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É impossível batizar o socialismo

PIO XI: Mas que dizer, se o socialismo, no tocante à luta de classes e à propriedade privada estiver tão mitigado e correto a ponto de nada haver acerca desses pontos que se lhe possa censurar? Terá com isso renunciado talvez aos seus princípios e à sua natureza contrária à Religião cristã? Eis o ponto a respeito do qual muitos estão hesitantes. E não poucos são também os católicos que, convencidos de que os princípios cristãos não podem ser abandonados nem cancelados, parecem volver o olhar para esta Santa Sé e pedir com ansiedade que definamos se este socialismo repudiou de tal maneira os seus erros que, sem prejuízo de qualquer princípio cristão, possa ser aceito e como que batizado. Ora, para satisfazer segundo a Nossa solicitude paternal a estes desejos, declaramos que o socialismo, quer se considere como doutrina, quer como fato histórico, ou como "ação", se é verdadeiro socialismo, mesmo depois de ter cedido à verdade e à justiça naqueles pontos que referimos, não pode conciliar-se com os ensinamentos da doutrina católica, pois seu conceito da sociedade é totalmente oposto à verdade cristã (Encíclica "Quadragesimo anno", de 15-V-1931).

Há uma conjuração contra a Igreja

LEÃO XIII: Quem pode ignorar a imensa conspiração de forças hostis que hoje visa abalar e arruinar a grande obra de Jesus Cristo, tentando, com uma pertinácia que não conhece limites, destruir na ordem intelectual o tesouro da doutrina celeste, e subverter na ordem social as mais santas, as mais salutares instituições cristãs? Mas vós já conheceis de perto essas coisas, pois muitas vezes tendes manifestado vossa preocupação e angústia, lamentando a avalanche de preconceitos, de falsos sistemas e de erros, que se vão propagando a mancheias no seio da multidão. Quantas ciladas se armam em torno das almas crentes! Com quantas dificuldades se procura diariamente enfraquecer e anular, se possível fosse, a ação benéfica da Igreja! E, nessa expectativa, agravando ainda mais a injustiça, lança-se irrisoriamente contra a mesma Igreja a acusação de não saber recuperar a virtude antiga e impedir a invasão de paixões torpes que ameaçam tudo levar à extrema ruína (Encíclica "Parvenu à la vingt-cinquième année", de 19-III-1902).

O laicismo, peste da era presente

PIO XI: A peste de nossos tempos é o chamado laicismo, com seus erros e ímpios atentados. E vós sabeis, Veneráveis Irmãos, que não foi num dia que essa praga chegou à plena maturação, mas que de há muito estava incubada nas vísceras da sociedade. Começou-se por negar a soberania de Cristo sobre todas as nações; negou-se à Igreja o direito, que deriva de Cristo, de ensinar a todas as gentes, isto é, de legislar e de reger os povos para conduzi-los à felicidade eterna. Pouco a pouco foi a Religião de Cristo igualada com os falsos cultos e indecorosamente rebaixada ao nível destes; submeteram-na, portanto ao poder civil e a entregaram ao arbítrio dos príncipes e dos magistrados. Foi-se, entretanto, mais adiante. Houve até os que intentaram substituir a Religião de Cristo por um simples sentimento de religiosidade natural, e não faltaram Estados que pretenderam prescindir de Deus e fizeram consistir sua religião na irreligião e no desprezo do próprio Deus (Encíclica "Quase Primas", de 11-XII-1925).

A Igreja, defensora das legitimas peculiaridades dos povos

PIO XII: A Igreja de Cristo, fidelíssima depositária da sabedoria educadora de Deus, não pode pensar nem pensa em menoscabar ou subestimar as características particulares que cada povo, com dedicado carinho e compreensível ufania, guarda e venera qual precioso patrimônio. O Seu objetivo é a unidade sobrenatural no amor universal, sentido e praticado, e não a uniformidade exclusivamente externa, superficial e por isso debilitante. Todas as diretrizes e cuidados que visam um prudente e ordenado desenvolvimento de forças e tendências particulares, e têm raiz nas mais recônditas entranhas de cada estirpe, desde que não se oponham aos deveres que derivam para a humanidade de sua unidade de origem e comum destino, a Igreja as saúda com alegria e acompanha com Seus votos maternais. Ela demonstrou repetidas vezes em Sua atividade missionária que tal norma é a estrela polar de Seu apostolado universal. Inúmeras pesquisas e indagações de pioneiros, levadas a cabo com sacrifício, dedicação e amor pelos missionários de todos os tempos, foram realizadas com fim de facilitar a interna compreensão e respeito das civilizações mais variadas e tornar os seus valores espirituais fecundos para uma pregação viva e vital do Evangelho de Cristo. Tudo o que em tais usos e costumes não estiver indissoluvelmente ligado a erros religiosos encontrará sempre benévolo exame, e, enquanto for possível, tutela e favor por parte da Igreja (Encíclica "Sumi Pontificas", de 20-X-1939).

Não há autoridade que não venha de Deus

LEÃO XIII: É certo que a Igreja inculca constantemente à multidão dos súditos este preceito do Apóstolo: "Não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram ordenadas de Deus. Aquele, pois, que se insurge contra a autoridade, opõe-se à ordem de Deus. E os que lhe resistem atraem sobre si a condenação" (Rom. 13, 1-2). Pois noutra parte nos manda estar sujeitos necessariamente, não apenas pela força, mas também pela consciência; e que paguemos a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem contribuição, contribuição; a quem temor, temor; a quem honra, honra (Rom. 13, 5-7). Porque, na verdade, O que criou e governa todas as coisas, com Sua próvida sabedoria dispôs que as coisas ínfimas cheguem pelas médias, e as médias pelas superiores, aos fins respectivos — (Encíclica "Quod apostolici muneris", de 28-XII-1878).

A penitência, arma salutar dos aguerridos soldados de Cristo

PIO XI: A penitência, portanto, é como que arma salutar, posta nas mãos dos aguerridos soldados de Cristo, ávidos por combater pela defesa e restabelecimento da ordem moral do universo. É uma arma que se aplica à raiz mesma de todos os males, ou seja, à concupiscência das riquezas materiais e dos prazeres dissolutos da vida. Por meio de sacrifícios voluntários, de renúncias práticas, embora dolorosas, mediante as diversas obras de penitência, o cristão generoso subjuga as paixões baixas que o impelem à violação da ordem moral. Entretanto, se o zelo da lei divina e a caridade fraterna são nele tão grandes quanto devem ser, então não somente se entrega ao exercício da penitência por si e pelos seus pecados, mas também pela expiação dos pecados alheios, imitando aos Santos, que muitas vezes se faziam, com sublime heroísmo, vítimas de reparação pelos pecados de gerações inteiras, para seguir o Divino Redentor que se fez o Cordeiro de Deus "que tira os pecados do mundo" (Ioan. 1, 29) — (Encíclica "Caritate Christi compulsi", de 3-V-1932).

Os perigos do interconfessionalismo

B. PIO X: Que se deve pensar da promiscuidade em que se acharão agrupados os jovens católicos com heterodoxos e incrédulos de toda espécie, numa obra dessa natureza? Não será esta mil vezes mais perigosa para eles do que uma associação neutra? Que se deve pensar deste apelo a todos os heterodoxos e incrédulos para virem provar a excelência de suas convicções sobre o terreno social, numa espécie de concurso apologético, como se este concurso já não durasse 19 séculos, em condições menos perigosas para a fé dos fiéis e sempre favorável à Igreja Católica? Que se deve pensar deste respeito por todos os erros e do estranho convite, feito por um católico a todos os dissidentes, para fortificarem suas convicções pelo estudo e delas fazerem as fontes sempre mais abundantes de novas forças? Que se deve pensar de uma associação em que todas as religiões, e mesmo o livre-pensamento, podem manifestar-se altamente e à vontade? Porque os sillonistas, que nas conferências públicas e em outras ocasiões proclamam altivamente sua fé individual, não pretendem certamente fechar a boca aos outros e impedir que o protestante afirme seu protestantismo e o cético, seu ceticismo. Que pensar, enfim, de um católico que, ao entrar em seu círculo de estudos, deixa na porta seu catolicismo, para não assustar seus pares que, "sonhando com uma ação social desinteressada, têm repugnância de fazê-la servir ao triunfo de interesses de facções, ou mesmo de convicções, de quaisquer que sejam"? — (Carta Apostólica sobre "Le Sillon", de 25-VIII-I910).


CORRESPONDÊNCIA

Do Revmo. Snr. Padre Frederico Maciel (Pesqueira — Pernambuco): "Cumprimentando V. Revma., venho antes de tudo dar os meus sinceros parabéns pelo vitorioso ano de existência de "CATOLICISMO", publicação que é um jorro de luz no meio da confusão de ideias que os próprios católicos de "mão estendida" lançam no seio do mundo."

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Do Revmo. Snr. Padre Isidoro Bruxel (Estrela — Rio Grande do Sul): "Muito aprecio o "CATOLICISMO", tanto pela solidez doutrinaria de seus artigos quanto pela coragem e convicção profunda com que batalha em prol da Santa Igreja e defende os interesses da nossa Santa Religião".

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Do Snr. Boanerges Baccan (Garça — São Paulo): "Sou, e prezo-me de o ser, grande estimador de "CATOLICISMO", ainda mais que o número de dezembro veio confirmar minha opinião de ser ele a última palavra em seus assuntos, no Brasil. Estou fazendo um pouco de propaganda de ‘tão ótimo’ jornal".

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A conhecida revista de cultura religiosa "Pensée Catholique", que se edita em Paris, em seu número 20, publicou acerca de "Catolicismo" o seguinte comentário assinado por seu diretor, Revmo. Padre Luc Lefèvre:

"É nosso mais jovem confrade, nascido em janeiro deste ano não longe da França: no Brasil, a algumas horas de avião! Veneramos seus inspiradores e fundadores, os Bispos de Campos e Jacarezinho, S. Excia. D. Antônio de Castro Mayer, e S. Excia. D. Geraldo de Proença Sigaud que nossos amigos parisienses tiveram mais de uma vez a honra e a grande satisfação de ouvir e aplaudir na última primavera. A calorosa recepção do Comité "France-Amérique" oferecida ao grande Prelado, que estava rodeado de seus amigos da "Pensée Catholique", deixou profunda e vibrante recordação, que nem a distância nem o tempo lograrão amortecer.

"Os redatores deste novo mensário, nós os amamos como irmãos — e eles bem o sabem — irmãos na Fé em Jesus Crista e nas fileiras coesas da Igreja militante. Professores das Faculdades do Rio e São Paulo, para os quais Paris e a França já não oferecem segredos, sentem-se em casa quando estão junto a nós: que admirável comunhão de almas, na vida da Fé que impregna todos os pensamentos, todas as vontades, todas as ambições, todos os empreendimentos!

"Seu jornal, de larga divulgação não obstante ser tão novo, constitui um belo exemplo. Seu título é um programa a que seus redatores se atêm com uma fidelidade, uma docilidade que admiramos: CATOLICISMO! Em suas páginas, muito densas e muito vivas, tudo é católico sem atenuação, sem nada que lisonjeie os pendores de nossos dias. Lendo seus artigos, que abordam os grandes problemas que bem conhecemos na França, e que preocupam o Brasil, tenho a impressão de ler comentários francos, nítidos, claros e precisos das obras de nosso Bem-aventurado Pio X.

"A "Pensée Catholique" dirige a "Catolicismo" seus votos ardentes e fraternais, de longa vida."


UMA GRANDE LIÇÃO

Jordão Emerenciano

Nesse último livro do historiador português Sr. Costa Brochado — "A lição do Brasil", Portugália Editora, Lisboa, 1949 — sobre o qual tenho feito alguns comentários, há um documento para o qual desejo pedir, especialmente, a atenção dos leitores.

Tendo em vista "os horrendos e nefandos costumes e práticas indígenas (antropofagia, sodomia, incesto, requintes de ferocidade, idolatria, primarismo mental, instintos quase animais), os espanhóis, cheios de escrúpulos e possuídos de uma justificável dúvida, levantaram a seguinte preliminar: esses quase animais pertenceriam à espécie humana? Teriam alma?"

Não há nenhum escândalo nessa dúvida e nesse escrúpulo, porque é fácil de avaliar o choque que um europeu sentiria diante daqueles costumes indígenas, vendo-os pela primeira vez.

Pelo contrário, apelando para uma instância superior para decidir a preliminar, os espanhóis não só revelaram escrúpulos de consciência como reafirmaram sua inabalável confiança no magistério da Igreja, cujo Pontífice está acima dos interesses humanos e nacionais porque decide "sub specie aeternitatis".

A resposta da Igreja através da bula de Paulo III é um documento que merece ser conhecido:

"Paulo Papa III, a todos os fiéis cristãos que as presentes letras virem, saudação e bênção apostólica. A mesma Verdade, que nem pode enganar nem ser enganada, quando mandava os Pregadores de Sua Fé a exercitar este ofício, sabemos que disse: "Ide e ensinai a todas as gentes". A todas, disse indiferentemente, porque todas são capazes de receber a doutrina da nossa Fé. Vendo isto, e invejando-o o comum inimigo da geração humana, que sempre se opõe às boas obras para que pereçam, inventou um modo nunca dantes ouvido para estorvar que a palavra de Deus não se pregasse às gentes nem elas se salvassem. Para isto nomeou alguns ministros seus que, desejosos de satisfazer as suas cobiças, pensavam afirmar a cada passo que os índios das parte ocidentais e os do Meio-dia, e as mais gentes que nestes tempos tem chegado a nossa notícia, hão de ser tratados e reduzidos a nosso serviço como animais brutos, a título do que são inábeis para a Fé Católica: e sob capa de que são incapazes de recebê-la, os põem em dura servidão, e os afligem, e oprimem tanto, que ainda a servidão em que têm suas bestas apenas é tão grande como aquela com que afligem a esta gente. Nós, posto que, indignos, temos as vezes de Deus na terra, e procuramos com todas as forças achar Suas ovelhas que andam perdidas fora do rebanho para reconduzi-las a ele, pois este é nosso ofício; conhecendo que aqueles mesmos índios, como verdadeiros homens, não somente são capazes da Fé de Cristo, senão que acodem a ela correndo com grandíssima prontidão, segundo Nos consta, e querendo prover nestas coisas a remédio conveniente, com autoridade apostólica, pelo teor das presentes, determinamos e declaramos que os ditos índios, e todas as mais gentes que daqui em diante vierem à notícia dos cristãos, ainda que estejam fora da Fé de Cristo, não estão privados, nem devem sê-lo, de sua liberdade, nem do domínio de seus bens, e que não devem ser reduzidos a servidão. Declaramos que os ditos índios e as demais gentes hão de ser atraídos e convidados à Fé de Cristo, com a pregação da palavra divina e com o exemplo de boa vida. E tudo o que em contrário desta determinação se fizer, seja em si de nenhum valor, nem firmeza; não obstante quaisquer coisas em contrário, nem as sobreditas, nem outras em qualquer maneira. Dada em Roma, ano de 1537, em 1º de Junho, no ano terceiro do Nosso Pontificado."

Esse documento pontifício é, antes de mais nada, um exemplo de como o magistério da Igreja é superior aos homens e aos interesses materiais. Ela não teme desagradar poderosos ou contrariar tendências e simpatias. Ela é maternal e protetora para com todos os Seus filhos, sejam fortes ou fracos. Não está ligada a nenhum grupo político, econômico ou doutrinário. Seu único compromisso é com o depósito sagrado da Fé, com o mandato que Lhe conferiu Cristo.

Hoje mais do que nunca seria oportuno que os fracos e oprimidos, os que têm fome e sede de justiça procurassem na Igreja e nos Seus ensinamentos a solução para os problemas e dores que os afligissem ao invés de atirar-se nos braços de demagogos e agitadores.

O livro do Sr. Costa Brochado é também uma excelente contribuição para o estudo da Colonização portuguesa no Brasil, que muita gente discute e calunia sem dar-se ao trabalho de estudá-la séria e honestamente.


UMA APRECIAÇÃO UNILATERAL DAS VIRTUDES?

Cunha Alvarenga

Santo Agostinho, após mostrar a beleza do perdão das injurias, acrescenta: — "Isto não impede que se façam sofrer aos maus muitas coisas que lhes desagrada e que sejam punidos por uma severidade caridosa que diz respeito ao que lhes é útil antes que ao que lhes agrada"

Ao lado de palavras de incentivo que muito nos confortam, chegam ao nosso conhecimento algumas repercussões desfavoráveis do que temos escrito em "CATOLICISMO" sobre a necessidade do combate sem tréguas ao erro social e religioso, movido incessantemente contra as doutrinas, e também, quando necessário, contra as pessoas. Teríamos defendido doutrina estranha e de catolicidade duvidosa em "São Domingos e a defesa da civilização" (N.° 8, agosto de 1951), bem como ao tratarmos de "Comunismo e comunistas, ou prisão para o crime e perdão para o criminoso" (N.° 14, fevereiro de 1952).

"Odiar o pecado e amar os pecadores"

Não temos a pretensão de aliciar unanimidade em torno do que escrevemos, coisa que nosso próprio Divino Modelo não conseguiu em Sua passagem sobre a terra. "Pensais que vim trazer paz à terra? —Não, vos digo eu, mas a separação. Porque, de ora em diante, haverá numa mesma casa discórdia entre cinco pessoas, três contra duas, e duas contra três" (Lucas 12, 51 ,a 53). Mas é nosso dever de consciência esclarecer; na medida do possível, o nosso pensamento, para que não haja sombra de dúvida quanto à perfeita consonância de nossa posição com a doutrina tradicional da Igreja.

"Odiar o pecado e amar os pecadores", diz Santo Agostinho. Dai concluem os que discordam de nossa posição que deveríamos distinguir a tal ponto o pecador e o pecado, o erro e o que anda errado, a mentira e o que se deixa dominar por ela, o ódio e o que odeia a seus irmãos, que deveríamos condenar um e libertar o outro.

Ora, a Igreja, detentora do poder de tudo ligar e desligar na terra, como Mãe carinhosa está sempre disposta a perdoar aos que se acham chafurdados na lama do erro e do vicio. Mas será incondicional esse perdão? Por outras palavras, deverão ser sempre tratados a leite e mel os inimigos de Deus e da sociedade humana? E será o exercício da caridade para com o próximo incompatível com a repressão enérgica e santamente violenta dos que se obstinam na prática de certos crimes? Eis onde se acha o nó de toda esta questão.

O perdão das injurias e a correção fraterna

É virtude suportar com paciência as injustiças, as injurias que nos atingem pessoalmente. Mas é importante assinalar que o perdão das injurias, segundo a narração de São Mateus, vem logo após o que nos diz o Divino Salvador sobre a correção fraterna: "Se teu irmão pecou contra ti, vai e corrige-o entre ti e ele só. Se te ouvir, terás lucrado a teu irmão; e se não te quiser ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que tudo seja confirmado pela autoridade de duas ou três testemunhas. Se os não ouvir, dize-o à igreja, e se não ouvir à Igreja, considera-o como um pagão e um publicano" (Mateus, 18, 15 a 17). Quer isto dizer que há certas injurias, ou justiças, que não nos é lícito deixar impunes e, se por nossa ação pessoal não conseguirmos trazer ao bom caminho o transviado, somos obrigados a denunciá-lo à Igreja. Conforme a gravidade da falta cometida, tem a Igreja o direito de, pela excomunhão, expelir de seu seio os filhos indignos, "o direito de toda sociedade que quer viver, diz Dom Duarte comentando este trecho, porque um membro podre é uma fonte de corrupção" (Concordância dos Santos Evangelhos).

Um exemplo de São Paulo

E essa repressão do erro na pessoa dos que erram é uma forma de caridade que; se não for praticada, redunda em ódio aos nossos irmãos. É esta uma modalidade de ódio que costuma se apresentar sob as roupagens da falsa caridade. A ela se refere a Sagrada Escritura quando diz que "o pai que poupa a vara odeia o filho; mas o que o ama corríge-o continuamente" (Prov. 13, 24). Verdade que se acha confirmada no Novo Testamento: "Repreendo e castigo a todos os que amo" (Apoc. 3,18), pois "onde o filho a quem o pai não castigue?" (Heb. 12,7).

São Paulo nos dá um exemplo de aplicação prática deste princípio, quando, dirigindo-se aos Coríntios, que admitiam em sua comunhão um incestuoso, lhes declara: "E ainda andais enfatuados, em vez de mostrardes pesar, para eliminar de vosso meio semelhante malfeitor" (1 Cor. 5,2). E ordena-lhes: "Reuni-vos comigo em espírito, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e, pelo poder do Senhor Jesus, entregai esse homem a satanás, para a perdição da carne, afim de que se salve sua alma, no dia do Senhor Jesus" (1 Cor. 5, 4-5), isto é, seja separado da comunhão da Igreja, de modo que, assim castigado, caia em si e volte para o bem, salvando sua alma.

A virtude da vindita

A ascética cristã nos manda sofrer com paciência as injurias que nos atingem pessoalmente, não somente pela violência que fazemos às nossas paixões, com a consequente mortificação, mas também pela intenção de chamar o nosso próximo à razão pela brandura e longanimidade. Mas aqui se trata de sofrer injurias pessoais, com as ressalvas acima citadas. Será, porém, que nos cabe a liberdade de estender indistintamente esta atitude a todas as injurias, a todas as injustiças no campo religioso, social e político?

Em que pese um acentuado gandhismo que circula em certos ambientes católicos, devemos dizer que em determinados casos, quando o exige a obrigação de zelar por algum bem, não nos é lícito deixar impunes os agravos. É para isso que existe a virtude da vindita, a que faz referência São Tomaz. A atitude da resistência passiva, ou da não-violência tem seus limites e não pode ser adotada indiscriminadamente por sistema, sob pena de pactuarmos com as mais monstruosas iniquidades. O próprio Gandhi, interpelado sobre o que faria se seu pai fosse injustamente assaltado, respondeu que então ele não teria o direito de permanecer impassível, pois sua obrigação de filho o impeliria a reprimir a injusta agressão. A condenação indiscriminada dos meios violentos de repressão do mal é portanto um gandhismo pseudocatólico que repugnaria ao próprio Gandhi.

Mas é uma miséria que certos pensadores católicos de hoje, como o sr. Maritain, procurem deturpadamente em um pagão, portanto no vômito a que se refere São Pedro, aquilo que se acha de modo puro e cristalino na doutrina da Santa Igreja.

O verdadeiro pensamento de Santo Agostinho

Ora, tanto no que dissemos sobre São Domingos e a inquisição, quanto no que dissemos sobre o comunismo e os comunistas, nós nos referíamos aos partidários de erros religiosos e sociais, que acarretam injurias e injustiças a Deus e à sociedade humana, ao bem comum temporal e ao bem comum espiritual. Não dissemos o contrário do que ensinou Santo Agostinho, isto é, que devemos amar o pecado e detestar os pecadores, ou que devemos odiar o pecado e também os pecadores. O que afirmamos é que, "dispensando, embora, toda a caridade aos transviados", devemos reconhecer que o pecado não é um ser de razão que existe vagando sozinho pelo espaço, completamente separado dos pecadores, mas que é uma falta pessoal do pecador que se acha na dependência dele para desaparecer pelo perdão de Deus.

Dado este estreito nexo entre o pecado e o pecador, sobretudo entre o pecado e o doutor do pecado, entre a maldade e o homem mau, quando grave dano é causado ao bem comum é lícito à sociedade defender-se por meios enérgicos e violentos. Temos o exemplo de Moisés que, logo após receber de Deus as Taboas da Lei, na qual se acha gravado o preceito de "não matar", reuniu os filhos de Levi e com eles passou pelo fio da espada a milhares de judeus porque se haviam entregue à idolatria. E o próprio Santo Agostinho, cujas palavras sobre o pecado e o pecador são desviadas do seu verdadeiro sentido, diz em sua epístola ao tribuno Marcelino que "os preceitos evangélicos da paciência não colidem com o bem do Estado, pois que, para defender este bem, é um dever combater os inimigos". E é também o próprio Santo Agostinho que, após mostrar a beleza do perdão das injurias para trazer os maus ao bom caminho, acrescenta: "Isto não impede que se façam sofrer aos maus muitas coisas que lhes desagrada e que sejam punidos por uma severidade caridosa que diz respeito ao que lhes é útil antes que ao que lhes agrada".

Combater a maldade nos homens maus

"Severidade caridosa". Que nos dizem a isto aqueles que apenas conhecem o açucareiro em matéria de armas para combater a maldade de nossos irmãos?

Ou será que o III Concilio Geral de Latrão se manifestou de uma catolicidade duvidosa ao consagrar a legítima defesa da civilização contra as incursões heréticas? "Estando os brabanções, aragoneses, navarros, bascos, coteraux e triaverdinos exercendo tão grandes crueldades sobre os cristãos, não respeitando nem igrejas nem mosteiros e não poupando viúvas, órfãos, velhos e crianças, não tendo consideração nem para a idade nem para o sexo, mas derrubando e devastando tudo como pagãos, ordenamos a todos os fiéis, pela remissão de seus pecados, que se oponham corajosamente a essas selvagerias e defendem os cristãos contra esses infelizes" (Cone. Lateran., 1179, can. 27).