transformar num maciço lingote de ouro, inexpressivo, anguloso, vulgar, certamente não agiria segundo as vistas de Deus, que criou uma ordem natural na qual a nação é uma realidade indestrutível. Assim, pois, se a Federação Europeia tomar este caminho, será mais um mal, do que um bem. Deve ela ser a protetora das independências nacionais e não a hidra devoradora das nações. As autoridades federais devem existir para suprir a ação dos governos nacionais em certos assuntos de interesse supranacional; nunca para os eliminar. Sua atuação nunca poderá ter em vista a supressão das características nacionais de alma e cultura, mas antes, na medida do possível, seu robustecimento. Precisamente como no Sacro Império, em que cada nação podia desenvolver-se, dentro da órbita dos interesses legítimos e comuns da Cristandade, segundo a sua índole peculiar, sua capacidade, suas condições, ambientes, etc.
De outro lado, a estruturação econômica não deve chegar a um planejamento tal, que implique numa supersocialização. Se o socialismo é um mal, sua transposição para o plano superestatal não poderá deixar de ser um mal ainda maior. No Sacro Império, todo penetrado de feudalismo, de regionalismo sadio, de autonomismo municipal, do autonomismo grupal das corporações, Universidades etc., tal perigo só começou a se infiltrar quando apareceu, com os legistas, a semente do socialismo hodierno. Mas os legistas foram sempre uma excrescência na Cristandade, e sua influência coincidiu precisamente com o declínio do verdadeiro ideal cristão do Estado.
Por fim, permita-se-nos uma afirmação bem franca. Nenhuma sociedade, seja ela doméstica, profissional, recreativa, seja ela Estado, Federação de Estados, ou Império mundial pode produzir frutos estáveis e duráveis se ignorar oficialmente o Homem Deus, a Redenção, o Evangelho, a Lei de Deus, a Santa Igreja, e o Papado. Ocasionalmente, podem alguns de seus frutos ser bons. Mas se forem bons não serão duráveis e, se forem maus, quanto mais duráveis tanto mais nocivos.
Se a Federação Europeia se colocasse à sombra da Igreja, fosse inspirada, animada, vivificada por Ela, o que não se poderia esperar? Mas, ignorando a Igreja como Corpo Místico de Cristo, o que esperar dela?
Sim, o que esperar dela? Alguns frutos bons, que convém notar e proteger de todos os modos, sem dúvida. Mas como é fundado esperar também outros frutos! E se estes frutos forem amargos, quanto se pode temer que nos aproximemos assim da República Universal cuja realização a maçonaria há tantos séculos prepara?
Informante digno de atenção comunica a esta folha observações que não podem passar sem registro.
Neste momento em que a Alemanha se tornou um dos pontos de convergência do interesse político mundial, transpirou a existência de um plano soviético para transformá-la numa nova Coréia. Tal projeto teria sido concebido em fins do ano passado e presume-se que o seu autor tenha sido Malik. O sistema usado na Coréia alcançou tal êxito que os soviéticos sentem-se encorajados a aplicá-lo noutra parte.
Segundo o plano seria proposta a neutralização da Alemanha e a evacuação de todas as tropas de ocupação no começo de 1952. O exército soviético retirar-se-ia para trás da linha Oder-Neisse, enquanto que as divisões ocidentais se colocariam atrás do Reno. A Alemanha ocidental ficaria completamente desarmada visto que a França insiste sempre em ser posta a salvo de um renascimento do militarismo alemão. Na zona oriental, pelo contrário, permaneceria uma Volkspolizei (Policia popular) com efetivos de um milhão de homens, bem armada e guarnecida com equipamento soviético, comandada por generais alemães bolchevizados (von Paulus, Seidlitz, Rensky), e controlada por comissários alemães também bolchevizados (Grotewohl, Ulbricht, Zeisser). Em breve esta Volkspolizei encontraria facilmente a maneira de provocar um incidente de fronteira e atacaria Alemanha ocidental, declarando estar sendo constrangida a repelir um ataque. Os ocidentais viriam indubitavelmente em socorro de Adenauer, como fizeram com Syngman Rhee na Coréia, e como na Coréia iriam combater contra "um povo que deseja somente a unificação nacional", ao passo que os russos ficariam em guarda no território polonês, enviando armas e abastecimentos. Os americanos não ousariam atacar a Polônia, que serviria como a Manchúria, de base de partida para os "voluntários" e a aviação comunista. As lutas, portanto, se travariam somente em solo germânico e provocariam a destruição do país e o ódio do povo contra os ocidentais. E as forças e recursos dos ocidentais continuariam a esgotar-se em batalhas inúteis, enquanto que a Rússia se pouparia, continuando a fazer o papel de quem deseja evitar um conflito mundial. (Trad. do "Servizio Documentario", de 17-11-51).
Basta que este plano tenha transpirado, para se ter com isto tornado menos viável. É porem tão inteligente, que não deixa de despertar fundas apreensões em quem acompanhe atentamente a situação internacional.
Adolpho Lindenberg
Durante seis longos anos de governo o gabinete trabalhista britânico se dedicou com carinho à dupla tarefa de abalar e trincar a milenar estrutura social inglesa, hierárquica e harmônica, e de desmembrar o império, pedaço por pedaço.
Como primeiro passo, o Partido do Snr. Attlee imergiu a Inglaterra num tão ingente tremedal de dificuldades econômicas e de problemas exteriores, que parecia ter soado a hora derradeira do seu Império. É fato que estas dificuldades e estes problemas foram em parte frutos de uma longa e exaustiva guerra. Mas o que desalentava os que vêm no reerguimento da Commonwealth britânica um fator decisivo na guerra-fria russo-americana, era que, — enquanto todas as outras nações que participaram do último conflito, inclusive as que foram derrotadas, iniciavam uma difícil, mas efetiva recuperação da posição que antes ocupavam, — à Inglaterra aconteciam tantos desastres, e destes desastres advinham tais desgraças, que não se podia mais vislumbrar para ela uma salvação possível. A economia inglesa ficou abalada pela guerra, as nacionalizações custaram bilhões de libras e às colônias que participaram da luta contra o eixo foram feitas promessas inexequíveis. Como solução para as dificuldades daí oriundas adotou-se o sistema de economia dirigida, reduziram-se os armamentos, negociou-se com a China comunista e com a própria Rússia, pediu-se dinheiro emprestado aos americanos e concedeu-se independência à Índia. Estas medidas, no entanto, parecem ter causado mais mal que bem. Internamente as realizações socializantes tiveram resultados nefastos, os americanos muito justificadamente se desinteressaram de prestigiar o governo inglês, o império começou a se desfazer e a influencia internacional inglesa caiu em seu nível mais baixo destes últimos tempos.
* * *
Derrotados os trabalhistas nas eleições, e chamados novamente ao poder os conservadores, o mundo inteiro esperava o primeiro grande discurso do estadista que, à beira de uma catástrofe iminente, soubera outrora com suas palavras desencadear uma onda de entusiasmo e patriotismo em toda a Comunidade britânica. Por onde iria Churchill tentar reparar os desastres do Labour Party? Pedindo desculpas aos EE.UU. pela atitude insólita da Inglaterra na Ásia e na Europa nestes últimos anos? Solicitando-lhes mais empréstimos? Culpando o governo anterior por todos os descalabros financeiros?
Churchill fez um pouco de tudo isto, mas o que ninguém esperava era que tivesse a coragem, a "aisance" e o "panache" de, em pleno Congresso de Washington, proclamar o grande prestígio do Império de Sua Majestade Britânica, e, com suma naturalidade, colocar a Inglaterra no mesmo pé de igualdade com a América do Norte e a Rússia. Segundo suas palavras, quatro seriam as grandes potencias mundiais: os EE.UU., a URSS, a Comunidade Europeia e o Império Britânico.
* * *
O discurso de Churchill foi notável, foi grandioso; os congressistas americanos o aplaudiram de pé enquanto ele permaneceu na sala; o mundo inteiro, cansado de mediocridades como Attlee, Truman, Bidault, De Gasperi, etc., etc., esperava das palavras de Churchill uma análise da situação geral, feita com objetividade, largueza de vistas e real compreensão da necessidade de união de todas as nações livres contra o perigo comunista. Estas palavras, e a promessa de nova orientação da política inglesa em relação à China comunista, Churchill as pronunciou; mas exigiu que todos os povos reconhecessem esta realidade e esta gloria: o Império Britânico está vivo, a ele o mundo livre deve no mais alto grau a vitória sobre a Alemanha nazista e ele continua a ter a força e a coesão necessárias para subsistir.
* * *
O primeiro ministro iniciou seu discurso em tom amistoso, e, relembrando os tempos da guerra, evocou a antiga colaboração anglo-americana. A seguir, firmou o tom altivo de sua oração declarando que não vinha pedir dinheiro, mas sim conselhos e aço. Aproveitou a ocasião para lembrar aos americanos que não só ele, mas também os britânicos despenderam grandes somas em auxílios aos países devastados pela guerra. Falando sobre a situação financeira de sua pátria não perdeu a oportunidade de lamentar os maus efeitos da política de socialização dos trabalhistas, quando afirmou que atualmente "a produção inglesa é igual à metade do maior nível de antes da guerra e a exportação não passa de dois terços da que se verificava ha quinze anos".
A seguir, declara que a Inglaterra está se rearmando com todas as suas forças, e que qualquer auxilio dos Estados Unidos é bem vindo; e isto muito embora este auxílio não constitua um favor, pois os americanos seriam os primeiros a se beneficiarem do restabelecimento do poderio militar britânico. "Sois vós que deveis julgar até que ponto estão em jogo os interesses dos EE.UU.", lembrou Churchill, e repetiu: "é por isto que não venho pedir ouro, mas aço".
Ao tratar dos problemas do Extremo Oriente, o grande líder conservador indiretamente reconheceu, e lamentou, o triste papel que a política externa trabalhista desempenhou a favor da China comunista. Fê-lo ao desejar "uma crescente e progressiva harmonia na política da Grã Bretanha e dos Estados Unidos no Extremo Oriente" e ao felicitar os americanos por "não terem permitido que os chineses nacionalistas de Formosa fossem agredidos e massacrados".
Um dos pontos mais altos da magnífica peça oratória, consistiu na identificação das agitações antibritânicas no Oriente Médio e das revoltas nacionalistas na Indochina e na Malásia com a invasão da Coréia do Sul pelos norte-coreanos e chineses. Uma vez verificado este fato, impõe-se uma atitude da ONU a favor dos ingleses e franceses no Médio e Extremo Oriente, e o consequente envio de forças internacionais também para estas zonas em conflito. Assim Churchill preconiza a fiscalização e guarda, por forças americanas, inglesas, francesas e turcas da zona do canal de Suez, e espera que a presença de tais forças "produzam a harmonia mediante a qual se poderá imprimir rumo decisivo à política das quatro potencias, assim como pôr fim às desordens no Oriente Médio, onde, posso assegurar-vos, existem perigos não menores do que aqueles que os Estados Unidos contiveram na Coréia."
Churchill, após recomendar em tom paternal aos americanos que "não abandonem as armas atômicas enquanto não estiverem seguros de terem outros meios para preservar a paz", encerra seu discurso reafirmando a secular política britânica de não participar de uma união europeia, mas de encontrar seus elementos de apoio e suas alianças nos países membros do Império.
* * *
Finalizando esta nota, não podemos deixar de comentar as fórmulas felizes que Churchill encontrou para lembrar que a paz na Europa depende da aliança franco-alemã, e a do mundo, da anglo-americana: "A França devia tomar pela mão a Alemanha e reconduzi-la à família das nações, e assim pôr fim a uma contenda de mil anos"; "Bismarck disse uma vez que o acontecimento supremo do século XIX era o fato de que a Grã Bretanha e os Estados Unidos falavam o mesmo idioma. Estejamos certos de que a mais importante característica do século XX está no fato de ambos trilharem o mesmo caminho."
Plinio Corrêa de Oliveira
A Pastoral Coletiva assinada pelos Cardeais, Arcebispos, Bispos e outros Ordinários, do Brasil, ficou sem dúvida alguma registrada nos fastos da História nacional. E isto a dois títulos distintos. De um lado, porque contém uma análise objetiva, franca, desassombrada, da atual situação do País, e, de outro lado, porque fixa a atitude da Igreja em face de grande número de problemas da atualidade. Não é, pois, de espantar que a leitura desse documento sugira várias reflexões, algumas da quais deixamos aqui consignadas.
Em geral, os brasileiros são otimistas e indulgentes no descrever os seus próprios problemas. Vejo nisto muito mais um defeito, do que uma qualidade. Se temos propensão para ver as coisas em preto, sem contudo perder a coragem para a luta, o pior que nos pode suceder é perdermos tempo e recursos na defesa contra males hipotéticos. Se pelo contrário vemos tudo em róseo, nossos problemas ficam perpetuamente sem solução. Ambos os extremos, é claro, devem ser evitados com cuidado. Mas parece bem evidente que, dos dois, o mais funesto é o segundo.
Percorrendo a Pastoral, é-se forçado a reconhecer que nossos Bispos absolutamente não se deixaram arrastar pelo pessimismo. É notável o cuidado com que registram ao longo do documento todos os aspectos alentadores - e os há - do atual panorama brasileiro. Contudo, mais difícil ainda seria dizer-se que os cegou o otimismo. A Pastoral contém a análise lúcida, penetrante, franca, de todos os nossos males. E é inegável que, dentro do quadro por ela traçado, as cores sombrias mal deixam lugar para uma ou outra zona de luz.
O povo brasileiro não esperava outra atitude, de seus Bispos. Dia a dia, sentimos acentuar-se nossa derrocada moral. Os costumes se vão paganizando, as tradições de recato, dignidade, compostura, tão genuinamente brasileiras, se evaporam e se esvaem de minuto em minuto, a imoralidade invadiu a esfera dos negócios, da administração, do jornalismo, do esporte, do cinema e do rádio. De outro lado, nossa prosperidade material se vai esboroando. Rio e São Paulo crescem vertiginosamente, é verdade. Mas o carioca, o paulista, o fluminense, o gaúcho, o nordestino, vivem com dificuldades sempre maiores. Ainda recentemente, o ilustre líder trabalhista, Senador Alberto Pasqualini, pronunciou um discurso ( “Diário do Congresso Nacional”, edições de 5 e 23 de outubro pp. ) em que, com franqueza rara em nossos homens públicos, pôs a nu a inanidade de certas aparências em sentido contrário. Assim o aumento aparente da renda nacional, e dos salários, ocorrido nas últimas décadas, parece indicar crescente prosperidade. Mas o Senador Pasqualini esclarece: “Pode a expressão monetária ou nominal da renda nacional aumentar consideravelmente, e, não obstante, diminuir o seu valor real, porque isso depende do poder aquisitivo ou valor do dinheiro. Sabem todos, por experiência própria, que, percebendo embora hoje salários ou ordenados maiores, logram conseguir adquirir menos do que podiam fazê-lo com salários ou ordenados menores em tempos passados. A renda expressa em cruzeiros cresceu, mas o poder aquisitivo do dinheiro baixou em proporção maior. Um funcionário letra H, por exemplo, percebe hoje um salário nominal que é mais do dobro ( 2,35 ) do que percebia em 1936. O salário real, porém, isto é o seu poder aquisitivo corresponde à metade do salário de 1936. Isso significa que não obstante os aumentos sucessivos, esse salário, em consequência da desvalorização da moeda, sofreu uma redução de 50%. Em 1912, a renda monetária “per capita” no Brasil era estimada em 236 cruzeiros; em 1945 era de 1.343 cruzeiros. Feita porém a “desinflação”, isto é comparado o poder aquisitivo do dinheiro nos dois anos, a renda real “per capita” era em 1912 de 236 cruzeiros, e, em 1945, 207”. E depois de mencionar outras estatísticas, o Senador Pasqualini conclui: “Isso significa que no Brasil a produtividade não acompanha o aumento demográfico da população, e que existe um acentuado desvio de atividades ou de ocupação para a improdutividade, o que é bastante grave para um país que está na fase inicial de seu desenvolvimento econômico. A inflação gera o aumento monetário ou nominal da renda nacional, mas somente uma maior quantidade de trabalho produtivo, ou o aumento de sua eficiência pelo aperfeiçoamento técnico é que pode determinar uma aumento de renda real”. Esses os fatos.
Se verdadeiramente a missão dos Pastores consiste em estar ao lado das ovelhas nos dias difíceis mais ainda do que nos dias tranquilos; se aos Pastores compete antes e acima de tudo a defesa das ovelhas, bem claro é que a missão de nossos Bispos não podia cifrar-se em dizer, nesta hora, algumas palavras de gentil otimismo. Daí o fato de ser a Pastoral Coletiva, em muitos de seus aspectos, um verdadeiro brado de alarme lançado à Nação. Cumpre assim a hierarquia o seu dever.
Entretanto, não basta que o cumpra a hierarquia. É preciso que, sob suas ordens, também o cumpram os fiéis. Para isto, antes de tudo, toca-nos abandonar o otimismo fácil, mole, inconsciente, em que tanto nos comprazemos. Toca-nos reconhecer que o momento é de extraordinária gravidade, e, pois, de pesadas responsabilidades para todos nós. Estas responsabilidades, devemos carregá-las com ânimo destemido e resoluto, com o inflexível propósito de cumprir sempre e por toda a parte o nosso dever.
Mas, dir-se-á, todos estes conceitos valem para a esfera espiritual, que pertence à Igreja, e não para a esfera temporal, que pertence ao Estado. Ora, não há dúvida de que, em muitos de seus tópicos, a Pastoral cogita, não de assuntos religiosos, mas de questões de interesse civil. E, pois, exorbita claramente do campo a que se deve restringir o magistério eclesiástico.
Esta é uma das críticas mais frequentemente dirigidas contra a Pastoral. Procede ela de uma compreensão imperfeita do que seja verdadeiramente a esfera espiritual, e a posição da Igreja dentro da própria sociedade temporal.
Os Mandamentos, que compendiam todas as regras da moral, correspondem à própria ordem natural das coisas. Assim, o assassínio, o roubo, o adultério, a mentira são contrários à própria ordem natural.
A intérprete e guardiã dos Mandamentos, e da ordem natural, é a Igreja Católica. Pois tudo quanto diz respeito à salvação eterna dos homens se relaciona intimamente com a missão da Igreja. E o cumprimento dos Mandamentos é condição essencial para a salvação. É portanto parte inalienável da tarefa da Igreja ensinar aos homens e às nações aquilo que está de acordo com os Mandamentos, e o que os transgride. Se, pois, no terreno da vida civil, algo há que signifique a violação de um Mandamento, a Igreja tem não só o direito mas o dever de protestar. E isto qualquer que seja o campo em que tenha ocorrido a transgressão. A este título está, pois, o Episcopado em seu direito quando trata de reforma constitucional, regulamentação do jogo, organização sindical, carestia, reforma agrária, etc.
Mas há ainda outro título. Embora a Igreja não tenha de nenhum modo a missão de organizar a vida terrena com ordem ao bem estar temporal, jamais recusou seu concurso, nas horas graves da vida de cada povo, para o alívio de suas necessidades materiais. Reconhecendo a enorme influência de que dispõe no Brasil, a Igreja pode e deve oferecer-se, pois, para prestar à sociedade temporal o concurso que esta eventualmente deseje neste momento de excepcional gravidade, desde que com isto Ela não comprometa Sua própria missão espiritual. É esta aliás a tradição da Igreja, em todo o orbe, e marcadamente no Brasil, onde tem concorrido tão pronunciadamente para a grandeza do país. Assim, pois, nada há de mais explicável do que a atitude paternal do Episcopado, dispondo-se a colaborar com as autoridades civis para o bem estar temporal do Brasil.
Em um jornal destinado a público especificamente católico, é supérfluo aduzir argumentos para provar quanta razão têm nossos Bispos em questões como o divórcio, a decadência da moralidade pública, o problema das vocações, etc. Parece-nos contudo útil fazer algumas considerações sobre certos problemas sociais abordados pela Pastoral. Antes de tudo a carestia da vida.
Quando os historiadores, no século XXI ou XXII, estudarem a crise econômica do Brasil de nossos dias, ficarão por certo perplexos. Pois se de um lado as fontes históricas revelarão uma ascensão alarmante dos preços, uma decadência indiscutível da produção, um empobrecimento geral, nem os documentos públicos, nem os estudos feitos por particulares trazem solução clara e satisfatória para este problema que salta aos olhos, e que se poderia enunciar assim:
a - Somos um povo pouco numeroso em relação à imensa área habitável e plantável do território nacional.
b - A produção agrícola é a mais essencial para a subsistência de um povo. Se, pois, ele não pode importar do exterior gêneros alimentícios, deve produzi-los em sua própria casa. Do contrário, morre de fome.
c - Ora, não importamos suficientemente, nem plantamos suficientemente. E, por isto passamos fome.
d - E aqui vem o problema. Porque não importamos? Principalmente, principalissimamente, porque não plantamos?
Esta é a questão única, essencial, fundamental. O mais, tabelamentos, leis de proteção à economia popular, alta de salários, combate à inflação, é perfeitamente secundário; pode servir para vencer um momento de apuro, mas não tem o dom de resolver a questão essencial que é sempre esta: o que temos em matéria de víveres não dá para matar nossa fome, e não é produzindo leis, mas produzindo víveres em abundância maior, que nossa fome há de ser saciada. Daí não se pode escapar.
Ora, impressiona que até este momento o problema não esteja resolvido com clareza satisfatória. As próprias explicações sobre as causas da atual situação são titubeantes. Culpam uns a falta de braços nos campos, provocada pela atração das cidades grandes. Sem dúvida, pelo menos em parte o mal deriva daí. Mas, perguntamos, qual o remédio mais direto? Indiscutivelmente, a imigração. E aqui encalhamos num verdadeiro banco de areia. Na Alemanha, na Itália, centenas de milhares de excelentes emigrantes procuram um país onde se estabelecer. Aqui padecemos fome por falta de braços para cultivar nossos campos. Porque então não atrair estes braços úteis, mais do que isto indispensáveis a nosso bem estar? Bizantinismos: tratados, negociações prolongadas, complexas, eriçadas de preconceitos de gabinete, retardam indefinidamente a solução do problema. Não comemos, porque não plantamos. Não plantamos porque há sete anos que terminou a guerra, e praticamente só recebemos pequenos magotes de imigrantes. Porque? Claramente, definidamente, ninguém sabe. Quanto durarão os obstáculos que retardam a normalização da imigração? Igualmente, ninguém sabe. Que planos, que providências, que esforços o Brasil está disposto a pôr em ação para superar estes obstáculos? Novamente, nada.
De outro lado, fala-se em crise de transportes. Em vários lugares, os víveres apodrecem sem que seja possível levá-los até o consumidor dos grandes ou pequenos centros. Indiscutivelmente, em certa medida este fator concorre para a atual situação de fome e carestia. Mas até que ponto concorre? Que nos dizem a este respeito as estatísticas? Está realmente aí a causa primária do mal? Somos, por excelência, o país da iniciativa privada. Apelou-se para o concurso do particular, para minorar a crise? Tudo isto continua perfeitamente incógnito. As notícias são vagas, vaporosas, imprecisas, sobre um assunto de interesse vital, nesta época de inquéritos, estatísticas, etc.
Por fim, a imoralidade contribui poderosamente para agravar a situação. Di-lo a Pastoral: “Incrementar a produção e facilitar aos produtores meios eficientes de escoar o que produzirem será, indubitavelmente, o que a muitos ocorre como providência primordial, destinada a corrigir a causa mais próxima do encarecimento geral. Não basta, entretanto. Pois quantas vezes as frutas apodrecem nos armazéns, não de procedência mas de término, onde os aguardam os ludibriados consumidores. É geral preferir-se qualquer perda momentânea para conservar a alta dos preços e se compensar fartamente, pouco depois, com dano da economia da coletividade. Isto não é comerciar, é tripudiar sobre a miséria alheia”.
Como se vê, um caos, uma imensa desordem, aliás, lembra a Pastoral, “visceralmente relacionada com a mais profunda desordem na política econômica e financeira, que será mister remediar”.
Tratando do êxodo das populações rurais, diz a Pastoral: “que por todos os recantos do Brasil ressoe este grande pregão de alerta: não deixem os campos pelas cidades, para se não agravar duplamente este problema econômico-social, mas exijam para seus ambientes campesinos o fiel respeito a seus inegáveis direitos! É mais que tempo de se reconhecer quão pouco se fez até o presente em favor dos agricultores, e de se reparar eficazmente o esquecimento e abandono em que tem ficado os trabalhadores de nosso interior”.
Estes são os pensamentos que dominam o capítulo da reforma agrária. Intensificação da vida rural, sim, mas com o devido respeito aos direitos do agricultor, não só do proprietário como do trabalhador rural.
Recentemente, realizou-se no Rio de Janeiro, por iniciativa da “Tribuna da Imprensa”, uma mesa redonda para tratar da questão agrária. A ela compareceu um dos mais conhecidos e ilustres signatários da Pastoral Coletiva, o Exmo. Revmo. Sr. D. Geraldo de Proença Sigaud, S.V.D., Bispo de Jacarezinho. Participando brilhantemente dos debates, mostrou o insigne Prelado que, por “reforma agrária”, não se pode entender a modificação completa de todas as relações atualmente existentes entre o proprietário da terra e o trabalhador rural, como em certos círculos se pretende. Pois de um lado a propriedade privada é de
(continua)