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MODERNISMO SOCIAL

Cunha Alvarenga

“Renunciai à vida antiga e despojai-vos do homem velho, que perece por causa dos seus apetites falazes. Renovai-vos no vosso modo de sentir, e revesti-vos do homem novo, que é criado segundo Deus, em verdadeira justiça e santidade" (Ef. 4, 22 a 24). Eis como São Paulo Apóstolo nos concita a vivermos de acordo com o nosso tempo, nós que gozamos do dom inefável de pertencer a um mundo remido pelo Sangue d'Aquele que nos arrancou do poder das trevas do paganismo para a plena vida da graça.

Assim, quando falamos de uma ordem civil tradicional, fruto da civilização católica, temos diante dos olhos essa realidade de uma sociedade que repudiou o homem velho, escravo do demônio, passando a viver no ambiente cheio do frescor da juventude que resulta da aceitação de princípios conhecidos, de leis de convivência social consagradas pelos séculos e pelas bênçãos da Igreja, pois nascidas da lenta inserção do direito divino no direito público dos países cristãos.

Tão bem explicitados se acham esses princípios e leis que devem ser seguidos se se deseja salvar a sociedade do caos em que atualmente se encontra, que por mais de uma vez o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, declarou aos povos de todas as nações que "não é este o momento de discutir, de buscar novos princípios, de assinalar novas metas e objetivos. Uns e outros, já conhecidos e determinados em sua essência, porque foram ensinados por Cristo, esclarecidos pela elaboração secular da Igreja e adaptados às circunstancias de hoje pelos últimos Sumos Pontífices, esperam só uma coisa: sua realização concreta" (Exortação aos fieis de Roma em 10 de fevereiro de 1952). É tempo de passarmos das palavras à ação. E isto porque as inteligências já se encontram suficientemente esclarecidas, e o que sobretudo nos falta é a vontade de transformar em atos aquilo que já se acha bem formulado e conhecido.

"Fique bem claro, continua mais adiante o Soberano Pontífice na mesma exortação, que a raiz dos males presentes e de suas funestas consequências não se acha, como nos tempos anteriores ao Cristianismo ou nas regiões pagãs, na invencível ignorância dos destinos eternos do homem ou dos caminhos reais para consegui-los, mas sobretudo na insensibilidade do espírito, na frouxidão da vontade e na frieza dos corações. Os homens contagiados de tal peste, como para justificar-se, intentam envolver-se nas antigas trevas buscando uma desculpa nos novos e velhos erros. É preciso, portanto, atuar sobre sua vontade".

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A alimentar essa má vontade em seguir as diretrizes da Igreja, ocupa lugar proeminente o modernismo, que não diz respeito somente aos erros teológicos e filosóficos condenados pelo Bem-aventurado Pio X na Encíclica "Pascendi", mas também a erros no campo moral, jurídico e social, como acentua o Santo Padre Pio XI na Encíclica "Ubi arcano Dei": — "Quantos há que professam seguir as doutrinas católicas em tudo que se refere à autoridade na sociedade civil e no respeito que se há de prestar-lhe, ou ao direito de propriedade, e aos direitos e deveres dos trabalhadores industriais e agrícolas, ou às relações dos Estados entre si, ou entre patrões e operários, ou às relações da Igreja e do Estado, ou aos direitos da Santa Sé e do Romano Pontífice e aos privilégios dos Bispos, ou finalmente, aos próprios direitos de nosso Criador, Redentor e Senhor Jesus Cristo sobre os homens em particular e sobre todos os povos? Entretanto, esses mesmos, em suas conversas, em seus escritos e em toda sua maneira de proceder portam-se como se os ensinamentos e preceitos promulgados tantas vezes pelos Sumos Pontífices, especialmente por Leão XIII, Pio X e Bento XV, houvessem perdido sua forca primitiva ou houvessem caído em desuso. No que é preciso reconhecer uma espécie de modernismo moral, jurídico e social, que reprovamos com toda a energia do mesmo modo que aquele modernismo dogmático".

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Estas considerações nos vêm ao espírito após a leitura das oportunas palavras que sobre o "Modernismo Social" vem de publicar Sua Excia. Revma. Mons. Raoul Harscouet, Bispo de Chartres. (*).

(*) Série "Travailler a bien penser", vol. XXXI, Editions du Cédre, Rue Mazarine, Paris.

Mons. Harscouet, que foi um dos Capelães do Bem-aventurado Pio X, pôde acompanhar de perto a obra daquele grande pontificado, e nos mostra o que foram aqueles "onze anos de lutas incessantes contra o erro que se infiltrara como um vírus até ao mais profundo das consciências católicas, lançando a inquietação nas almas mais fervorosas e mais apostólicas".

Condenando o modernismo dogmático, no seu afã de defender a Fé católica, à argúcia e à prudência do Bem-aventurado Pio X não escapou a gravidade do perigo que também constituía para a humanidade o modernismo social. Já na Encíclica "Pascendi" fazia ele alusão a esse modernismo social como decorrência dos erros do modernismo dogmático. Dele, porém, haveria de se ocupar de modo especial em outro importantíssimo documento. E, diz Mons. Harscouet, "se a virtude da prudência nunca faltou no curso dessa vida tão ativa, pode-se afirmar que foi iluminado por uma luz sobrenatural especial que ele pôde prever o que estava para acontecer no futuro, e foi assim que o Bem-aventurado Pio X soube tomar no momento oportuno a decisão que se impunha para colocar os católicos franceses em guarda contra o erro.

Mártir em sua alma de Pai, constrangido a tomar medidas heroicas para salvaguardar a doutrina e a disciplina entre os melhores de seus filhos, já perseguidos e espoliados por um governo injusto.

"Nem por um instante, porém, ele hesitou; nem por um instante faltou ao seu dever, aceitando antecipadamente a injusta reputação de incompreensão e de dureza de coração. Queremos nos referir à Carta Apostólica ao Episcopado Francês sobre o Sillon, condenação que jamais foi revogada nem por Bento XV, nem por Pio XI, nem por Pio XII, Nós o sabemos, e cuja sabedoria se comprova cada vez mais atual e oportuna em face de doutrinas de que meritoriamente se retrataram seus seguidores na época, mas que foram retomadas e difundidas ainda mais por outros, que se gabam até abertamente, em suas publicações e seus jornais, de continuar sem nenhuma alteração o que eles ousam chamar a tradição da democracia cristã".

Mostra Mons. Harscouet como essa "tradição" vem da escola condenada por Gregório XVI pela Encíclica "Mirari vos" e por Pio IX. E sobre os seus novos seguidores acrescenta que um deles recentemente escreveu: "Que aqueles que se regozijam pelo feito de haver quebrado os rins à democracia não se julguem tão triunfantes assim. Apesar dos erros, das insuficiências, das faltas cometidas pelos homens que a encarnam em uma dada época, ela não deixa de continuar historicamente o esforço desse pequeno grupo que, entre 1814 e 1940, salvaguardou em França a mensagem evangélica, fazendo-a sobrenadar acima de compromissos e de açambarcamentos" (F. Mauriac em "La pierre d'achoppement").

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E são esses católicos neomodernistas que em sua ideia fixa de tentar uma acomodação entre a doutrina social da Igreja e a doutrina emanada dos princípios de 1789, vão caindo logicamente no mesmo equivoco em relação ao socialismo e ao comunismo, — são esses adeptos do modernismo social um dos maiores responsáveis pelos avanços da causa da subversão social no mundo moderno.

Pela frouxidão de sua vontade, pelo temor de remar contra a maré montante revolucionaria, se recusam a abrir sua inteligência à clara linguagem do Representante de Cristo na terra: — "Não, Veneráveis Irmãos — e é preciso lembrá-lo energicamente nestes tempos de anarquia social e intelectual, em que todos se erigem em doutores e legisladores — a cidade não será construída de outra forma senão aquela pela qual Deus a construiu; a sociedade não será edificada se a Igreja não lhe lançar as bases e não dirigir os trabalhos; não, a civilização não mais está para ser inventada nem a cidade nova para ser construída nas nuvens. Ela existiu, ela existe; é a civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se apenas de instaurá-la e restaurá-la sem cessar sobre seus fundamentos naturais e divinos contra os ataques sempre renascentes da utopia malsã, da revolta e da impiedade; omnia instaurare in Christo" (Pio X na Carta Apostólica contra os erros do Sillon).

Voltaremos ao assunto.


VIRTUDES ESQUECIDAS

Franqueza evangélica

Bem-Aventurado Olivier Maillard

Dos sermões do Bem-aventurado Olivier Maillard, famoso pregador do século XV, chamado "o Monge do falar franco", de quem diz o Martirológio Franciscano: "21 de julho: Em Toulouse, na França, o Bem-aventurado Olivier Maillard, Presbítero e Confessor, ilustre por sua erudição e sua eloquência, que foi eleito muitas vezes Vigário Geral de toda a família observante (cismontana), e foi também enviado pelo Soberano Pontífice como Legado Apostólico em França, notável pelo dom de profecia, religião e santidade de vida, adormeceu no Senhor e brilhou após a sua morte por seus milagres":

Esses miseráveis cristãos, embrutecidos de espírito e de corpo, que durante três dias se enchem de comida, se chafurdam na devassidão, na embriagues e em outras bestialidades, e que julgariam não fazer regularmente o jejum da quaresma se não se fartassem até a meia noite da terça feira de carnaval".

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"Oh pecador, servo mau, filho degenerado; tu tens diante dos olhos o patíbulo da cruz de onde pende teu Pai e teu Senhor: e tu te ris, tu gracejas, e tu vais para o banquete de trinta mil diabos".

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"Vossas filhas, vós não cuidais senão de as fazer belas, e delas fazeis cortezãs".

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"Oh pobres livreiros, não vos basta danar-vos sozinhos, mas ainda imprimis esses livros obscenos. Com eles ides para todos os diabos".

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Se é com o preço da luxuria, com o produto dos roubos e dos contratos desonestos, que esses trajes foram pagos, eles estão manchados de lepra e devem ser queimados. De onde vêm essas peles, essas sedas e esses veludos?

"As mulheres têm ricos colares, cadeias de ouro bem presas ao pescoço, para demonstrar que o diabo as domina e as arrasta consigo, ligadas e acorrentadas; têm uma infinidade de enfeites preciosos que eu nem sou capaz de enumerar. Há outras que usam grandes coifas, amplas, altas, ornadas de cornos, e toda a sorte de invenções desse gênero. Que elas nos digam com que pagam tudo isso".

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"Cavaleiros da Ordem (do Tosão de Ouro), os juramentos são bem grandes, como se costuma dizer; mas primeiramente vós fizestes um outro, que observais melhor: que não fareis nada do que vierdes a jurar. Digo a verdade? — quer isso vos agrade, quer não.

"— Em boa fé, Irmão, assim é. Passai adiante.

"— Estais aí, oficiais do Pão, das Frutas e das Adegas do Príncipe? Quando vós não devêsseis furtar senão meia porção de vinho ou uma tocha, vós não deixaríeis escapar a ocasião.

"— Em boa fé, Irmão, vós ainda dizeis de menos.

"— Onde estão os Tesoureiros? Estais aí? Vós que tratais dos negócios de vosso Senhor... e dos vossos também. Escutai, para bom entendedor meia palavra basta".

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"Oh mundanos, quantos o sois, examinai-vos da planta dos pés ao alto da cabeça; procurai em vós alguma coisa de vós: nada encontrareis — senão vossos pecados".

Legenda: O B. Maillard, xilogravura da época


O QUE DEVEMOS IMITAR DA AMÉRICA DO NORTE

Para celebrar a abertura de uma nova praia de banho na cidade norte-americana de Albuquerque, Estado de Novo México, no começo do mês de julho do corrente ano, os promotores dos festejos organizaram um concurso de beleza a ser realizado entre as banhistas. A notícia chegou ao conhecimento de S. Excia. Revma. Mons. Edwin V. Byrne, Arcebispo de Santa Fé, que escreveu uma Carta Pastoral que foi lida nas igrejas católicas de Albuquerque. Nessa Carta Pastoral o Arcebispo diz entre outras coisas que "tais concursos de beleza constituem um apelo aos instintos mais baixos... Como Arcebispo dos católicos desta Arquidiocese, proíbo qualquer católico de participar ou de ajudar de qualquer modo o citado concurso de beleza, e concito os pais a proibirem suas filhas de nele tomarem parte".

No dia seguinte o concurso de beleza foi discretamente cancelado.

Eis um exemplo de docilidade às determinações da Autoridade Eclesiástica digno de ser imitado por muitos católicos brasileiros que, infelizmente, da América do Norte se acham sempre prontos a copiar justamente aquilo que não convém.