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A luta entre a Cruz e o Crescente no Marrocos (3)

Os partidos anti-franceses do protetorado servem os planos do comunismo

J. Nevez

CASABLANCA — Nas correspondências anteriores examinamos os partidos puramente marroquinos de efetivos autóctones. O Partido Comunista Marroquino apresenta uma organização mista. Foi fundado por franceses, e se desde o início procura confiar tarefas de responsabilidade a seus recrutas marroquinos, nem por isso deixa de ter uma notável proporção de europeus em sua comissão diretora.

Filial do Kominform, recebendo suas diretivas de Moscou, esta organização mista tem uma eficácia e um rendimento muito maiores do que os partidos estritamente nacionalistas. Não há disputas no seio de sua Comissão Diretora, inteiramente dominada pela disciplina soviética. O menor desvio é punido por expurgos cujo processo é bem conhecido. Uma vigilância mutua de todos os instantes torna impossíveis as traições. Não há desvios de fundos: o Kremlirn exige prestações de contas, estritas e exatas; a honestidade é a regra. Os métodos de propaganda e de ação são inspirados pelo exemplo dos partidos irmãos da Europa; assim, também eles são marcados pelo selo da experiência.

Certamente os progressos dos comunistas marroquinos não são tão rápidos quanto os dos nacionalistas. Mas não há recuos, Os que se convertem ao marxismo-leninismo jamais voltam atrás. O PCM caminha lenta mas seguramente.

Na aparência, seu programa é o mesmo que o do Istiqlal. Como este, jamais cogitou de abalar o trono cherifiano. As intenções dos comunistas no Marrocos se reduziriam à expulsão dos franceses e, após a instauração de um governo puramente marroquino, à realização de um programa de reformas sociais. Embora não percam ocasião para manifestar fidelidade e devotamento ao Sultão, é permitido supor que não deixariam este último no trono por mais tempo do que o Rei Miguel I da Romênia. Em caso de êxito de uma revolução comunista, o Marrocos tornar-se-ia uma republica satélite da URSS, na qual os russos falariam como senhores.

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Com exceção de alguns intelectuais, o PCM recruta seus membros no meio operário. Seu primeiro cuidado é ligá-los à Central Sindicalista da CGT cuja Comissão Diretora está, como na França, inteiramente nas mãos dos comunistas. Além disso, as ligações do PCM com a França são numerosas. Muitos são os marroquinos que se vão empregar nas cidades industriais da nação protetora. Rapidamente envolvidos pelo Partido Comunista Francês, são engajados em suas tropas de choque. Voltam ao Marrocos muito orgulhosos daquilo que viram e aprenderam, e passam a fazer proselitismo.

Sua organização é calcada na dos partidos comunistas da Europa. Um Conselho Central, em Casablanca, secções nas grandes cidades, e células no seio de todas as grandes empresas industriais e agrícolas. Como na Europa, um grande esforço de propaganda é consagrado aos meios rurais. Este esforço é facilitado pelo grande número de trabalhadores agrícolas itinerantes, sobretudo ceifadores. Com efeito, em virtude das condições geográficas do Marrocos, as colheitas se alongam no país por diversos meses. Desde o início da estação, os ceifa-dores deixam suas famílias e, conforme um itinerário preestabelecido, vão trabalhando em todos os lugares onde há necessidade deles. Terminada a jornada, reúnem-se em torno de um fogo em que cozinham a refeição da noite, e conversam até muito tarde. Sob a influência do cansaço, os espíritos estão mais descontentes e muito mais receptivos para a doutrina comunista.

Tal propaganda parece não ter despertado a devida atenção. Há muita confiança na incompatibilidade entre a religião muçulmana e o comunismo. Entretanto, no Egito, vozes autorizadas do Islã negaram esta incompatibilidade. De outro lado não esqueçamos que no Marrocos muitas terras são coletivas: que obstáculo se oporia a que todas as propriedades rurais fossem transformadas em kholkhoses agrícolas ou pastoris?

Apesar de tudo, o Islã ortodoxo se opõe formalmente ao comunismo ateu. O Corão proclama que haverá sempre ricos e pobres e que a igualdade entre os homens é uma ilusão pecaminosa. Proclama sobretudo que há um Deus único e soberano, o que o materialismo marxista contesta.

Infelizmente, vamos encontrar aqui os frutos maléficos do ensino público francês, sobretudo o primário: os espíritos preparados por esse ensino, que se pretende neutro e que, na realidade, é sem Deus, constituem o melhor terreno para a semeadura do comunismo. Ora, cada vez mais numerosos são os trabalhadores marroquinos que nessas escolas aprendem a ler e escrever. De outro lado, existe um importante deslocamento demográfico dos campos para as cidades em franco desenvolvimento, que precisam de mão de obra. Os camponeses, bons e ingênuos sofrem desde a sua chegada nos grandes centros a perda de seu quadro social tradicional, a tribo, onde seu lugar estava marcado, e onde se sabiam defendidos. O PCM muito habilmente, lhes oferece em seu seio uma nova posição tribal. Muitos se deixam assim atrair, e uma vez inscritos no Partido é bem difícil, no Marrocos como em toda a parte, que o deixem.

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Acresce que o Partido Comunista, não se contentando com uma ação direta, em seu próprio nome, procurou aliados. O Partido do Povo Marroquino é muito novo ainda para merecer qualquer interesse. Ao Partido Democrático da Independência repugna uma ação terrorista, sempre possível com os comunistas. Só o Partido do Istiqlal parecia reunir as condições para uma aliança. Mas ainda aqui o obstáculo da religião se interpunha; e de outro lado, o Sultão, que patrocina os nacionalistas, teria recusado qualquer contacto com os adeptos de uma doutrina anti-religiosa.

Empregando uma habilidade e uma diplomacia notáveis, o PCM conseguiu, por volta de 1946, estabelecer um pacto de assistência mutua na luta contra o Protetorado. O Istiqlal estava cego pelo ódio. Não quis ver no comunismo senão um aliado poderoso e experiente, do qual sempre seria tempo de se desembaraçar após a expulsão dos franceses. "Os inimigos de meus inimigos são meus amigos", disse ele. Foi um erro fundamental.

Com efeito, ninguém se desembaraça tão facilmente de um aliado comunista. Por certo, os partidários do Istiqlal são hábeis, mas que vale sua habilidade em comparação com a de um partido sob as ordens de Moscou? Ademais, o Istiqlal está dividido por disputas intestinas, e o PCM mantém-se unido sob a disciplina soviética. O ódio aos franceses gera menos combatividade do que o ódio a Deus. O Istiqlal acaba de nascer, enquanto que o PCM é o herdeiro dos doutrinadores do século XIX e de revolucionários experientes em infiltrar e depois eliminar organismos muito mais robustos do que o Partido do Istiqlal.

Se o Istiqlal é vítima de uma ilusão no que concerne ao futuro, já perdeu ele muito no momento com esta cooperação. Alguns marroquinos, considerando os fundamentos religiosos da propaganda dos nacionalistas, foram por vezes tomados de dúvida: e se o Istiqlal tivesse razão? E se o paraíso de Allah estivesse reservado aos que, sem esperar um sinal de Deus, retomassem a Gerra Santa? Mas esta dúvida já não é possível. A aliança de um partido que se diz zeloso da religião com uma organização inteiramente voltada contra a Divindade abre os olhos de todos e mostra a má fé do Istiqlal. Violentos protestos se levantaram por todo o país, da parte de personalidades cuja fé muçulmana não poderia ser posta em dúvida. El Glaui, Pachá de Marrakech, teve uma pendência com o Sultão a este respeito, e lhe fez saber que só reataria relações com ele no dia em que o soberano condenasse oficialmente e sem rodeios o Istiqlal, e desse provas de sua sinceridade expulsando do Palácio seus conselheiros íntimos filiados a esse Partido. A disputa continua ainda e inúmeras personalidades marroquinas fizeram causa comum com El Glaui.

Nas mesquitas, os "fqihs" — homens piedosos que fazem profissão de estudar o Alcorão para ensinar as crianças e pronunciar sermões, pois não existem sacerdotes na religião muçulmana - tomam a palavra para estigmatizar o procedimento do Istiqlal. Da mesma atitude participam as famílias da burguesia urbana, que vêm com angustia a sombra da foice e do martelo se estender sobre o Marrocos. Nos campos escandaliza ver que são sequazes do Profeta que abrem o caminho ao emblema ateu. O próprio Sultão também se inquieta, sobretudo depois dos dias de terror do Cairo, em que a participação comunista ficou provada. Não esqueçamos que uma particularidade do mundo islâmico é a repercussão. Todos os fatos importantes se propagam de boca em boca com uma rapidez assombrosa. Estes murmúrios que circulam sem cessar da Malásia ao Marrocos, são objeto de comentários apaixonados em que todos tomam parte.

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Quais as possibilidades de êxito dos movimentos anti-franceses no Marrocos? Para se poder responder com certeza seria necessário haver um rei em França, e que este proclamasse: "Nos anos futuros eu mesmo, ou, se eu morrer, meu sucessor, nous maintiendrons!"

A República francesa, por generosa que seja, está condenada por suas próprias instituições à instabilidade governamental, porque não assenta seus fundamentos na única Verdade estável do Universo: Deus. Assim, é impossível prever qual será sua política nos próximos anos.

O êxito dos anti-franceses do Marrocos não depende senão de Paris. Até aqui sempre se encontraram, no momento oportuno, em Rabat, homens que, lutando bravamente pela França — o que aliás não significa pelo atual "statu quo" — repararam, o melhor que puderam, os erros e descuidos dos governos franceses, sabendo dosar a severidade necessária e a não menos necessária generosidade. Sempre se encontraram, no interior do Marrocos, homens que, compreendendo seu dever de franceses, seguiram ao mesmo tempo uma política generosa e francesa, no pleno sentido da palavra, isto é, de compreensão e de amizade na paz, uma política inspirada, apesar do declínio do sentimento religioso na França, na tradição cristã que remonta a Santa Blandina e Santa Genoveva.

Esta generosidade, esta amizade, a maioria dos marroquinos a reconhecem. Circulai nas ruelas tortuosas das velhas cidades do Protetorado, visitai as rudes "qsur" — fortalezas de taipa onde vivem os habitantes do sul — percorrei as montanhas berberes, nos próprios lugares onde se travaram, há trinta ou quarenta anos, que desesperados, e, por pouco que faleis o árabe ou o berbere, interpelai as pessoas que encontrardes e as vereis sorrir com amizade. É um fato inegável, que constitui motivo de admiração até para os mais ferozes nacionalistas, o amor que os franceses do Marrocos devotam, sem segundas intenções, a este belo Pais e a seus habitantes. Esta afeição recorda a grande alma, nobre e cristã, do Marechal Liautey, o homem que fez o Marrocos de hoje.

Mas se os governos da República, em seguida a uma pressão vinda seja dos Estados Unidos, seja da URSS, esboçarem um movimento de recuo, estaremos condenados a ver a ruína da obra francesa no Marrocos. Este pais perderá tudo, e voltará ao caos. Os nacionalistas do Istiqlal, após uma explosão de alegria cheia de ódio, serão varridos eles mesmos, desta vez por um inimigo que nunca perdoa, o comunismo. Desde então toda a África do Norte francesa será sua presa. Que acontecerá com a Europa Ocidental, colocada entre a cortina de ferro a Leste e um novo Estado satélite na África do Norte?

Se, ao contrário, os gabinetes da República, conscientes dos direitos adquiridos pela França com o sangue que derramou, com o trabalho que realizou, com sua ação geral benfazeja, seguirem uma política estável de manutenção da presença francesa, dentro da ordem, da justiça e da caridade, nenhuma dúvida pode haver de que os empreendimentos nacionalistas e comunistas estejam destinados ao fracasso.


VERDADES ESQUECIDAS

Deve-se dizer a verdade sobre os inimigos de Cristo

Da carta à Igreja de Filisos (Séc. II):

QUEM não confessar que Jesus Cristo veio na carne é um anticristo. E quem não admitir o testemunho da Cruz é do demônio. E quem torcer as palavras do Senhor a seus próprios caprichos, dizendo que não haverá ressurreição nem juízo, é o primogênito de Satanás. — SÃO POLICARPO DE SMIRNA.

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Da carta aos cristãos de Smirna, referindo-se aos hereges de certa seita (Sec. II):

PREVINO-VOS contra bestas com forma humana, a que não só não deveis dar acolhida, mas também, quanto possível, nem sequer encontrar-vos com eles: apenas, rezai por esses tais para que, quiçá, se convertam, embora seja difícil. — SANTO INACIO DE ANTIOQUIA.


Instaurado o processo de beatificação do Cardeal Merry del Val

A figura do Cardeal Merry del Val é indissociável da do Bem-aventurado Pio X, e tem na vida da Igreja, não só em seus dias como nos de hoje, o valor de um símbolo. Representa todo um feitio de pensamento, de espiritualidade e de ação. Integridade admirável na fé, intransigência e austeridade na moral, arrojo e combatividade no apostolado, foram as grandes características do Secretário de Estado do Beato Pio X.

Assim, são incontáveis em todo o mundo as almas que anelam pela elevação do Cardeal Merry del Val à honra dos altares. Por isto merece especial destaque a notícia divulgada pela imprensa diária, de que no vigésimo terceiro aniversário de sua morte teve lugar a solene abertura do processo informativo ordinário sobre a fama de santidade, as virtudes e os milagres do Servo de Deus, primeiro passo de importância decisiva para sua beatificação.

Nessa ocasião, o Exmo. Revmo. Mons. Pedro Canísio van Lierde, Vigário de Sua Santidade para a Cidade do Vaticano e Presidente do Tribunal constituído para o processo — o qual será feito naquela Cidade porque nela o inesquecível Purpurado passou a maior parte de sua vida — pronunciou um significativo discurso, em que, depois de ter manifestado ao Santo Padre Pio XII sua gratidão "por ter ele concedido seu augusto beneplácito para que o primeiro passo da causa de beatificação do insigne Servo de Deus se realizasse no Palácio Apostólico", agradeceu também ao Episcopado da Espanha que "patrocinou calorosamente junto ao Sumo Pontífice a causa de seu nobilíssimo Colega, honra e orgulho do povo espanhol". Mais adiante disse o ilustre Prelado: "Nesta hora solene parece pairar sobre nós o espírito do Beato Pio X, circundado de gloria celeste, e ressoam espontaneamente em nosso coração as palavras pronunciadas pelo seu digníssimo Sucessor ao proclamá-lo solenemente Bem-aventurado: Agora que o mais minucioso exame perscrutou a fundo todos os atos e vicissitudes de seu Pontificado... deve-se reconhecer que mesmo nos períodos mais difíceis, mais árduos, mais plenos de responsabilidades, Pio X, assistido pela grande alma de seu fidelíssimo Secretário de Estado, o Cardeal Merry del Val, deu prova daquela iluminada prudência que nunca falta aos santos..." E concluiu pronunciando a seguinte oração: "Beato Pio X, humilde e grande, manso e forte, iluminai-nos, guiai-nos e obtende-nos que a exaltação de vosso íntimo colaborador aumente a glória da Igreja de Jesus Cristo, o esplendor do Sacro Colégio, a fé da católica Espanha, o zelo de todo o mundo católico".