A participação nos lucros é louvável em alguns casos, nociva em outros.
(continuação)
direito natural e não pode ser abolida por qualquer reforma rural. De outro lado, há legítimos direitos adquiridos que a lei não pode, de um momento para outro e sumariamente, suprimir. Todos os textos pontifícios citados pela Pastoral estão dentro deste espírito. É louvável cogitar da melhoria da situação dos trabalhadores rurais. Mas um fim louvável em si mesmo não justifica o emprego de meios ilegítimos.
A este princípio, a Pastoral acrescenta outro. É que não se pode aceitar sem maior exame as declamações furiosas dos demagogos comunistas contra os latifúndios. O latifúndio não é um mal em si. “Não queremos negar a utilidade e, muitas vezes, a necessidade de empresas agrícolas mais vastas”, afirmou Pio XII. Aliás, o próprio conceito de latifúndio varia. Assim, uma propriedade rural que seria grande na Bélgica, pode ser minúscula no Brasil. E mesmo uma propriedade que seria grande nos arredores do Rio de Janeiro poderia ser insignificante em Mato Grosso. Isto evidencia que não pode haver para o Brasil todo uma só reforma agrária. Será necessário examinar região por região, cultura por cultura, para fazer um plano adequado. Adaptar a cada um dos casos ou situações concretas os nove princípios genéricos e judiciosos que a Pastoral Coletiva propõe. Estes princípios são:
“a) Fazer da utilização da terra parte integrante do planejamento e pensamento econômico-social.
“b) Insistir em que, nas zonas agrárias, o ensino da administração da terra e da produção, tanto na escola como no lar, tenha aspectos proeminentes da educação rural.
“c) Dar lugar de destaque a um programa especial referente a escolas secundárias, profissionais, técnicas e [de] artes liberais destinadas a atender às necessidades das comunidade rurais.
“d) Reformar o sistema de taxação da terra e de seus melhoramentos, a fim de facilitar o acesso às riquezas naturais, a conservação segura e o adequado uso da terra. “Uma condição indispensável para que todas essas vantagens se tornem realidade, é que a propriedade particular não desapareça por excesso de exigências e de impostos” ( Leão XIII, Rerum Novarum ).
“e) Respeitados os direitos de propriedade, estimular a repartição de terras abandonadas.
“f) Incentivar o emprego de métodos cooperativistas, junto a proprietários e administrados locais, onde se tornar necessária e aconselhável a produção em larga escala.
“g) Insistir em que os salários e as condições de moradia dos trabalhadores dos campos sejam decentes e justos.
“h) Estender, com prudência, a previdência social, especialmente a que se refere ao seguro de vida e contra doenças e velhice, aos trabalhadores nas populações rurais.
“i) Desenvolver, nas comunidades agrárias, o comércio e a indústria de propriedade de pessoas residentes no local e por elas pessoalmente dirigidos.”
A respeito da participação nos lucros, é fácil resumir o pensamento da Pastoral Coletiva. Reconhece ela que o sistema, em si mesmo considerado, é excelente. E tem toda a razão. Com efeito, a participação é de molde a interessar diretamente o trabalhador na produção, e além disso estimula nele a consciência de sua natural solidariedade com o patrão, e assim concorre para estabelecer a paz social. No entanto, de outro lado, a Pastoral põe em foco que a participação nos lucros não constitui medida que se possa tornar rigorosamente obrigatória, como se fosse injusto o regime do salariado. E ainda aí tem toda a razão. Com efeito, não só o regime do salariado é útil, mas em certas circunstâncias é muito mais útil e eficaz do que a participação nos lucros. Nosso Episcopado não acredita na participação como uma panaceia universal. Louva-a como medida excelente em bom número de casos. Mas ressalva a legitimidade e oportunidade do salariado. Porém, tomando esta atitude, lembra bem que o salário, conforme às normas da Igreja, deve ser proporcionado ao valor do trabalho fornecido pelo empregado, suficiente para prover à sua existência pessoal com a fartura e a dignidade própria a uma criatura humana, e a um filho de Deus, e para prover igualmente a sua família.
Estes são alguns dos capítulos mais importantes da Pastoral Coletiva. Constituem tema de meditação para todos os nossos estadistas, pensadores e escritores. Se não fosse a extensão já excessiva deste trabalho, não seria difícil mostrar que em todos os outros assuntos oferece a Pastoral igual campo a uma meditação fecunda.
O semanário americano "Time" tem noticiado reiteradamente que as autoridades comunistas chinesas vêm perseguindo mais intensamente as missões católicas do que as protestantes. No entanto, o fato de serem os missionários protestantes, em sua maioria, de origem norte-americana, o que não acontece com os católicos, pareceria dever atrair sobre eles maior ódio dos vermelhos de vez que o comunismo tem nos Estados Unidos o seu mais aguerrido adversário. As razões desta aparente incoerência são apresentadas por Jean Pleyber em artigo publicado na revista "Écrits de Paris". São as seguintes, em resumo.
1. O número de missionários protestantes é hoje relativamente pequeno na China, pois em sua maior parte abandonaram o território chinês quando Chiang Kai Chec foi derrotado, ao passo que os católicos continuam em seu apostolado.
2. O Kremlin, que é o verdadeiro cérebro da perseguição, sabe muito bem que o genuíno inimigo do comunismo é a Igreja Católica e não a miríade de seitas protestantes que, sem coesão alguma pululam por todo o mundo.
3. É um fato verificado por todos que tenham visitado a China, que os missionários católicos que vivem muito tempo no meio da população nativa adquirem os modos, e por vezes os traços fisionômicos e a própria cor dos chineses. Seja por mimetismo, seja por motivos de ordem climatérica ou alimentar, a realidade é que dificilmente se nota em um missionário alemão, por exemplo, que tenha vivido na China vinte ou mais anos a fisionomia e o porte tipicamente germânicos. Ora, o principal pretexto invocado pelos comunistas para justificar a expulsão dos missionários ocidentais vem a ser a afirmação de que estes constituem um elemento estranho à cultura oriental e que tende a alterar suas características. Ora, é muito fácil mostrar a um camponês ignorante um missionário batista recém-chegado de Michigan, falando mal a língua chinesa, casado com uma compatriota, que frequenta a colônia europeia da localidade em que vive, fala inglês com os filhos e troca constantemente dólares americanos por moedas chinesas, e dizer que esse homem é um estrangeiro a soldo dos inimigos da pátria. Outra coisa é apontar um Sacerdote católico, que se veste como um chinês, fala sem sotaque a língua nativa e assemelha-se fisicamente a um oriental, e persuadir a massa inculta de que aquele é um estrangeiro, e por isso deve ser afastado do país como inimigo do povo chinês e representante da cultura ocidental. Por essa razão, as missões protestantes foram facilmente eliminadas do organismo social, mas a expulsão das missões católicas está se tornando uma operação dificílima e que, em consequência, reclama muito mais energia.
4. O estabelecimento da Religião católica dá origem, necessariamente, a um regime econômico-social profundamente antissocialista, e portanto contrário às medidas totalitárias que o governo de Mao Tse Tung está adotando no campo social e econômico. Os camponeses chineses têm oferecido a mesma resistência à divisão das propriedades e à administração destas pelo Estado, do que os kulaks russos, mas esta resistência é muito maior nas regiões que já contam com um número apreciável de convertidos ao Catolicismo, do que nas outras ainda inteiramente pagãs ou trabalhadas por missionários protestantes.
Estas notícias confortam-nos na medida em que provam que as missões católicas lançaram raízes tão profundas no seio da população chinesa que constituem um núcleo de séria resistência ao comunismo.
Cumpre notar que elas não apanham, aliás, toda a realidade, pois fazem abstração do sobrenatural. Como o comunismo é tanto quanto o protestantismo ou qualquer outra heresia, obra do espírito das trevas, seu grande ódio é exclusivamente contra a Igreja de Cristo. Quanto às seitas, luta contra elas sem ênfase nem ódio, intermitentemente e frouxamente, porque o espírito das trevas não se destrói a si próprio.
E por isto protestantes, nazistas, comunistas, espíritas, maçons, estão sempre dispostos a esquecer suas respectivas lutas quando se trata de fazer frente única contra a Santa Igreja.
Fernando Furquim de Almeida
Em todos os tempos a Igreja teve que lutar contra a tendência de certos católicos de adaptar sua doutrina e seus princípios às ideias dominantes na época. Essa tentação é constante, e é a causa de quase todas as heresias e desvios doutrinários que já apareceram. Na França, durante a Revolução, surgiu a Igreja Constitucional; na Restauração, o galicanismo voltou a causar preocupações à Santa Sé; no reinado de Luís Felipe tomam vulto o romantismo e o culto ao "homem de bem" não católico. Com a república liberal de 1848 se consolida o liberalismo católico, que tem como uma de suas principais consequências o dessoramento das verdades e a adesão dos fiéis a toda novidade que esteja na moda.
De 1848 em diante a cisão entre os católicos franceses torna-se nítida: de um lado os ultramontanos, de outro os católicos liberais. Entre ambos, toda uma legião que não se define, ora favorecendo o erro ora combatendo-o, mas impedindo sempre que o catolicismo liberal fosse completamente desmascarado. Para se ter uma visão bem clara dos fatos, é necessário recordar o que se passou no campo político e como foi instituída a 2ª republica, pois há uma exata correspondência no século passado entre o católico liberal, dentro da Igreja, e na política o republicano moderado.
A república proclamada em 10 de agosto de 1792 foi imposta pelos revolucionários, para que o povo se fosse acostumando pouco a pouco com a sua tirania. É claro que ela não poderia sobreviver. Mesmo para ela se manter durante alguns anos foi necessário recorrer ao Terror, a tal ponto era um regime contrário aos desejos do povo francês. Feita a experiência, ela desapareceu mansamente para que Napoleão, com o prestígio da glória militar e sob as aparências de um império, consolidasse os erros da Revolução Francesa e lhe preparasse o terreno para o futuro triunfo.
Em 1815 deu-se a Restauração. Embora Luís XVIII e Carlos X tivessem "tudo restabelecido mas nada restaurado", como disse Joseph de Maistre, a simples presença de um Bourbon no trono atrasou consideravelmente o desenvolvimento das ideias revolucionárias.
A república era o ideal político dos partidários da Revolução Francesa, embora não o proclamassem abertamente. Na sua grande maioria os políticos franceses do século XIX eram republicanos, mas deixavam a propaganda ostensiva a cargo de um pequeno grupo, que constituía o Partido Republicano. Durante a Restauração, a possibilidade de proclamar a república era tão longínqua que os seus adeptos, não podendo triunfar por si próprios, se aliaram aos remanescentes do bonapartismo. Por meio de lojas maçônicas — como os carbonários na Itália, os descamisados na Espanha, etc. — lançaram-se às atividades subterrâneas. Viviam eles de complôs e assassínios, formando uma verdadeira tropa de choque para as grandes lojas maçônicas, que aparentemente apoiavam os reis legítimos.
A queda de Carlos X abriu novas possibilidades. Ainda não havia ambiente para a instauração da república, mas estava à disposição dos republicanos um príncipe "devotado à causa da Revolução", filho de um regicida, e que tinha a grande vantagem de pertencer à família real. Seria uma ótima transição entre a monarquia e a república, além de dar ao povo a impressão de que uma monarquia poderia ser constituída sem reis legítimos. Essa é a razão pela qual vemos La Fayette, presidente de comitês republicanos e chefe carbonário, preferir Luís Felipe à república, quando vitoriosa a revolução de 1830.
Nos primeiros tempos do reinado de Luís Felipe, a maioria dos membros do Partido Republicano não compreenderam o recuo estratégico de seus chefes e redobraram a violência. A partir de 1840, no entanto, mudaram completamente de atitude. Romperam com os bonapartistas, de que pensavam não mais precisar, renunciaram às atividades ilegais e procuraram moderar suas ideias, de modo a torná-las simpáticas. Repudiaram os excessos revolucionários de 92. Passaram a procurar no Evangelho modelos de linguagem, e nos primeiros séculos da Igreja exemplos de vida social. Queriam desse modo atrair católicos "de coração terno".
Foi esse novo Partido Republicano que fez a revolução de 1848. Ela veio num momento de confusão geral de ideias. Em menos de cinquenta anos a França tinha sido república, império, monarquia legítima e monarquia ilegítima. Republicanos como La Fayette defenderam a monarquia. Monarquistas como Thiers pronunciaram discursos republicanos. Quando nada fazia prever a república, uma revolução quase sem sangue a proclamou.
Um dos primeiros fautores da 2ª República foi Lamartine. Legitimista e católico ultramontano durante a Restauração, favorável a Luís Felipe e vagamente deísta depois de 1830, era essencialmente um homem sem ideias definidas. Num dos banquetes que precederam a revolução de 48, Ledru-Rollin, chefe dos republicanos, citou Lamartine como uma das celebridades democráticas. Este lhe respondeu nos seguintes termos, em um artigo de jornal:
"O discurso de Ledru-Rollin é dos mais eloquentes e mais bem pensados que ele já pronunciou. O comunismo de Ledru-Rollin é mais ou menos o nosso, isto é, um inteligente amor ao povo, uma viva piedade pelo sofrimento das massas, um ressentimento sério pelas injustiças de que elas são vítimas sob uma legislação em que não têm voto nem representação, desejando, enfim, a organização de instituições verdadeiramente fraternas: descendo de alto a baixo da sociedade e servindo-se de degraus para elevar — pelo ensino, pelo salário, pela assistência universal do Estado — o nível do trabalhador ao nível do proprietário e do cidadão. Eis o comunismo verdadeiro e salutar que não mata a propriedade, mas que a fortifica multiplicando-a".
Era natural que, não desejando apresentar-se à testa da nova república, o Partido Republicano fosse procurar em Lamartine o chefe de que precisava. Sem princípios definidos, grande nome da literatura e repleto de vaidade, ele seria nas suas mãos o joguete ideal. Lamartine se prestou a isso e a 2ª república foi proclamada.
A confusão foi completa. Ninguém mais se entendia. Todo mundo era republicano, mas nem todos entendiam a república do mesmo modo. Foi nesse ambiente que a França pela primeira vez aplicou o sufrágio universal, e que os católicos, desorientados, precisaram suas posições definitivamente.
Mariano Costa
Uma visita, que seja de corrida, às mais antigas igrejas de Roma dedicadas a Nossa Senhora, concorre não só para apurar o nosso gosto artístico, senão também e, sobretudo, para afervorar nossa devoção para com a Mãe de Deus e provar que Ela é realmente a Rainha do povo cristão.
Nada mais interessante e instrutivo, nesse sentido, do que observar a concepção que os antigos artistas cristãos e o povo fiel em geral tinham de Nossa Senhora, do Seu oficio, da Sua missão na Igreja e no mundo. É precisamente isto que se encontra gravado na pedra ou representado na pintura nas igrejas de Roma.
Façamos uma visita a mais celebre igreja romana consagrada a Nossa Senhora: Santa Maria Maior. Maior, porque é realmente a mais extensa de Roma dedicada ao culto da Virgem. No começo se chamava "Sancta Maria ad Nives", pois, segundo reza a tradição, a Virgem Mãe, na mesma noite, em sonhos, ordenou ao Papa S. Liberio e a um patrício romano que Lhe elevassem um templo no lugar em que se encontrasse neve na manhã seguinte. Efetivamente, no alvorecer do dia 5 de agosto, em pleno verão, estava coberta de neve a colina do Esquilino sobre a qual hoje se ergue a Basílica mariana. Para trazer sempre viva na memória e no coração do povo este prodígio, faz-se engenhosamente cair, em sua festa, no interno da cúpula uma chuva de pétalas de jasmim.
Na Capela Borghese, que é uma pequena igreja em cruz grega, com cúpula, profusamente ornada de mármores de diversas cores e ricamente decorada, sobre o altar, num belíssimo quadro sustentado por cinco anjos, está a Imagem miraculosa da Virgem, denominada "Salus Populi Romani". Particularmente venerada pelos romanos, deve o seu nome ao fato de ter livrado Roma de terrível epidemia de peste no ano 590.
Segundo tradição muito antiga, a Imagem é atribuída a S. Lucas Evangelista; o certo é que se trata de uma das muitas imagens orientais transportadas a Roma no tempo da perseguição dos Iconoclastas. Os Papas disputaram a honra de lhe prestarem as mais delicadas provas de sua devoção e do seu amor. Gregório VI a ornou de pedras preciosas; Julio III lhe ofertou, em 1550, uma rosa de ouro; Pio IX lhe fez presente de um cálice executado com o primeiro ouro vindo da Califórnia. Diante dela S. Carlos Borromeu foi ordenado Sacerdote e o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, celebrou, em 1899, a sua primeira missa. Mas, certamente, as maiores homenagens de toda sua historia lhe foram tributadas no Ano Santo de 1950, pois o Sumo Pontífice houve por bem determinar que diante da veneranda e secular imagem, salvação do povo romano e do mundo, fosse proclamado o dogma da Assunção de Maria.
Tomando posse do Monte Celio, onde o paganismo invocava a Mãe dos deuses, ultima invenção do demônio para criar a confusão na mente dos romanos e dificultar a sua conversão ao Cristianismo, se ergue a Basílica de Sancta Maria in Dominica. De época preconstantiniana e construída, segundo antiga tradição, na casa de uma dama romana, esta igreja é a única de Roma que, através dos séculos, conservou sua forma primitiva. Mas o que nos interessa no momento é o seu belíssimo mosaico da abside, rico de arte e de significado profundo. Representa Nossa Senhora sentada como Rainha no Seu trono, tendo nos joelhos o Menino Jesus como em outro trono a abençoar. Ao lado d'Ela, fazendo-Lhe corte e prestando-Lhe homenagens, o Príncipe dos Apóstolos S. Pedro, Santo André, S. Tiago e S. João. Em baixo do trono, humilde, ajoelhado, o Papa Pascoal II (que mandou fazer o mosaico), na atitude de beijar os pés da Rainha que o estende para satisfazer a Seu devoto servo. Verdadeira concepção de Nossa Senhora, de Sua missão, poder e grandeza. Toda a teologia mariana aqui está. E assim, em muitas outras igrejas de Roma.
Basílica das mais velhas de Roma, fundada em 340 pelo Papa Julio I. Sobre a cadeira episcopal desta igreja se lê a inscrição: "Prima aedes Deiparae dicatae", ou seja, primeira igreja dedicada à Mãe de Deus. A origem e o local em que foi levantada oferecem também especial particularidade com relação ao culto de Maria. Refere, com efeito, Dion Cassius, admitido por S. Jerônimo e Sto. Eusébio, que, nesse local, surgiu e correu um dia inteiro, alguns anos antes da era cristã, uma fonte de óleo, no que todos viram anunciado o nascimento próximo do Salvador do mundo. Maria, cujo nome é comparado ao óleo derramado — "oleum effusum" — seria a Mãe deste Salvador.
O riquíssimo mosaico da abside desta Basílica representa ainda Maria e Jesus sentados em tronos, rodeados de Santos que de pé Lhes rendem tributo de vassalagem.
A igreja se encontra na região mais característica de Roma e, para os peregrinos, constitui visita obrigatória. La estive também no dia 31 de Maio, durante as horas da tarde. Uma imagem bela e piedosa de Nossa Senhora, para baixo do presbitério, bem perto dos fieis, estava completamente cercada de uma coroa das mais lindas flores da primavera romana, enquanto uma outra coroa de crianças inocentes, nas mais variadas posições, acabava de completar o quadro. Postadas ali diante da Mãe dos Céus, uniam espontaneamente as mãos em atitude de prece e, depois lançavam beijos à sua imagem. No corpo da Igreja, numerosas pessoas silenciosamente rezavam à Virgem Mãe no último dia do seu belo mês. Maria, pensei, reina e impera nas almas simples e nos corações inocentes, arrastando-os após Si com o perfume de Suas virtudes e de Suas ternuras.
A única igreja da Idade Media em estilo gótico, existente em Roma. Nas paredes de sua fachada, belíssima inscrição referente ao nível das águas do Tibre, nas suas enchentes. Diz, mais ou menos, assim: — Aqui atingiram as águas e, não fora Nossa Senhora, Roma teria sido inundada.
É sabido que os monumentos antigos de Roma se conservaram por meio da Igreja e do Papado. A Igreja não destrói, porque não domina pela força, e sim pelo espírito. Respeita e admira a obra de arte como produto do espírito humano; muda-lhe somente o nome e o significado e faz imperar a verdade. Lança sobre eles um pouco de água benta e arranca-os à influencia do demônio, transformando-os em igrejas e basílicas dedicadas a Deus em honra da Virgem e dos Santos. E assim toma posse dos templos pagãos, consagrando-os ao culto do verdadeiro Deus. Depois de 1870, porém, quando Roma foi sacrilegamente usurpada das mãos do Papado, apalpa-se a intenção criminosa de ressuscitar, por todos os meios, o espírito pagão dos monumentos. Procura-se realçar a parte artística como fruto da civilização pagã, silenciando ao mesmo tempo as misérias do paganismo naquela época em que foram realizadas. Assim, com a arte, virá a admiração; com esta, o desejo de estudar os autores pagãos; e, com este convívio, o espírito da civilização pagã penetrará pouco e pouco nas almas. E aí está a finalidade realizada. Aí, o triunfo da Sinagoga do mal... Passei célere um dia na Colina do Palatino, por aquelas ruínas de morte, procurando a vida que a civilização cristã aí imprimiu... Mas quase não a encontrei mais. Igrejas destruídas, outras quase isoladas dos fieis pelo difícil acesso; outras ainda, arrancadas ao culto e restituídas à antiga significação pagã, como o Templo de Rômulo.
Foi uma destas tantas igrejas que surgiram no meio da suntuosidade dos monumentos pagãos como para tomar posse do Palatino e santificá-lo, ali mesmo onde se rendia culto à impúdica Vênus. Destruída mais tarde por terremotos e depredada pelos Sarracenos, foi transferida para Santa Maria Nuova e, no século XIII, reconstruída sobre a primitiva igreja, com o nome sugestivo de Sancta Maria Liberatrice, para significar que Nossa Senhora libertava o povo romano da impiedade do paganismo. Infelizmente, depois de 1870, Sancta Maria Liberatrice teve a mesma sorte de Santo Adriano: destruídas para se poderem pôr à luz, no Palatino, os monumentos pagãos...
Antigo Panteon que Vispanius Agrippa, genro de Augusto, fizera construir no ano 27 a. C. em honra de Marte e de Vênus. Fechado ao culto pagão em 390 e consagrado ao culto cristão por Bonifácio IV, no século VII, foi dedicado à SS. Virgem e aos Mártires. Por ocasião da festa da Assunção de Nossa Senhora, costumava-se elevar, com mecanismos especiais, para a cúpula uma imagem da Virgem rodeada de Anjos que se fazia desaparecer através da abertura do centro. Bela e sugestiva representação, tão a gosto na Idade Media, da Assunção. Infelizmente, depois de 1870, a Igreja de Santa Maria Rotonda, como lhe chamavam também, foi transformada em Panteon Nacional, e nela sepultadas pessoas excomungadas, sendo por isso suspenso ali o culto católico. E, nas suas dependências, começou a funcionar uma Loja Maçônica.
Quem passar pelo Foro Trajano verá também duas pequenas igrejas parecidas, no local onde se estendia o mesmo Foro. Nossa Senhora toma posse destes lugares onde imperava o orgulho dos imperadores pagãos. Uma delas é dedicada ao SS. Nome de Maria e foi edificada pela irmandade do mesmo nome, em memória da vitória de Sobieski contra os Turcos, obtida pela invocação do nome de Maria. A outra é Nossa Senhora de Loreto. Atrás dela está a Casa da Bíblia, com inscrição de sua fundação em 1870. Foram os protestantes trazidos naquele tempo para arrancar à Fé os católicos italianos. Mas, por paradoxos da vida, a Casa da Bíblia tem por endereço a "Piazza della Madona di Loreto".
Ainda outros templos pagãos, como o de Vesta, foram dedicados em Roma à Virgem. Maria, eterna vencedora do demônio, vai derribando os altares onde se adoravam divindades pagãs e toma o seu lugar, atraindo para Si as almas e os corações.
J. de Azeredo Santos
É o socialismo uma heresia social e, não fugindo à regra geral das heresias, se subdivide em várias seitas. Assim, o socialismo integral tem por programa a nacionalização de todos os meios de produção ou instrumentos de trabalho. É o coletivismo integral da produção. Como exemplo de socialismo parcial, temos o socialismo agrário, que faz reverter para o Estado a propriedade territorial, deixando como objeto da propriedade privada os demais bens. Em um ponto, porém, se mostram de acordo os socialistas dos mais variados matizes, mitigados ou radicais: — devem ser nacionalizados os bens de produção, e não os de uso e consumo.
É bem verdade que quem é dono da produção e de seus agentes, em grau de monopólio, também evidentemente terá influência decisiva sobre a distribuição dos bens destinados ao consumo. É uma consequência inevitável e lógica do erro socialista, apesar do que possam pensar ou talvez desejar os teóricos dos seus variados sistemas.
Aliás, quem pode o mais pode o menos. E essa intervenção no campo dos bens de consumo transparece claramente na política social dos Estados de tendência coletivista. Procuram eles promover a igualdade econômica pelos seus planos de Previdência Social, através dos quais promovem gradualmente a extensão de seu raio de ação a toda a população, fornecendo-lhe habitação, alimentos, vestuário, medicamentos, hospitais, escolas, recreação, além de seguros contra todos os riscos normais da existência. De modo que a lógica interna dessa heresia social, mesmo quando mitigada, tende a fazê-la caminhar para a socialização integral da vida humana, ou, em linguagem mais breve, para o totalitarismo. Eis porque se pode dizer que socialismo e totalitarismo se equivalem, embora às vezes se trate de um totalitarismo incoerente consigo mesmo, ou provisoriamente incompleto.
Vejamos a comprovação destas verdades na Inglaterra sob o domínio do trabalhismo. Ali, os socialistas fabianos não apenas adotaram um programa de socialização progressiva das fontes de produção, mas também embarcaram em um vasto plano de previdência social, entrando profundamente no próprio campo da distribuição e do consumo, sobretudo através do Ministério da Alimentação. O simples fato da existência desse Ministério mostra a tendência providencialista do socialismo de Estado, pois não é o esforço pela procura da própria alimentação um dos aspetos mais elementares da livre iniciativa do homem?
O socialismo representa a negação clara ou disfarçada do direito natural. Neste campo do consumo, por exemplo, o homem tem não somente o direito de livre acesso ao que lhe é necessário para a própria subsistência, mas lhe cabe também a escolha, sem constrangimento, daquilo que mais lhe convém do ponto de vista de suas características pessoais. Ora, o Estado socialista age praticamente como se se achasse diante, não de seres morais, inteligentes e livres, mas de animais irracionais, encarados pelo critério estritamente biológico de tantas gramas ou calorias por cabeça.
A organização eficiente da distribuição dos bens deste mundo é uma preocupação, levada aos paroxismos da superstição, pelos mentores do socialismo. Por que deixar margem para uma ineficiente livre escolha do que mais convém aos variados gostos pessoais, quando há organismos estatais cientificamente organizados para fazer a escolha por nós?
Eis porque diz o sr. Douglas Jeu, Secretario Econômico do Tesouro durante o governo trabalhista britânico e editor do órgão trabalhista "Daily Herald": — "As donas de casa em geral não merecem confiança quando se trata de comprar o que convém, e quando a nutrição e a saúde estão em jogo. Isto realmente não seria mais do que uma extensão do princípio segundo o qual a própria dona de casa não confiaria em uma criança de quatro anos para escolher suas compras semanais. Pois no caso da nutrição e da saúde, como no caso da educação, o cavalheiro de Whitehall (Ministério da Alimentação) realmente conhece melhor do que o próprio povo o que é bom para este" (Do livro "The Socialist Case", por D. Jay, reg. 258, com prefacio do sr. Clement Attlee, então Primeiro Ministro).
Ora, se esse socialismo de consumo é, nos países sob regime socialista, mera decorrência do socialismo de produção, ou complementação do programa coletivista, no Brasil temos a assinalar dois diplomas legais que, se postos em prática em toda a sua extensão, farão com que comecemos por onde os Estados socialistas terminam, isto é, por esse mesmo socialismo do consumo. Um deles é o decreto-lei n.° 7.526, de 7 de maio de 1945, que unificou as nossas instituições de Previdência e estendeu a obrigatoriedade do seguro social a todos os habitantes do território nacional. Tal decreto-lei, como se acha redigido, é uma arca de proporções tamanhas, que tudo pode abranger, desde as diferentes modalidades de seguros sociais, até a assistência médico-hospitalar, compreendendo a assistência social também a alimentação, vestuário e habitação dos segurados, de norte a sul do país.
Que aspecto assumirão as formas dessa assistência destinada à melhoria das condições de alimentação, de vestuário, de habitação, de serviço médico-hospitalar? O texto é tão vago e tão elástico que dependerá excessivamente do mero arbítrio de quem estiver à frente desse superministério e dessa tremenda potencia que é o I.S.S.B., agora em estado de hibernação. Tenham seus diretores mentalidade totalitária e poderão com toda a aparência de legalidade fazer o Brasil começar por onde a Rússia soviética tende a terminar — começaremos pelo socialismo do consumo, quando no leste europeu não passaram inicialmente do socialismo da produção...
O mesmo podemos dizer da recente lei que autoriza o governo federal a intervir no domínio econômico, com o propósito declarado de assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Tal intervenção consistirá em primeiro lugar, "na compra, distribuição e venda de: — a) gêneros e produtos alimentícios de primeira necessidade; b) gado vacum, suíno, ovino e caprino, destinado ao talho; c) aves e peixes próprios para a alimentação humana; d) combustíveis vegetais ou minerais; e) tecidos e calçados de uso popular; f) medicamentos; g) instrumentos e ferramentas de uso individual", etc. etc.
Tais vendas podem ser feitas através de prefeituras municipais ou diretamente ao consumidor. Ora, é fácil de prever a espécie de concorrência que essa intervenção estatal trará ao comercio livre, com o aparecimento em todo o território nacional de armazéns e empórios oficiais e centros de distribuição de gêneros alimentícios e de outras utilidades. Teremos, assim, a seguinte situação injusta: — de um lado, os comerciantes livres, que pagam alugueis, fretes, impostos elevadíssimos, sem contar os riscos próprios do negocio. De outro, esses estabelecimentos estatais, que não pagam alugueis, pois funcionarão em prédios federais, estaduais ou municipais, ou então, como já vem acontecendo, em tendas rústicas em desacordo com os próprios códigos de edificação municipais. Tais estabelecimentos, ademais, obtêm todas as facilidades em matéria de transportes e prioridade, não pagam impostos e manipulam dinheiros públicos, sendo os déficits eventuais cobertos por esses mesmos impostos que saem da bolsa da iniciativa privada.
Compreendemos que sejam castigados os comerciantes desonestos, torna-se mesmo urgente que se ponha cobro ao cambio negro e a outros crimes hoje impunemente praticados à sombra do próprio poder fiscal. O que não é justo é que com essa desastrosa intervenção estatal sejam colhidos e prejudicados indiferentemente tanto os comerciantes desonestos quanto os honestos, vitimas, estes, como todos nós, do descalabro administrativo e financeiro em que nos achamos.
Enveredando por esse caminho, será fácil prever as consequências desses atos do poder publico, se levados ao pé da letra: — a falência e a destruição da iniciativa privada e comercial, e a passagem desse ramo de negocio para a órbita estatal. Mais um contingente da classe média burguesa a engrossar a fila dos macacões das fábricas urbanas, com um correspondente aumento do funcionalismo público. E mais um degrau na escala social que desaparece em favor do proletariado amorfo e mecânico.
Este comentário — cumpre acentuar — não tem o menor caráter político, pois não atinge mais especialmente nenhum partido: na Câmara e no Senado federal foi esta lei aprovada por homens de todas as facções. Fazemo-lo em atitude rigorosamente apolítica, olhos postos tão somente na doutrina católica e no interesse nacional.