(continuação)
In Patíbulo Crucis (conclusão)
O mundo contemporâneo renova a crucifixão abandonando a Jesus Cristo para abraçar a Gnose
de todas as grandes heresias vindas em seguida. Cada uma delas pretende ser um progresso sobre a Igreja Católica, uma concepção mais pura da verdade e, naturalmente, também uma concepção menos chocante para o mundo, uma concepção que melhor responda aos progressos da humanidade, ao mesmo tempo que uma exposição do Cristianismo mais conforme à época.
Assim é que na Idade Média o gnosticismo de novo sai de seus esconderijos subterrâneos. Entre outros focos, temos o que se manifesta através de Joaquim de Flora. Divide ele também a história em três períodos, o primeiro, do Pai, ou reinado do temor; o segundo, do Filho, ou reinado da disciplina; e o terceiro o do Espírito, ou reinado do amor e da liberdade, da felicidade completa. O terceiro reinado, ou reinado milenar e gnóstico, iniciar-se-ia com, o aparecimento de "Dux e Babylone", mas em breve os homens ficariam tão perfeitos que não mais precisariam de um "dux" ou chefe. Alguma coisa de parecido com a idéia marxista do triunfo do socialismo cientifico com a sociedade sem classes, em que o Estado com o tempo se desvaneceria, porque os homens, purgados do mal da luta de classes, não mais precisariam de um duce, de um führer ou da ditadura do proletariado.
NOVAS FÔRMAS DE GNOSTICISMO
Longo seria mostrar as ligações gnósticas de Wiclef, de João Huss, de Lutero e de outros heresiarcas do mundo moderno, bem como o recrudescer da gnose nas sociedades iluministas do século XVIII, culminando com a Revolução francesa que, ao coroar a deusa razão e proclamar a capacidade do homem de atingir sua salvação na própria terra estabeleceu o gnosticismo como a religião dos intelectuais a seu serviço, que por sua vez poderosamente o inocularam em extensas camadas dos povos do Ocidente cristão. Vivendo sempre no antro das sociedades secretas, a gnose alimenta o panteísmo da filosofia alemã, difunde o evolucionismo e o cientificismo, cria o positivismo e a "religião da humanidade" através de Augusto Comte, lança as bases do socialismo moderno com Marx e Engels, e reaparece à luz do dia mais ostensivamente sob as roupagens do teosofismo e do espiritismo em suas variadas seitas.
Isto, porém, não bastava. Era preciso suplantar completamente a grande inimiga, a Igreja de Cristo. "Com a expansão da franco-maçonaria, diz Weiss, a tendência toma uma nova forma. O ideal da seita pretende ser a mais alta realização da missão humana sobre a terra. E como sua organização compreende três categorias de iniciados, correspondentes aos graus joaninos, foi achado muito natural que se opusesse a igreja joanina à Igreja Católica. Daí resultou essa bem conhecida filosofia da religião e da história, segundo a qual a humanidade, depois de Cristo, se encaminha para seu fim por três etapas cada vez mais perfeitas: de início pela Igreja Católica, em que domina ainda a Lei, isto é, a Igreja petrina: depois pela religião da Fé e da liberdade evangélica, isto é, pela Igreja paulina (fase protestante); e enfim pela religião em que subsiste somente a lei do amor, isto é, a igreja joanina" (A. M. Weiss O. P., "O Perigo Religioso").
Esta última fase da "evolução" gnóstica, coroamento da sociedade pluralista em que dominará o sincretismo religioso, ou a igreja sem dogmas, nem hierarquia, nem normas para o espírito, é que foi visada por Pio XII na "Mystici Corporis": "Por isso lamentamos também e reprovamos o erro funesto dos que sonham uma Igreja fantástica, uma sociedade formada e alimentada pela caridade, à qual, com, certo desprezo, opõem outra que chamam jurídica" Como também tem raízes gnósticas este outro erro condenado pelo Soberano Pontífice gloriosamente reinante: "De quanto foi exposto, resulta claramente, Veneráveis Irmãos, quão longe do verdadeiro e genuíno conceito de Liturgia andam os escritores modernos que, enganados por urna suposta disciplina mística, que imaginam ser mais alta, ousam afirmar que não nos devemos concentrar no Cristo histórico, mas no Cristo "pneumático e glorificado"; e não duvidam de afirmar que na piedade dos fieis se verificou uma mudança, pela qual Cristo foi quase destronado, com o ocultamento de Cristo glorificado que vive e reina nos séculos dos séculos e está sentado à direita do Pai, enquanto em seu lugar entrou sub-repticiamente o Cristo da vida terrena. Alguns por esses motivos chegam a ponto de querer remover das igrejas as imagens do Divino Redentor que sofre na cruz" (Enc. "Mediator Dei").
Está nesta mesma linha gnóstica a chamada "Evolução Redentora", como a concebe a corrente de que é atualmente um dos mais salientes representantes o Revmo. Padre Teilhard de Chardin, sistema que, conforme o Revmo. Padre Ciappi, O. P., na revista Angelicum, "em seu conjunto se apresenta como um mal cristianizado hegelianismo, como um ensaio de transformação do Cristianismo; nele se ocultam os germes de uma nova Reforma e o perigo de ressuscitar um novo paganismo". Nessa mística da ciência, nesse otimismo utópico, a mate-ria e o espírito, Deus e o mundo, em um sentido, formam um todo. Seu ritmo se traduz por um progresso continuo e sobretudo inelutável. O mundo caminharia para a Unidade, pela Ciência, pela Técnica, pelas correntes sociais conjugadas. Estaria à vista uma Super-humanidade. O mundo moderno seria cristão sem o saber, e poucas coisas o separariam do Reino de Deus. A humanidade se acharia apenas em seu início. Os que se perturbam diante da crise mundial são pusilânimes e ignorantes que não percebem tratar-se de uma simples crise de crescimento. "À religião da Ciência, — diz o Padre Teilhard de Chardin, — tal qual se acha expressa em suas origens, seja nas dissertações filosóficas da Enciclopédia, seja nas conclusões positivistas de Augusto Comte ou de Marx, seja nas aspirações cristãs ou semi-cristãs de Lamennais e Renan, é justo reconhecer um élan cheio de nobreza e uma grande sinceridade".
UM POLO CÓSMICO
Nesse sistema, Cristo não mais é um mediador. Representa o centro cósmico atrativo universal para onde tudo converge. E a humanidade passaria a formar "pouco a pouco, uma única unidade orgânica maior, fechada sobre si mesma, uma única arqui-molécula hiper-completa, hiper-centrada e hiper-consciente, coextensiva ao astro sobre o qual ela nasceu... Super-complexo orgânico-social... totalização planetária da consciência humana" (P. Teilhard de Chardin, em "Etudes", maio de 1946). Cristo é representado como termo da evolução. Não mais se trata, portanto, de imitar a Cristo em uma vida pessoal livremente orientada, nem de ser ajudado nesse esforço pelo efeito da graça dos Sacramentos. Basta que nos deixemos arrastar pelo élan que sua Encarnação dá à evolução do mundo. Daí o desprezo pelo que denominam "moralismo" e "ascetismo". A noção de culpabilidade permanece estranha a esse sistema, pela simples razão de que a idéia do mal nele não atinge jamais o plano pessoal, pois o mal teria resultado de um cataclisma cósmico. O pecado original nada mais seria do "que um simples empoeiramento do mecanismo cósmico que começa a girar menos facilmente, um acréscimo da inércia dos órgãos". Estando o homem integrado no cosmos, reduzida a pessoa humana a ser a mera célula do corpo social, vem naturalmente o desprezo pela piedade individual e a acentuação unilateral do aspecto coletivo da vida religiosa e social. As cerimônias litúrgicas operariam de per si a santidade, assim como o socialismo de per si resolveria nossos males sociais.
Não passará tudo isto, de que damos simples amostra, das chamadas "fabulas judaicas" a que se referia São Paulo em suas Epístolas?
E nesta altura da exposição sumaria do nexo histórico e lógico da trama que vem sendo urdida contra a Santa Igreja de Deus e contra a humanidade, queremos assinalar um fato que não deixa de apresentar interesse. A revista "Time" publicou recentemente uma tomada de posição sobre a missão do intelectual, e em particular do jornalista, no mundo de hoje. Achamo-nos perdidos em uma encruzilhada. E para explicar a origem do caos em que se debate a humanidade, deu aquela revista a seus leitores um apanhado de recente livro do professor Eric Voegelin, da Universidade de Louisiana, "The New Science of Politics". Nesse estudo se procura mostrar como a gnose se acha no âmago do pensamento religioso, social e político que vem arruinando a sociedade humana. Apesar de merecer reparos essa exposição do "Times", não resta dúvida de que nos coloca diante de fatos incontestáveis na sua essência, embora desenrolados em seu aspeto principal no "underground" da realidade política de nossos dias, nos chamados "laboratórios secretos" em que, segundo o Bem-aventurado Pio X, se elaboram essas idéias e doutrinas doentias que não deviam seduzir os espíritos clarividentes.
UM CÁOS PLANIFICADO
Sustenta Voegelin que o mundo ocidental se acha completamente mergulhado no gnosticismo, e disto dá os sintomas principais. Manifesta, porém, um ponto de vista incompleto e às vezes ingênuo, como ao tentar explicar a razão de ser da inação dos políticos gnósticos em face de situações em que não agir corresponde a crime ou suicídio: "As sociedades gnósticas e seus chefes reconhecerão perigos para sua existência quando eles se desenvolvem, mas tais perigos não serão enfrentados por meio de ações apropriadas no mundo das realidades. Antes sê-lo-ão por operações mágicas no mundo dos sonhos, tais como desaprovação, condenação moral, declaração de intenções, resoluções, apelos à opinião da humanidade, ferretear de inimigos como agressores, declarar a guerra fora da lei, propaganda pela paz e governo mundial, etc..."
Porém, essa atitude de inação diante do mal, não será calculada para ajudar a "evolução" dos fatos religiosos, políticos e sociais no sentido gnóstico? "Os gnósticos prontamente aceitam uma guerra total para terminar a guerra, ou a fórmula Lenin-Laski para a guerra como um prelúdio de paz". Mas não podem admitir o sucesso de uma guerra parcial, como a da Coréia, para evitar a guerra total, porque, como utópicos, apenas acreditariam em uma só guerra: a que se ferirá em Armagedon, o campo de batalha em que se decidirá a luta entre o bem e o mal, ou, em termos gnósticos, a guerra que instauraria no mundo o reino quiliástico, paraíso socialista na terra. E não podemos deixar de pensar na deformação do conceito de paz, que se introduziu, com o liberalismo, no meio católico, impedindo a Cristandade de se defender pelas armas contra seus inimigos: "A paz a todo preço! Certos espíritos, — diz o Santo Padre Pio XII na Mensagem de Natal de 1948, - pensam achar a salvação nessa fórmula; eles comprometem, sem o querer, a causa da paz... porque encorajam a confiança daqueles que preparam a agressão".
Constituiria outro caso típico, segundo Voegelin, "a ascensão do movimento nacional-socialista ao poder... com o coro gnóstico choramingando sua indignação moral diante de tais feitos bárbaros e reacionários em um mundo progressista — sem, entretanto, levantar uma palha para, na ocasião adequada, reprimir a força então nascente por um pequeno esforço político".
Mais ainda: "Os políticos gnósticos (ocidentais) puseram o exército soviético no Elba, fizeram a China render-se aos comunistas, ao mesmo tempo que desmilitarizaram a Alemanha e o Japão, além de desmilitarizar a própria America do Norte... Nunca na história da humanidade um poder mundial usou uma vitoria deliberadamente para o fim de criar um vácuo de poder em sua própria desvantagem... Fenômeno desta magnitude não pode ser explicado por ignorância e estupidez. Tal política foi seguida como um princípio, na base das hipóteses sonhadoras e gnósticas sobre a natureza do homem".
A nosso ver, a conclusão a ser tirada desses fatos é que o caos para o qual o mundo atualmente marcha estaria sendo conscientemente provocado pelos mentores gnósticos da política internacional. O fim visado? A revolução mundial. “A revolução mundial ainda não se tornou realidade”, e os comunistas se acham, portanto, livres para sonhar com ela em termos gnósticos. O que representa uma aparente contradição: taticamente, a política russa é realista e portanto mais eficaz que a política gnóstica do Ocidente; estrategicamente e em termos de longo alcance, a política russa é gnóstica e ainda procura atingir o milênio marxista da revolução mundial". Eis aqui onde o prof. Voegelin toca em um ponto de enorme importância: o da afinidade de vistas e de objetivo ulterior dos mentores supremos dessa política gnóstica, tanto dentro quanto fora da cortina de ferro. E será o caso de se indagar se a aparente falta de realismo dos políticos ocidentais no modo de tratar o expansionismo soviético, bem como o problema interno da propaganda comunista nas chamadas democracias ocidentais, não será um modo propositado de favorecer a política de longo alcance do Kominform, no sentido de preparar o caminho para o milênio marxista da revolução mundial. O que explica também os frequentes impasses, a política de concessões e de panos quentes de um organismo gnóstico como é a ONU, cuja aparente falta de diretrizes em casos particulares mostra que ela serve conscientemente e por detrás dos bastidores uma causa mais profunda: a preparação do mundo para o reinado do omniarca totalitário.
CRISTO ONTEM E HOJE E POR TODOS OS SÉCULOS
Chegamos, assim, ao termo de nossas reflexões sobre a conspiração que o sinédrio continua a mover contra o Corpo Místico de Cristo. Na iminência da grande catástrofe que pesa sobre a humanidade, gritemos para todos os quadrantes que a salvação só nos pode vir de uma volta dos homens a "Cristo, Verbo do Eterno Pai, que nasce da Virgem Mãe de Deus, que nos ensina a verdade, que cura os enfermos, que consola os aflitos, que sofre, que, morre, que enfim, ressurge triunfante da morte, que, reinando na gloria do Céu, nos envia o Espírito Paráclito, que vive sempre na Sua Igreja: Jesus Cristo ontem e hoje e por todos os séculos" (Enc. "Mediator Dei"). Nesta Semana Santa que se inicia, oremos pela perseverança dos justos, pela conversão dos pecadores, pela confusão dos inimigos impenitentes da Igreja, afim de que a Mãe de Deus, através de nossas orações e sacrifícios, consiga sustar o braço de Seu Divino Filho, que, conforme as revelações de La Salette, está prestes a se abater sobre as maldades dos homens — ou que se abrevie a hora de nosso resgate.
FÁTIMA
O ACONTECIMENTO CAPITAL DO SÉCULO XX
SOBRE Fátima — como sobre tantos outros assuntos em nosso País — muito se fala, e pouco se sabe de positivo, pelo menos na grande massa. Ninguém ignora que se trata de uma nova invocação de Nossa Senhora a cintilar no firmamento da Igreja. Qual a origem histórica desta invocação? Qual o seu significado exato? Qual seu alcance para a vida espiritual e as atividades de apostolado? É o que muitos não saberiam dizer.
Quis a relevante piedade do grande apostolo brasileiro de Maria, que é Dom Antonio de Castro Mayer, preparar em Campos uma recepção triunfal para a imagem de Nossa Senhora de Fátima que ora percorre o mundo. Este fato dá ensejo a que em CATOLICISMO se diga algo sobre o assunto.
Bem entendido, um simples artigo de jornal não pode esgotar matéria importante e complexa como esta, sobre a qual já existe toda uma volumosa bibliografia em todos os países católicos. Dos fatos, daremos apenas uma narração muito sucinta, o mínimo necessário para que leitores menos informados possam acompanhar o comentário. Neste, desejamos acentuar alguns aspectos das mensagens de Nossa Senhora, que em geral não se põe no necessário relevo.
OS VIDENTES
LUCIA, Francisco e Jacinta são as três crianças favorecidas pelas visões de Fátima. Lucia nascera em 1907, Francisco em 1908, Jacinta em 1910. Francisco e Jacinta eram irmãos, e Lucia era prima deles. Os três provinham de modestíssima família de Aljustrel, vilarejo próximo do lugar das aparições. Absolutamente ignorantes, tinham por ocupação o pastoreio. Passavam, pois, fora de casa grande parte do dia, aproveitando o tempo, na medida em que o trabalho'o permitia, para brincar e rezar. Nesta vida inocente, suas almas conservavam uma candura angélica, e iam adquirindo uma piedade e uma força de que deram ulteriormente provas admiráveis.
A Cova da Iria, lugar das visões, era então um ermo, e pertencia aos pais de Lucia. Segundo tradições dignas de respeito, o Bem-aventurado Nuno Álvares Pereira estivera orando ali na véspera da famosa batalha de Aljubarrota. Como veremos, a coincidência entre esta tradição e as mensagens de Fátima não é indiferente ao nosso estudo.
AS VISÕES
As visões de Fátima se dividem em três grupos bem distintos. As primeiras se deram, não propriamente na Cova da Iria, mas em lugar muito próximo, denominado Lapa do Cabeço. Ocorreram em 1915 e 1916. Apareceu nelas um Anjo que se intitulou o Anjo de Portugal. As outras se verificaram na Cova da Iria, em 1917. Apareceu sempre Nossa Senhora; e uma vez toda a Sagrada Família. Quer por sua seriação cronológica, quer pela qualidade das Pessoas que se manifestaram, quer pelo conteúdo das mensagens, é fora de dúvida que as aparições de 1915 e 1916 foram uma preparação para as de 1917. Estas constituem a parte central de toda a série de visões. Vem por fim um grupo complementar, constituído pelas aparições de Nossa Senhora aos videntes depois das que ocorreram em Fátima. Deram-se em datas diversas e a cada um deles em separado. Constituem complemento aliás essencial, das anteriores.
O ANJO DE PORTUGAL
Em 1915, entre Abril e Outubro, deu-se uma primeira manifestação sobrenatural. Lucia guardava o rebanho com três outras meninas quando "viram pairando sobre o arvoredo do vale, que se estendia a seus pés, uma nuvem, mais branca do que a neve, algo transparente, com forma humana". Francisco e Jacinta não estavam presentes. Em dias diferentes, esta aparição se repetiu duas vezes.
Em 1916, deu-se nova aparição, desta vez em presença de Lucia, Jacinta e Francisco. Não havia outras crianças. Repetiram-se assim mais duas aparições. O Anjo se manifestava sob a forma de um jovem resplendente, de uma consistência e um brilho como do cristal atravessado pelos raios do sol. Ensinou-os a rezar, com a fronte curvada até o chão, a seguinte prece: "Meus Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam, e não Vos amam". E acrescentou que os Corações de Jesus e de Maria estavam atentos à voz de suas súplicas. Recomendou-lhes que oferecessem "tudo que pudessem", em reparação pelos pecados, e pela conversão dos pecadores. Declarou que era o Anjo de Portugal e que deviam orar por sua Pátria. Na terceira aparição, o Anjo trazia um cálice na mão e sobre ele uma Hóstia da qual caiam dentro do cálice algumas gotas de sangue. Deixando o cálice e a Hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu três vezes a seguinte oração:
"Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferença com que é ofendido. E, pelos méritos infinitos de Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores". Depois, deu a Hóstia a Lucia, e o cálice deu-o a beber a Francisco e Jacinta, dizendo ao mesmo tempo: "Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajados por homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus".
Nesta narração sucinta, reproduzimos só o essencial, omitindo a profunda impressão que as palavras do Anjo produziram nas três crianças, os numerosos sacrifícios com que a partir deste momento começaram a expiar pelos pecadores, a oração a bem dizer incessante, em que se transformou sua vida. Estavam assim sendo preparadas para as revelações de Nossa Senhora.
NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
As aparições de Nossa Senhora foram em número de seis, respectivamente nos dias 13 de maio, junho, julho, setembro e outubro de 1917. A aparição do mês de agosto ocorreu no dia 19, e não no dia 13. Os três pastorinhos — Lucia, Jacinta, Francisco — estiveram presentes a todas. À primeira, não estavam na Cova da Iria senão eles. Nas outras, o número de pessoas presentes foi crescendo a ponto de se transformar, na última, em verdadeira multidão, calculada em 70.000 pessoas.
Na primeira aparição, Nossa Senhora anunciou que viria mais cinco vezes, em cada mês seguinte, e mais tarde voltaria uma sétima vez. E, diga-se de passagem, esta última promessa ainda está para se realizar. Em que ocasião será? Prometeu Ela o Céu aos pastorinhos, e lhes pediu que aceitassem os sofrimentos que a Deus aprouvesse enviar-lhes para reparação dos pecados e conversão dos pecadores. Os três aceitaram. Nossa Senhora lhes predisse então que sofreriam muito, mas a graça de Deus não os abandonaria. E por fim lhes recomendou que rezassem diariamente o Terço para alcançar o fim da guerra e a paz do mundo.
Na segunda aparição, Nossa Senhora insistiu sobre o Terço diário, e recomendou às três crianças que aprendessem a ler. Ensinou-lhes também uma jaculatória, a ser rezada no Terço, entre mistério e mistério: "Oh meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno e os pobres pecadores, especialmente os mais necessitados". Nesta aparição, Nossa Senhora prometeu que levaria para o Céu, em breve, Francisco e Jacinta, e anunciou que Lucia viveria por mais tempo, para cumprir na terra uma missão providencial: "Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração". E como Lucia se mostrasse apreensiva, confortou-a Nossa Senhora prometendo: "O Meu Imaculado Coração será teu refúgio e o caminho que conduzirá até Deus". Ainda nesta aparição, a Santíssima Mãe mostrou aos pastorinhos um coração cercado de espinhos que o penetravam: era o Coração Imaculado de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade. E prometeu assistir na hora da morte, com as graças necessárias para a salvação, a todos os que, no primeiro sábado de cinco meses seguidos, se confessarem, receberem a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Lhe fizerem companhia durante quinze minutos, meditando nos quinze mistérios do Rosário com o fim de A desagravar.
Nossa Senhora apareceu pela terceira vez a 13 de julho. Depois de haver recomendado mais uma vez a recitação diária do Terço, ensinou aos pequenos pastores uma nova jaculatória a ser rezada com frequência, e especialmente quando fizessem algum sacrifício: "Oh meu Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores, pelo Santo Padre e em reparação dos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria".
Maria Santíssima, então, fez ver o inferno aos três pastorinhos: "Vimos um mar de fogo e nele mergulhados os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que saiam delas mesmas juntamente com nuvens de fumo, caindo por todos os lados — como as fagulhas nos grandes incêndios, — sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor... Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa.
"Assustados, e como que a pedir socorro, levantamos a vista para Nossa Senhora, que nos disse com bondade e tristeza:
“ - Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores.
"Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração.
"Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz.
"A guerra vai acabar: mas, se não deixarem de ofender a Deus, virá outra pior".
Estas últimas palavras abriam naturalmente caminho para outro assunto. A Santíssima Virgem continuou: "Quando virdes uma noite iluminada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo dos seus crimes por meio da guerra, da fome e da perseguição à Igreja: os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer e várias nações serão aniquiladas.
"Por fim o Meu Imaculado Coração triunfará".
O MILAGRE E O SEGREDO
A13 de agosto não houve aparição: os pequenos videntes estavam presos, à disposição do Administrador de Ourem, movido de zelo laico e republicano. Nossa Senhora apareceu entretanto, e inesperadamente, no dia 19 do mesmo mês. Neste dia, a Santíssima Mãe de Deus prometeu um insigne milagre para outubro, comunicou Suas instruções relativamente ao emprego do dinheiro que os fiéis deixavam no local das aparições, e mais uma vez recomendou orações e penitência: "Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno, por não haver quem se sacrifique e peça por elas".
A 13 de setembro, a Virgem Santíssima insistiu também na recitação diária do Terço para alcançar o fim da guerra, elogiou a fidelidade dos pastores à vida de mortificação que lhes tinha pedido e recomendou que se moderassem algum tanto neste ponto. Confirmou a promessa de um milagre na aparição de outubro, e anunciou que os três veriam então a Sagrada Família. Prometeu também operar algumas das curas pedidas por eles.
Foi somente a 13 de outubro, que Nossa Senhora revelou sua identidade aos pastorinhos, dizendo: "Eu sou a Senhora do Rosário". Anunciou que a guerra terminaria em breve, e recomendou: "Não ofendam mais a Nosso Senhor, que já está muito ofendido". Lucia pediu a cura de algumas pessoas. A Senhora respondeu que curaria "uns sim, outros não". E acrescentou: "É preciso que se emendem, que peçam perdão de seus pecados". Apareceu em seguida a Virgem com S. José e o Menino Jesus. Em certo momento, apresentava-se como a Senhora das Dores. Pouco depois como a Senhora do Carmo.
Foi durante esta aparição que ocorreram os sinais prometidos para autenticar o que narravam os pastorinhos.
Na visão de julho, a Santíssima Virgem comunicou seu famoso segredo, publicado até hoje apenas em parte. O Episcopado português possui o segredo todo, por narração da hoje Irmã Lucia. A parte que se conhece é da maior importância. Nossa Senhora pediu que a humanidade se convertesse de seus pecados e que o Santo Padre com todos os Bispos consagrasse a Rússia a Seu Imaculado Coração. Se não, sobreviria nova guerra, em que muitas nações seriam aniquiladas, a Rússia espalharia os seus erros, o Santo Padre teria muito que sofrer.
Acerca da consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, a Irmã Lucia teve nova visão em 1929, segundo refere o Pe. João de Marchi ("Era uma Senhora mais brilhante que o Sol", pg. 308 ). Nessa visão, ocorrida na capela das Irmãs Doroteas, em Thuy, na Espanha, Nossa Senhora mais uma vez pediu a consagração da Rússia ao Seu Coração, feita pelo Papa em união com os Bispos de todo o mundo.
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ESTA é, em síntese, a história das aparições de Fátima. O texto das mensagens, extraímo-lo de "Era uma Senhora mais brilhante que o Sol", do Revmo. Pe. João de Marchi, e de "Francisco", do Revmo. Pe. J. Rolim. Estamparemos os comentários no próximo número.