(continuação)
suas dioceses. Tal o Bispo de Perigueux, Mons. Pedro Clemente que, ao morrer, mereceu este elogio: "M. 1'Evêque avait, jusque à sa mort même, assez contribué à notre repos; personne n'avait pris de parti (a favor ou contra a "Unigenitus") et on ne nous en avait point demande" (Carta do subdelegado de Perigueux ao intendente de Bordeaux, em 25 de abril de 1719).
Mesma atitude a de vários outros Prelados: do sucessor de Mons. Pedro Clemente em Perigueux; de Mons. Dionisio Alexandre Le Blanc, da diocese de Sarlat; de Mons. Luiz-Carlos des Alrys de Rousset que mantém durante quarenta anos na sua diocese uma calmaria inexistente nos bispados vizinhos; de Mons. J. A. Phélypeaux, Bispo de Lodéve, absolutamente alheio às bulas e às declarações reais. Quando uma destas últimas em 11 de julho de 1722 impunha a aceitação do Formulário anti-jansenista a quantos recebessem ordens sacras, ou fossem providos em benefícios eclesiásticos, Mons. Phélypeaux não teve a menor dúvida em conferir ordens a muitos súbditos seus que recusaram a subscrição do formulário, como também concedeu prebendas eclesiásticas sem exigir das pessoas assim favorecidas o preenchimento desta formalidade.
Não são estes propriamente a terceira força. Sua falta de zelo e uma tintura de espírito céptico fazem deles uma porção menos digna dos cargos que ocupam. Os do terceiro partido têm atitude análoga, mas são levados não por negligencia, e sim por questão doutrinaria, pelo princípio de que a paz é um valor supremo, sendo pois desejável mantê-la a todo custo, ainda quando com isto se atem os pulsos aos defensores da verdade, e se abra campo aos propagadores do erro.
Mantendo, diz Appolis, uns com os outros relações muito cordiais, formam um verdadeiro partido intermediário entre os "apelantes" e seus adversários. Sem recorrer para um futuro Concilio, e afirmando sempre sua submissão à bula de Clemente XI, estes Prelados recusam, não obstante, enfileirar-se entre os "constitucionários" inteiramente dóceis a Roma. Como os jansenistas, é por "amor da paz" e "ódio ao cisma" que eles almejam o fim das discussões. Não querem considerar os "apelantes" como suspeitos de heresia, uma vez que estes afirmam condenar as cinco proposições de Jansênio e sustentar sobre a graça a doutrina de Santo Agostinho, por cujas ideias têm eles também grande veneração. Assim, o que estes Bispos querem é simplesmente pôr uma pedra sobre a questão. "Os que sustentam este terceiro partido, pois, — conclui Appolis — aspiram restaurar a unidade na Igreja, não pela retratação dos jansenistas, mas pelo estabelecimento de urna tolerância da qual estes seriam os beneficiados".
Significativa é a este respeito a pastoral de 8 de fevereiro" de 1715 de Mons. Honorato de Quiperan de Beaujeu, Bispo de Castres. Depois de protestar sua deferência para com a Santa Sé, e falar em termos comovedores "do respeito e submissão que devemos a Cefas", declara ele que pretende manter a balança igual entre os dois grupos adversários: "Prelados respeitáveis por sua ciência e piedade julgaram dever apelar para o futuro Concílio. Outros Prelados a quem devemos não menor respeito acabam de condenar este apelo e declará-lo cismático". Por amor da paz, Mons. de Beaujeu se mantém à margem das disputas. E dá aos seus diocesanos mandamentos coerentes com este propósito. Ele só deseja, em sua diocese, a paz e a caridade: ... deixamos a outros o cuidado de esclarecer e defender a verdade, obscurecida ou atacada pelas discussões que viciam a caridade, na qual, só, queremos nos firmar e firmar-vos conosco".
Transborda particularmente sua caridade para com os "apelantes": "Sentimos grande pesar de ver nossos irmãos — e que irmãos, meu Deus! — sentimos pesar de vê-los acusados de rebelião, temos pesar de vê-los tratados como cismáticos e sabemos que eles aborrecem o cisma como o maior dos crimes. Temos pesar de vê-los acusados de heresia, sabemos que eles condenam as cinco proposições de Jansênio, e que sustentam, em matéria da graça, nada mais do que a doutrina de Santo Tomaz e Santo Agostinho..."
Não é, pois, para admirar que os Bispos "apelantes" mantenham grande cordialidade com os homens do partido intermediário.
QUANDO o Cardeal Fleury foi chamado ao posto de Ministro de Luiz XV, e teve o encargo de prover os benefícios eclesiásticos, alegrou-se com a existência do terceiro partido. Nele via o Ministro os homens da paz, que evitariam toda perturbação no reino. De maneira que, embora desejasse a submissão a Roma, considerava mais urgente manter a tranquilidade pública. Esta preocupação orientou toda a política eclesiástica de Fleury. Não lhe agradavam os "constitucionários". Também não apoiava abertamente os "apelantes". Suas predileções eram para os da terceira força, não obstante notar neles simpatias e tendências jansenistas. Foi nas fileiras da terceira força que Fleury recrutou os candidatos ao Episcopado, e, com a prudência que o caso pedia, foi substituindo no governo das dioceses os "constitucionários" por elementos do grupo intermediário. Em Carcassone, no lugar de Mons. L. J. de Chateauneuf de Rochebonne, que entregara seu seminário aos jesuítas, Fleury coloca a Bazin de Bezons; em Chalons-sur-Maine a Mons. Tavannes, que proibira às Ursulinas jansenistas a recepção dos Sacramentos, sucede Choiseul Beaupré; em Mirepoix, Mons. Ch.-Jo. de Quiperan de Beaujeu, sobrinho do outro Quiperan de Beaujeu já tido como cripto-jansenista, substitui ao Teatino Mons. Boyer, ardoroso "constitucionário", chamado para preceptor do Delfim; em Soissons, Mons. Fitz-James é o sucessor mediato de Mons. Languet de Gergy, outro ardente adepto da “Unigenitus”.
Para que se aquilate o grau de ortodoxia destes elementos — e não foram os únicos; são apenas exemplos — basta lembrar que Fleury teve que vencer escrúpulos de consciência na nomeação de alguns deles, como Souillac, Bispo de Lodéve, sobre quem pesavam suspeitas não infundadas de heresia.
É bem possível que esses rumores acerca da ortodoxia dos adeptos da paz a qualquer preço tenha sido uma das razões que lhes mereceram o apoio do Cardeal Ministro. Tornando-se o grande protetor desses Prelados tinha Fleury certeza de que, em qualquer eventualidade, a ele recorreriam, o que lhe dava praticamente a direção de toda a Igreja de França. E foi precisamente o que ocorreu. Quando o Jansenismo derivou para os feitos miraculosos, ou mirabolantes, as convulsões, as curas, etc., todos estes Bispos abafaram os fatos, evitando qualquer ruído, seguindo docilmente as intenções de inteira calmaria do Cardeal.
A terceira força teve um momento de pânico quando, pelo falecimento do Cardeal Fleury (1743), substituiu-o na tarefa de propor à Santa Sé, em nome do Rei, os candidatos ao episcopado, o mesmo Mons. Boyer afastado de Mirepoix pelas suas ideias ardorosamente favoráveis à bula "Unigenitus". E não tivesse Mons. Boyer morrido em 1755, em breve teria a Igreja de França ficado livre de "apelantes" e intermediários, com um Episcopado inteiramente dócil às instruções de Roma. Infelizmente seus dois sucessores, primeiro o Cardeal de La Rochefoucauld, falecido em 1757, e depois Mons. Jarente de la Bruyère, Bispo de Orléans, retomaram a política de Fleury, e se tornaram responsáveis pela nomeação de muitos Prelados da terceira força.
Quão útil fosse à causa jansenista este partido intermediário, é patente a quem considera as possibilidades excepcionais que tinham os Prelados a ele filiados de difundir toda uma mentalidade de inação diante do erro e da heresia; possibilidades aumentadas pelo teor de vida destes Bispos, de exterior austero, zeloso e pio, que ainda mais os recomendava.
Todos eles apresentam, de fato, caracteres mais ou menos comuns. Se nem todos são Oratorianos (a Congregação do Oratório, do Cardeal de Berulle, foi um grande baluarte do Jansenismo ), quase todos fizeram seus estudos em institutos confiados aos Oratorianos. Outros são ex-alunos dos Doutrinários.
Esta origem que poderia fazê-los suspeitos, era contrabalançada por outras qualidades capazes de influenciar poderosamente o espírito do povo. Em geral tinham alto conceito de seus deveres episcopais. Escrupulosos observadores da lei de residência, assíduos e infatigáveis nas visitas pastorais, jamais deixavam de instruir o povo em sermões e catequeses. Mons. Souillac, cm 29 de novembro de 1735, permanece no púlpito durante duas horas e um quarto para encerrar a missão de Lodève.
Outro aspecto próprio a atrair a veneração do povo, eram as práticas de caridade. Mons. La Châtre, Mons. Souillac, Mons. Beauteville e Mons. Bazin de Bezons constituem herdeiros de seus bens os hospitais das respectivas sedes episcopais.
Em matéria pecuniária, mostram-se absolutamente desinteressados. Renunciam a outros benefícios, para se contentarem exclusivamente com as entradas das próprias cúrias. Severos consigo, são-no igualmente com o povo. Appolis taxa-os de rigoristas. O Cabido da Catedral de Ales, anunciando aos fiéis a morte de Mons. de Beauteville, salienta que "ele tinha uma opinião muito severa sobre os deveres do homem com relação a Deus, e julgava que o caminho do Céu é estreito e difícil". Mons. Souillac, nos quatro primeiros anos de seu episcopado, recusa-se a conferir ordens sacras pelo temor de enganar-se na escolha dos candidatos. Bazin de Bezons prepara-se para as ordenações com jejuns, mortificações e orações instantes. Este mesmo Prelado é o terror de seu Clero pelo excessivo rigor nas visitas pastorais. Esta severidade é geral entre os Bispos da corrente intermédia. Levanta-se também contra os desmandos de Luiz XV, mesmo em publicações destinadas à divulgação, como instruções pastorais.
Veremos no próximo número como esses Prelados prestaram auxilio e concurso inestimável à seita jansenista.
PIO XII: É necessário, Veneráveis Irmãos, explicar claramente ao vosso rebanho como o fato de tomarem os fiéis parte no Sacrifício Eucarístico não significa todavia que eles gozem de poderes sacerdotais. Há de fato, em nossos dias, alguns que, avizinhando-se de erros já condenados, ensinam que no Novo Testamento se conhece apenas um sacerdócio pertencente a todos os batizados, e que o preceito dado por Jesus aos Apóstolos na última ceia — fazer o que Ele havia feito — se refere diretamente a toda a Igreja dos cristãos e só depois é que foi introduzido o sacerdócio hierárquico. Sustentam, por isso, que só o povo goza de verdadeiro poder sacerdotal, enquanto que o Sacerdote age unicamente por ofício a ele confiado pela comunidade. Afirmam, em consequência, que o Sacrifício Eucarístico é uma verdadeira e própria "concelebração", e que é melhor os Sacerdotes "concelebrarem" junto com o povo presente, do que, na ausência deste, oferecerem privadamente o Sacrifício. É inútil explicar quanto estes capciosos erros estão em contraste com as verdades demonstradas acima, quando falamos do lugar que compete ao Sacerdote no Corpo Místico de Jesus. Recordemos apenas que o Sacerdote faz às vezes do povo porque representa a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto é cabeça de todos os membros e se oferece a si mesmo por eles: por isso vai ao altar como ministro de Cristo, inferior a Ele, mas superior ao povo. O povo, ao invés, não representando por nenhum motivo a pessoa do Divino Redentor, nem sendo mediador entre si próprio e Deus, não pode de nenhum modo gozar dos poderes sacerdotais. — (Encíclica "Mediator Dei", de 20-XI-1947).
B. PIO X: Mais, à Virgem Santíssima não coube só a glória de haver ministrado a substância de sua carne ao "Unigênito do Eterno que devia nascer homem" (S. Bed. Ven. L. 4, in Luc. 11), hóstia excelentemente preparada para a salvação dos homens, mas igualmente foi sua missão zelar e conservar esta hóstia e, ao tempo devido, apresentá-la ao sacrifício. E entre Mãe e Filho foi sempre tal a união de vida e trabalhos que se lhes pode aplicar indistintamente a palavra do Profeta: "minha vida escoou-se na dor, meus anos em gemidos" (Sal. 30, 11). À hora extrema do Filho, "stabat juxta crucem Jesu Mater ejus", não simplesmente assistindo ao horrendo espetáculo, mas sinceramente exultando, porque "oferecia Seu Unigênito pela salvação da humanidade, e tanto participou de Suas dores que, se pudera, suportaria de bom grado todos os tormentos que oprimiam o Filho" (S. Boav. 1 Sent. d. 48, ad Litt. dub. 4). Por esta comunhão de dores e sentimentos entre Mãe e Filho, Ela "mereceu tornar-se dignamente reparadora da humanidade decaída" (Eadmeri — De Excellentia Virg. Mariae, e. 9), e dispensadora de todos os tesouros que, por Sua morte e por Seu sangue, nos adquiriu Jesus (Encíclica "Ad diem illum", de 2-11-1904).
GREGORIO XVI: Outra causa que produziu muitos dos males que afligem a Igreja é a indiferença, ou seja, aquela perversa teoria espalhada por toda parte em virtude das fraudes dos ímpios, que ensina que o homem pode alcançar a vida eterna em qualquer religião, contanto que se molde à norma do reto e do honesto. Podeis desmascarar facilmente aos olhos de vossa grei erro tão execrável dizendo com o Apostolo que há "um só Deus, uma só Fé, um só batismo" (Ephes. 4, 5), e entendam, portanto, os que pensam que por qualquer caminho se chega ao porto de salvação, que estão "contra Cristo, já que não estão com Cristo" (Luc. 11, 23), e os que não recolhem com Cristo dispersam miseravelmente, pelo que "perecerão infalivelmente os que não tenham a Fé católica e não a guardem íntegra e sem mancha" (Symbol. Sancti Athanas.); ouçam a São Jerônimo que, estando a Igreja dividida em três facções pelo cisma, quando alguém intentava atraí-lo para o seu lado, com retidão dizia: "o que está unido com a Cátedra de Pedro é dos meus" (S. Hier., ep. 57). Nem se iludam porque sejam batizados: a isto lhes responde Santo Agostinho que "não perde a sua forma o rebento quando está separado da videira; porém, de que lhe serve, se não vive da raiz?" (ln psal. contra part. Donat.) (Enciclica "Mirari Vos", de 15-VIII-1832).
Fernando Furquim de Almeida
Ministro da Instrução Pública, o Conde de Falloux deu toda a medida de seu valor como político. Homens como Tocqueville, completamente indiferente à sua orientação ideológica, ou Émile Oliver, que dele não gostava, tiveram a mais profunda impressão de sua habilidade. O primeiro afirmou: "Quem não viu o Sr. de Falloux discutir em uma mesa, não sabe o que é o poder de um homem". O segundo: "Falloux é dos políticos que, por certos lados, me deram a ideia menos imperfeita de um homem de Estado".
Toda essa capacidade foi aplicada em liquidar o Partido Católico e substituí-lo pelo Catolicismo liberal.
O Partido Católico era antiliberal por convicção e por ter tido origem e desenvolvimento no meio de lutas. Se ele continuasse a existir, não seria possível a propaganda do liberalismo nos meios católicos; por isso, aqueles que desejavam acomodar-se com o mundo tinham necessariamente de desfazer a impressão que o catolicismo declarado e corajoso do Partido causara ao público.
Montalembert, chefe incontestável dos católicos, era um tropeço que precisava ser afastado. Ofereceram-lhe a embaixada de Londres, mas Lord Palmerston, Primeiro-Ministro da Inglaterra, recusou o agreement. O Conde de Falloux, o Padre Dupanloup e vários outros iniciaram então o envolvimento do grande líder, sustentando que o perigo socialista tornava necessário um acordo com a Universidade na questão do ensino.
Muitos anos depois, o Conde de Falloux publicou um folheto sobre a história do Partido Católico, e nele deu as razões que o levaram a esse acordo. Entre outras, aponta a seguinte: "Para salvar uma nação, não é suficiente que a educação das famílias de elite seja irrepreensível do ponto de vista religioso; é necessário também que, em tudo que é legítimo, a educação se ponha de acordo com o meio social que espera o homem ao sair da juventude. Evitemos que ele tenha de se envergonhar de seus mestres, que seja tentado a lhes imputar sua inferioridade no fórum, no exército ou em qualquer outra carreira. Educar moços no século XIX como se, ao deixar a escola, devessem ingressar na sociedade de Gregório VII ou de São Luís, seria tão pueril como educar nossos jovens oficiais em Saint Cyr no manejo do aríete ou da catapulta, escondendo-lhes o uso da pólvora e do canhão".
Parece-nos que este trecho deixa ver que o Conde de Falloux não desejava o aparecimento de verdadeiras universidades católicas, no que se chocava com um dos pontos fundamentais do programa do Partido liderado por Montalembert. Aliás, logo depois de nomeado Ministro, designou uma comissão para preparar a lei sobre a liberdade de ensino, e o critério com que a constituiu revela bem o caminho que desejava trilhar. Compunha-se ela de vinte e quatro membros, e era presidida por Thiers na ausência do Ministro. Por parte da Universidade foram escolhidos Victor Cousin, Saint Marc Girardin e outros; pelos católicos, Montalembert, o Padre Dupanloup, o Padre Sibour, o Visconde de Melun, Augustin Cochin e mais alguns; e para contrabalançar as duas tendências, políticos como Thiers, Eugène Janvier, etc.
De todos os católicos chamados a participar dos debates, só Montalembert era dos chefes do Partido Católico. Luís Veuillot foi deixado de lado como "intransigente"; Mons. Parisis, Bispo de Langres e líder eclesiástico do Partido, não foi convidado para não entravar a ação do Padre Dupanloup; Lenormant, demitido da Universidade por causa da sua fidelidade ao Partido Católico, nem sequer mereceu que lhe explicassem por que dispensavam seu concurso.
Nas reuniões da comissão, desde logo Thiers domina completamente a situação. Numa mudança espetacular de orientação, propõe que se entregue todo o ensino primário aos católicos, e que se extingam as escolas normais, viveiros de mestres socialistas. Pela primeira e última vez, Montalembert fala em nome dos católicos na comissão, para... opor-se ao projeto de Thiers e pedir a liberdade de ensino.
Ao discutir-se a organização do ensino secundário, Victor Cousin lembra a Thiers que todos os argumentos que este usara contra o monopólio do ensino primário eram também válidos para o ensino secundário. E Thiers responde: "Então o sacrificaremos também; é preciso sacrificar tudo para a salvação da sociedade". Montalembert não tem coragem de intervir novamente, e deixa a palavra ao Padre Dupanloup, que propõe um acordo com a Universidade nesse momento em que ela parecia completamente derrotada pelos católicos! Durante sua exposição Thiers se levanta e, com gestos e inclinações de cabeça, passa a apoiar o orador. Quando o Padre Dupanloup terminou, todos os olhares se voltaram para Montalembert. Obrigado a se pronunciar, disse apenas: "Não tenho nada a acrescentar às palavras do Padre Dupanloup". Estava liquidado o grande líder católico. Não falou mais durante as sessões, e o padre Dupanloup tomou-lhe o bastão de comando, resolvendo pelos católicos o acordo com a Universidade.
Inicialmente foi elaborado o projeto de lei. A direção moral do ensino primário seria confiada ao clero. O secundário era proclamado livre, e reduzidas as condições necessárias para a instalação de colégios, não se exigindo mais o beneplácito da Universidade, que passaria a somente fiscalizá-los. Os ministros dos diferentes cultos seriam encarregados da direção moral e do ensino religioso nas escolas secundárias. Quanto à Universidade, ela perdia o controle do ensino. No seu Conselho Superior, ao lado dos professores entrariam magistrados, conselheiros de Estado, membros do Instituto e três bispos indicados pelo episcopado.
Tal projeto era profundamente contrário à orientação do Partido Católico. Principalmente porque, em lugar da liberdade de fundar universidades próprias, era dado à Igreja um lugar bem modesto no Conselho Superior da Universidade oficial, enquanto a esta ainda era conservada a importantíssima atribuição de fiscalizar os estabelecimentos secundários livres. Por outro lado, se o projeto realmente continha alguma coisa de bom, é de se estranhar que católicos tenham tido a iniciativa de propor tão pouco em favor de gravíssimos interesses da Igreja.
* * *
Em todo o caso, Montalembert perdeu a liderança do movimento católico. O Conde de Falloux e o Padre Dupanloup seriam os novos chefes, se os católicos apoiassem o projeto, e com isso o catolicismo liberal estaria vitorioso na França.
J. de Azeredo Santos
A leitura de um estudo de Maurice Duval em "Ecrits de Paris" sobre o problema do salariado nos põe mais uma vez diante dos olhos os vários e tortuosos caminhos que estão conduzindo a humanidade à desordem econômica e, através dela, ao mais negro totalitarismo.
Não nos cansamos de repetir que o que constitui a essência perniciosa do socialismo e do comunismo não são os métodos violentos empregados para implantar esses sistemas políticos, econômicos e sociais. Nem nos devemos preocupar exclusivamente com o comunismo e com o socialismo que se apresentam com o estandarte do ateísmo abertamente desfraldado. Mesmo porque tem sido traço comum das heresias destacadas no seio da Igreja essa tendência ao falso espírito de comunidade, ou a esse panteísmo social que é inseparável da "gnose" e que se filia ao mistério da árvore do conhecimento do bem e do mal, que foi a causa da queda de nossos primeiros pais.
Nos variados sistemas econômicos podemos distinguir a sua finalidade, as instituições jurídicas e sociais em que se baseiam, e os meios técnicos empregados em sua implantação e desenvolvimento. Mas é com muita cautela que nos devemos aventurar a estabelecer ordem em coisas que de si mesmas são confusas e complexas. Aliás esses assuntos fogem, em geral, à rigidez dos esquemas teóricos, e o mais comum é nos depararmos com sistemas mistos, improvisados ao sabor das circunstancias, em que mal podemos vislumbrar o que está em elaboração e o que está em decomposição. Nesse quadro geral de confusão, entretanto, podemos entrever certas diretrizes convergentes.
Assim, por exemplo, no regime capitalista temos a instituição jurídica da propriedade privada, e no sistema socialista vigora a supressão dessa mesma propriedade privada, de modo total ou parcial.
Ora, fala-se muito contra a ordem de coisas capitalista que reina no mundo ocidental. Si fizermos, porém, uma análise dessas invectivas, e sobretudo dos remédios que via de regra são recomendados para os males que nos afligem, veremos que comumente o que se faz é condenar o capitalismo de órbita privada em nome do capitalismo de Estado, ou melhor, tenta-se substituir o patrão particular pelo Estado-patrão. E estará ainda em vigor o capitalismo liberal?
É aqui que vamos verificar, entre outros dados importantes do problema, que a eliminação pura e simples da instituição jurídica da propriedade privada não é a única via para a implantação do socialismo ou do comunismo. Há modos de se mutilar essa instituição sem a sua completa destruição.
Basta, por exemplo, que se imponham restrições e tributos que tirem aos detentores da propriedade privada a liberdade de iniciativa econômica.
Vejamos, assim, o caso da economia dirigida. Diz Murat: — "A diferença frisante entre os fins da Economia planificada e os da Economia capitalista se inscreve evidente e claramente nas instituições jurídicas. A propriedade privada deve ser suprimida pelo menos no que diz respeito aos capitais que se tornam propriedade coletiva, isto é, elemento do ativo do balanço da unidade econômica que é o Estado planificado" ("Initiation à la Theorie Economique"). Temos aí uma restrição da liberdade, não somente com a supressão da propriedade privada dos capitais, mas também com a destruição da liberdade do trabalho. E com esse constrangimento no emprego da mão de obra passa a ser realizado oficialmente, metodicamente, cientificamente, o trabalho escravo, que o capitalismo liberal vinha realizando clandestinamente, erraticamente e às apalpadelas. E que nada tem que ver com o regime capitalista em si mesmo considerado.
O mesmo podemos dizer de certa intervenção estatal na política dos salários e dos preços. Maurice Duval cita um exemplo histórico recente. O líder socialista Leon Blum e seus colaboradores, subindo ao poder com a Frente Popular em 1936, decidiram pôr em prática uma política de choque capaz de subverter da noite para o dia os dados do problema econômico e social. Acreditaram ou fingiram acreditar que bastaria, para incrementar poderosamente o mercado interno, encher as mãos dos trabalhadores de novo poder aquisitivo pago exclusivamente pelos donos das empresas, sem que a estes fosse concedido o direito de aumentar paralelamente seus preços de venda. O desastre foi lamentável. No espaço de poucos meses a alta inevitável dos índices de custo de vida havia absorvido completamente os aumentos de salários distribuídos sob diversas formas aos trabalhadores e, para tornar a dar um pouco de alivio ao comercio exterior e a indústria ameaçada de não mais viver senão em economia fechada, por não suportar a concorrência de outros países ainda imunizados dessas loucuras demagógicas, o governo se viu constrangido a desvalorizar o franco, logo depois de haver lançado um empréstimo sob promessa de sustentar a antiga paridade... E não é isto que hoje vemos praticado abertamente por outros países e por outros governos que não se apresentam com o colorido vermelho da Frente Popular de Leon Blum?
Vejamos agora outra tendência comum nos chamados países democráticos: a aplicação cada vez mais generalizada da teoria do "pleno emprego" de Lord Keynes, através da realização pelo Estado de grandes obras de âmbito nacional. "Imaginemos, diz Maurice Duval, uma economia de pleno emprego, tal como Keynes a concebeu, em que o desemprego total será proscrito, tanto quanto o parcial; em que, por via de consequência, a segurança do emprego será garantida aos trabalhadores. Quem, então, a não ser o Estado poderá assumir uma tal responsabilidade? As repercussões financeiras daí decorrentes seriam tão pesadas que esse Estado deveria, para fazer face a elas, se assenhorear do problema econômico todo inteiro afim de manter as empresas em posição de atividade constante. Não se vê aqui reaparecer o dirigismo da economia planificada?" (art. citado). De modo que a segurança contra o desemprego, assim entendida, bem como o seguro contra o desemprego garantido pela previdência social do tipo do Plano Beveridge, põem de novo em foco a importante questão do trabalho obrigatório. Eis porque indaga o autor: "Para os assalariados, será que as palavras "segurança de emprego" não são sinônimas de trabalho obrigatório? Não há desemprego na U. R. S. S.. Será esse ideal soviético que nos propõe o pleno emprego?" E que outro sentido têm fatos recentes como a tentativa de socialização de certas indústrias chave na Inglaterra e na América do Norte?
Podíamos multiplicar os exemplos dessas medidas indiretas destinadas à implantação do socialismo. Terminemos por citar a previdência social. Agem neste setor as chamadas democracias ocidentais com a mesma desenvoltura, atribuindo-se os governos de modo cada vez mais avassalador e definitivo um papel que lhes compete de modo supletivo. Eis porque acentua Louis Salleron: "É possível que a Segurança Social seja fatal e que nos devamos curvar diante dela como diante da necessidade de uma sociedade que declina e que morre. Mas é impossível que a saudemos e a abracemos como um progresso. Ela constitui, na realidade, a mais formidável máquina para destruir a família de que podia cogitar o totalitarismo moderno" ("Les Catholiques et le Capitalisme"). Não acreditamos nesse fatalismo da Previdência Social totalitária e estamos mais de acordo com o autor quando lembra a afirmação de André Malraux de que o traço característico de nossa época é, a seus olhos, a impostura. E a Previdência Social é a impostura número um no seu gênero. Não somente não resolve o problema básico que se propõe, mas é um dos mais poderosos meios pacíficos empregados para a proletarização integral, de que advirá a morte da sociedade, nas garras desse Estado Patrão a que não se chega apenas pelos processos violentos usados atrás da cortina de ferro, mas também por todas essas medidas convergentes que cada vez mais sufocam as chamadas democracias ocidentais.