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Alocução Pontifícia (conclusão)

Entre os principais culpados pelo decréscimo de vocações religiosas figuram católicos e até eclesiásticos

(continuação)

natural (6); os que assim falam e escrevem tomem tento em sua responsabilidade perante Deus e a Igreja. Cumpre incluí-los entre os principais culpados (7) de um fato a respeito do qual não vos podemos falar senão com tristeza: enquanto no mundo cristão, e até em todas as outras partes da terra, se faz ouvir, mais do que nunca, o apelo às Irmãs católicas, é-se forçado a fazer suceder umas às outras as respostas negativas; e se é até mesmo obrigado a abandonar obras antigas, hospitais e estabelecimentos de educação — tudo isto porque as vocações não correspondem ao volume das necessidades ( 8).

Cumpre tomar em consideração as circunstâncias atuais

Eis as recomendações que temos a vos dar: nesta crise de vocações, velai por que os costumes, o gênero de vida ou a ascese de vossas famílias religiosas não atuem como barreira, ou motivo de insucessos. Falamos aqui de certos costumes que, se outrora tinham um sentido em outra contextura cultural, não o têm mais hoje em dia, e nos quais uma jovem verdadeiramente boa e corajosa (9) não encontraria senão entraves para sua vocação. Em Nossa exposição do ano passado, demos disto diversos exemplos (10). Para voltar em uma palavra sobre a questão do traje: o habito religioso (11) deve exprimir sempre a consagração a Jesus Cristo (12); é o que todos esperam e desejam. Quanto ao mais, seja o habito conveniente (13) e atenda às exigências da higiene. Não podemos deixar de exprimir Nossa satisfação quando, no decurso deste ano, vimos que uma ou outra Congregação já tirou a este respeito conseqüências praticas. Em resumo, nestas coisas, que não são essenciais, adaptai-vos tanto quanto vo-lo sugiram a razão e a caridade bem ordenada.

O espírito de caridade

Isto dito, Nós vos propomos, caras filhas, duas exortações prementes:

1 ) — Um afeto materno na direção de vossas Irmãs. É inquestionavelmente verdadeiro, como o afirma a psicologia, que a mulher revestida de autoridade não tem tanta facilidade quanto o homem em proporcionar exatamente a severidade e a bondade, e as pôr em mútuo equilíbrio. Razão de mais para que cultiveis vossos sentimentos maternos. Tende na devida consideração que os votos exigiram de vossas Irmãs, como de vós mesmas; grande sacrifício. Elas renunciaram a sua família, à felicidade do matrimônio e à intimidade do lar. Sacrifício de um alto preço, de uma importância decisiva no apostolado da Igreja, mas, de qualquer modo, sacrifício. Aquelas de vossas Irmãs, cuja alma é mais nobre, mais fina, ressentem este desapego de modo mais vivo. A palavra de Jesus Cristo: "Aquele que, tendo posto a mão ao arado, olha para traz, não é apto para o Reino de Deus", encontra aqui sua aplicação integral, e, hoje ainda, irrestrita. Mas a Ordem deve substituir a família, tanto quanto possível, e vós, as Superioras gerais, sois chamadas em primeiro lugar a insuflar à vida comum das Irmãs o calor dos afetos familiares.

Por isto, deveis vós mesmas ser maternais em vosso comportamento externo, em vossas palavras e escritos, ainda mesmo quando por vezes vos devais dominar; acima de tudo, sede-o, no íntimo de vossos pensamentos, de vossos juízos, e, tanto quanto possível, de vossa sensibilidade. Pedi todos os dias a Maria, Mãe de Jesus e nossa, que vos ensine a ser maternais.

Conveniente formação técnica

2 ) — A formação de vossas Irmãs para o trabalho e a tarefa que lhes toca. Neste assunto, nada de mesquinharia; pelo contrário tende largueza de visão. Quer se trate de educação, de pedagogia, de assistência aos doentes, de atividades artísticas ou outras, a Irmã deve ter a seguinte persuasão: a Superiora me torna possível uma formação que me coloca em pé de igualdade com minhas colegas no mundo. Dai-lhes também a possibilidade e os meios de manter em dia seus conhecimentos profissionais. Também este ponto, Nós o desenvolvemos no ano passado. Repetimo-lo afim de acentuar ainda a importância desta exigência, para a paz interior e a atividade de vossas Irmãs.

* * *

Vindes, caríssimas filhas, de todas as partes do mundo, de perto e de longe. Dizei a vossas Irmãs que Nós lhes agradecemos por sua prece, da qual tanta necessidade temos; por seu bom exemplo que concorre poderosamente para confirmar os católicos em sua fé e para conduzir à Igreja tantos dos que não Lhe pertencem; por seu trabalho ao serviço da juventude, dos doentes, dos pobres, das missões, sob muitas outras formas que, todas, são preciosas para a dilatação e expansão do Reino de Jesus Cristo sobre as almas. Dizei a vossas Irmãs que lhes concedemos todo o Nosso afeto; que suas preocupações são as Nossas, suas alegrias, Nossas alegrias; que acima de tudo lhes desejamos a dupla força da coragem e da paciência na obra de sua própria perfeição e para o apostolado que o seu Divino Mestre e Esposo lhes determinou.

Como testemunho de Nossa benevolência paterna, e penhor da graça e do amor triunfante do Divino Coração, Nós vos concedemos, filhas caríssimas, a vós, a vossas Irmãs e a vossas obras, Nossa bênção apostólica.

NOTAS

(1) Alocução de 14 de setembro de 1951.

(2) Note-se a extensão da crise, que já é internacional.

(3) Note-se que efeito produziu: decréscimo simplesmente assustador das vocações.

(4) Doe ver que há Eclesiásticos incluídos nesta enumeração. Mas é o Santo Padre quem o afirma. Ouçamos, pois, com respeito, que se ele no-lo diz, é para nossa vantagem.

(5) Campanha de silêncio: essencialmente desleal porque melhor ilude os incautos, e mais facilmente adormece a vigilância de quem de direito.

(6) Quanto isto seja oposto à doutrina da Igreja, é supérfluo dizê-lo. Causa dor e surpresa, ver que Clérigos e leigos há, que propagam tais máximas.

(7) "Corruptio optimi pessima". Nada mais belo que um Sacerdote ortodoxo, um apostolo leigo dócil à Igreja. Por isto nada mais deletério que um Sacerdote de idéias suspeitas ou más, um leigo que propaga o erro e não a verdade.

(8) Que terrível comparecer ante Deus com o peso de uma tal responsabilidade!

(9) O Santo Padre fornece, com estas palavras, importante esclarecimento. Dada a propensão de nossa época para tudo quanto favorece a indisciplina, a dissipação, o deleite dos sentidos, muitas jovens, quiçá convidadas pela graça para o estado religioso, hesitarão. É o choque inevitável entre o espírito do mundo, que em parte ao menos deitou raízes nelas, e a perspectiva de uma vida mortificada e cristã. A muitas jovens nestas condições falta coragem, e por isto recuam. Não se trata, na mente do Pontífice, de introduzir alterações que franqueiem o estado religioso a jovens que não sejam "verdadeiramente boas e corajosas", daquela coragem especial que a vida austera de Religiosa exige. Trata-se de modificar circunstâncias ou praxes extrínsecas à verdadeira noção de vida religiosa, e capazes de gerar repulsa também às jovens "verdadeiramente boas e corajosas", isto é, de mentalidade ilibadamente ortodoxa, candura eximia e desejo sério de mortificação e luta.

(10) O Santo Padre, na alocução de 14 de setembro de 1951, diz a este respeito o seguinte: "De igual modo, as normas das Constituições, tomadas segundo a letra e o espírito, facilitam e proporcionam à Religiosa tudo o que precisa e deve fazer, em nosso tempo, para ser boa mestra e educadora. Isto é claro mesmo sob o ponto de vista puramente técnico. Por exemplo: hoje, em não poucos países, as Religiosas usam também, nos devidos termos, a bicicleta, quando a própria ocupação o exige. A principio era coisa de todo nova, mas não contra a Regra. É possível que alguns pontos do horário, algumas prescrições, que não passam de simples aplicações da Regra, alguns costumes, que correspondiam talvez a condições já desaparecidas, e que agora apenas estorvariam a ação educativa, devam adaptar-se a novas circunstâncias. As Superioras maiores e o Capítulo Geral cuidem de proceder nesta matéria conscienciosamente, com clarividência, prudência e coragem, e, onde o caso o requeira, não deixem de submeter as mudanças propostas às Autoridades Eclesiásticas competentes" (tradução da REB, vol. 12, fase. 2, pag. 422 ). Como se vê, Pio XII distingue claramente entre a Regra e certas praxes, para deixar bem claro que não se trata de mudança nas Regras, mas apenas em certos costumes: o exemplo da bicicleta é muito esclarecedor.

(11) Trata-se, não de um simples uniforme, mas de um hábito religioso, isto é, que seja diverso do traje corrente, por mais decoroso que este seja.

(12) Uma consagração especial, como é a da Religiosa, e não a consagração comum a toda jovem ou dama cristã. Esta última pode exprimir-se convenientemente pela simples modéstia. O estado religioso pede no entanto muito mais do que isto. Daí o fato de se exprimir muito mais marcadamente na própria indumentária.

(13) A este respeito, disse o Pontífice em sua alocução de 14 de setembro de 1951: "O hábito religioso, escolhei-o tal que seja a expressão da naturalidade interior, da simplicidade e da modéstia religiosa. Assim será de edificação para todos e também para a juventude moderna". É o que o Santo Padre entende por "hábito conveniente".


A PROPÓSITO DE ARTE FIGURATIVA

Mons. Celso Costantini

Transcrevemos hoje do "Osservatore Romano" mais um dos excelentes artigos de Monsenhor Celso Costantini sobre a recente Instrução em que o Santo Oficio traçou normas para a arte sacra:

Os cânones citados na Instrução do Santo Ofício prescrevem que, para a dignidade e pureza do culto, não se exponham nas igrejas imagens insólitas, em contraste com o caráter venerável próprio às imagens sacras. Já falei disto em artigos precedentes. E não me repetirei aqui.

Com Dante direi aos artistas que a academia do disforme "lhes arrebatou o mundo celeste e os lançou nesta confusão: o que seja esta, não o digo com mais palavras" ( Inferno, VII, 57).

Entretanto acrescentarei ad abundantiam três observações que reforçam as normas da Instrução contra as deformações e a alteração da figura humana, especialmente quando se trata de arte sacra:

1) Certas populações da África e da Oceania utilizam-se de máscaras monstruosas com que pretendem evocar os antepassados e os bons espíritos e aplacar os espíritos malignos. Esta religião é essencialmente uma magia trágica, que se exprime por figuras grotescas e assustadoras. Devem nossos artistas cristãos inspirar-se nesses selvagens?

2) Exaltam-se as representações nas quais faltam o desenho e o relevo e onde se manifesta uma deficiência pictórica infantil. Os "ex-voto" de nossos santuários, confeccionados por bons artífices locais, são obras-primas desta estranha escola. Os "ex-voto" precederam Picasso e Matisse.

3) São conhecidas as deformações e mutilações do corpo humano que eram praticadas — e ainda o são freqüentemente — entre os povos primitivos.

Sabe-se também do costume da China antiga onde, com faixas apertadas, se atrofiavam e deformavam os pés das mulheres.

Na tribo Sara do Sudão uma deformação impressionante é a dos lábios, que são alargados em forma de discos. Mas a mais famosa de todas as deformações é a dos crânios, praticada principalmente entre selvagens da América do Sul. Assegura um antropólogo que as sepulturas dos índios contêm 90 % de crânios deformados, alongados, cilíndricos, etc. (Enciclopédia Italiana, v. Deformação ).

Ora, estamos assistindo ao fato espantoso de que certa arte parece ter sofrido a fascinação dessas deformações bárbaras. O que repugna e não é admitido em nossa civilização é celebrado e exaltado na arte. Dir-se-ia que alguns estendem a mão aos selvagens antigos.

Pobre arte, que nos põe, no plano ideal, ao nível dos selvagens!

Mais pobre ainda e mais repugnante é essa pretensa arte que profana o Corpo de Jesus Cristo, da Virgem e dos Santos!

Ó Senhor, vós imprimistes em nós a luz de Vossa face, diz o Salmista (Ps. 4, 3). Parece, em contraposição, que certos artistas procuram imprimir na face dos Santos um sinal das trevas infernais.

* * *

Nas normas citadas, relembra-se, outrossim, a proibição de expor na igreja ou nos outros lugares sagrados, imagens que não apresentem a decência e a honestidade devidas.

Os artistas têm freqüentemente concepções muito largas no que se refere ao nu. Mas devem persuadir-se de que, quando trabalham para a arte litúrgica, são chamados a servir, e não a dar livre curso a seu talento. É inútil invocar o nome de Miguelangelo, G. Della Porta (Monumento a Paulo III) e outros exemplos, como o de G. Pillon, que representou Henrique II e Catarina de Medicis nus sobre o leito funerário na catedral de Saint-Denis.

É preciso que os artistas modernos saibam que a Igreja não tolera mais semelhantes liberdades.

Jacques Maritain escreve que a maioria dos homens não sendo dotada de cultura artística (há um número infinito de cristãos com mau gosto) a prudência tem razão de temer para a multidão a visão de muitas obras artísticas. E o Catolicismo, que sabe que o mal se encontra ut in pluribus na natureza humana e que, de outro lado, é obrigado a zelar pelo bem das multidões, deve, em certos casos, recusar à arte, em nome dos interesses essenciais ao homem, a liberdade de que o artista é cioso (Cf. Art et scolastique, Rouart, Paris, 1935, 3ª edição, pp. 178 e 296).


O Bispo de Nicolet e as Congregações Marianas

«Suscitadas pela Virgem para vencer todas as heresias modernas»

Em comemoração do vigésimo quinto aniversário de seu ingresso na Congregação Mariana, o Exmo. e Rvmo. Mons. Albertus Martin, Bispo de Nicolet, no Canadá, publicou recentemente urna Carta Pastoral que é mais uma expressiva manifestação do apreço em que a Hierarquia tem os Sodalícios da Santíssima Virgem.

A Pastoral aponta inicialmente as características das Congregações Marianas: "O eloqüente testemunho da história mostra que as Congregações Marianas têm sido uma escola maravilhosa de santidade e uma obra incomparável de apostolado. Suscitadas pela Santíssima Virgem para combater e vencer todas as heresias modernas, e instituídas pela própria Igreja, que lhes outorgou Os mais amplos favores, as Congregações Marianas, sempre que foram fiéis a suas regras e origens, constituíram verdadeira milícia de elite".

Ideal situado a meio caminho entre o convento e o mundo

Mostrando a obrigação que têm as Congregações de só receber em seu grêmio almas de escol, segundo o desejo do Santo Padre Pio XII, assim se exprime a Pastoral: "Ideal que se situa de certo modo a meio caminho entre o convento e o mundo, o dos congregados marianos se oferece aos fiéis, leigos ou clérigos, que desejam "seguir a Cristo de maneira perfeita e absoluta" (Pio XII, Aloc. aos Congregados, de 21-1-1945). Tal é o motivo por que a Congregação Mariana deve zelar pela escolha muito severa dos aspirantes, pela sua formação cuidadosa durante o tempo da provação, e por sua admissão definitiva por meio de uma consagração total e perpétua ao serviço da doce Rainha do Céu, e enfim, pela prática por parte de seus membros das virtudes evangélicas, do espírito de pobreza, castidade delicada e generosa, obediência pronta e completa, caridade profunda e universal".

Frisa em seguida o documento a especial devoção que os congregados marianos tem para com Nossa Senhora: "O congregado não é somente um verdadeiro devoto da Santíssima Virgem, mas se consagra a Ela por toda a vida. Todos Os fiéis amam certamente a Santíssima Virgem e A veneram acima de todos os Anjos e Santos. Nem todos têm, entretanto, uma verdadeira vocação mariana. O congregado, porém, após um período mais ou menos longo, se entrega irrevogavelmente a Maria num ato de consagração que empenha toda a sua vida". E mais adiante: "Assim está o congregado unido a Nossa Senhora. Ele se entrega a Ela para deixar-se modelar por Suas mãos à doce semelhança de Cristo. Ele pertence desde então a sua Mãe do Céu, com seu corpo e bens, numa dependência que deseja para toda a eternidade. É bem a idéia da "santa escravidão de Maria", desenvolvida e posta em prática por um dos mais gloriosos congregados, São Luiz Maria Grignion de Montfort".

Devoção a Nossa Senhora

A vida de piedade mariana é ressaltada com estas palavras: "O elemento essencial da Congregação Mariana e a condição mesma de seu êxito é a regra de vida do congregado, que assegura a continuidade da doação total a Maria. Esta regra, que visa assegurar o desenvolvimento de uma vida interior sólida, não sobrecarrega os congregados com uma multidão de longas orações em sua vida privada e nas reuniões ordinárias, e deixa à generosidade de cada um o modo de exprimir a confiança que deposita na Santíssima Virgem. Ela prescreve a oração da manhã e da noite; ademais, pela manhã um quarto de hora de meditação, e a Missa quotidiana enquanto for possível; durante o dia, o ofício pequeno ou o rosário; à noite, o exame de consciência. E além disso o que cada um puder fazer segundo o conselho de seu confessor".

Sem apostolado não há Congregação Mariana

O caráter apostólico das Congregações Marianas é apresentado da seguinte maneira: "O verdadeiro congregado quer, pois, imitar as virtudes da Virgem, Seu espírito filial, Sua humildade, Sua pureza, Sua confiança e Seu heroísmo nas cruzes da vida. Mas ele quer ser também "cavaleiro de Maria". Pois as Congregações Mariana não têm por finalidade somente a santificação de seus membros... Na intenção da Igreja, o apostolado pertence à própria substância da Congregação, de sorte que uma associação mariana que procure unicamente o bem espiritual de seus membros sem visar igualmente o do próximo, não pode ser agregada validamente à Prima Primaria".

Lembra ainda o Exmo. Sr. D. Albertus Martin, citando palavras do Santo Padre Pio XII, a submissão absoluta das Congregações Marianas à Sé Apostólica e a toda a Hierarquia Eclesiástica, e passa por fim a enumerar algumas regras práticas, inspiradas na Constituição Apostólica "Bis Saeculari Die", que deverão ser observadas na diocese. Transcrevemos algumas delas: "Para atender "plenamente às necessidades atuais da Igreja, como também para se submeter à vontade dos Soberanos Pontífices, as Congregações Marianas se empenharão, como devem, em conservar intactas nas leis, seu caráter e seu método de formação". —"Como Regras, as Congregações Marianas tomarão e observarão as Regras comuns, que o Soberano Pontífice recomenda instantemente a todas as Congregações como resumo e código da disciplina observada desde o princípio pelas Congregações e confirmada pelo uso constante". — "Enfim, as Congregações Marianas serão colocadas na mesma categoria dos outros movimentos de Ação Católica, aos quais prestarão seu concurso fraternal e espontâneo, sem que para isto seja necessário aos congregados inscrever-se em outros grupos".


NOVA ET VETERA

Socialismo e lantejoulas

J. de Azeredo Santos

Os avanços da ala esquerdista dentro das fileiras do Partido Trabalhista Britânico nos põem mais uma vez diante da realidade de que os piores cegos são aqueles que não querem ver.

Não é mais segredo para finquem que o "Labour Party" foi criado em fins do século passado como o setor político das atividades da Sociedade dos Fabianos. Destinava-se e ainda se destina essa Sociedade a implantar o socialismo na Inglaterra por vias evolutivas, "legais" e pacíficas, em contraposição aos processos revolucionários e sanguinolentos, de que fora ruidoso exemplo fracassado a Comuna de Paris. O fabianismo, dizia Bernard Shaw no postfácio da edição de 1948 dos "Fabian Essays in Socialism", foi instituído "para salvar o socialismo e o comunismo das barricadas, da pseudo-democracia do sistema partidário, da confusão com as heterodoxias tradicionais do anil-clericalismo, do republicanismo individualista e do anarquismo da classe média, em resumo, para torná-lo um movimento constitucional no qual os mais respeitáveis cidadãos e famílias possam alistar-se, sem abrir mão de sua posição social ou espiritual".

A TÁTICA DA "PERMEAÇÃO"

Para promover esse trabalho de sapa socialista, advogavam Bernard Shaw, os Webb e sua camarilha a tática da "permeação". Os membros da Sociedade dos Fabianos eram induzidos a entrar em outras organizações, conservadoras ou liberais, "infectando-as com o socialismo constitucional" (obra cit.), conquistando postos na política partidária, na magistratura, nos serviços públicos, nas esferas intelectuais e artísticas. "A política fabiana era a de apoiar e tirar vantagem de toda medida legislativa favorável ao coletivismo, pouco importando o quadrante de onde viesse e o fato de talvez os seus promotores nem sonharem estar advogando a causa do socialismo" ("Sixty years of fabianism"). Pertencendo a um povo prático por excelência, para o fabiano inglês não interessa tanto o nome, mas a essência das coisas. Vemos aí a ingenuidade do comum dos mortais que em geral se espanta apenas com o rótulo das mercadorias que lhes são oferecidas: "O socialismo fabiano não exterminou outros tipos de socialismo. Eles ainda existem por aí, fazendo meetings, cobrando subscrições e espaventando do socialismo muitos cidadãos dignos que se acham bem preparados para ir tão longe quanto, ou mesmo mais longe que a Sociedade dos Fabianos" (obra cit.).

A VERDADEIRA LINHA FABIANA

De onde se vê que a verdadeira linha do socialismo fabiano consiste na ação discreta e em não falar abertamente em socialismo nem mostrar pendores esquerdista. Assim é que Harold Laski, no fim de sua vida, havia perdido o prestígio de que gozava como mentor intelectual do Partido Trabalhista Britânico pela afoiteza com que, após a segunda Grande Guerra, se mostrara partidário ardoroso da União Soviética, cometendo o erro tático de achar que já era tempo de deixar cair completamente a máscara, e de dar o golpe de misericórdia na sociedade inglesa, tal como Fabio Cunctator fizera com Aníbal, depois de cansá-lo pelo artifício de não aceitar combate direto, negaceando e deixando atrás de si a terra devastada.

A linha fabiana autêntica não é a de Bevan, mas a de Atllee. Retratou-a bem Lord Jowit, quando Lord Chanceler do Reino Unido, em sua visita ao Brasil em 1949. Levado ao Butantã, em São Paulo, ao ver uma muçurana calmamente deglutir uma jararaca, comentou o Visconde trabalhista: "Afinal, a muçurana é uma cobra muito util. Seria interessante transportar alguns exemplares para Inglaterra afim de que tragassem as alas conservadoras e socialistas avançadas da política britânica". Eis uma posição nitidamente fabiana: nem conservador, nem socialista avançado, quer dizer, comunista.

UM PROCESSO IRREVERSIVEL

A lógica interna do processo fabiano, entretanto, leva inflexivelmente o Partido Trabalhista Britânico para uma atuação cada vez mais acentuadamente socialista, mesmo porque o programa da Sociedade dos Fabianos é a implantação do socialismo integral. Difere dos movimentos socialistas revolucionários apenas nos processos empregados, ou em questões de tática. Foi o que exaustivamente demonstrou Ivor Thomas em seu livro "The Socialist Tragedy", ao comparar o programa do "Manifesto Comunista" de 1848 com o Programa e com as realizações do Partido Trabalhista Britânico, segundo as próprias palavras de Harold Laski. Outra inabilidade pouco fabiana de Laski: publicou em nome do Partido Trabalhista Britânico uma edição do "Manifesto Comunista", por ocasião de seu centenário, na qual clara e oficialmente proclama a adesão do trabalhismo britânico ao socialismo marxista (o livro tem por titulo: "O Manifesto Comunista: um marco avançado socialista. Nova apreciação escrita para o Partido Trabalhista por Harold J. Laski, juntamente com o texto original e prefácios").

OS AVANÇOS DA ALA BEVANISTA

A atitude de Bevan e de sua ala no Congresso do Partido Trabalhista em Morecambe, embora fugindo da "linha justa" fabiana, é ilustrativa da evolução do movimento trabalhista britânico no sentido esquerdista, seguindo esse processo irreversível que caracteriza a conduta do socialismo fabiano.

Ficamos, assim impressionados com a capacidade que tem o sr. João Camilo de Oliveira Torres de acreditar em contos da carochinha, no que é acompanhado por um certo contingente de intelectuais católicos. Ao analisar a vitoria do trabalhismo inglês nas eleições gerais de 1950, dizia S.S. em um semanário católico que tal vitoria socialista significava "uma derrota de todos os adversários da democracia". E acrescentava: "Como se sabe, os comunistas não alimentam nenhum entusiasmo pelo programa socialista dos ingleses". Ora, mostram ausência de entusiasmo pelo programa socialista dos trabalhistas britânicos somente aqueles comunistas que receberam a missão de servir de contraste Para despistar os avanços do socialismo fabiano, ou seja, aqueles ferrabrases da ação direta atacados do que Lenine classificou de "enfermidade infantil do esquerdismo no comunismo". Com efeito, qual é a voz mais categorizada para falar em nome do comunismo e das coisas comunistas no mundo atual? Não será Stalin? E que diz ele sobre o chamado "socialismo democrático" das ilhas britânicas? Tal como Lenine, acha que em um país conservador, como é a Inglaterra, a causa do socialismo tem que ser promovida com certas cautelas. Assim é que a 9 de maio de 1947 a imprensa diária publicava o seguinte telegrama: "Londres, 9 (R) — O relatório anual do executivo nacional do Partido Trabalhista Britânico divulgou hoje pormenores sobre as conversações privadas mantidas há nove meses em Moscou, entre a "missão de boa vontade" do Partido e o generalíssimo Stalin. O relatório diz que Stalin se mostrou "satisfeito por saber que dois grandes países estavam caminhando na direção socialista e afirmou que ambos poderiam atingir o seu objetivo". Stalin — revela o relatório — disse que reconhecia que, embora o socialismo pudesse ser obtido por outros métodos além daquele que os sovietes empregaram na Rússia, acreditava que este último era o caminho mais curto, mesmo que fosse o mais difícil e pudesse motivar derramamento de sangue. O relatório acrescenta ainda: "Os britânicos tiveram a possibilidade de um acesso mais pacífico ao socialismo".

FORMAS FARISAICAS DO ERRO SOCIALISTA

Estamos diante do suave veneno das formas disfarçadas e farisaicas de socialismo, que avidamente bebem, segundo Pio XI, "muitos daqueles aos quais jamais um franco socialismo poderia ter enganado" (Encíclica "Quadragesimo Anno"). Não deve seduzir os católicos, portanto, o que acentuava, no artigo mencionado, o sr. João Camilo de Oliveira Torres quanto ao fato de não considerarem os socialistas ingleses "a necessidade de meter Cardeais ou Bispos em campos de concentração". Pois se consiste nisto precisamente a diferença entre o socialismo revolucionário e o socialismo evolucionista... É mais curto o caminho que conduz ao comunismo através da violência, mas quem não vê que o resultado pratico, "in the long run", é o mesmo em ambos os casos?

De modo todo cerebrino, há quem se proponha sustar os avanços do socialismo fabiano em meio do caminho. Mas uma vez desencadeada essa serie de socializações e de incursões totalitárias, como a realizada no setor do ensino e da previdência social pela administração trabalhista, e dada a meta final da Sociedade dos Fabianos, quem poderá parar a enorme mole que desce pela encosta da montanha, arrastando atrás de si tudo que vai encontrando pelo caminho? Ah, os partidários do meio termo e da conciliação, os católicos que apenas se arreceiam do socialismo quando as suas algemas e as suas câmaras de tortura se apresentam ostensivas. Se as grilhetas nos são oferecidas disfarçadas pelas lantejoulas dos pseudo-processos democráticos, quando os guantes de ferro que estrangulam as legítimas liberdades da sociedade humana vêm revestidos por luvas delicadas ou ocultos pelos punhos de renda da ação parlamentar e administrativa, quando a pílula mortífera do coletivismo nos é impingida com o dourado da "eficiência", do "full employment", da "oportunidade igual para todos" do "a cada um segundo as suas necessidades", da burla da "igualdade econômica" e das planificações totalitárias, então tudo vai bem para esses incorrigíveis avestruzes.

Se o socialismo representa, segundo Leão XIII, o funeral da civilização católica, nada teriam a articular contra ele se viesse precedido por arcos de bambu, por bandeirinhas de papel de seda, por bandas de música e por foguetório.