(Continuação)

sobre o injusto. E, por outro lado, flagela todos aqueles a quem recebe. E, entretanto, Ele golpeia não apenas os bons que ama, pois há também muitos flagelos para os pecadores. Dá às pessoas más boa fortuna neste mundo tanto para conduzi-las ao bom caminho pela bondade, quanto para aumentar sua ingratidão se O não atendem. E, ademais, quando a fortuna não as traz ao bom caminho, Ele algumas vezes as visita com o infortúnio. E alguns que na prosperidade não se dirigem a Deus, na tribulação correm apressados. A alguns que são homens bons Deus envia fortuna neste mundo, e eles Lhe rendem graças por Suas dádivas, e Ele os recompensa também por esses agradecimentos. A alguns homens bons envia a desdita, e eles também Lhe rendem graças por isso. Se desse os bens somente aos homens bons, então os povos O serviriam apenas para consegui-los. Alguns na fortuna cairão na insensatez. Quando o homem se achava cercado de honrarias, seu entendimento o traiu, então ele foi comparado aos animais, procedendo como eles. Alguns homens na tribulação cairão no pecado, e por isso disse o Profeta: Deus não soltará a vara do homem mau sobre a sorte dos homens justos, a menos que os justos porventura não estendam suas mãos à iniquidade. De modo que eu digo que ambos os estados, fortuna ou tribulação, podem ser matéria de virtude e matéria também de vício; — mas este é o ponto que se acha em foco entre nós dois: não se toda prosperidade é um sinal perigoso, mas se a fortuna continuada neste mundo sem nenhuma tribulação é um sinal temeroso da indignação de Deus".

Não devemos ser carnais no modo de apreciar a tribulação.

A tribulação não é somente o tormento do corpo, mas todos os males que nos perturbam o espírito e que podem passar despercebidos de outros homens.

Abraão, por exemplo, foi um homem rico e poderoso, mas não lhe faltaram grandes tribulações.

O demônio chamado "negotium perambulans in tenebris"

Onde, porém, São Tomás Morus melhor explicita seu pensamento sobre a posse de bens materiais, é quando analisa, no segundo livro do conforto contra a tribulação, as várias espécies de tribulações contidas nas seguintes palavras da Sagrada Escritura:

- "A verdade de Deus vos deve cercar como um escudo ; não vos deixeis amedrontar pelo temor da noite, nem pela seta que voa durante o dia, nem pelo negócio que divaga nas trevas, nem pelos assaltos do demônio do meio-dia" - Salmos XC, 5 e 6).

Ao tratar do demônio chamado "negotium perambulans in tenebris", diz São Tomás Morus pela boca de Antonio:

- "Mas nesses negócios terrenos que dizem respeito à cobiça, a coisa se acha mais em trevas, e mais difícil de se perceber. E deles surgem frequentemente grandes temores nos corações das pessoas justas, quando o mundo cai sobre elas, por causa das palavras amargas e terríveis ameaças que Deus na Sagrada Escritura coloca contra os ricos.

"Como diz São Paulo: Os que desejam ser ricos caem na tentação e nas fauces do demônio. E onde o próprio Salvador diz: É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus, ou, como alguns dizem, é mais fácil uma grande corda passar pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus.

"Não é maravilha que o bom povo que teme a Deus se encha de temor diante dessas palavras terríveis, quando vê os bens do mundo cair em sua direção. E alguns permanecem em dúvida sobre se lhes será lícito conservar esses bens ou não.

"Mas sempre em todos os lugares da Escritura o possuir os bens terrenos não é a coisa que é reprovada e ameaçada, mas a afeição que o possuidor ilicitamente lhes dedica.

"Pois São Paulo diz: Os que desejam tornar-se ricos. Ele não fala da posse das riquezas, mas do desejo e afeição de possuí-las, e dos anseios para consegui-las. "Pois isso não pode ser alcançado facilmente sem pecado, visto que as coisas que o povo ardentemente cobiça, ele fará tudo para conseguir, e se prejudica com isso.

"E declarar que o possuir riquezas não é proibido, mas sim a afeição desordenada da mente nisso empolgada encarniçadamente, isto o Profeta o diz: Se as riquezas fluírem para vós, não arraigai nelas o coração. E não obstante Nosso Senhor haver citado o exemplo do camelo ou da corda que deve passar pelo fundo de uma agulha, e dizer que não é somente difícil, mas também impossível para um homem rico entrar no reino dos céus, entretanto Ele declarou que posto que o homem rico não possa entrar no céu por si próprio, Deus o pode fazer. Pois para os homens isto era impossível, mas não para DEUS, visto que para Deus todas as coisas são possíveis. E, ademais, Ele disse de que maneira os ricos poderiam entrar no reino dos céus, ao afirmar: - "Meus filhinhos, quão difícil é para os que põem sua confiança e confidência em seu dinheiro entrar no reino de Deus. O rico pode ser pobre de espírito e de coração".

Será a riqueza injusta em presença da pobreza?

Mas objeta Vicente: "O que tenho a dizer é o seguinte: não posso bem perceber (sendo o mundo como é, com tantos pobres), como qualquer homem pode ser rico e conservar sua riqueza sem perigo de condenação eterna. Pois todas as vezes que vê a pobre gente passando privações, enquanto tem o que lhes dar, acha-se obrigado a aliviar suas necessidades nesse caso, a tal ponto que Santo Ambrósio diz que aquele que morre por privação quando nós poderíamos ajudá-los, nós o matamos.

"De modo que não vejo por onde escapar: todo o homem rico tem grande causa para se manter em grande temor de condenação eterna. Nem posso perceber, como digo, como pode ser libertado desse temor, enquanto conservar suas riquezas. E, portanto, posto que, se houvesse falta de homens pobres, pudesse conservar suas riquezas e ainda assim manter-se na graça de Deus, como Abraão fez e muitos outros santos homens ricos depois dele, acontece que em tal abundância de homens pobres como há hoje em todos os países, qualquer homem que conservar qualquer riqueza o fará por uma desordenada afeição, enquanto não a der às pessoas pobres e necessitadas, como o dever de caridade o obriga e constrange a fazer. E assim, meu tio, neste mundo de hoje, parece-me que tem pouco cabimento o seu conforto em relação aos bons homens que são ricos, e perturbados pelo temor de condenação eterna por conservarem suas riquezas".

Responde Antonio: "É difícil, meu sobrinho, em coisas tão variadas, consentir ou proibir, afirmar ou negar, reprovar ou permitir, em assunto nuamente proposto, ou precisamente dizer esta coisa é boa, ou esta coisa não o é, sem consideração das circunstâncias. .. Em primeiro lugar, os homens que são ricos e conservam todos os seus bens, têm, penso eu, muito boa causa para ser assaltados por um grande temor. E, entretanto, receio que tais pessoas pouco sintam esse temor. Pois se encontram muito longe do estado de homens justos, pois, se conservam todos os seus bens, então se acham muito longe da caridade e dão muito poucas esmolas ou nenhuma".

A renúncia voluntária às riquezas

"Porém não é este o nosso caso, meu sobrinho — prossegue o Santo pela boca de Antonio — mas o de saber se podemos admitir que os homens se mantenham em perigoso medo e temor por conservar qualquer grande parte de sua fortuna. Pois se o fato de conservar uma tal porção que ainda permita considera-lo rico, faz o homem ficar em estado de condenação eterna, então os curas de almas se achariam obrigados a assim dizer francamente, de acordo com o mandamento de Deus dado a todos eles na pessoa de Ezequiel: Se, quando Eu digo ao homem mau: morrereis, vós o não mostrardes a ele, nem lhe falardes de modo que possa retroceder de seu mau caminho, e possa viver, ele morrerá em sua maldade e Eu exigirei seu sangue de vossas mãos. Mas, meu sobrinho, posto que Deus haja convidado os homens a acompanha-lo na pobreza voluntaria, deixando tudo por Seu amor, como uma coisa pela qual (por se achar fora da solicitude dos negócios do mundo e longe do desejo das comodidades da terra) eles poderiam mais rapidamente conseguir o estado de perfeição espiritual, e o desejo faminto e o anseio pelas coisas celestiais, entretanto Ele não ordena a todo o homem assim fazer sob perigo de condenação eterna".

E depois de haver explicado o verdadeiro alcance da renuncia voluntaria dos bens deste mundo e do abandono dos próprios familiares para seguir a vocação religiosa, acrescenta: "Mas, como eu disse, o distribuir tudo, ou que nenhum homem deveria ser rico ou ter substancia, disto eu não. acho nenhum mandamento. Como Nosso Senhor disse, há na casa de Seu Pai muitas moradas. E feliz será o que tiver a graça de habitar mesmo na menor delas.

"Parece verdadeiramente pelo Evangelho que aqueles que por amor de Deus pacientemente sofreram penaria não somente no céu habitarão acima dos que aqui na terra viveram na abundar,- eia, mas também que o céu de certo modo mais propriamente lhes pertence, e é mais especialmente preparado para eles do que para os ricos, pelo que Deus no Evangelho aconselha os ricos a deles em certa maneira comprar o céu, quando lhes diz: Granjeai amigos com as riquezas da iniquidade, para que, quando vierdes a precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos.

"Mas posto que isto assim seja, com respeito à riqueza e à pobreza comparadas uma à outra, entretanto se ambos forem bons homens, pode haver alguma outra virtude pela qual o rico consiga porventura sobressair, de, modo que no céu possa se achar bem acima do pobre, que aqui na terra em outras virtudes se acha bem abaixo dele, como se pode provar claramente pelo exemplo de Lázaro e de Abraão.

"Nem digo isto com a intenção de confortar os homens ricos no acumular de suas riquezas. ... Digo-o àqueles homens bons a quem Deus dá fortuna e o espírito de dela bem dispor, e, não obstante, não o espírito de dar tudo aos pobres de uma vez, mas por boas causas ainda conservar alguma fortuna, e que não devem desesperar do favor de, Deus por não fazerem uma coisa para a qual Deus não lhes deu mandamento, nem os chamou •por qualquer especial vocação".

A utopia da igualdade econômica

Depois de lembrar o exemplo de Zaqueu que, embora convertido, ainda conservou parte de sua fortuna, continuando a exercer o mesmo oficio, insiste Antonio:

- "Mas não me esqueço, meu sobrinho, de que até aqui estais de acordo comigo quanto ao fato de um homem poder ser rico e não se achar fora do estado de graça, nem do favor de Deus. Não obstante, pensais que, posto que isto possa haver acontecido em outros tempos ou lugares, entretanto neste momento e neste lugar, ou em outros idênticos, quando existem tantos pobres, aos quais, pensais, eles se acham obrigados a entregar seus bens, os ricos não podem conservar as riquezas com a consciência tranquila.

"Verdadeiramente, meu sobrinho, se esse argumento fosse procedente, suponho que nunca em nenhum lugar o mundo foi tal que qualquer homem pudesse conservar fortuna sem o perigo de condenação eterna. Pois desde os dias de Cristo até o fim do mundo, teremos que testemunhar suas propilas palavras de que pobres sempre tereis convosco, aos quais, se quiserdes, podereis fazer o bem. De modo que, se o vosso parecer fosse bem fundamentado, então, penso eu, não houve lugar desde os dias de Cristo até agora, nem creio que antes tampouco, nem para o futuro, em que pudesse existir um homem rico sem o perigo da eterna condenação. Mas, meu sobrinho, devem existir homens de fortuna, pois de outro modo tereis mais mendigos, certamente, do que há atualmente, e nenhum homem ficará para aliviar a outro. Eis porque penso ser uma conclusão muito segura, que se todo o dinheiro que existe neste país amanhã fosse amontoado e então dividido a todos os homens de modo igual, no dia seguinte as coisas se achariam piores do que na véspera. Pois suponho que quando tudo estivesse igualmente dividido entre todos, os ricos de hoje ficariam então um pouco mais remediados do que um mendigo dos tempos atuais. E entretanto o que era antes uns mendigo, o que receberá não o fará ficar muito acima de sua posição anterior".

Os ricos são necessários à vida social

"Os homens não podem, bem o sabeis, viver neste mundo a não ser que alguns provejam um meio de vida para os seus semelhantes. Todos os homens não podem possuir uns navio próprio, nem todos os homens podem ser mercadores sem a mercadoria. E estas coisas, bem o sabeis, devem ser possuirias". Continua Antonio a desenvolver este argumento e termina: "Pois certamente a fortuna do homem rico é a fonte da vida do homem pobre. E portanto aqui se daria com o homem pobre o que aconteceu com a mulher em uma das fábulas de Esopo, a qual tinha uma galinha que punha um ovo de ouro diariamente, até que um dia ela pensou que teria um grande número de ovos de uma vez, e então matou a galinha e achou dentro dela apenas um ou dois ovos, de modo que por uns poucos perdeu. muitos".

Passa Antonio a justificar a posse das riquezas apesar da existência de pobres na sociedade humana. "Pois, como Santo Agostinho esclarece, posto que Cristo diga: dai a cada homem que vos pedir, Ele não ordena: dai-lhe tudo o que ele vos pedir".

E prossegue mais adiante: "Mas embora eu esteja obrigado a dar a cada homem de certo modo segundo sua necessidade, seja meu amigo ou inimigo, cristão ou pagão, entretanto não estou obrigado em relação a todos os homens de modo igual, nem em relação a cada homem de modo igual em cada caso: mas (como comecei a dizer-vos) as diferenças de circunstancias fazem grande mudança na meteria. S. Paulo disse: Quem não provê para os seus, é pior que um infiel. São os nossos aqueles que pertencem aos nossos encargos, seja pela natureza ou pela lei, ou por qualquer 'mandamento de Deus. Pela natureza, como nossos filhos, pela lei como nossos criados em nosso ambiente doméstico".

Fora dos casos de extrema necessidade bem percebidos e conhecidos, não somos obrigados a socorrer a todos, nem a supor que os pobres foram confiados por Deus a nosso exclusivo encargo, nem estamos obrigados a ter tão má opinião de todas as demais pessoas salvo a nossa, de modo a pensar que se não os ajudarmos, os pobres estarão perdidos. Pode-se possuir riquezas e conservar-se no temor de Deus. Há quem faça mau uso das riquezas, como há quem faça mau uso da pobreza e mesmo do estado religioso. São Tomás Morus se mostra, assim, de opinião diametralmente oposta à dos fariseus de que o mundo continua cheio. Acha ele que o rico deve intimamente viver em abstinência e mortificação, como se não possuísse todos os seus bens, mas abertamente, publicamente, deve atribui a, si próprio, bem como à sua casa e aos seus familiares, o que exige seu estado, de modo a não ser tomado "falsamente por um hipócrita".

O rico, segundo o modelo de São Tomás Morus, que é o modelo católico, "se absteria de bom grado da posse das riquezas, a não ser pela comodidade que outros homens têm pelo sou modo de dispor delas, como no conservar um lar em boa ordem, segundo os costumes cristãos, e em por outras pessoas a trabalhar com tais coisas que possam ganhar sua vida de modo melhor por seu intermédio".

São Tomás Morus, modelo para os ricos de nossos dias

Tal rico, conclui São Tomás Morus, que assim adquire mérito por suas riquezas, "poder-se-ia comparar de certo modo a outros homens que tudo abandonam (para servir a Deus na vida religiosa), se não houvesse outra circunstância mais agradecei a Deus acrescentada 'ao abandono, que é a mais fervente contemplação, perturbada por motivo da solicitude de todos os negócios terrenos, o que fez da parte de Maria Madalena a melhor".

Mas mesmo no caso de não seguir um caminho tão perfeito, nem por isso, acrescenta São Tomás Morus, se acha o rico necessariamente em estado de condenação eterna. "Não mais que todo o homem que, abandonando tudo, e entrando em religião, não se vê ainda tão claramente depurado de todas as afeições mundanas, como ele próprio teria muito desejo de estar, e muito sente não estar..."

"Portanto, meu sobrinho, para finalizar este assunto, por negócio que divaga nas trevas, por este demônio, eu quero dizer que o Profeta assim quer colocar de sobreaviso o homem que tem a intenção de servir a Deus e de agradá-lo, e antes perder todo o bem que possui, que conscientemente cometer um pecado mortal, e sem murmúrio nem rancor dar tudo no caso de Deus assim o mandar..."

Eis, em resumo, a opinião de São Tomás Morus sobre a riqueza e o exemplo que ele próprio nos legou. Homem rico, a primeira figura do reino da Inglaterra depois cio rei, preferiu perder a posse legítima de todos os seus bens antes que cometer o pecado mortal da apostasia e da pusilanimidade. E, na tribulação, privado de todo o conforto material, manifesta em relação às coisas deste mundo aquela indiferença que é própria dos grandes místicos. Quão longe, portanto, se acha esse grande Santo do revolucionário que dele querem fazer os modernos semeadores de cizânia. Se são a miséria e as injustiças que levam ao comunismo, então da Torre de Londres deveria partir o grita de revolta do grande oprimido. Mas o que vemos nesse atleta da Fé é o mais formal desmentido aos que demagogicamente não querem ver no comunismo um movimento de subversão social insuflado de cima para baixo, mas o protesto das massas contra toda e qualquer superioridade social.

Os Grão Turcos ainda existem e tentam reduzir os povos cristãos à miséria à servidão totalitária. Hoje, como ao tempo de São Tomás Morus, teremos que resistir à tentação da pusilanimidade, do comodismo e do compromisso com o mal, do gozo dos prazeres mundanos, e do demônio meridiano da perseguição pela Fé.

Desprendamo-nos dos bens terrenos e peçamos graças a Nosso Senhor para tudo usarmos, na prosperidade e na tribulação, para Sua maior glória.

Legenda: Retrato de São Tomás Morus feito por Holbein em 1527, quando o Lord Chanceler do Reino da Inglaterra se achava no apogeu de sua vida. Holbein o viu como um homem de ânimo forte, determinado a seguir sua trilha a despeito de todos os obstáculos. Oito anos mais tarde Sir Thomas More se tornava um herói e um mártir da Fé.


DISCURSO DO SANTO PADRE À FEDERAÇÃO MUNDIAL DAS JUVENTUDES FEMININAS CATÓLICAS

Dos perigos que ameaçam a juventude com relação à Fé, poucos são tão graves quanto os que a "Moral Nova" lhe faz correr.

No dia 18 de abril p. p. o Santo Padre Pio XII dirigiu importante alocução aos membros do Congresso da Federação Mundial das Juventudes Femininas Católicas reunido em Roma.

Depois de palavras de afetuosa acolhida às congressistas, que lhe haviam apresentado um relatório sobre: "A Fé e os Jovens —Problema de nosso tempo", o Sumo Pontífice, exaltando o interesse deste trabalho, tomou por tema de Sua alocução a seguinte máxima enunciada no relatório: "confundindo cristianismo com um código de preceitos e interdições, os jovens têm a impressão de asfixia neste clima de "moral imperativa", e não é uma ínfima minoria que lança de lado esta "bagagem incomoda".

Mostrando que se envolve neste princípio uma nova concepção 'da moral, o Sumo Pontífice trouxe importante e profundo complemento à Sua alocução de 23 de março p. p., que publicamos em nosso último número. Diz Sua Santidade (o texto e os subtítulos foram traduzidos do "Osservatore Romano", edição francesa, de 25 de abril p.p.):

O objeto da alocução

"Já falamos da 'nova moral' em Nossa mensagem radiofônica de 23 de março passado aos Educadores Cristãos. O que hoje dizemos não é apenas uma continuação do que focalizamos então; queremos desvendar as fontes profundas desta concepção. Poder-se-ia qualificá-la de 'existencialismo ético', 'atualismo ético', 'individualismo ético', entendidos no sentido restritivo que vamos expor, e conformes com o que alhures se designou como "situationsethik — moral de situação."

A "Moral de Situação" — Seu traço característico

O traço característico desta moral é ela não se basear nas leis morais universais, como, por exemplo, os dez mandamentos, mas nas condições ou circunstancias reais e concretas nas quais se deve agir, e segundo as quais a consciência individual deve julgar e escolher. Tal estado de coisas é único e vale uma só vez para toda ação humana. Eis porque, segundo afirmam os adeptos desta ética, a decisão da consciência não pode ser dirigida pelas ideias, pelos princípios e pelas leis universais.

A fé cristã baseia suas exigências morais no conhecimento das verdades essenciais e de suas relações; assim faz São Paulo na Epistola aos Romanos (I, 19-21) para a religião como tal, seja ela cristã ou anterior ao cristianismo: a partir da criação, diz o Apóstolo, o homem entrevê e apreende de algum modo o Criador, o Seu poder eterno e a Sua divindade, e isto com tanta evidencia, que ele se sabe e se sente obrigado a reconhecer Deus e a Lhe render seu culto, de forma que negligenciar este culto ou perverte-lo numa idolatria é gravemente culposo, para todos e em todos os tempos.

Não é isto que diz a ética de que falamos. Ela não nega, sem mais, os conceitos e os princípios gerais da moral (embora às vezes se aproxime bastante de uma semelhante negação), mas os desloca do centro para a extrema periferia. Pode acontecer que a decisão da consciência corresponda muitas vezes àqueles princípios. Mas eles não são, por assim dizer, uma coleção de premissas das quais a consciência tira a consequência lógica no caso particular, no caso do "uma vez". Não! No centro se encontra o bem, que é necessário atuar ou conservar, no seu valor real e individual; por exemplo, no domínio da fé, relação pessoal que nos liga a Deus. Se a consciência seriamente formada resolvesse que o abandono da fé católica e a adesão a uma outra confissão conduz para mais perto de Deus, esta mudança estaria "justificada", mesmo que geralmente seja ela qualificada. como "defecção da fé". Como também no domínio da moral, o dom de si, corporal e espiritual, entre jovens. Neste ponto, uma consciência seriamente formada decidiria que em virtude da sincera inclinação mutua, são convenientes as intimidades do corpo e dos sentidos, e que estas, se bem que admissíveis somente entre esposos, tornar-se-iam manifestações permitidas. — A consciência aberta de hoje em dia decidiria assim, porque da hierarquia dos valores ela infere este princípio de que os valores da personalidade, sendo os mais elevados, poderiam se servir dos valores inferiores do corpo e dos sentidos, ou deles se afastar, segundo sugere cada situação. Tem-se com insistência pretendido que, justamente por este princípio, em meteria de direito dos esposos, em caso de conflito, seria conveniente deixar à consciência seria e reta dos cônjuges, a faculdade de, segundo as exigências das situações concretas, tornar diretamente impossível a realização dos valores biológicos, em proveito dos valores da personalidade.

Os julgamentos de consciência desta natureza, por mais contraries que pareçam à primeira vista aos preceitos divinos, valeriam perante Deus, porque, dizem, a consciência sincera seriamente formada supera o "preceito" e a "lei", diante do próprio Deus.

Uma tal decisão é, portanto, "ativa" e "produtora", não "passiva" e "receptora" da decisão da lei que Deus escreveu no coração de cada um, e menos ainda daquela do Decálogo, que o dedo de Deus escreveu em tabuas de pedra, e encarregou à autoridade humana de promulgar e conservar.

A "Nova Moral" eminentemente individual

A nova ética (adaptada às circunstancias), dizem seus autores, é eminentemente "individual". Na determinação da consciência cada homem se encontra imediatamente com Deus e decide diante d'Ele, sem a intervenção de qualquer lei, de qualquer autoridade, de qualquer comunidade, de qualquer culto ou confissão, em nada e de nenhuma maneira. Aqui há somente o eu do homem e o Eu do Deus pessoal; não do Deus da lei, mas do Deus Pai, com quem o homem deve se unir no amor filial. Assim vista, a decisão da consciência é portanto um "risco" pessoal, segundo o conhecimento é a avaliação próprias, em toda sinceridade diante de Deus. Estas duas coisas, a reta intenção e a resposta sincera, são o que Deus considera; a ação não Lhe importa. De modo que a resposta pode ser trocar a fé católica por outros princípios, divorciar-se, interromper a gestação, recusar a obediência à autoridade competente na família, na Igreja, no Estado, e assim por diante.

Tudo isto conviria perfeitamente à condição de "maioridade" do homem, e, na ordem cristã, à relação de filiação que, segundo o ensinamento de Cristo, nos faz rezar "Nosso Pai". Este desígnio pessoal poupa ao homem o dever de a cada instante medir se a decisão a tomar corresponde aos parágrafos da lei, ou aos cânones de normas e regras abstratas; ele o preserva da hipocrisia de uma fidelidade farisaica às leis; ele o preserva tanto do escrúpulo patológico, como da ligeireza ou da falta de consciência, porque faz repousar sobre o cristão pessoalmente a inteira responsabilidade diante de Deus. Assim falam os que pregam a "nova moral".

A "Nova Moral" está fora da fé e dos princípios católicos

Expressa sob esta forma, a nova ética está de tal modo afastada da fé e dos princípios católicos, que mesmo, uma

criança, se já sabe o, seu catecismo, o perceberá e o sentirá. Não é difícil verificar como o nevo sistema moral provem do existencialismo, que ou faz abstração de Deus, ou simplesmente O nega, e em todo o caso remete o homem a si mesmo. Pode acontecer que as condições presentes tenham induzido a tentar transportar esta "nova moral" sobre o terreno católico, para tornar mais suportáveis aos fiéis as dificuldades da vida cristã. De fato, a milhões dentre eles se pede hoje em dia, em grau extraordinário, firmeza, paciência, constância e espirito de sacrifício, desde que queiram permanecer integras na sua fé, seja sob os golpes da fortuna, seja num meio que coloca ao seu alcance tudo aquilo por que um coração apaixonado aspira, tudo o que ele deseja. Ora, uma tal tentativa não poderá jamais ser bem sucedida.

As obrigações fundamentais da lei moral

Perguntar-se-á como a lei moral, que é universal, pode bastar, e mesmo obrigar, num caso particular, o qual é, concretamente, sempre único e de "uma vez". Ela o pode e ela o faz porque, justamente graças à sua universalidade, a lei moral compreende necessariamente e "intencionalmente" todos os casos particulares, nos quais seus conceitos se verificam. E em casos muito numerosos ela o faz com uma lógica tão concludente, que mesmo a consciência do simples fiel vê imediatamente e com certeza plena a decisão a tomar.

Isto vale especialmente para as obrigações negativas da lei moral, para aquelas que exigem um não fazer, um deixar de lado. Mas nunca somente para essas. As obrigações fundamentais da lei moral se baseiam sobre a essência, a natureza do homem e sobre suas relações essenciais, e valem portanto onde quer que se encontre o homem; as obrigações fundamentais da lei cristã, por mais que excedam as da lei natural, se baseiam na essência da ordem natural constituída pelo Divino Redentor. Das

relações essenciais entre o homem e Deus, entre um homem e outro, entre os mais chegados, entre pais e filhos, das relações essenciais de comunidade dentro da família, da Igreja e do Estado, resulta entre outras coisas que o ódio de Deus, a blasfêmia, a idolatria, a defecção da verdadeira fé, a negação da fé, o perjúrio, o homicídio, o falso testemunho, a calunia, o adultério e a fornicação, o abuso do casamento, o pecado solitário, o roubo e a rapina, a subtração do que é necessário à vida. a frustração do justo solaria (cfr. Jac. 5, 4), o monopólio dos viveres de primeira necessidade e o aumento injustificado dos preços, a bancarrota fraudulenta, as manobras de especulação Injusta — tudo isto é gravemente proibido pelo Legislador Divino. Nada há que examinar. Qualquer que seja a situação Individual, outra salda não há senão obedecer.

De resto Nós opomos a esta "ética de situação" três considerações ou máximas. A primeira: concedemos que Deus quer primeiramente e sempre a reta intenção; mas isto não é suficiente. Ele quer tombem a boa obra. Uma outra: não é permitido fazer um mal para que dai resulte um bem (cfr. Rom. 3, 8). Mas esta ética age — talvez sem se dar conta — segundo o principio de que o fim santifica os meios. A terceira: pode haver situações nas quais o homem, e principalmente o cristão, não poderia ignorar que deve sacrificar tudo, mesmo sua vida, para salvar sua alma. Todos os mártires nô-lo mostraram. E eles são muito numerosos mesmo nos nossos tempos. Mas a mãe dos Macabeus e seus filhos, as santas Perpetua e Felicidade apesar de seus filhos recém-nascidos, Maria Goretti e os milhões de outros homens e mulheres que a Igreja venera, terão incorrido, inútil ou mesmo erradamente, na morte sangrenta, contra a "situação"? Certamente não, e eles são, no seu sangue, as mais claras testemunhas da verdade, contra a "nova moral".

O problema da formação da consciência

Onde não há normas absolutamente obrigatórias, independentes de toda circunstancia ou eventualidade, a situação de "uma vez", com sua unicidade, requer, é verdade, um exame atento para decidir quais as normas a aplicar e de que maneira. A moral católica sempre tratou, e abundantemente, deste problema da formação da própria consciência com um exame prévio das circunstancias do caso a decidir. Tudo quanto ela ensina oferece um auxilio precioso às determinações da consciência, tanto teóricas como praticas. É suficiente citar a exposição jamais ultrapassada de São Tomaz sobre a virtude cardeal da prudência e as virtudes que a ela estão ligadas (S. Th. 2.a 2.ae p., q. 47-57). Seu tratado mostra um senso de atividade pessoal e de atualidade que contém tudo quanto de justo e positivo existe na "ética segundo a situação", se bem que evitando suas confusões e desvios. É suficiente ao moralista moderno continuar na mesma linha, se quer aprofundar novos problemas.

A educação cristã da consciência está bem longe de negligenciar a personalidade, mesmo a do jovem ou da criança, e de jugular sua iniciativa. Porque toda sã educação visa tornar o educador pouco a pouco inútil e o educado Independente em seus justos limites. Isto vale também na educação da consciência por Deus e pela Igreja; sua meta é, como diz o Apóstolo (Eph. 4, 13; cfr. 4, 14), "o homem perfeito, a medida da plenitude da idade de Cristo", portanto o homem maduro, que tem também a coragem da responsabilidade.

É necessário somente que esta maturidade se situe no justo plano! Jesus Cristo permanece o Senhor, o Chefe e o Mestre de cada homem individual, de toda a idade e de todo o estado, por meio de Sua Igreja na qual continua a agir. O cristão, de sua parte, deve assumir a grave e grande função de fazer valer na sua vida pessoal, na sua vida profissional, e na sua vida social e publica, tanto quanto dele depender, a verdade, o espirito e a lei de Cristo. É esta a moral católica, e ela deixa um vasto campo livre à iniciativa e à responsabilidade pessoal do cristão.

Riscos para a fé, relativamente aos jovens

Eis o que Nós vos queríamos dizer. Os perigos existentes para a juventude, relativamente à fé, são hoje em dia extraordinariamente numerosos. Não há quem não o soubesse e não o saiba, mas vosso relatório é particularmente instrutivo a este respeito. Todavia nós pensamos que poucos destes perigos são tão grandes e tão pesados de consequências como estes que a "nova moral" faz correr à fé. Os desvios para onde conduzem tais deformações e tais amolecimentos dos. deveres morais, os quais emanam muito naturalmente da fé, conduziriam com o tempo à corrupção da própria fonte. Assim morre a fé.

Duas conclusões

De tudo quanto dissemos sobre a fé, tiraremos duas conclusões, duas diretivas que queremos vos deixar ao terminar, para que orientem e animem toda a vossa ação e toda a vossa vida cristã:

A primeira — a juventude deve ter uma fé orante. A juventude deve aprender a rezar. Que o seja sempre na medida e na forma correspondentes à sua idade. Mas sempre com a consciência de que, sem a prece, não é possível permanecer fiel à fé.

A segunda — a juventude deve ser ufana de sua fé e aceitar. que isso lhe custe alguma coisa; ela deve se acostumar desde a primeira infância a fazer sacrifícios pela fé, a andar diante de Deus com a consciência reta, a venerar o que Ele ordena. Então ela crescerá como de si mesma no amor de Deus.

Que a caridade de Deus, a graça de Jesus Cristo e a participação do Espirito Santo (cfr. 2Cor. 13,13) estejam com todas vós, Nós vô-lo desejamos com a mais paternal afeição. E para vô-lo provar, de todo Nosso coração vos damos, a cada uma de vós e a vossas famílias, a vosso movimento, a todos os seus ramos no mundo Inteiro, a todas as vossas companheiras que lhe aderem, a Benção Apostólica".