(continuação)
que foi ao mesmo tempo um grande Doutor, São Luis Maria Grignion de Montfort. Os Tempos Contemporâneos, que parecem na iminência de se encerrar com nova crise, têm um privilégio maior. Veio Nossa Senhora falar aos homens. Santo Agostinho não pôde senão explicar para a posteridade as causas da tragédia que presenciava. São Vicente Ferrer e São Luis Grignion de Montfort procuraram em vão desviar a tormenta: os homens não os quiseram ouvir. Nossa Senhora a um tempo explica os motivos da crise, e indica o seu remédio profetizando a catástrofe caso os homens não a ouçam. De todo ponto de vista, pela natureza do conteúdo como pela dignidade de quem as fez, as revelações de Fátima sobrepujam pois tudo quanto a Providência tem dito aos homens na iminência das grandes borrascas da História.
Os diversos pontos das revelações relativos a este tema constituem propriamente o elemento essencial das mensagens. O mais, por importante que seja, constitui mero complemento.
O PRESSUPOSTO: TERRÍVEL CRISE RELIGIOSA E MORAL
Não há uma só aparição em que não se insista sobre um fato: os pecados da humanidade se tornaram de um peso insuportável na balança da justiça divina. Esta a causa recôndita de todas as misérias e desordens contemporâneas. Os pecados atraem a justa cólera de Deus. Os castigos mais terríveis ameaçam pois a humanidade. Para que não sobrevenham, é preciso que os homens se convertam. E para que se convertam é preciso que os bons orem ardentemente pelos pecadores e ofereçam a Deus toda a sorte de sacrifícios expiatórios.
REZAR E EXPIAR PELOS PECADORES
Nas suas mensagens, o Anjo de Portugal ensina os Pastorinhos a pedir perdão pelos maus, e mais, a oferecer sacrifícios por eles. Menciona especialmente a necessidade de desagravar o Santíssimo Sacramento pelas injúrias que recebe, não só dos que O profanam, mas dos que O recebem com indiferença. Em sua primeira aparição, Nossa Senhora pede aos Pastorinhos que aceitem a dura missão de expiar pelos pecadores, e lhes prediz que terão muito que sofrer. Na segunda aparição, incita-os a rezar e a sacrificar-se para diminuir o grande número de almas que se perdem. Para este efeito, ensina-lhes uma jaculatória. Mostra ainda Seu Imaculado Coração coroado de espinhos em consequência dos pecados que hoje se cometem. Na terceira aparição, faz-lhes ver o inferno com os tormentos inenarráveis a que estão sujeitos os que ali são lançados pela justiça de Deus. E insiste na necessidade de reparar os pecados. Na quarta visão, Nossa Senhora ensina outra oração reparadora, e afirma que muitas são as almas que se perdem, porque não há quem repare por elas. Na quinta aparição, Nossa Senhora modera alguns excessos dos pastorinhos em seu ardor de reparação, mas insiste na necessidade de se sacrificarem pelos pecadores. Afirma a necessidade de os homens se converterem de seus pecados, deixando de desafiar a justiça de Deus, para que o mundo não seja castigado. Por fim, em Thuy, aparecendo à irmã Lúcia, Nossa Senhora fala precisamente no mesmo sentido. Vemos, pois, que o pensamento constante de todas as mensagens é este. O mundo está a braços com uma terrível crise religiosa e moral. Os pecados cometidos são incontáveis. E são a verdadeira causa da desolação universal. O modo mais acertado para remediar seus efeitos consiste na oração e na reparação.
AS MENSAGENS DE FÁTIMA E A VOZ DOS PAPAS
Não tem sido outra a linguagem dos Papas. Pio XI, por exemplo, na Encíclica “Miserentissimus Redemptor”, de 8 de maio de 1928, afirmou que o “espetáculo das desgraças contemporâneas é de tal maneira aflitivo que se poderia ver nele a aurora deste início de dores, que trará o homem do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto”. E acrescenta: “não se pode verdadeiramente deixar de pensar que estão próximos os tempos preditos por Nosso Senhor: e por causa dos progressos crescentes da iniquidade, a caridade de um grande número de homens se esfriará”. E mais recentemente o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, afirmou que a obra de demolição da civilização cristã, depois de ter levado ao auge sua ação negativa, já está construindo neste mundo a Cidade Anti-Cristã: o autor desta obra “se tornou cada vez mais concreto, com uma ausência de escrúpulos que ainda surpreende: Cristo sim, a Igreja não! Depois: Deus sim, Cristo não! Finalmente o grito ímpio: Deus está morto; e até Deus jamais existiu. E eis, agora, a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre bases que não hesitamos em indicar como principais responsáveis pela ameaça que pesa sobre a humanidade: uma economia sem Deus, um Direito sem Deus, uma política sem Deus. O “inimigo” se esforçou e se esforça por que Cristo se torne um estranho nas universidades, na escola, na família, na administração da justiça, na atividade legislativa, nas assembléias das nações, onde quer que se decida a paz ou a guerra. Presentemente ele corrompe o mundo com uma imprensa e com espetáculos que matam o pudor nos jovens e nas moças e destroem o amor entre os esposos; ele inculca um nacionalismo que conduz à guerra” (alocução aos Homens da A.C. Italiana, de 12-10-52 ).
O FALSO OTIMISMO E AS MENSAGENS DE FÁTIMA
Estas palavras, de um sábio realismo, contrastam, bem o sabemos, com uma tendência não muito rara entre os católicos. Por espírito de acomodação, por oportunismo, pelo desejo pueril de concordar em tudo com este século para o conduzir por vias extremamente problemáticas a uma conversão quimérica, pensam, agem, sentem-se neste mundo de crise e de derrocada, como se estivessem no século XIII, com São Luis reinando em França, São Fernando em Castela, São Tomás de Aquino e São Boaventura iluminando a Igreja com o esplendor de sua ciência e de sua virtude. Quando hoje em dia só entre rapazolas e moçoilas se encontram ainda pessoas que não tomaram consciência da gravidade evidente da crise por que passamos, esses nossos católicos, muitas vezes quarentões ou mais do que isso, entram freneticamente na farândola dos despreocupados, e entoam loas e hinos a uma situação que a outros arranca gemidos de angústia e até gritos de dor. E se há quem lhes deseje abrir os olhos, enfurecem-se. Tolerantes para com tudo e para com todos, não podem suportar que se mostre a gravidade da situação em que estamos.
A palavra de Nossa Senhora, a palavra do Papa bastarão para os convencer? Não parece provável. Mas pelo menos podem imunizar contra essa onda de otimismo estúrdio aqueles que talvez se sentissem propensos a lhe dar sua adesão.
A MENSAGEM DE FÁTIMA E OS CATÓLICOS DE VISTAS CURTAS
Ao lado deste otimismo febricitante, que gostaria de fazer do apostolado uma perpétua festinha de adolescentes, um eterno pic-nic, que aborrece na própria piedade tudo quanto pode evocar a idéia de dor, os Crucifixos em que a Divina Vítima figura com suas Chagas, vertendo o Sangue redentor, os paramentos pretos para as missas de defunto, etc., temos também outro defeito a considerar. É a abulia. Existe uma falsa piedade que desvia os homens da consideração de todos os problemas grandes. Dissolve-se a civilização cristã, rui o mundo, convulsiona-se a terra? O homem intoxicado por essa forma de piedade nada vê, nada sente, nada percebe. Sua vida é apenas sua vidinha, no cumprimento correto e pacato dos seus pequenos deveres individuais, dos seus pequenos atos de piedade, na solução exclusiva de seus pequenos casos de consciência. Seu zelo não vai mais longe do que seus horizontes, e estes, dói dize-lo, vão pouco além da ponta de seu nariz. Se se lhe fala de política, de sociologia, de filosofia e teologia da História, de apologética, desvia-se até com certo medo: o medo que as térmitas têm à luz do sol. Para ele também, Fátima contém uma grande lição. Nossa Senhora desceu à terra para atrair para este imenso panorama o zelo das almas. Ela quer piedade, quer reparação, mas baseia seu desejo numa visão imensa dos grandes interesses de Deus em toda a vastidão da terra. Não se trata, dentro das perspectivas sem limites de Fátima, de salvar só esta ou aquela alma individualmente considerada. Trata-se de ver mais alto e mais longe. É pela salvação de toda a humanidade que se há de lutar, pois não é só este ou aquele homem, mas legiões de almas que ameaçam perder-se em uma crise das mais graves da Historia. E é para essa tarefa imensa, que Nossa Senhora pede não um Cirineu, mas muitos, muitíssimos deles, falanges inteiras.
Em Fátima não há apenas um apelo para que os três Pastorinhos façam penitência. Este apelo se dirige ao mundo inteiro. É toda a piedade contemporânea que deve ter, por assim dizer, um forte colorido reparador e expiatório.
AS MENSAGENS DE FÁTIMA E A “HERESIA DAS OBRAS”
Notemos ainda outro ponto. Ninguém pode duvidar da importância das obras de apostolado. Os Papas conclamam para elas diariamente os fiéis. Entretanto, em sua extrema concisão, Fátima nada de particular nos diz sobre isto. Porque a Providência não as julgue necessárias, urgentes, — quem poderia admitir tal aberração? Então porque o silêncio de Fátima? É que vivemos em uma época dominada pelos sentidos, em que os homens reconhecem facilmente a necessidade de agir, pois a ação é algo que os sentidos percebem, cuja eficácia muitas vezes é susceptível de ser avaliada por cifras, por estatísticas, por resultados palpáveis. E por isto não é tão difícil atrair a atenção das almas verdadeiramente zelosas para a importância da ação. Mas é e continua a ser muito difícil atraí-las para o que é espiritual, interior, invisível. E por isto a oração, a vida interior, o homem as compreende mais dificilmente, a elas dedica menos tempo e menos interesse. É bem compreensível que em Fátima Nossa Senhora tenha insistido na necessidade da oração e da penitência a ponto de fazer disto o elemento essencial de sua mensagem. Que belo proveito teria tirado deste fato Dom Chautard, se a seu tempo todo o assunto “Fátima” estivesse tão esclarecido quanto hoje.
NÃO BASTA REZAR: É PRECISO EXPIAR
Por fim um ponto essencial. Nossa Senhora não fala apenas em oração. Ela quer expiação, sacrifício. Haverá época em que mais se tenha fugido da dor? Haverá época em que menos se tenha falado sobre a necessidade da mortificação? Haverá época em que menos se tenha tido a noção da importância do sacrifício? Pois é para este ponto que Nossa Senhora atrai especialmente nossa atenção. Nos grandes séculos de piedade, a expiação era um fato frequente na vida dos homens e dos povos. Faziam-se imensas peregrinações para expiar pecados. Nas grutas, nas florestas, nos claustros, encontravam-se verdadeiras legiões de almas votadas à vida de expiação. Nos testamentos, deixavam-se fortunas inteiras para obras pias ou de caridade, em remissão dos pecados. Havia confrarias especialmente destinadas a fomentar a penitência. Havia procissões expiatórias em que tomavam parte cidades inteiras. Hoje não faltam manifestações coletivas de piedade. Mas, por mais que a Igreja nos incite à penitência, que papel ocupa esta em tais manifestações? Que papel ocupa ela em nossa vida privada? Pequeno, pequeníssimo até. Parece indiscutível que também neste ponto Fátima nos dá preciosas lições.
Voltaremos ao assunto.
URBANISMO E ARQUITETURA COMO ARMAS CONCENTRACIONARIAS
CUNHA ALVARENGA
Que pode haver de comum entre a arquitetura moderna e as ideologias extremistas? Como consegue um urbanista, no puro domínio da técnica, concorrer para a realização dos planos da subversão socialista? Eis a reflexão que deve ter ocorrido a muita gente ao ler o seguinte telegrama publicado no decorrer do mês de março pela imprensa diária:
"Belo Horizonte, 16 (Meridional) — Especialmente convidado pela Congregação da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, encontra-se nesta capital, há dias, o professor urbanista francês sr. Gaston Bardet, contratado pela direção daquele Instituto de ensino superior para proferir um curso de urbanismo com a duração de três meses. A aula inaugural foi realizada na manhã de hoje no salão da Escola de Arquitetura, contando a solenidade com a presença de todos os professores e alunos daquele Instituto e diversos arquitetos mineiros.
"A sessão, porém, que se prenunciava tranquila, foi aos poucos sendo tomada de viva agitação, oriunda do teor das considerações esposadas em sua dissertação pelo urbanista francês. Assim é que afirmou o prof. Gaston Bardet discordar total e integralmente da orientação que vem sendo dada no Brasil aos estudos ligados à arquitetura, com as inovações da chamada "corrente moderna". Teceu diversas críticas aos trabalhos executados em obediência aos princípios modernistas, lamentando que tal orientação tenha sido adotada em nosso país, pois segundo sublinhou, não passaria a nova técnica de "mera influência comunista" e em consequência condenável. Criticou ainda as concepções dos arquitetos brasileiros que a adotaram, não fazendo qualquer exceção. Finalmente, ao examinar a técnica de Le Corbusier, taxou-a de falha e pouco expressiva, não resolvendo o seu pensamento os problemas urbanísticos e arquitetônicos.
"As críticas do urbanista gaulês foram recebidas com diversas manifestações de desagrado e repulsa por parte dos assistentes, e ainda por diversos componentes da Congregação da Escola. Ao tomarem conhecimento da orientação que vinha sendo dada à aula inaugural, levantaram-se de suas cadeiras diversos professores da Escola, abandonando o recinto. Logo após, seguindo o exemplo, grande parte dos assistentes, em sua maioria universitários, abandonavam o salão. Os que permaneceram passaram a travar debates, alcançando os trabalhos, no final, confusão a custo contida pela mesa que dirigia a aula inaugural".
Quebra de continuidade histórica
É o Professor Gaston Bardet uma autoridade altamente credenciada para tratar do tema, pois além de Diretor de Estudos do Instituto Internacional de Urbanismo Aplicado de Bruxelas e Presidente de Honra da Sociedade Francesa de Urbanistas, é conhecido como autor de obras especializadas tais como "Problèmes d'Urbanisme", "Le Nouvel Urbanisme", etc.. Embora não conheçamos o inteiro teor de sua dissertação nessa tumultuosa aula inaugural, pelo contexto da noticia telegráfica somos inclinados a concluir que as amostras de reação e de intolerância com que foram recebidas suas palavras são um triste sinal de capitulação de uma parte de nossas elites universitárias, que se arreceia de enfrentar aqueles que se apresentam como os donos, em graus de monopólio, do "moderno" e do "avançado". E é tão feio, para quem usa óculos "rayban" e está em dia com Sartre, passar por conservador e atrasado...
Para que possamos compreender o que realmente se passa em torno deste assunto, necessário se torna que dele procuremos ter uma visão panorâmica, enquadrando o urbanismo e a arquitetura dentro da revolução artística que se processa no mundo moderno. Esta, por sua vez, não se explica por si mesma. Dela vamos encontrar a chave na revolução religiosa, política, social e econômica que se espalha pela terra como aquela fumaça letal que sai dos poços do abismo. Voltaremos ao assunto sob este ponto de vista geral. Hoje dele apenas nos ocuparemos na medida que se fizer indispensável para a compreensão do que vem acontecendo no campo do urbanismo e da arquitetura.
A revolução universal se apresenta sob dois aspectos principais: o da destruição e o da construção. Satânica, panteísta, por isso que seu ideal é a despersonalização do homem ela pretere agir sobre os grandes corpos coletivos, sobre as organizações sociais, em que a pessoa humana abdica de suas prerrogativas diante da excitação gregária que avassala os próprios cristãos, esse desregramento, essa exacerbação do nós, como acentua Frank-Duquesne (1), sob pretexto de reduzir à modéstia o Eu, o totalitarismo sob todas as suas formas, a tirania do número, "a recusa do recolhimento, a fuga diante da oração, a Liturgia transformada em encantamento coletivo, os divertimentos populares que regridem ao sabath", em resumo, tudo aquilo que arranca o indivíduo à "mão de seu conselho" (Eccl. 15, 14) e o lança na impulsividade, na instabilidade, na irritabilidade da massa amorfa e mecânica.
Em sua alocução da Vigília do Natal de 1952, dizia o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, ser "um principio claro de sabedoria que todo progresso só o é verdadeiramente se unir as conquistas novas as antigas, os bens novos aos adquiridos no passado, em suma se sabe aproveitar-se da experiência". Ora, no setor artístico vemos não somente a tendência à negação da personalidade, mas também a idéia fixa da quebra da continuidade histórica, o completo cortar das amarras com o passado, sob capa de destruição da apregoada civilização burguesa. A essa preocupação doentia de destruir a atual ordem de coisas, tarefa que se delineia bem clara aos nossos olhos, também corresponde um esforço de construção de novos padrões artísticos que ainda permanecem em certa obscuridade.
"Os edifícios que entrevemos, dizia o arquiteto futurista Antonio Sant'Elia, terão sua razão de ser unicamente nas condições especiais da vida moderna, e derivarão seu valor estético de sua concordância com a nossa moderna sensibilidade. Esta arquitetura não pode se sujeitar a nenhuma lei de continuidade histórica. Deve ser nova como novo é o nosso estado de espírito".
Obliteração da individualidade
Que estado de espírito será esse? Um dos objetivos principais do espírito revolucionário no campo da estética é a obliteração da individualidade, a negação da personalidade. Neo-gnósticos, foram buscar nos filósofos yoga, juntamente com a negação do livre arbítrio, a afirmação de que sonho e realidade são semelhantes e semelhantemente irreais. Daí viverem, por exemplo, os surrealistas às bordas da loucura. Propuseram-se, como programa, destruir todo o enorme edifício construído pela lógica ocidental. A realidade seria o mundo como é visto pela mente ilógica e irracional de uma criança, pelo automatismo de um médium espírita, de um mágico, de um louco, de um selvagem. "Lógica, ordem, verdade, razão, consignamos tudo isto ao oblívio [delírio] da morte", anunciou um manifesto surrealista. É o que se vê na obra de um Kandinsky, de um Klee, de um Chirico. Revolucionários no setor da arte como Ernest e Dali completam a desintegração, iniciada por Picasso e Breque, do conceito acadêmico da realidade, diz o Prof. Herbert Read, aquela mesma autoridade em arte moderna que afirma que Picasso pinta em estado de transe (Ver CATOLICISMO n.° 21).
Mas o surrealismo e escolas congêneres são apenas uma arte negativa e têm, portanto, um papel meramente temporário e destruidor. São uma arte de período de transição. "A arte abstrata, pelo contrário, tem uma função positiva. Conserva invioláveis as qualidades universais da arte, até o tempo em que a sociedade esteja pronta para usá-las — aqueles elementos que sobrevivem a todas as mudanças e revoluções. Pode-se dizer que como tal é meramente arte em conserva — uma atividade divorciada da realidade, sem interesse imediato para o revolucionário" (2). Há, entretanto, um setor em que essa arte revolucionária do futuro não se acha em conserva, mas já atua. Que setor será esse? O da arquitetura e da arte industrial. "Na realidade, continua o prof. Read, tal arte não se acha em conserva tanto quanto pode parecer. Pois em uma esfera, na arquitetura e de certo modo na arte industrial, ela já se acha em ação social. Ali encontramos o elo essencial entre o movimento abstrato na pintura moderna e o mais avançado movimento na arquitetura moderna — a arquitetura de Gropius, de Markelius, de Lloyd Wright, de Aalto, de Le Corbusier... Não é meramente uma similaridade de forma e intenção, mas uma verdadeira e íntima associação de personalidades" (3).
A arte da sociedade sem classes
Este único elo, prossegue o prof. Read, indica o caminho para a arte do futuro — a arte de uma sociedade sem classes. É impossível predizer todas as formas desta arte, e serão necessários muitos anos até que ela atinja sua maturidade".
A arquitetura moderna seria usada para despersonalizar o homem e rebaixá-lo ao conglomerado da horda, como faz a arte moderna. Aliás os arquitetos e artistas da escola modernista constituem uma só única corrente, como é fácil verificar, por exemplo, pela vida de um Le Corbusier. E costumam trabalhar de parceria, como Niemeyer e Portinari.
Em 1911 Kandinsky e os expressionistas apareceram no campo da arquitetura com seu ocultismo cósmico. Na Alemanha se achava a principal base de ação desses inovadores. É patente a influência da doutrinadora teosofista Madame Blavatsky e de Rudolf Steiner nessa nascente arquitetura moderna. Steiner desenvolveu a idéia de uma arquitetura inspirada no cósmico-astral. Entre os elementos dessa arquitetura ocultista estava um método de proporção por meio da "geometria astral". "O corpo astral, dizia Steiner, é um geômetra acabado". A teoria de Steiner sobre a arquitetura astral se tornou parte do expressionismo alemão e seus efeitos podem ser notados no trabalho dos arquitetos expressionistas Hans Poelzig e Eric Mendelsohn (4).
Onde fica mais explicitada essa tendência ocultista da arte moderna é justamente na obra dos expressionistas alemães, pois os cubistas franceses e italianos tomaram precauções especiais para esconder o fato de que suas doutrinas se achavam profundamente influenciadas pelas obsessões ocultistas de um Max Jacob ou de um Apollinaire. Assim é que tanto os futuristas quanto os cubistas alegavam que sua inspiração geométrica decorria de um importante principio estético desenvolvido pelo pintor impressionista Cézanne: "Deveis ver na natureza o cilindro, a esfera, o cone". Na realidade, estes símbolos representam um papel muito saliente nas doutrinas teosóficas e ocultistas de Madame Blavatsky, a verdadeira inspiradora da arte moderna, quer na parte figurativa, como na não figurativa ou abstracionista.
Estandardização totalitária
HANS POELZIG havia começado por basear suas formas arquitetônicas nos depósitos de cereais e nos silos da América do Norte, elementos considerados o supra-sumo da nova era técnica e industrial. Passando, porém, para os ensinamentos ocultistas do expressionismo, seus edifícios tomaram um aspecto barroco-ectoplásmico. O ectoplasma dos fenômenos metapsíquicos é que explica o uso e abuso dos contornos amebóides da arquitetura moderna. A coisa não se explica, portanto, como um simples protesto contra as formas clássicas ou contra toda e qualquer forma. Seriam esses contornos o equivalente arquitetônico do ectoplasma ou das emanações ou fluidos de um médium que produziriam o movimento em objetos à distância sem contato físico.
Segundo os cânones da arquitetura moderna, a individualidade do arquiteto e do habitante ou morador não deve aparecer nos edifícios, seja por fora, seja por dentro deles. A arquitetura deveria se tornar cada vez mais abstrata. A casa seria reduzida a uma "máquina de morar", como queriam os hoje repudiados futuristas e fascistas e como ainda a concebem os homens da corrente Le Corbusier. E foi esse mesmo Le Corbusier que lá pelas alturas de 1920 lançou um "estilo internacional" em arquitetura, réplica moderna da revolução que o classicismo greco-romano artificialmente provocou na Renascença e que marca o início da decadência cultural do mundo moderno. Daí a mesmice, a generalização de idênticos padrões arquitetônicos pelo mundo inteiro, precedendo a uniformização, a padronização do regime político, ou a proletarização universal.
Eliminam-se todos os elementos decorativos na preocupação de seguir à risca a chamada arquitetura funcional, como se o belo também não exercesse uma função de elevação espiritual na vida humana. Padronizam-se portas e janelas, como se padronizam os próprios elementos arquitetônicos. E essa repetição monótona também faz parte do anonimato da casa e de seus moradores, mas não é feita unicamente em holocausto à deusa eficiência e à preocupação exclusivamente utilitária. Esse sistema de estandardização e de repetição monótona levado ao campo psicológico se destina principalmente a produzir a conformidade do sentir da massa em relação à arquitetura e à arte moderna. Tem uma função embrutecedora e hipnótica, como o demonstra o professor Gaston Bardet, baseado nas experiências de Pavlov sobre os reflexos condicionados (5). Os arquitetos modernos confundem ritmo com repetição, o que representa absurdo semelhante ao de confundir esses mesmos elementos na música. Ninguém confunde música com barulho (a não ser os que levam a revolução também ao setor musical): do mesmo modo, diz o prof. Bardet, não se deve confundir arquitetura com indústria.
Os problemas da urbanização contemporânea
Essa mesma mentalidade concentracionária é levada ao campo do urbanismo. Surge o problema moderno dos grandes conjuntos urbanísticos em torno de um centro de interesse: uma indústria, um aeroporto, uma universidade. Verdadeiras cidades aparecem por assim dizer da noite para o dia. Esses grandes conjuntos urbanísticos não vão crescendo lentamente, na medida do despertar das necessidades sociais, como no passado. Os arquitetos e urbanistas de hoje dispõem de meios técnicos para resolver em escala desmesurada e em velocidade vertiginosa o que antigamente seria obra de várias gerações.
Sobre as imposições da técnica deveriam ter precedendo as finalidades principais desses conjuntos, que seriam servir o homem e lhe dar ambiente próprio para desenvolver sua personalidade. Mas o espírito totalitário é o completo avesso do espírito de variedade. Como visa à despersonalização do homem, tende coerentemente a destruir aquilo que lhe empresta as características pessoais. Todas as armas são empregadas para realizar esse coletivismo despersonalizador: os monstruosos conjuntos industriais concentracionários, as estruturas urbanas concentracionárias, os mecanismos econômicos e financeiros concentracionários. Se se tem em vista construir um palácio para sede da ONU, ou uma sede de ministério da educação, ou um hospital, ou um conjunto residencial, a arquitetura moderna só tem uma solução: um imenso caixão, com imensas paredes nuas ou cortadas monotonamente por janelas ou "brise-soleil" estandardizados, em uma pobreza de elementos que desafia a falta de imaginação de um hotentote.
Se por acaso são forçados à elaboração de um plano de conjunto residencial com casas isoladas, estas se repetem iguaizinhas umas às outras, com uma uniformidade de caserna ou de penitenciaria.
E é neste capítulo da casa que queremos nos referir de modo particular ao fenômeno Le Corbusier e à sua discutida "Unidade de Habitação" de Marselha. Diz o jornal católico francês "L'homme nouveau": "Será seu projeto, como pretendem alguns, um escândalo inadmissível no plano da família, uma tentativa de coletivização da sociedade? Não o cremos, porque à sua revelia, sem dúvida,
(continua)