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A OFENSIVA DO SINCRETISMO RELIGIOSO

Há algumas semanas, todos, ou quase todos os jornais brasileiros bombardeavam a opinião publica com uma surpresa: o Santo Padre fizera às Religiosas, reunidas em Roma, uma alocução que significava — embora a expressão fosse prudentemente evitada pelo noticiário — uma verdadeira revolução na Igreja, revolução tanto mais profunda e desconcertante, quanto se dirigia ao que o Catolicismo produz de mais tipicamente seu, que são as Ordens e Congregações Religiosas, em que se pratica em toda a linha a perfeição cristã. A palavra de ordem do Sumo Pontífice teria sido "modernização", mas modernização entendida em tal sentido que significaria uma mudança substancial no modo de ser, e quiçá no espírito das Ordens e Congregações religiosas. Um dos efeitos característicos destes telegramas foi que, em mais de uma cidade, correu o boato de que o Santo Padre suprimiria também o uso da batina; boato tão insistente que houve repórteres que foram às Cúrias das respectivas Dioceses afim de indagar se tinha fundamento esta versão. Sugestionados pelo ambiente geral, julgaram até alguns deles ouvir dos Sacerdotes que os atenderam uma resposta que por certo não lhes foi dada, pois é inteiramente inverossímil: que "nada sabiam a respeito". Um pouco como se se perguntasse inopinadamente a uma pessoa qualquer se o Rio Amazonas vai secar dentro das próximas doze horas, e ela respondesse negligentemente "nada sei", sem tomar na menor consideração a alta improbabilidade do fato.

Porque esta notícia que como vemos no texto hoje publicado nesta folha, era falsa?

É ao que procuraremos responder.

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NOTE-SE, antes de tudo, que os inimigos da Igreja mudaram completamente de tática nestes últimos vinte anos. Nos longínquos idos de 1932, ainda os protestantes, espíritas, ateus, materialistas, etc. atacavam de frente e vigorosamente a Religião. Aos poucos, o ataque frontal foi cessando, e foi sendo substituído por uma política de "boa vizinhança". Esta boa vizinhança deu origem a aproximações, estas aproximações a conversações, estas conversações a congressos, cuja tendência última, em não pequeno numero de casos, é convidar os católicos a se associar ao formidável movimento de sincretismo religioso que se processa em nossos dias. Com efeito, em todas as religiões que não a Católica, sopra um espírito de ceticismo, de latitudinarismo, de indiferença que leva massas sempre crescentes de seus adeptos a pensar, e a afirmar publicamente que, no fundo, todas as religiões se resolvem em um só culto verdadeiro, a um só Deus vago e quiçá impessoal; que todas as diferenças de credo, de moral ou de rito são secundarias e não valem senão como expressões ocasionais e transitórias desta grande crença fundamental.

Suponhamos que um grupo de estrategistas hábeis tivesse em mente conduzir todas as religiões a este ponto. Que outra coisa poderia fazer, senão trabalhar por que nos contactos que se estabelecessem das varias seitas entre si, e com a Igreja, todos os pontos de diferenciação passassem para o segundo plano, e pelo contrario só o que há de comum entre elas fosse focalizado — e é a crença em Deus — de modo explicito e insistente? Que outra coisa poderia fazer, senão trabalhar no interior de cada religião, no sentido de desprestigiar e derrotar os elementos sérios, coerentes, inassimiláveis a este imenso fenômeno de decomposição?

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Ora, de alguns anos a esta parte, vê-se precisamente que em certos setores da opinião católica vem sendo exagerada a tendência sadia e explicável de atrair os infiéis não só por um combate enérgico e incessante — que é sempre legitimo e não raras vezes indispensável — mas também por uma particular cordialidade, ela também sempre legitima e não poucas vezes indispensável. Em conseqüência deste exagero, chega-se a proscrever qualquer combate, qualquer afirmação clara de princípios, qualquer definição de atitudes, para não chocar os que não pertencem à Igreja. É o "irenismo" mal entendido, que o Santo Padre Pio XII condenou na Encíclica "Humani Generis".

De outro lado, certos círculos católicos se vêm caracterizando de tempos a esta parte pela tendência a "reformar a Igreja". Analisado o termo final desta pretensa "reforma", vê-se que tem sempre por escopo desfigurar a Religião, tornando-a menos diferente das diversas seitas. Ora, chama a atenção que, uma vez levado a cabo este escopo, o plano de uma fusão de todas as igrejas estaria singularmente facilitado.

E assim nasce a pergunta: não há nexo entre estes fatos internos, que se notam nas fileiras católicas, e este grande fenômeno geral que se desenvolve em todas as religiões atuais?

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"TOMEMOS o presente discurso do Santo Padre às Religiosas. Se realmente ele tivesse dito o que se lhe atribuiu, não é bem verdade que o Catolicismo ficaria privado de um de seus elementos mais típicos e distintivos? Pois não é bem verdade que a vida religiosa, como a Igreja a pratica, a distingue profundamente não só da maioria das seitas protestantes mas de outras religiões, cristãs ou não, que têm instituições análogas na aparência, mas profundamente diversas na realidade?

Façamos abstração aqui de todas as considerações que se poderiam tecer relativamente a uma transformação que viesse a afetar a própria imutabilidade da doutrina católica — o que jamais se dará. Admitamos que um tal passo fosse possível. Não é bem verdade que o plano de fusão de todas as religiões caminharia muito no dia em que se consumasse uma transformação das Congregações religiosas no sentido de uma alteração do próprio ideal da perfeição cristã? Ou da extinção do estado religioso tão ligado a este ideal?

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ORA, ao que visa, se não à extinção do estado religioso, a campanha de menosprezo a que o Santo Padre Pio XII se refere no presente documento, relativa à virgindade que é, com a castidade perfeita, indispensável para a vida religiosa?

Há vinte ou trinta anos atrás, eram os esquerdistas de todos os matizes, os protestantes, os ateus, que bramiam contra a virgindade e o celibato. Hoje, este bramido cessou "extra muros". Mas renasceu "intra muros" sob a forma de uma campanha de silencio, tanto mais perigosa quanto mais impalpável.

Que esta poderosa campanha, desferida por católicos — e eclesiásticos, diz-nos o Pontífice — tem produzido frutos terríveis e de grandes proporções é o próprio Pio XII que o proclama melancolicamente: ai está o deperecimento das vocações femininas, a frustrar a Cristandade e os próprios infiéis, dos tesouros inapreciáveis da dedicação das Religiosas.

Campanha tanto mais perigosa quanto é tenaz. O próprio Vigário de Cristo afirma que há muitos anos vem falando neste sentido, sem que os culpados, pelo menos genericamente considerados, tenham mudado de atitude.

Quem pode não ver que um fato tão estranho só favorece aos desígnios de nossos piores adversários?

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É claro que não queremos reduzir tudo a este simples esquema. Há na massa geral de fatos que constituem este imenso fenômeno de sincretismo religioso, também que considerar outros fatores: ignorância, ingenuidade, falta da coragem de enfrentar o espírito do século, curteza de vistas no esperar que em última analise esta tática arriscada e ilicita redunde em proveito para o Reino de Deus, naturalismo no considerar que são principalmente as astucias humanas que dilatam o Evangelho, quando na realidade os meios sobrenaturais primam em importância sobre todos os outros, e dispensam recursos contrarios à moral e à tradição da Igreja.

Mas que tudo se passa como se os promotores do sincretismo religioso mundial soubessem estimular estas tendências, e delas tirar admirável partido para seus fins, é o que ninguém em sã consciência poderá contestar.


A Congregação Mariana da Guarda Suíça

Há 20 anos, no dia 8 de abril de 1931, com licença do Vigário Geral de Sua Santidade, fundou-se a Congregação Mariana dos soldados da Guarda Suíça Pontifícia, com a recepção de vinte e cinco membros. Em audiência concedida a esse sodalício, em 21 de janeiro de 1945, o Santo Padre Pio XII assim se exprimiu: ... junto de Nós, e muito perto, a Guarda Suíça dos Palácios apostólicos dia e noite é representada pela sua própria Congregação".

O titulo da congregação é Maria Santíssima Rainha do Rosário, porque a festa dessa invocação mariana foi instituída para comemorar a vitória de Lepanto (7 de outubro de 1571) em que alguns soldados da Guarda conseguiram arrebatar duas bandeiras dos turcos.

Os congregados, que constituem uma terça parte da Guarda Suíça, pouco mais de cem soldados, não tem permanecido ociosos. Alem de realizar anualmente peregrinações aos santuários dos arredores e ao sepulcro, de São Luiz de Gonzaga, mantém uma secção vicentina que visita e auxilia varias famílias pobres indicadas pela vizinha paróquia de Santa Maria “delle Fornaci". Para ocupar utilmente as horas livres dedicam-se a oportunos trabalhos manuais, tais como encadernações artísticas e outros. Floresce especialmente a secção missionária, que todos os anos oferece generosa esmola para auxiliar a propagação da Fé entre os pagãos. Assim, por exemplo, no ano de 1950 enviou às Missões, além de apreciável importância em dinheiro, quatro cálices no valor de 150.000 liras italianas. Também não se deve esquecer a secção eucarística, cujos membros se comprometem a comungar freqüentemente e a manter a recitação do Rosário vivo. A biblioteca da Congregação, formada aos poucos, conta hoje com centenas de volumes.

Assim, o Diretor desse sodalício, Revmo. Paulo M. Krieg, teve toda razão de escrever na publicação comemorativa do vigésimo aniversario de sua fundação: "O caminho percorrido pela nossa Congregação nestes vinte anos, sem dúvida difícil, foi ininterrupto e sempre para o alto. Com efeito ela tornou mais profunda a vida religiosa na Guarda Suíça, aumentou não pouco a freqüência aos sacramentos nos domingos e dias de semana e introduziu e promoveu diversos exercícios de piedade, como a Hora Santa reparadora em todas as primeiras quintas feiras do mês, na capela da mesma Guarda. Não só isso, pois também excitou certo heroísmo oculto na prática da virtude e serviu de guia e conselheira segura para todos os seus membros nas horas e anos de perigo para a milícia".


VIRTUDES ESQUECIDAS

FERIR DURAMENTE OS QUE ERRAM, PARA SALVÁ-LOS

SANTA CATARINA DE SIENA

De uma carta escrita, durante o Grande Cisma do Ocidente, a três altos Prelados italianos que se haviam passado para a facção do falso Papa levantado em Avignon, depois de terem prestado obediência a Urbano VI, legitimamente eleito em Roma:

Ai, ai de mim, até onde vos fez chegar não terdes seguido com virtude a vossa dignidade! Vós fostes postos a alimentar-vos ao peito da Santa Igreja: como flores neste jardim, para que lançásseis um perfume de virtude; fostes postos como lâmpada no candelabro para dar luz aos fiéis cristãos e dilatar a Fé. Bem sabeis se tendes feito aquilo para que fostes criados. Decerto não, porque o amor próprio não vo-lo fez conhecer; porque em verdade fostes postos neste jardim só para fortificar e dar luz e exemplos de boa e santa vida. Se a tivésseis conhecido, tê-la-eis amado e vestido desta doce verdade, E onde está a gratidão que deveis ter a esta Esposa que vos alimentou ao seu peito? Não vejo outra coisa senão ingratidão: a qual ingratidão disseca a fonte da piedade.

Quem me disse que sois ingratos, vis e mercenários? A perseguição que vós, com os outros, fizestes a esta Esposa, na ocasião em que devíeis ser-Lhe escudo e resistir aos golpes da heresia. Apesar desta, sabeis e conheceis a verdade, que o Papa Urbano VI é o verdadeiro Papa, Sumo Pontífice eleito de modo regular e não por temor, verdadeiramente mais por inspiração divina que por indústria humana. E assim o anunciastes a nós: o que era verdade. Agora voltastes as costas, como cavaleiros vis e miseráveis: a vossa sombra fez-vos medo. Afastastes-vos da verdade que fortifica e encostastes-vos à mentira que enfraquece a alma e o corpo, privando-vos da graça espiritual e temporal. Qual a razão disto? A peçonha do amor próprio que envenenou o mundo. Ele é tal que a vós, colunas, tornou-vos mais fracos que a palha. Não sois flores que lançam perfume, mas mau cheiro que empesta o mundo todo. Não lâmpadas postas em um candelabro, de tal modo que dilatásseis a fé, mas luz escondida debaixo do alqueire da soberba; não procedeis como dilatadores, mas contaminadores da Fé; lançais trevas para vós e para os outros. Fostes escolhidos, como anjos terrestres, para nos libertar do demônio do inferno, e recebestes o encargo angélico de conduzir as ovelhas à obediência da Santa Igreja; e no entanto quereis o oficio dos demônios. Quereis dar-nos o mal que tendes em vós, tirando-nos da obediência a Cristo na terra (o Papa) e induzindo-nos à obediência ao Anticristo, membro do diabo; e vós sereis como ele, enquanto estiverdes nesta heresia.

Esta não é cegueira da ignorância, isto é, que venha da ignorância; não que vos tenha sido apresentada uma coisa por outra. Não: porque vós sabeis qual é a verdade e no-la anunciastes, e não nós a vós. Oh! como sois loucos! Vós que nos destes a verdade e quereis saborear a mentira... (digo-vos isso sem reverência alguma, porque estais privados da reverência)... Podereis dizer-me: "Por que não acreditais? Nós sabemos melhor a verdade... do que vós". E eu vos respondo que vós mesmos me tendes já mostrado que estais afastados da verdade em muitas coisas; e que não devo vos dar credito quando dizeis que o Papa Urbano VI não é o Papa verdadeiro. Se me volto para o principio de vossa vida, não a vejo tão santa e tão boa que vos afasteis, com consciência, de mentir. E quem me mostra a vossa vida pouca ordenada? O veneno da heresia...

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Ai insensatos, dignos de mil mortes! Como cegos, não vedes o vosso mal; e chegastes a tanta confusão que a vós mesmos vos fizestes mentirosos e idólatras. Ainda que fosse verdadeiro (que não é: confesso e não o nego ser o Papa Urbano VI o verdadeiro Papa), mas se fosse verdadeiro aquele que dizeis, não teríeis vós mentido quando no-lo indicastes como Sumo Pontífice que ele é? E não lhe teríeis vós feito reverência falsamente, adorando-o como Cristo na terra? E não seríeis simoníacos ao obter dele graças e ao usá-las ilicitamente? Sim, agora elegeram o anti-papa e vós juntamente com eles: no ato e no aspecto, tendes mostrado assim, porfiando por encontrar-vos aqui quando os demônios encarnados elegeram o demônio.

...Admitamos que talvez tenhais feito menos mal que os outros na vossa intenção, no entanto fizestes mal juntamente com os outros. E que posso dizer? Posso dizer que quem não é pela verdade é contra a verdade: quem então não esteve com o Cristo na terra, o Papa Urbano VI, esteve contra ele. E por isso digo-vos que vós, juntamente com o anti-papa, fizestes mal; posso dizer que foi eleito um membro do diabo: porque, se fosse membro de Cristo, antes teria eleito a morte do que consentido em tão grande mal, porque ele sabe bem a verdade e não pode desculpar-se por ignorância. Ora todos estes erros tendes cometido em favor deste demônio, isto é: confessá-lo Papa (e não é assim a verdade), e fazer reverência a quem não deveis. Estais afastados da luz e ides para as trevas; saístes da verdade e chegastes à mentira. Para qualquer lado que me volte, não encontro senão mentiras. Sois merecedores de castigo: o qual castigo eu vos digo em verdade (e dele descarrego a minha consciência) cairá sobre vós, se não voltardes à obediência com uma humildade verdadeira.

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Oh miséria em cima de miséria! oh cegueira em cima de cegueira, que não deixa ver o seu mal, nem os prejuízos que traz para a alma e para o corpo! Porque, se o vísseis, não vos teríeis afastado da verdade assim tão insensatamente, com um temor servil, apaixonados, como soberbos e pessoas habituadas, ao seu bel prazer, aos gozos e deleites humanos... O último fruto nascido de vós, que traz morte, mostra-nos que árvores sois; e que a vossa árvore está plantada na terra da soberba, que sai do vosso amor próprio que vos tirou a luz da razão.

... Reconhecei as vossas culpas, para que vos possais humilhar e compreender a infinita bondade de Deus, que não mandou à terra que vos engolisse, nem aos animais que vos devorassem; antes vos dá tempo para que possais corrigir a vossa alma. Se não o reconhecerdes, o que vos tem sido dado como graça se tornará em um grande castigo. Porém, se quiserdes voltar ao redil e alimentar-vos da verdade ao peito da Esposa de Cristo, sereis recebidos com misericórdia por Cristo no céu e por Cristo na terra, não obstante a iniqüidade que cometestes...

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Não vos parecerá duro se vos firo com as palavras que o amor da vossa salvação me fez escrever. Mais vos feriria de viva voz, se Deus mo permitisse. Seja feita a Sua vontade. E aliás merecei antes os fatos que as palavras. Acabo e não digo mais; que, se eu seguisse minha vontade, não pararia: tanto a minha alma está cheia de dor e de tristeza por ver tanta cegueira naqueles que foram escolhidos para luz, não como cordeiros que se alimentam do cibo da honra de Deus salvação das almas e reforma da Santa Igreja, mas como ladrões roubam a honra que devem dar a Deus e dão-na a eles mesmos e como lobos devoram as ovelhas: do que tenho grande tristeza.