Cunha Alvarenga (conclusão)
“... E que verdadeiramente o Filho da Perdição já haja feito seu advento entre nós”
(continuação)
costumam injuriar a memória de Leão XIII, chamando-o o Papa da reconciliação com os tempos modernos, confundindo seus pronunciamentos doutrinários com as explorações e as deturpações feitas em torno do célebre "ralliement". Leão XIII foi o Papa do antiliberalíssimo e, portanto, do antitotalitarismo. Aí estão suas Encíclicas "Libertas" e a nunca assaz citada "Humanum Genus" e inúmeros outros documentos do grande Pontífice da Ação Social em que a doutrina tradicional da Igreja transparece claramente. Ora, Leão XIII renovou as condenações do "Syllabus" de Pio IX de modo expresso na "Immortale Dei".
Mas dirão que Leão XIII ainda foi um Papa do século passado. Vejamos, portanto, qual foi a atuação de seus Sucessores no século XX. O Bem aventurado Pio X foi o grande batalhador contra o modernismo, não somente do ponto de vista político e social, como demonstra eloquentemente a Carta Apostólica "Notre Charge Apostolique" contra os erros liberais e socialistas do "Sillon", mas também e sobretudo do ponto de vista teológico e filosófico, através da "Pascendi". E também Pio X haveria de catalogar em um "Syllabus" os principais erros dos modernistas, entre os quais inclui, quase com as mesmas palavras usadas por Pio IX: — "A Igreja mostra-se incapaz de defender eficazmente a moral evangélica, porque adere obstinadamente a doutrinas imutáveis, que não podem conciliar-se com o progresso moderno" (Proposição 63 do "Syllabus" de Pio X). E nesse novo “Syllabus” também se acha condenada a proposição seguinte: — "O Catolicismo atual não pode harmonizar-se com a verdadeira ciência a não ser que se transforme num Cristianismo sem dogmas, isto é, em um protestantismo largo e liberal" (Proposição 65 do "Syllabus" de Pio X).
Ainda estamos na mesma “civilização moderna”
O progresso, o liberalismo e a "civilização moderna", com os quais Pio IX achava inconciliável a Igreja, estão, portanto, e infelizmente, ainda bem vivos. E no que diz respeito ao Bem aventurado Pio X, o próprio Maritain (é verdade que o Maritain da primeira fase de sua conversão) nos diz em seu "Antimoderne" que "uma das causas que têm debilitado mais gravemente a muitos católicos modernos, e neles favorecido o liberalismo, o americanismo, o modernismo, etc., é a infiltração em suas almas dos dogmas maçônicos do Progresso necessário e do Otimismo humanitário, pseudo-ideais sentimentais que respondem ao desejo secreto da natureza de aceitar os fatos consumados e com poder não igualado para obnubilar o juízo" ("Antimoderne", página 207). E isto Maritain diz a propósito da Encíclica "Terrebat nos quam maxime", na qual o Bem aventurado Pio X afirmava que quem "pensa estas coisas tem direito de temer que tal perversão dos espíritos não seja o começo das dores anunciadas para o fim dos tempos e como que sua tomada de contato com a terra, e que verdadeiramente o Filho da Perdição de que fala o Apóstolo já haja feito seu advento entre nós". Isto, positivamente, não é linguagem de Domingo de Páscoa, mas do oficio de Trevas.
Bento XV também não considerava morta a "civilização moderna" a que fazia menção Pio IX, como claramente se depreende do seu modo de se referir às transformações trazidas ao mundo pela Revolução Francesa: — "Enfatuadas as inteligências do povo, por obra da filosofia néscia, originada da heresia e rebelião dos inovadores, irrompeu aquela grande subversão das coisas que chegou a remover os fundamentos da sociedade cristã não somente em França, mas pouco a pouco em todos os povos". E depois de relembrar os falsos princípios da sociedade política moderna (que são aqueles mesmos condenados no "Syllabus" de Pio IX), acrescenta: — "Estes são como os princípios nos quais, desde então, se fundamenta a ordem das cidades. Entretanto, quão perniciosos sejam para a sociedade humana nunca se mostrou tão claramente como quando se tornaram patentes as paixões cegas e as divisões de partidos que eles armaram nas multidões" (alocução de 7 de março de 1917).
Os Papas da era totalitária propriamente dita
Pio XI foi o Papa da "Mit Brennender Sorge", da "Non Abbiamo Bisogno", da "Divini Redemptoris". E não é ele que nos diz que "povos inteiros estão em perigo de cair de novo em uma barbárie pior que aquela em que ainda jazia a maior parte do mundo ao aparecer o Redentor" (Encíclica "Divini Redemptoris")? Ora, com Pio XII acentuam-se as cores negras desse quadro lúgubre e sombrio. Basta lançar um olhar sobre o mapa da Europa, para não falar no que acontece, em proporções ciclópicas, também no Oriente. Povos inteiros, por detrás da cortina de ferro, já caíram na barbárie do comunismo, e a ameaça perdura para o resto do mundo, não somente devido à belicosidade e ao expansionismo soviético, mas também à desagregação interna dos países do ocidente. Estamos às vésperas de uma grande batalha, que se vai travar sobretudo no campo das consciências, e somente uma graça toda especial de Deus nos pode livrar da marcha inflexível para o mais completo totalitarismo. Por toda a parte a Igreja e a Cristandade sofrem, e é o próprio Pio XII quem nos lembra a imagem do Apocalipse, quando se abrem os poços do abismo deitando sobre o mundo sua fumaça pestilencial, para caracterizar a hora trágica que a humanidade atravessa.
Não duvidamos, portanto, em afirmar que O sr. João Camilo de Oliveira Torres professa um vazio otimismo, estando com o relógio visivelmente adiantado. A Igreja é indefectível, contra Ela as portas do inferno não hão de prevalecer. Isto não impede, porém, que a Cristandade e a própria Igreja possam ser extirpadas de ainda maiores porções do mundo. Não é por outra razão que a Santíssima Virgem, em Suas recentes revelações em Fátima, repete as advertências feitas a Bernadette ao tempo de Pio IX: — oração e penitência pela conversão do mundo.
Estamos, portanto, ou continuamos, em tempos de penitência e de mortificações, de sacrifícios, de suor e lágrimas, e não das aleluias que precedem as festividades da Ressurreição. A ressurreição da Cristandade e a Nova Idade Média Católica, com a restauração de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Sua Igreja no pleno papel que Lhes compete na vida dos povos, é uma esperança que nos alenta no meio de toda essa aflição em que se debatem os espíritos retos. Rezemos e esperemos, mas não nos enchamos de vã euforia, fechando os olhos aos pecados do mundo contemporâneo. Enquanto aguardamos essa ressurreição, e para cooperarmos com a graça divina, sigamos o conselho do Apóstolo, quando nos manda que não nos conformemos com este século (Rom. 12,2). Combatamos esta forma de liberalismo que consiste em tentar conformar a vida social católica às máximas do século, ou do que está em moda, e que é a grande responsável pelos estragos que o totalitarismo vem causando às hostes de Cristo Rei.
MAIS UM HERÓI DE JESUS CRISTO NA HUNGRIA
Segundo informações provenientes de Budapeste, o Serviço Eclesiástico Estatal acusou Mons. Bartolomeu Badalik, Bispo de Veszprem, de transgressor da lei. Declarou o referido Serviço que Mons. Badalik está desenvolvendo uma ação pastoral contraria as declarações do Episcopado Húngaro de julho do ano passado e que assim violou o juramento prestado naquela ocasião.
As exigências do governo vermelho
O Estado comunista húngaro se arvorou em autoridade competente para decidir acerca de questões eclesiásticas. Assim, resolveu nomear Vigário Geral da Diocese de Veszprem o Padre João Mathé e Chanceler o Padre Ladislau Tersz Tenyak, ambos pertencentes ao movimento filo-comunista dos "sacerdotes da paz". Não se conformou, porém, com essa absurda intervenção o Bispo Diocesano, que protestou contra ela com expressões que a denuncia oficial qualificou de antidemocráticas. Que expressões teriam sido essas? Conforme o órgão governamental; fora particularmente antidemocrática a afirmação de Mons. Badalik de que não devia obediência a esses atos do Estado porque para ele "permanecia como norma fixa e diretriz imprescritível a Lei da Igreja e não a Constituição da Republica Popular Húngara".
O governo aduz ainda outras queixas contra o Bispo de Veszprem: não fez ele a devida propaganda das campanhas da paz e da colheita e semeadura, nem colaborou para a realização dos planos de economia agrícola; e manteve relações com o exterior, especialmente com "agentes do imperialismo americano" — é desse modo que os comunistas qualificam as relações do Bispo com a Santa Sé — de quem receberia correspondência e dinheiro.
Represálias
Réu de todos esses "crimes", Mons. Badalik está sendo mantido sob vigilância e não lhe é permitida a menor ação pastoral. Ao mesmo tempo os vermelhos desenvolvem na Diocese de Veszprem uma campanha intensa de desmoralização contra o Bispo, afirmando que "afinal ele se manifestou inimigo do povo e hostil a qualquer progresso do proletariado".
Teme-se que maiores vexames sejam impostos à pessoa desse Pastor que está sabendo defender a sua dignidade episcopal.
O governo extingue uma Diocese
Outra recente decisão do Serviço Eclesiástico Estatal foi a de declarar extinta a diocese de Pannonhalma. Trata-se de uma circunscrição eclesiástica subordinada à Arquiabadia Beneditina de Pannonhalma, veneranda pela sua história e tradições. A Arquiabadia, dedicada a São Martinho de Panônia, foi fundada pelo Príncipe dos Magiares, Geza, pai de Santo Estevão. Este último por sua vez, dotou-a de terras e bens, e em breve se transformou ela em centro de irradiação de espiritualidade e de cultura na Hungria. A Santa Sé a declarou Abadia "nullius", conferindo ao Abade os poderes de Ordinário diocesano sobre treze paróquias, além de oito capelanias paroquiais.
Segundo a injusta legislação eclesiástica forjada pelos comunistas os Religiosos não podem mais ser Párocos e por isso o governo deixou de reconhecer a autoridade do Arquiabade de Pannonhalma, "tamquam Ordinarius", restringindo dessa forma a sua jurisdição apenas ao Mosteiro de São Paulo.
CORRESPONDÊNCIA
Do Exmo. Revmo. Snr. D. Germano Vega Campon, Prelado de Jataí (Est. de Goiás): "O jornal CATOLICISMO é de meu sumo agrado; que pena que seja só mensal; ao mesmo tempo lhe felicito pelos seus artigos, saturados de sã doutrina e impregnados de verdadeira piedade."
De Pauper (Roma) : "Não seria mais caridoso nunca citar os nomes das pessoas que erram, em vez de estar verbi gratia, indicando aqueles que Roma contentou-se de condenar anonimamente? Este exemplo sempre seguido pela Santa Sé não deveria ser imitado?"
R. Primeiramente, é necessário não generalizar. É certo que, mais frequentemente, a Santa Sé não indica os autores cujas opiniões condena em documentos solenes, como as encíclicas. Mais de uma vez, porém, procedeu de modo diverso. O Concilio de Éfeso, entre outros, chama de perversos e celerados os dogmas de Estoiro; o Concilio I de Constantinopla enumera como hereges, os Eunomianos, Arianos, etc. que, como se sabe, são denominados, não por suas doutrinas, mas pelos homens que as pregaram; S. Gelasio personaliza em Eutiques e Estoiro os erros que condena; na profissão de fé de S. Hormisdas figura o nome de um Acácio, herege. Em tempos mais chegados aos nossos, Gregório XVI, no breve "Dum acerbíssimas", vitupera a audácia de Jorge Hermes que se afastou da universal tradição dos SS. Padres na exposição das verdades da Fé. Para não falar em Alexandre VII que tem um decreto especial só para definir que as cinco proposições extraídas do "Augustinus" de Cornélio Jansênio, Bispo de Ypres, foram condenadas no sentido em que as tomou o mesmo Jansênio.
Como se vê, não se pode dizer que a Santa Sé nunca cita os nomes dos autores das doutrinas que condena. Se não o faz habitualmente em documentos mais solenes (ainda que, como vimos, muitas vezes também o faça), é porque a condenação nominal dos autores se faz, segundo os tramites comuns, em documento à parte, isto é, em decreto da Suprema Sagrada Congregação do Santo Oficio. Basta folhear os vários volumes da "Acta Apostolicae Sedis" para se verem não só os títulos dos artigos e livros condenados e postos no Índice, como também os nomes dos seus autores.
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Em geral a Santa Sé não declara porque age desta ou daquela maneira. Às vezes, porem, digna-se, em sua sabedoria e benignidade, fazê-lo. Assim, narram os historiadores de Felicité de Lamennais que, quando Gregório XVI proscreveu-lhe o liberalismo na encíclica "Mirari vos", teve a deferência de enviar-lhe um exemplar antes de publicação, declarando que, em consideração aos seus serviços, não lhe declinava o nome, apesar de condenar-lhe a doutrina.
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Também não se pode taxar de falta de caridade o procedimento daqueles que devem esclarecer os fiéis — teólogos, pregadores, jornalistas, etc. — quando indicam onde se encontra o erro que evitar. Note-se que a pessoa que erra publicamente — como são aqueles que proclamam coisas falsas — podem ser corrigidos publicamente. Não há nisto senão uma aplicação da obra de misericórdia que está no Catecismo: "Castigar os que erram". Desde que seja feita segundo as normas da caridade (que às vezes exige atitudes fortes como a de Nosso Senhor Jesus Cristo com os vendilhões do Templo), não há nada de mal. Há, pelo contrário, um genuíno ato de virtude.
Além disso, é mister indicar onde se encontram os escolhos para a Fé, afim de que possam os fiéis evitá-los. É neste sentido que S. Francisco de Sales diz na Piloteia que "é caridade gritar ao lobo quando está entre as ovelhas, ou onde quer que esteja".
Julgamos, portanto, que é dever daqueles a quem incumbe o esclarecimento do povo, denunciar as pessoas cujos erros a Igreja condena. Não só, mas também mostrar como estão estes erros expostos, e acarear as opiniões dos autores como os documentos pontifícios, para que se torne clara a impossibilidade de compor umas com os outros.
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Citemos aqui um capítulo do livro de Sardá y Salvany "O Liberalismo é pecado", que mereceu especial aprovação da Sagrada Congregação do Índice em 10 de janeiro de 1887. Trata ele da questão aqui proposta, no cap. 23, mostrando que, embora muitos defensores da verdade, quando denunciam os nomes dos fautores de doutrinas perniciosas, sejam acusados pelos liberais de "só se ocupar de pessoas", devem continuar em sua maneira de combater o mal. "As ideias más, acrescenta Sardá, hão de ser combatidas e desautorizadas; é preciso torná-las aborrecidas, desprezíveis e detestáveis à multidão, à qual intentam embair e seduzir. Mas as ideias não se sustentam por si mesmas no ar, nem por si mesmas se difundem e propagam, nem por si mesmas fazem todo dano à sociedade. São como as flechas ou balas, que a ninguém iriam ferir se não houvesse quem as disparasse com o arco ou com a espingarda.
"Ao atirador se devem, pois, dirigir primariamente os tiros do que deseje destruir a sua mortal pontaria; e qualquer outro modo de fazer a guerra será tão liberal como queiram, porém será contra o senso comum. Os autores e propagandistas de doutrinas heréticas são soldados com armas de envenenados projéteis; suas armas são o livro, o jornal, o discurso público, a influência pessoal.
"Não basta, pois, desviar-se para evitar o tiro; o principal e mais eficaz é deixar inabilitado o atirador. Assim convém desautorizar e desacreditar o seu livro, periódico ou discurso; e não só isso, senão desautorizar e desacreditar em alguns casos a pessoa. Sim, a pessoa, porque é este o elemento principal do combate, como o artilheiro é o elemento principal da artilharia, e não a bomba, a pólvora ou o canhão.
"...Somente se deve cuidar de não pôr a mentira a serviço da justiça. Isso não; ninguém neste ponto se afaste um só ápice da verdade; porém, dentro dos limites desta, recorde-se aquele dito de Cretineau-Joly: — A verdade é a caridade única permitida à História; e poderia acrescentar: à defesa religiosa e social".
Cita ainda Sardá exemplos dos Santos Padres, e um artigo da "Civiltà Cattolica" (vol. 1, ser. V, p. 27), no mesmo sentido. Ficamos, no entanto, aqui por amor à... falta de espaço.
MARIA VENCE, REINA, IMPERA [III]
Santuários marianos
Mariano Costa
Um dos meios pelos quais a SS. Virgem costuma estabelecer o Seu reinado são os Santuários, para onde Ela atrai todos os anos milhões de fiéis. A Itália se pode bem orgulhar neste sentido como nação de Maria, pois inúmeros e conhecidos são os lugares em que se eleva um Santuário mariano e inúmeros são os peregrinos que os visitam anualmente. Mas, ultimamente sobretudo, Nossa Senhora houve por bem fazer-Se também peregrina, em Roma e na Itália, vindo do céu e transmitindo Suas mensagens de amor, ou visitando por meio de Suas Imagens, queridas do povo cristão, cidades e aldeias.
Madonna del Divino Amore
A 13 quilômetros do centro de Roma, na Via Ardeatina, se eleva um pequeno Santuário, conhecido vulgarmente por "Divino Amore", porquanto aí se venera a prodigiosa Imagem da "Madona del Divino Amore", da escola de Giotto, pintada em "affresco" no século XIV sobre a torre de ingresso de um antigo Castello dos Orsini. Destruído este mais tarde, foi entretanto poupada a torre em que dominava a Madonna del Divino Amore, a qual infelizmente ficou mais ou menos abandonada durante três séculos. Por fim, em 1740, a própria SS. Virgem Maria se encarregou de suscitar no meio do povo a devoção para com essa Imagem, obrando por sua intercessão um manifesto milagre. Aumentando sempre mais, dia por dia, a devoção dos fieis à bela Imagem, construiu-se-lhe uma artística Igreja sobre as ruínas do velho castelo, para onde, foi festivamente transferida. A Igreja dentro em pouco se transformou em Santuário, meta de inumeráveis peregrinações que, pelo multiplicar-se das graças e milagres, se foram intensificando no correr dos anos, atingindo o mais elevado grau no presente, depois da grande graça que a Madonna del Divino Amore dispensou a Roma em 1944.
No período mais crítico da guerra, quando os exércitos alemães, entrincheirados em Roma, se obstinavam em não abandoná-la, provocando a sua total destruição por parte das forças contrarias, a veneranda Imagem foi transferida, por ordem do Santo Padre, para o coração da Urbes e exposta na Igreja de Santo Inácio á devota peregrinação dos romanos. Foi então que o Camerlengo dos Vigários de Roma, Pe. Gilla Gremigni, intérprete dos desejos e da vontade dos romanos, suplicou à Madonna que salvasse a Sua Cidade, prometendo solenemente em nome de todos: — reformar a própria vida com uma austeridade cristã de costumes; - contribuir; segundo as possibilidades de cada um, para a fundação de uma obra de religião e de caridade, de maneira a ficar impresso na memória dos séculos a piedade agradecida do povo Romano para com a excelsa Mãe de Deus. No dia seguinte, precisamente, as tropas alemãs deixavam Roma e a passagem da Cidade Eterna às mãos dos Aliados se fazia sem matança e sem destruição. A graça foi tal que o Santo Padre, afim de dar à gratidão de todos um caráter mais solene e oficial, sete dias depois, a 11 de Junho de 1944, saindo do Vaticano, em pessoa se ajoelhava aos pés da querida Imagem. E ao povo ali aglomerado assim falou: "...Cheio de pena pelos vossos sofrimentos, mas confortado pelo espetáculo de vossa fé, que vos trouxe suplicantes aos pés de Maria, Mãe do Divino Amor, Nós quiséramos já antes encontrar-Nos aqui no meio de vós para confundir com as vossas, em uma só oração, as Nossas preces. ...Nós, hoje aqui estamos não só para implorar os Seus celestes favores, mas, antes de tudo, para agradecer-Lhe pelo que aconteceu, contra as humanas previsões, para o supremo interesse da Cidade Eterna e dos seus habitantes. Nossa Mãe Imaculada ainda uma vez salvou Roma de gravíssimos e iminentes perigos: Ela inspirou a quem tinha em mãos a sorte, particulares sentimentos de reverencia e moderação; de modo que, na mudança dos acontecimentos, fomos testemunhas de uma incolumidade que nos deve encher os corações de terna gratidão para com Deus e a Sua Mãe puríssima".
Nessa ocasião a santa Imagem foi pelo mesmo Santo Padre proclamada "Salvação de Roma".
Mas já antes disto, num furioso bombardeio no Castro Pretório, em Roma, uma família havia invocado a Madonna del Divino Amore e, apesar de caírem as bombas a pouca distancia, foi milagrosamente salva. Em testemunho de gratidão, fez elevar esta piedosa família, no lugar em que se encontrara durante o bombardeio, uma efígie da Madonna del Divino Amore. Foi aqui, diante desta Imagem, colada à vetusta e enegrecida muralha da antiga Roma, que uma tarde recitamos quatro Sacerdotes o "Angelus". Mãos devotas teciam nesse momento ramalhetes de flores para colocar diante da Imagem. Inúmeras velas ardiam como penhor da fé dos que ali vieram naquela tarde. Transeuntes paravam para Saudar a Mãe de Jesus. E como moldura, os inúmeros quadrinhos de mármore branco, cada um com dizeres diferentes, mas todos cheios de gratidão, também colados á rude muralha ao lado da Rainha do Divino Amor, como homenagem de reconhecimento daqueles que foram por Ela agraciados.
Roma será salva, pensamos, porque ainda sabe descobrir-se e rezar publicamente, nas vias e praças, à Rainha dos céus e da terra.
A Madonna del Divino Amore já voltou ao seu pequeno Santuário di Castel di Leva. Todos os dias partem de Roma dois autopulmans, um para a Missa, outro para a Benção Eucarística da tarde. Aos domingos eleva-se a dez mil o número de peregrinos. Por ocasião de sua festa, em Pentecostes, não menos de cinquenta Sacerdotes atendem confissões e distribuem a Santa Comunhão a começar das 3 horas da manhã até ao meio dia.
Gruta de Tre Fontane
Depois da guerra, outro lugar que os prodígios de Maria tornaram célebre foi a Gruta de Tre Fontane. Nas cercanias das três antiquíssimas Igrejas elevadas em memória das três fontes miraculosamente brotadas á morte de S. Paulo, existe em um eucaliptal uma gruta solitária. Ali costumava isolar-se um romano, cobrador de ônibus, antes católico e depois feito ardoroso propagandista protestante, a fim de preparar as suas prédicas e escrever contra a Madonna. Uma tarde em que ali fora, levando pela mão seus dois filhos pequenos, aparece-lhe radiante de majestade e bondade a Virgem Mãe dos pecadores, vista também pelas crianças. Depois de chamá-lo com suavidade a bom caminho, ordena que se confesse ao primeiro Sacerdote que lhe responder á saudação com as palavras "Ave Maria". Passaram-se, pois, dias de angustiosa expectativa até que, finalmente, encontrou o Padre a quem a SS. Virgem queria que abrisse a alma e o coração. Agora este homem, o convertido de Maria, todos os dias após o seu trabalho, vai comungar, frequentemente às 3 horas da tarde.
O local da aparição se transformou logo em um sítio sagrado, aonde as almas aflitas vão buscar a proteção maternal de Maria. E os milagres que Ela faz em favor de seus devotos não são para contar.
Aparições de Nossa Senhora no norte da Itália
Quando a guerra de 1939 estava para terminar, apareceu a SS. Virgem, em Bonate, no norte da Itália, a uma menina de 7 anos, Adelaida Roncalli, a 13 de Maio de 1944. Durante dois meses, mostra-se-lhe a Virgem treze vezes. Cerca de três milhões de pessoas desfilaram no lugar das aparições. A vidente repete as palavras da Mãe de Deus: "É difícil ainda que o mundo obtenha a paz, porque continua afastado da fé e da caridade... Só a oração e a penitência poderão salvá-lo..." Em Bonate como em Fátima, Nossa Senhora confirmou a veracidade de Suas aparições com sinais e milagres de toda sorte, de que foram testemunhas milhares de pessoas. Desta maneira, a Mãe de Jesus vai preparando, na Itália e no mundo inteiro, as almas para a dura prova por que teremos de passar. As portas do inferno não prevalecerão contra Ela.
"Madonna Peregrina"
Não quereria terminar este relato sem acrescentar uma palavra sobre as graças e conversões que alcançou ultimamente a Imagem da "Madonna Peregrina" que andou visitando, depois da guerra, quase todas as cidades da Itália. Estive em Turim na noite anterior à sua chegada. Ruas e casas engalanadas de festões de luzes coloridas formando monogramas e dizeres de louvor a Maria atestavam que a "Madonna Peregrina" era esperada ali como a Rainha que se digna visitar os Seus domínios. E era assim por toda a parte onde passava. A "Madonna Peregrina", de seu lado, distribuía a mancheia os Seus favores corporais, temporais, mas sobretudo espirituais. Em vésperas de grandes catástrofes, a Mãe de Deus vai peregrinando como general que passa em revista seus exércitos a fim de adestrá-los e prepará-los para os futuros combates. Mas as conquistas de Nossa Senhora já começaram antes de estalar a rude batalha: inúmeras foram as "tesseras" comunistas que se encontraram rasgadas depois de Sua passagem pelas cidades italianas. Nossa Senhora faz a política do céu. Ela vence e impera.
VERBA TUA MANENT IN AETERNUM
O regime do salariado é legitimo
PIO XI: Os que dizem ser de sua natureza injusto o contrato de trabalho e pretendem substituí-lo pelo contrato de sociedade, fazem uma afirmação gratuita e caluniosa contra Nosso Predecessor, cuja Encíclica "Rerum Novarum" não só o admite como legítimo, mas também trata longamente sobre a maneira de regulá-lo segundo as normas da justiça. (Encíclica "Quadragesimo anno", de 15-V-1931).
Os Exercícios de Santo Inácio e o homem moderno
PIO XII: Mas vosso exemplo nos serve também para encarecer a eficácia dos Exercícios de Santo Inácio, quando se conserva a fidelidade ao seu espírito e método como, graças a Deus, sucede entre vós. Não é certo que o método tenha perdido eficácia ou que não corresponda às exigências do homem moderno. (Alocução aos peregrinos da Obra dos Exercícios Paroquiais da Espanha, de 24-X-1948).
A síntese de todas as heresias
B. PIO X: Se, pois, em uma vista de conjunto atentarmos para todo o sistema (do Modernismo), a ninguém causará pasmo ouvir-Nos defini-lo como a síntese de todas as heresias. Certo é que se alguém se propusesse juntar, por assim dizer, o suco de todos os erros que a respeito da Fé têm sido até hoje levantados, nunca poderia chegar a resultado mais completo do que alcançaram os modernistas. Tão longe se adiantaram eles, como já o apontamos, que destruíram não só o Catolicismo, mas toda religião (Encíclica "Pascendi", de 8-IX1907).
OS CATÓLICOS FRANCESES NO SÉCULO XIX
Primeiro fracasso do "catolicismo liberal"
Fernando Furquim de Almeida
A luta pela liberdade de ensino, no reinado de Luís Felipe, conseguira unir todos os católicos franceses, mas a união não podia ser duradoura, dado o liberalismo que infeccionava muitos deles. Todos lutavam por um mesmo objetivo; nem todos, porém, tinham os mesmos princípios nem concebiam do mesmo modo o ideal pelo qual se batiam.
Os ultramontanos consideravam a liberdade religiosa como um direito da Igreja, que, sendo divina, não podia ter sua ação cerceada pelo poder civil, de modo especial no que diz respeito à educação. Luís Felipe prometera a liberdade de ensino, explicitamente garantida pela Carta que jurara ao subir ao trono. Por uma questão de tática, que não envolvia uma renúncia ou diminuição da verdadeira doutrina, os ultramontanos se limitavam, durante a campanha, a pedir que o Rei cumprisse a palavra empenhada. Já para os católicos imbuídos de liberalismo, a liberdade de ensino era apenas uma das formas de liberdade que desejavam, isto é, um bem em si, um ideal abstrato que se confundia com a própria essência do Catolicismo, e que concebiam do modo mais largo possível, tendo a Igreja tanto direito de ensinar a verdade quanto um ateu de propagar o erro.
Evidentemente os católicos liberais não chegavam a formular as últimas consequências de suas teorias. A condenação de Lamennais por Gregório XVI ainda era muito recente, e além disso associava-se sempre ao liberalismo a lembrança da perseguição religiosa e dos horrores da Revolução Francesa. Daí um arrefecimento nos ardores liberais de certos católicos, obrigados a velar um pouco a propaganda de suas doutrinas.
Os primeiros atos de Pio IX, logo que subiu ao trono pontifício, encheram de júbilo os católicos liberais, pois pareciam confirmar a reputação de liberal que cercava o novo Papa e denunciavam a sua disposição de aplicar em parte nos Estados Pontifícios as reformas por eles preconizadas. Esperavam os liberais que Pio IX desejasse demonstrar haver compatibilidade entre o liberalismo e a doutrina católica, tornando praticamente sem efeito a condenação de Gregório XVI. Em 1848 foi proclamada a república na França, quase sem derramamento de sangue, sem atentados contra igrejas e sacerdotes, e, pelo contrário, precedida de uma propaganda onde o Evangelho era frequentemente citado e Nosso Senhor Jesus Cristo apontado como benfeitor da humanidade. Isso apagava o temor da perseguição religiosa e o receio de cenas à maneira da Revolução Francesa.
Os católicos liberais julgaram chegado o momento de retomar a bandeira do L’Avenir e de se lançar à propaganda de ideias deste levadas ao extremo. Fundaram então "L’Ère Nouvelle", jornal dedicado à defesa da república e das classes operárias em nome do Catolicismo. Sua alma era Frederico Ozanam. Professor da Sorbonne, cavaleiro da Legião de Honra desde 1846, fora ele o único leigo de projeção que não tomara parte na campanha de liberdade de ensino. Proclamada a república, aliou-se ao Padre Maret — que sob Napoleão III seria Grão-Mestre da Universidade e um dos baluartes do galicanismo — e procurou organizar os católicos liberais para uma ação comum. "L’Ère Nouvelle" foi fundado para ser porta-voz desse grupo. Faltava-lhe, no entanto, um nome bem conhecido nos meios católicos, e que fosse uma garantia para o movimento. Este nome foi Lacordaire, que Ozanam e o Padre Maret persuadiram a aderir à república e colaborar com eles.
A ruptura entre os dois grupos católicos foi inevitável. Os ultramontanos, que tinham aceito a república como uma questão de fato, e que se dispunham a continuar a luta em defesa dos princípios da Igreja como já vinham fazendo nos regimes anteriores, viam abrir-se uma brecha nas fileiras católicas com a fundação de "L’Ère Nouvelle", que os forçava a combater também aqueles que até a véspera tinham sido seus irmãos de armas. Congregando-se em torno de "L’Univers", foram obrigados, com pesar, a aceitar a luta.
Felizmente os excessos do novo jornal abriram os olhos dos católicos bem intencionados para as tendências do grupo que o dirigia. A república fora obrigada a se entregar a Lamartine, para poder se manter, e o Partido Republicano se apossara de vários postos no governo. Mas Ledru-Rollin, Louis Blanc e outros corifeus do republicanismo eram obrigados pelas circunstâncias a esconder suas ideias comunistas por detrás do grande nome nacional que era Lamartine, e naturalmente só passar à prática com cuidado, para não se desmascararem perante a opinião pública.
A fim de ganhar as boas graças dos católicos, o governo preparava-se para revogar o decreto de messidor do ano XIII, que declarava ilícita "toda agregação e associação religiosa". Ao mesmo tempo, trabalhava para introduzir a separação entre a Igreja e o Estado. Monsenhor Affre, Arcebispo de Paris, apoiava decididamente esta medida, chegando a afirmar que era "daqueles que têm bastante fé para estar convencido de que a fé não tem necessidade senão de si mesma", e sobre a separação afirmava que "esse pensamento da república é o meu". Apesar disso, o governo, que conhecia o pensamento católico, procurava agir com prudência, propondo preliminarmente a abolição gradual dos estipêndios pagos ao clero pelo Estado. Assim, dizia-se, a Igreja não verá mais o poder civil intervir nas nomeações dos bispos e em nenhum ato de seu apostolado. É claro que se pressupunha que os atos do apostolado fossem exclusivamente religiosos, e como tais reconhecíveis pelo governo, que portanto passaria a definir os limites da ação da Igreja. Além disso, os elementos esquerdistas do governo introduziam pouco a pouco medidas socializantes, que solapavam o direito de propriedade.
Por outro lado, Pio IX desfazia as impressões nascidas de alguns dos atos que praticara no início do seu reinado e reagia contra a corrente liberal que tomara conta dos Estados da Santa Sé. Irritados, os revolucionários italianos perderam a cabeça e fizeram o Pontífice pagar com o exílio a firmeza com que desautorizava as consequências que pretendiam tirar das suas primeiras atitudes. As notícias vindas da Itália mostravam pois o Papa em guerra acesa contra o liberalismo.
"L’Ère Nouvelle", que se batia pela república e apoiava muitas das medidas liberais do governo, foi perdendo a influência e afastando mesmo aqueles que poderiam colaborar com o jornal. Montalembert, que tinha formação liberal e não extirpara completamente de seu espírito os erros de Lamennais, divergia das tendências de Ozanam e combatia da própria tribuna da Câmara dos Deputados o jornal católico que ajudava o governo a socializar a França. Eleito deputado, Lacordaire fora se sentar com a Montanha, grupo de esquerdistas organizados com o espírito da antiga Montanha da Convenção Nacional. Renunciou a seu mandato e se afastou aos poucos do jornal que tanto o comprometia. A opinião católica, indecisa nos primeiros momentos, via claramente onde estava o verdadeiro pensamento da Igreja, e passou a apoiar decididamente o "L’Univers".
"L’Ère Nouvelle" era atacado na Câmara por Montalembert, e na imprensa pelo "L’Univers", que a chamava "L’Erreur Nouvelle". Vendo se afastarem seus próprios amigos, e não encontrando ressonância nem sequer na opinião pública indiferente em matéria religiosa, que se alarmava com o caráter acentuadamente comunista que tomava o governo, ficou exposto a fechar por falta de leitores. Foi então que o Marquês de La Rochejacquelein o comprou, transformando-o por algum tempo em jornal legitimista. "L’Ère Nouvelle" foi a primeira tentativa de organização dos católicos liberais. Sua tendência esquerdista o perdeu, e estaria encerrada a aventura do liberalismo católico se o Padre Dupanloup e o Conde de Falloux não viessem dar um impulso mais sério e mais duradouro a essa corrente.