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(continuação)

Em documentos verdadeiramente sem conta mostram que os meios naturais não serão de nenhuma eficácia se não houver nos que lutam pela Igreja uma vida contínua de piedade, de mortificação, de sacrifício; se os soldados de Cristo não tiverem em vista constantemente que os meios de ação naturais devem ser canais da graça de Deus, e que o apóstolo – clérigo ou leigo – precisa ser ele próprio um reservatório das graças que devem vivificar suas obras. Em uma palavra, as teses essenciais do livro incomparável de Dom Chautard, “A Alma de todo Apostolado”, têm sido inculcadas de todos os modos pelos Papas. E são esses mesmos os princípios que Nossa Senhora nos ensina em Fátima. A Virgem Santíssima não diz que não nos dediquemos inteiramente às obras de apostolado. Mas ela repete o ensinamento de Nosso Senhor em Betania: é necessário viver em íntima união de alma com Deus, pois todo o resto daí dimana, e sem tal união as obras mais sábias, mais úteis, mais oportunas resultarão miseravelmente estéreis.

O ANJO TUTELAR DA PÁTRIA

Notemos agora muito rapidamente outros aspectos das mensagens de Fátima. A aparição do Anjo de Portugal nos faz lembrar a doutrina da Igreja, de que cada povo tem seu próprio Anjo da Guarda. Houve tempo em que cada nação tinha particular devoção ao seu Anjo Custódio, invocando-o em suas tribulações, e especialmente na luta pela manutenção do povo no grêmio da Igreja. Temos pensado nisto? Cultuamos o Anjo da Guarda do Brasil?

AMOR E TEMOR DE DEUS

O Anjo reza em presença dos pastorinhos, profundamente inclinado, com a face em terra. É um exemplo que devemos imitar. Em nossas orações, cumpre sejamos confiantes, íntimos, filiais. Mas é preciso não esquecer que a verdadeira piedade filial não exclui, antes supõe o mais profundo respeito. É este mais um ponto em que as revelações de Fátima contêm preciosos ensinamentos para o homem moderno. Pois à força de falarmos em democracia em tudo e para tudo, acabamos não raras vezes por deformar de tal maneira nossa mentalidade, que introduzimos um “tonus” igualitário até em nossas relações com Deus!

DEVOÇÃO QUE O LITURGICISMO COMBATE

Ultimamente, o liturgicismo tem instilado nas fileiras católicas preconceitos tenazes contra certas devoções, entre as quais o culto ao Santíssimo Sacramento “extra Missam”, e o Santo Rosário.

Ora, ambas estas devoções são fortemente inculcadas em Fátima.

Para Deus nada é impossível. Assim, se aprouvesse à Providência, os pequenos pastores poderiam ter sido transportados – por um fenômeno de bilocação, por exemplo – a algum lugar onde se celebrasse o Santo Sacrifício, para no decurso dele receber a Sagrada Comunhão. Em última análise, isto seria tão extraordinário quanto confiar ao Anjo as Sagradas Espécies para que delas comungassem os pastorinhos. No entanto foi este último, o modo disposto pela Providência. Se houvesse no culto eucarístico “extra Missam” qualquer coisa de intrinsecamente contrário à verdadeira maneira de entender a Presença Real, seria impossível que a Providência determinasse que a adoração eucarística do Anjo e a primeira comunhão dos pastores se realizassem de modo por que efetivamente se realizaram.

Quanto ao Santo Rosário, seria difícil recomendá-lo com insistência maior. “Eu sou a Senhora do Rosário” disse de si mesma a Santa Virgem na última das aparições. E em quase todas elas inculcou explicitamente esta devoção aos pastorinhos. Como pretender, pois, que o Rosário perdeu algo de sua atualidade?

Apregoa-se ainda que a meditação do inferno é inadequada a nossos dias, e capaz apenas de incutir um temor servil. Esta afirmação cai por terra fragorosamente, à vista do que ocorreu em Fátima, pois a visão do inferno com que os três pastorinhos foram favorecidos destinava-se evidentemente a acrisolar seu amor e seu senso de apostolado.

DEVOÇÕES QUE O LITURGI-CORAÇÕES [ truncado no original ]

Em Fátima, se inculca igualmente, com expressiva insistência, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que, ela também, tem sido posta na penumbra por certa tendência de espiritualidade muito em voga em nossos dias. O culto ao Sagrado Coração de Jesus foi considerado por todos os teólogos como uma das mais preciosas graças com que a Santa Igreja tem sido confortada nos últimos séculos. Destinava-se ela a reanimar nos homens o amor de Deus entorpecido pelo naturalismo da Renascença, pelos erros dos protestantes, jansenistas, deistas e racionalistas. No século passado, foi por meio desta devoção que o Apostolado da Oração produziu um admirável reflorescimento de vida religiosa em todo o mundo. E, como os males de que o Sagrado Coração de Jesus nos deve preservar crescem dia a dia, é evidente que dia a dia se acentua a atualidade desta incomparável devoção. Contudo, é preciso acrescentar que na agravação dos males contemporâneos a Providência como quis superar a si própria, apontando aos homens como alvo de sua piedade o Coração de Maria, que de certo modo requinta e leva à sua plenitude o culto ao Sagrado Coração de Jesus. Os estudos e a devoção cordimariana não são novos. Quer nos parecer, entretanto, que a simples leitura das mensagens de Fátima demonstra com quanta insistência Nossa Senhora os quer para nossos dias. A missão que Ela confiou à Irmã Lúcia foi especialmente a de ficar na terra para atrair os homens ao Coração Imaculado de Maria. Várias vezes esta devoção é recomendada durante as visões. Este Coração Santíssimo nos aparece mesmo, na segunda aparição, coroado de espinhos pelos nossos pecados, a pedir a oração reparadora dos homens. Parece-nos que este ponto como que compendia em si todos os tesouros das mensagens de Fátima.

* * *

Em seu conjunto, pois, as aparições de Fátima de um lado nos instruem sobre a terrível gravidade da situação mundial, e sobre as verdadeiras causas de nossos males. E de outro lado nos ensinam os meios pelos quais devemos obviar os castigos terrenos e eterno que nos ameaçam. Aos antigos, mandou Deus profetas. Em nossos dias falou-nos pela própria Rainha dos Profetas. Assim estudado quanto Nossa Senhora quis, o que dizer? As únicas palavras adequadas são as de Nosso Senhor no Santo Evangelho: quem tiver ouvidos para ouvir, ouça...


NOTA INTERNACIONAL

Contradição entre a invasão do Laos e a ofensiva de paz russa?

Adolpho Lindenberg

A grande euforia que em todo o mundo dominou os socialistas, russófilos e partidários da paz a todo o preço, por ocasião do lançamento da ofensiva pacifista de Malenkov, foi consideravelmente prejudicada pela inesperada invasão do reino do Laos. A atitude simpática da imprensa russa em relação ao discurso de Eisenhower sobre a situação internacional, perante a Associação Norte-Americana dos Proprietários de Jornais, o reinicio promissor das conversações na Coréia, os acenos com a possibilidade de ser assinado o tratado de paz austríaco, e inúmeros outros sinais de boa vontade por parte dos comunistas, colocaram em posição antipática e esquerda todos aqueles que constantemente alertavam o mundo do risco iminente da invasão russa e do caráter irrevogavelmente expansionista do bolchevismo. Eis, no entanto, que a ofensiva das tropas do Vietminh invadindo um novo país vem justificar toda a cautela e desconfiança com que elementos conservadores da Inglaterra e dos EEUU acolheram a nova política externa russa.

Como explicar essa invasão em face do aparente pacifismo dos novos senhores da Rússia? Mera contradição, como tantas outras existem no mundo de hoje? Prelúdio de uma revolta de Mao Tse Tung contra o Kremlin? Manobra habilíssima planejada em Moscou?

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Ainda é cedo para se responder com certeza, mas vários indícios parecem confirmar a terceira hipótese, pois tanto da ofensiva de paz, quanto da invasão do Laos, só advirão vantagens para os russos:

1) A anulação do processo dos médicos judeus e a concomitante supressão da perseguição anti-sionista desfez toda a indignação provocada no mundo inteiro pelas últimas diretrizes de Stalin.

2) Os slogans da propaganda soviética afirmando que a Rússia deseja a Paz e que são os americanos que a estão pondo em perigo, resultavam consideravelmente prestigiados pela ofensiva pacifista.

3) A ascensão ao poder do Partido Republicano nos EEUU e do Conservador na Inglaterra foi devida em parte ao desejo do povo de que se tomassem medidas de real eficácia para a defesa do mundo livre. Desaparecendo a ameaça que sobre este pesava, não haverá mais razão para manter no poder um governo conservador e anti-demagógico. Infelizmente as recentes vitorias eleitorais do Partido Trabalhista inglês parecem comprovar esta suposição.

4) Se a ofensiva de paz russa se prolongar, não demorará muito para os partidos comunistas e socialistas dos países ocidentais se lançarem em imensas e violentíssimas campanhas de desarmamento. A própria ONU é capaz de ordenar a redução da produção armamentista em todo o mundo, embora não possa ignorar que será inteiramente ineficiente qualquer tentativa de fiscalizar a fabricação de armas nas profundezas do interior da Rússia.

5) A invasão do pequeno e pobre reino de Laos (2 milhões de habitantes) por si só, não proporcionará aos comunistas asiáticos grandes vantagens, mas a importância de tal ato reside em que o Sião, com seus 20 milhões de habitantes, boa parte dos quais de origem chinesa e portanto possivelmente simpáticos a Mao Tse Tung, ficará ao alcance da infiltração direta dos comunistas. Note-se que o Laos faz parte da Indochina, mas seu povo é da mesma raça dos siameses.

6) Um fato já quase esquecido, mas que no momento merece ser lembrado, é que o Sião permitiu durante esta última guerra que os japoneses atravessassem pacificamente suas terras para invadir a Malásia e atacar Singapura. Não é o caso de se perguntar se agora não fará a mesma coisa com os comunistas chineses?

7) Por fim, os constantes boatos de uma divergência entre Malenkov e a direção dos partidos comunistas asiáticos permite à China e ao Vietminh prosseguir em suas invasões sem prejudicar gravemente a ofensiva de paz russa.


ARTE, MAGIA E REVOLUÇÃO

Cunha Alvarenga

A primeira Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo foi um verdadeiro congresso ecumênico das variadas tendências dos assim chamados novos padrões estéticos. Naturalistas, automatistas, primitivistas, impressionistas, expressionistas, neoplasticistas, surrealistas, figurativistas, abstracionistas, praticamente tantas escolas quanto o número de expositores se espalhavam por uma vasta área. Os comentários do público menos avisado revelavam que a impressão geral causada pelo grande certame era de que, com raras exceções, tudo aquilo não passava de extravagância, de loucura, de imbecilidade, de cabotinismo. Borrões, traços desencontrados, manchas, figuras deformadas e monstruosas, obsessão do feio, do grotesco, do desequilíbrio e do desespero.

Os espíritos menos superficiais não podem aceitar facilmente que o simples acaso haja produzido no mundo inteiro tamanha convergência de ação no setor das artes plásticas, como a que se podia perceber através daquele caos aparente. Estaríamos diante de deformações conscientes feitas com o fito premeditado de corromper o senso estético da humanidade contemporânea, embrutecendo-a e depravando-a.

Outros vão mais além. Não estaríamos diante de alucinações vazias de sentido. A preocupação não seria simplesmente destrutiva. Perceber-se-ia o desejo de também construir alguma coisa. Esta alguma coisa seria, porém, mantida em segredo. Assim como há a poesia hermética, a poesia cabalística, também para as artes plásticas haveria uma chave que somente os iniciados guardariam.

Arte Moderna e Opinião Partidária

Outro ponto que mostra também uma convergência de atitudes é o que diz respeito às ligações dessas variadas correntes da arte moderna com as correntes políticas revolucionarias. Assim é que no ano passado, por ocasião do trigésimo aniversario da famigerada Semana de arte moderna de 1922, dizia o sr. José Lins do Rego:

"Fala-se muito em traição ao modernismo, em traição à Semana de arte moderna de 1922. Ora vamos tomar os fatos como eles são e não como alguns pretendem que eles sejam. O que há por aí a fora é mais uma luta política do que uma polemica sobre arte. Há os que desejam servir-se da pintura para tema partidário e estão nesta agitação de figurativistas e abstracionistas, somente como pretexto para doutrinar. O que mais interessa a essa gente não é a cor, as formas, o desenho, a matéria plástica, mas a opinião partidária, a palavra de ordem, a vontade de impor princípios que são menos da técnica de pintar ou de esculpir, do que da técnica de agitar as massas. Não são em absoluto os mestres da arte de Da Vinci, são mais das artes de Engels, Marx e de tantos outros mais próximos de nós. Aí está a chave de todo este bate-boca estéril para a arte mas fecundo para a revolução social. Não quero me meter em camisa de onze varas, mas ninguém me engana com fraseados de rapazes que bem conheço. A tradição [traição] à semana da arte morta, tão sentida e tão estigmatizada, não passa de mera cavilação. Mesmo porque esta semana de arte moderna quase nada deixou para merecer sua traição [tradição]. Vamos acabar com estas palavras sibilinas que andam soltas no ar" (crônica "A semana traída", no Diário de S. Paulo de 23 de abril de 1952).

Dir-se-á que o sr. José Lins do Rego alude somente aos que procuram canalizar o movimento da arte moderna para a caudal da revolução proletária. A autêntica arte moderna estaria isenta dessas explorações sectárias. Será? A propósito justamente da primeira Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, dizia o sr. Murilo Mendes:

"Inquieta a todos os críticos de arte o problema da influência da Bienal sobre os nossos jovens artistas. Já se fala em conversões ao abstracionismo — e não só de pintores ou gravadores. O futuro dirá os resultados. É preciso entretanto considerar que a arte chamada abstracionista é a consequência de um vasto movimento não só de ordem estética mas também de ordem política, filosófica, e talvez mesmo de ordem moral. Acompanha uma tentativa de reforma de um mundo em que os valores estão misturados, um mundo em que as ruas das grandes cidades estão cheias de obras abstratas vivas, e os museus cheios de obras acadêmicas".

Arte e Utopia Política

Sonhamos - prossegue o sr. Murilo Mendes - com uma nova organização de valores em que conteúdo e forma se equilibrem, em que o plano superior do espírito encontre ressonância na estrutura social, sendo supérfluo acreditar que isto pressupõe uma transformação dos quadros econômicos da sociedade. Nesta perspectiva é fácil julgar que a arte abstracionista não se opõe à realidade: antes a amplia. Isto é que seria preciso explicar mais minuciosamente a todos os defensores e partidários de uma realidade por demais restrita. Nesta perspectiva os atuais artistas verdadeiramente representativos encontram-se com os grandes utopistas políticos ou científicos de várias épocas: na verdade muitas utopias acabam por se realizar..." (crônica "Sugestões da Bienal", de 2 de dezembro de 1951).

Eis porque o sr. Alceu de Amoroso Lima (que em companhia do sr. Augusto Frederico Schmidt carregou em charola o "profeta" da arte moderna no Brasil, Graça Aranha, após a tumultuosa sessão da Academia de Letras em 1924) considera o ano de 1952 "o ano-zero", o marco inicial de uma nova era, não apenas literária, mas política, filosófica e religiosa" (crônica "Ano Zero", na "Folha da Manhã" de S. Paulo de 31 de agosto de 1952).

E eis por que afirma o professor Herbert Read que a arte abstracionista, ao contrário da surrealista, tem uma função positiva. "Ela conserva invioláveis, até que a sociedade esteja pronta para usá-las, as qualidades universais da arte - aqueles elementos que sobrevivem a todas as mudanças e revoluções" ("The Politics of the Unpolitical", pag. 130). É a arte do futuro, "a arte de uma sociedade sem classes", de uma sociedade socialista. "É impossível, acrescenta Read, predizer todas as formas dessa arte, e serão precisos muitos anos até que ela chegue à maturidade. Mas não podemos construir uma nova sociedade - e precisamos literalmente construir tal sociedade, com tijolos e argamassa, com aço e vidro - não podemos construir tal sociedade sem artistas. Os artistas lá estão, aguardando sua oportunidade: artistas abstratos que se acham, nesta fase de transição, aperfeiçoando sua sensibilidade formal, e que estarão prontos, quando chegar o tempo, a aplicar seus talentos na grande obra de reconstrução. A reconstrução não é trabalho para tradicionalistas românticos e sentimentalistas literários. O socialismo construtivo é realista, cientifico, essencialmente clássico" (obra cit., pag. 131).

Os Figurativistas e suas várias Seitas

Não são, porém, apenas os abstracionistas que põem os ombros à roda da revolução proletária. Também os figurativistas, que até chegaram primeiro. Aliás a revolução tem várias frentes, e podemos dizer que a cada uma delas corresponde uma corrente da arte moderna. Vejamos, por exemplo, o caso da arte surrealista. "Evoluíram" os surrealistas para o marxismo, uns porém, como André Bretn, seguiram a linha trotzskysta, outros, como Louis Aragon, preferiram a linha stalinista... Mas o que é importante assinalar é que todos servem a causa da revolução socialista, ainda que seja na ala fascista, como o hoje repudiado Marinetti, comparsa de Mussolini da primeira hora. E como Chirico, que levou às telas os camisas pretas.

Também os surrealistas aspiram por uma sociedade sem classes. "Não desejam que ela (a surrealidade) permaneça uma quimera accessível a alguns privilegiados, - procuram libertá-la do jugo da estrutura capitalista pela aplicação das teorias de Karl Marx. Já em 1929 havia aparecido O Segundo Manifesto do Surrealismo, de caráter nitidamente político, em que André Breton, depois de haver deplorado que "certas coisas sejam, ao passo que outras que poderiam tão bem ser, não o são", assim precisa sua finalidade: "Nós adiantamos que elas devem se confundir ou singularmente se interceptar no limite. Trata-se, não de permanecer ali, mas de não poder fazer menos que tender desesperadamente a esse limite". Em 1930, a revista La Révolution Surréaliste se torna Le Surréalisme au service de la Révolution, mudança de título característica se se pensa no individualismo anárquico do início do movimento. Ora, sendo a primeira condição da liberação do espírito a liberação do homem, esta pode ser atingida pela revolução proletária" (Yves Duplessis em "Le Surréalisme", pag. 111). Nem todos os bonzos da arte moderna se acham de acordo quanto à arte do futuro. Há cismáticos quanto à crença abstracionista. Assim, por exemplo, o prof. Romero Brest, "autoridade" em História da Arte na Universidade de Montevidéu, acha que o futuro pertence à arte concreta e não à arte abstrata. "Os abstratos, diz ele, são os artistas que estão criando as obras mais diretamente vinculadas aos caracteres caóticos da realidade atual. O abstracionismo é o presente. E colocado o abstracionismo nesses termos, pode a arte concreta ser considerada a profecia.

"Os concretos buscam extrair da realidade idéias que consideram as únicas validas para anunciar, com formas ainda provisórias, uma nova concepção do mundo.

"Perguntar-se-á: por que são tão poucos os que sentem essa arte se ela procede da realidade? A resposta é simples: porque suas criações não se fundam nos fatos superficiais da vida, mas em certos princípios, ainda envoltos em formas vitais superadas, que supomos, todavia, bastante fortes para transformar, no futuro, até aos alicerces, o comportamento do homem. Entretanto, essa realidade está apenas nascendo e por isso sua construção, mediante símbolos, obedece a uma atitude essencialmente profética. Os concretos se adiantam, como sempre ocorre nas épocas de iniciação, à realidade, o que justifica suas vacilações e contradições, exigindo do espectador igual fé num destino apenas entrevisto. A arte concreta coincide com o neo-realismo, também chamado realismo socialista, na atitude ante a realidade e no desejo de ordenar o rico conteúdo da subjetividade em novas formas objetivas" (entrevista à "Folha da Manhã" de S. Paulo, 14 de dezembro de 1952). Há, portanto, divergência quanto aos acidentes, mas a essência é uma só: o socialismo como regime político do futuro.

Instrumento da Arte Real

Não nos deve surpreender essa íntima ligação da arte moderna com a revolução socialista. Não é a revolução dirigida pelos mestres da "arte real"? E se em outras etapas dessa subversão social o setor literário e artístico teve um papel tão saliente, por que nesta fase final ele não lhe prestaria seu relevante concurso?

Na grande etapa caracterizada pelo humanismo renascentista as devastações causadas na Cristandade por esse movimento se manifestaram em primeiro lugar na ordem estética e intelectual: a arte, a literatura e a ciência se retiraram pouco a pouco do serviço da alma, para se lançar na mais profunda animalidade, de que resultou na ordem moral e na ordem religiosa essa revolução que foi a pseudo-Reforma. E da ordem religiosa é que o espírito da Renascença conseguiu alargar e consolidar suas conquistas na ordem política e social.

Do mesmo modo, se bem analisarmos certos movimentos estéticos, como o romantismo, veremos que eles nada mais eram que novas armas a serviço da prossecução dos planos revolucionários. Para Victor Hugo, por exemplo, o romantismo não passava de "liberalismo em literatura". Esse papel preponderantemente político do romantismo pode ser apreciado em estudos como o feito por Jamil Almansur Haddad em "O Romantismo brasileiro e as sociedades secretas do tempo". Sem nos esquecermos do papel das academias literárias, a Arcádia Ultramarina, o Areópago de Itambé, etc., nas lutas políticas do Brasil Colônia.

É na textura intima desses movimentos artísticos a serviço da revolução que lhes podemos entrever toda a malicia. É pelo conceito do belo e da arte que têm essas escolas, que mais facilmente perceberemos sua filiação satânica. Mas este capítulo merece um estudo aparte. E o faremos em nosso próximo número.