ARTE MODERNA E NOVO EXOTERISMO
Cunha Alvarenga
“FAIR is foul, and foul is fair”, diziam as feiticeiras de Macbeth. Hoje, repete Picasso referindo-se à beleza: "Para mim é uma palavra desprovida de sentido" (citado por René Huygue em "Contemporains", pág. 61 ). A arte moderna desliga-se, assim, do belo, fala uma linguagem diferente, e aqui se acha a razão do equívoco de muita gente, de muitos desavisados que pensam poder compreender e apreciar esse chamado modernismo artístico de acordo com o critério fornecido pelo senso comum.
De Ruy Barbosa houve quem dissesse ser um imenso oceano que se atravessa a vau, com água pelo tornozelo. O mesmo podemos dizer do mar de tinta e papel gastos por uma corrente de críticos de arte católicos no afã de justificar, à luz da sabedoria da Igreja, essas deformações e mistério de certas correntes estéticas. Muito escreve e nada dizem, ou por ignorância invencível do assunto, ou então, se entendem, têm que ser intencionalmente obscuros e também nada dizer, pois os iniciados devem, por força, saber qual o verdadeiro sentido dessa investida revolucionária no setor artístico, não convindo, porém, descerrar completamente o véu aos olhos dos profanos.
O verdadeiro papel da arte
A beleza é um atributo do ser. Verdade, bondade, beleza são atributos essenciais do ser - e são atributos conversíveis, isto é, a verdade, como tal, é boa e bela; a beleza, como tal, é boa e veraz. Ora, tudo que existe é ontologicamente verdadeiro, nada, por conseguinte, devia ser mais comum, mais constante, mais familiar do que a beleza. O feio, o mal, o erro não tem lugar no plano divino de uma criação não poluída pelo pecado. “Deus nos mergulhou na beleza, na medida em que nos mergulhou no Ser, e Ele próprio, ao termo de Seu trabalho criador, rendeu testemunho de que tudo era reto e bom. Sem o pecado dos anjos e dos homens, isto é, sem a alteração da ordem divina, o erro, o mal, o feio nos apareceriam como conceitos vazios de significado prático" (Verbe, n." 38).
A harmonia, a ordem do universo são de uma beleza perene. A beleza não é algo de acidental, de ocorrência fortuita, mas devia aparecer em tudo, desde que tudo estivesse de acordo com o plano divino. Ao ser sensível, ao ser intelectual, ao ser moral, ao ser divino correspondem belezas próprias. O belo não é privilégio da ordem plástica, mas pertence a todos os seres. O papel da arte seria o de desvendar, na medida dos pobres meios de que dispõe o artista, esse atributo essencial do ser. A arte devia concorrer para fazer "sorrir sobre a humanidade o reflexo da beleza e da luz divina... ajudando o homem a amar tudo o que há de verdadeiro, de puro, de justo, de santo..." ( Pio XII em alocução aos participantes do Congresso Internacional de Arte Cristã, setembro de 1950 ).
Uma coisa não é plenamente bela a não ser que seja considerada enquanto inserida totalmente na ordem divina, única perspectiva em que seu ser toma sentido e plenitude. Na medida em que se apartam de seu princípio, ou da ordem divina, ou seres se tornam feios, falsos, maus. A fealdade, como a falsidade, como a maldade, é uma privação do ser. E se se pudesse falar no feio absoluto, diríamos que ele reside no pecado, do qual a doutrina católica nos diz que é uma negação da ordem divina, uma ausência absoluta do ser.
No domínio do irracional
Eis porque é fácil a um católico entender que o problema do belo, considerado em toda a sua amplitude, se insere na perspectiva da moral, pois que é a moral senão a ciência do Bem? Ética e estética se completam, e se dirigem ao mesmo objeto, que é o ser.
Ora, nada disto tem sentido para os corifeus da arte moderna, pois falam uma linguagem diferente. A beleza é por essência objeto da inteligência. É, portanto, a inteligência que tem o primado na obra de arte, diz o bom senso católico. Acontece que, por exemplo, para os surrealistas, "a arte nada mais é do que uma via de acesso à surrealidade". Seria o caso de se indagar frontalmente em que consiste essa surrealidade. Mas, como nem os próprios surrealistas nos poderão responder de modo coerente e uniforme, abordemos o assunto indiretamente.
Marcel Raymond considera que, "de todas as filosofias, o pensamento esotérico, transmitido e enriquecido por uma tradição multissecular, parece ser aquela cujo acordo com o surrealismo apresenta menos dificuldade. O pressentimento de um outro universo, surreal, que absorverá talvez em si o interno e o externo, o subjetivo e o objetivo, e do qual será possível acolher as mensagens morrendo ao sensível... parece ser a consequência mais normal da recusa dos surrealistas e de seu misticismo latente".
"O surrealismo, diz Georges Buraud, é uma forma original de esoterismo, uma restauração da magia verbal e gráfica por métodos em parte novos, ou por velhas disciplinas rebatizadas por uma jovem poesia”. . . "O surrealismo é de inspiração mágica; eis a razão de sua influência, de sua força sugestiva" (Georges Buraud, "Les Magies de l'Esotérisme nouveau" em "Etudes Carmélitaines - Magie des Extrêmes" ).
Visa o surrealismo à fusão no Grande Tudo, por outras palavras, faz profissão de panteísmo. Por isso, e pelos meios que seus adeptos empregam para essa fusão, podemos dizer que enquanto a verdadeira arte se dirige para Deus, o surrealismo e de modo geral a arte moderna se dirigem para o demônio, aliás sem muito originalidade e com muita charlatanice, como passaremos a ver.
Onde começa a magia
RETOMAREMOS esta exposição em seu aspecto histórico em outra oportunidade. Hoje queremos apenas dirigir a atenção de nossos leitores para algumas "coincidências".
Demos o exemplo do surrealismo. Neste movimento notamos duas tendências: a que procura promover a subversão do real e a que procura se envolver no mistério do inconsciente. Para desenvolver ambas as tendências, os surrealistas lançam mão de todos os recursos: exploração do sonho, da loucura, da magia, do metapsiquismo, abandono à libido, ao instintivismo do selvagem, ao automatismo, em um esforço desesperado para arrancar o artista de todas as servidões da moral e da lógica. Essas aberrações não são, porém, exclusivas do surrealismo. Vamos encontrá-las, com ligeiras variações, no cubismo, no expressionismo, no dadaísmo, no futurismo, no abstracionismo e em outros sub-ramos ou satélites dessa cabala artística.
Dado esse aspecto esotérico de tal escola de arte moderna, e sua tentativa de se infiltrar dentro da Igreja através de uma suspeitíssima “arte sacra" e do espírito fortíssimo de "coterie" que une certos elementos católicos em sua ostensiva admiração por essas deformações e alucinações plásticas, é curioso notar como esse surto de magia no setor artístico, a começar pelo romantismo, no início do século passado, e depois pelo simbolismo, foi simultâneo com a palavra de ordem das forças secretas, para nova ofensiva contra a Igreja, mediante a tática, das "infiltrações".
Para esse movimento envolvente, entre outras linhas de ataque, "foi igualmente restaurada a seita dos gnósticos, tornada em 1893 a igreja gnóstica. Em 1906, havendo o patriarca Fabre des Essarts formado uma associação cultural sob o nome de igreja gnóstica da França, essa igreja se dividiu em dois ramos, tendo cada uma sua revista ("Le Réveil gnostique" e "La gnose" ). Foram sobretudo esses grupos que constituíram a "Aliança espiritualista": eles procuram o mesmo esoterismo que se oculta no fundo de todos os cultos, e estudam o espiritismo, o hipnotismo, a magia; desejam explicar o mundo sem auxílio do dogma da criação e terminam no panteísmo imanentista, que é a divinização do homem. Seu principal sistema é o ocultismo, que pretende se ligar ao esoterismo dos antigos filósofos, ao hermetismo da Idade Média, às doutrinas dos templários e dos cavaleiros rosa-cruz, ancestrais dos maçons; seu pontífice é o sr. Albert Jounet que reivindica o título de chefe incontestável dos católicos modernistas e que, sob o nome de Harmonia messiânica, deseja erigir uma síntese que, realizada entre a Igreja e o novo mundo, incorporará as verdades modernas às verdades cristãs, mas rejeitará os erros da Igreja (sic) e os erros modernos" ("Dictionaire Apologétique de la Foi Catholique" 'de A. D'Alés, tomo II, p. 123).
No domínio do satanismo
Eis por que dizíamos, em artigos anteriores, que a moderna subversão artística deve ser estudada dentro de um quadro mais amplo. "Arcaísmo" e "modernismo" se encontram não somente no setor artístico, nessa volta à magia e ao primitivismo da Costa do Ouro e da Guiné ou das ilhas do Pacífico, mas também no setor religioso e político.
E não é sem razão que Toynbee classifica essa arte moderna, representada, em certa fase, pelo futurismo, como autêntico satanismo. "Para demonstrar o satanismo da Arte Sacra (modernista), diz Gaston Bardet, devemos recorrer ao test marial", conforme nos ensina São Luiz Maria Grignion de Montfort. Segundo o tratamento dispensado à Santíssima Virgem, como a horrível Virgem do Miserere de Rouault, podemos facilmente julgar se tal arte serve a Deus ou ao demônio. E isto não somente na Arte Sacra, mas também na atividade comum do artista. Basta que vejamos, por exemplo, o livro intitulado "A Imaculada Conceição" de André Breton e Paul Eluard, para verificar até que ponto chega a perversão desses elementos exponenciais da arte moderna.
Veremos em outro artigo que não se trata de um movimento desarticulado. A mesma central eletrônica aciona todos os "robots" espalhados pelo mundo, o Brasil inclusive.
N. da R.: No artigo "Arte, Magia e Revolução", do Sr. Cunha Alvarenga, que publicamos em nosso último número, onde se lê: "Eis porque o Sr. Alceu de Amoroso Lima... considera o ano de 1952 o ano-zero, o marco inicial de uma nova era", leia-se: "Eis porque o Sr. Alceu de Amoroso Lima... considera o ano de 1922 o ano-zero etc.".
VERDADES ESQUECIDAS
Ser Santo não é ignorar os defeitos do próximo
São Vicente de Paulo
De uma carta a um Religioso que o consultara sobre a conveniência de transferir-se para determinada Ordem:
DEUS me livre de aconselhar quem quer que seja, e muito menos um Religioso, doutor e professor de teologia e grande pregador, como vós, a ingressar nessa pretensa Ordem, pois antes que uma ordem é uma desordem, um corpo que não tem consistência nem verdadeira cabeça e cujos membros vivem com completa independência e sem vínculo algum..., e para dizer tudo em uma palavra, é uma quimera de Religião, que serve de guarida a Religiosos díscolos e libertinos que, desejosos de sacudir o jugo da obediência, ingressam nessa Religião imaginaria e vivem fora de toda regra. Por isso penso que tais pessoas não podem estar seguras em consciência, e rogo a Deus que vos livre de tamanha ligeireza.