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Toda a cristandade comemora festivamente neste mês três aniversários que são para ela da maior significação: a 2 de março de 1876 nascia em Roma Eugenio Pacelli, que a 2 de março de 1939 o Sacro Colégio elevou ao supremo Pontificado, e a 12 de março de 1939 foi solenemente coroado na Basílica de São Pedro.

Pela atração de suas virtudes pessoais, pela sua atuação em uma das fases mais conturbadas da vida internacional, pela sabedoria com que dissipou no terreno doutrinário a confusão de ideias que se introduziu no campo católico, pelo impulso que comunicou a todas as manifestações de vida religiosa em nossos dias, o Santo Padre Pio XII é objeto de uma veneração universal.

"Catolicismo", que não almeja outro ideal senão difundir um espírito de irrestrita obediência e ardente devoção ao Vigário de Jesus Cristo, presta ao Santo Padre Pio XII a homenagem de seu mais respeitoso e filial afeto.


VIGILATE ET ORATE...

Dúvidas, crise e vitória de um leitor

De um leitor recebemos a seguinte carta, descrevendo o roteiro ideológico pelo qual, partindo de um estado de espírito indefinível e com laivos de liberal, chegou até as posições doutrinárias desta folha. Trata-se de documento de alto valor moral, narrando as lutas e dificuldades de um católico de espírito reto, para "sentire cum Ecclesia" dentro da grande confusão contemporânea.

Assim, abrindo exceção à nossa praxe, publicamos na integra a missiva.

É evidente que a natureza intima de seu conteúdo não comporta a divulgação do nome do autor.

Façamos votos de que esta publicação desperte salutares reflexões em outros leitores.

"Senhor Redator”

Julgo cumprir autêntico dever, agradecendo a essa folha o grande benefício que de sua leitura venho recebendo. E, como seu jornal se destina especificamente a orientar a opinião católica, suponho ser-lhe agradável historiando a grande transformação que "CATOLICISMO" produziu em meu modo de pensar e de viver. É, num certo sentido, uma "conversão": a transformação de um católico amorfo e de tendências liberais em um ultramontano convicto.

1 — Para ser franco; devo dizer que os primeiros números de "CATOLICISMO" em nada me agradaram. Apresentavam matéria profundamente diversa da que estava habituado a ver na quase totalidade dos periódicos. Habituar-me a ele supunha a renúncia a uma série de hábitos intelectuais. "CATOLICISMO" era como um estranho no meio de meu material de leitura, e como um estranho também eu o tratava.

Aliás, parecia-me que um jornal que emite opinião tão peremptória sobre assuntos em que habitualmente quase ninguém ousa tomar atitude, pretendia ter um monopólio da verdade.

Entretanto, insisti na leitura, e fui sendo obrigado a reconhecer cada vez mais a solidez de sua documentação e o realismo com que encara os problemas de nossos dias. Era impossível negar: em muitos assuntos "CATOLICISMO" é que estava com a razão.

2 — Era de esperar que a essa altura começasse eu a adotar sem vacilação a orientação de "CATOLICISMO". Entretanto, não foi assim. À medida que fui reconhecendo a veracidade das teses do jornal, formou-se em meu espírito uma objeção: que importância dar às correntes liberais contra as quais esse jornal luta com tanto ardor? Desde que elas pretendam situar-se dentro do campo católico, não seria melhor abrir-lhes os braços e tratar como ninharias os assuntos em que estamos em desacordo com elas? Em outros termos, não percebia eu a gravidade das infiltrações do pensamento neopagão nas fileiras católicas.

3 — Entretanto, para não me iludir a mim mesmo, tive que conceder que, de um ponto de vista, estas "ninharias" têm uma incontestável importância: lançam a cisão nas fileiras católicas, e criam duas correntes nitidamente diversas. Isto posto, não pude deixar de reconhecer, ainda, que, dessas correntes, uma se permite muito mais liberdade do que a outra, e que esta liberdade não é para a salvação mas para a perdição, pois acaba minando os princípios mais essenciais da vida espiritual.

4 — À vista disso fui levado a me perguntar a mim mesmo se essas divergências envolviam realmente apenas diferenças de opiniões pessoais, ou diferenças de princípios. Ainda, que a resposta só podia ser uma: tratava-se de autêntica diferença de princípios. Era questão de ortodoxia. Refugiei-me então em outro campo. Reconhecendo embora a diferença de princípios, não seria mais "caridoso" fazer o silêncio sobre o problema? Não seria esse silêncio uma merecida homenagem à sensibilidade dos que erram?

5 — Nesta altura, mergulhado num mar de dúvidas e incertezas, senti-me posto diante do seguinte problema: a quem seguir? Aos que, não querendo cruzar os braços diante da paganização contemporânea, se vêm na contingência de viver num estado de luta permanente; ou aos que, para salvar a paz, toleram tudo com a maior facilidade?

Obtive uma solução nítida para esta questão, quando me lembrei da palavra de Nosso Senhor: "por seus frutos, vós os conhecereis". Adotada a atitude dos braços cruzados, o mal tem livre curso, a piedade se estiola, o senso católico definha, a noção de moralidade perde sua precisão, em suma as almas se distanciam da Igreja. Assim, este carinho é impossível para a alma zelosa. De outro lado, desde que se procura fazer face ao mal, por maior que seja o respeito, a moderação, a brandura com que se o faça, a reação que se sofre é tão violenta, tão geral, tão implacável, que não se tem remédio senão tomar claramente a defensiva, opor argumento a argumento, enunciar a verdade ao mesmo tempo que os outros enunciam o erro, em uma palavra entrar em luta.

Se, pois, por luta se entende a adoção de uma linha de conduta invariavelmente cortês, em que se sustente sempre, com franqueza e caridade, a boa doutrina; se por luta se entende o fato de alguém não recuar nem calar diante de ameaças, de sarcasmos, às vezes até de calunias; então a luta é um dever, é uma bem-aventurança: é sofrer perseguição por amor à justiça.

6 — Lutar! Coisa fácil em teoria, mas sobremaneira difícil na realidade. Renunciar a ser simpatizado e bem visto por todos, aceitar sem cólera mas sem fraqueza a oposição inflexível, meticulosa, sistemática dos que nos acusam de reacionários, intransigentes, obscurantistas, e procuram assim criar o vácuo em torno de nós!

E se a luta fosse só externa! Há ainda a luta interna, a reforma completa de hábitos mentais, tendências temperamentais, gostos e preferências formados ao sabor da mentalidade ambiente, modelados, pois, segundo as influencias dominantes em nossa civilização paganizada, e incompatíveis com uma orientação verdadeiramente ortodoxa.

Devo confessar que tudo isto é muito difícil e penoso. A vida - sobretudo a do espírito - não admite mecanicismo. Trata-se de todo um trabalho lento e sistemático, que exigiu e ainda vem exigindo esforços contínuos. E percebo hoje que, se vacilei tanto antes de acertar com o caminho, foi isto em boa parte porque entrevia confusamente todos os sacrifícios que me esperavam, e estes sacrifícios me afugentavam...

Aos poucos, porém, noto que algo de novo existe em mim. Morreu o indiferentismo absoluto, o comodismo de outrora. Vejo que meu pensamento se volta para Roma com mais frequência, mais atenção, mais respeito, mais obediência do que nunca. E que, escudado nos ensinamentos pontifícios não há o que me faça recuar.

E posto que toda esta transformação redunda exclusivamente numa devoção maior, mais real, mais submissa ao Vigário de Cristo, que mais posso desejar?

* * *

Esta é, prezado Sr. Redator, a história dos efeitos que a leitura de vosso benemérito jornal produziu em mim. Estou certo de que vosso premio consistirá em ver quanto essa leitura aproxima do Papa a quem tanto amais.

Rogo a Deus e a Virgem SSma. para que seja abreviado o tempo das dúvidas e incertezas de todos que se encontrem em caminho igual ao meu e que as vossas penas corajosas continuem espalhando a verdade e o bem pela maior gloria de Deus e salvação das almas!"


DUAS VIRTUDES ESQUECIDAS

São Francisco de Assis

Severidade no punir

Da Regra primeira dos Frades Menores (capitulo XIII):

Se algum dos Irmãos, por instigação do demônio, cometer pecado de impureza, seja privado do hábito da Ordem, o qual perdeu pala sua torpe iniquidade, e, dele despojado, seja expulso de nossa Ordem. E em seguida faça penitencia dos seus pecados.

Severidade no julgar

Da Regra primeira dos Frades Menores (capitulo VIII):

E se um dia acontecer — o que Deus não permita — que qualquer Irmão apanhe e guarde algum dinheiro, salvo no caso da mencionada necessidade para os doentes, que todos os Irmãos o considerem como falso Irmão, como gatuno, ladrão e avarento, até que faça penitencia.

Da carta ao Capitulo Geral e a todos os Frades Menores:

Mas aqueles Irmãos que não quiserem observar estes pontos (fidelidade inviolável à Regra e reza devota do oficio) não considerarei nem como católicos nem como meus irmãos; e não os quero ver nem falar-lhes até haverem feito penitencia. Digo o mesmo de todos aqueles que se vão relaxando, posta de lado a disciplina da Regra.

Das Exortações (Capitulo III):

Há efetivamente muitos Religiosos que, sob o pretexto de verem coisas preferíveis às que seus Superiores ordenam, olham para trás e voltam ao vômito de sua vontade própria (cf. Lc. 9, 62). Estes tais são homicidas e pelos seus funestos exemplos causam a perda de muitas almas.

Das Exortações (Capitulo VIII):

Todo aquele, pois, que tem inveja de seu irmão por causa do bem que o Senhor por ele diz e faz, comete pecado de blasfêmia, porque inveja ao próprio Altíssimo que diz e faz todo o bem.