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SE A CARIDADE MANDA AMAR OS PECADORES

Plinio Corrêa de Oliveira

Em artigo anterior, prometemos apresentar a solução dada por S. Tomás de Aquino ao problema da legitimidade do ódio. Como lembramos, o romantismo generalizou entre nós brasileiros a falsa noção de que amar é sempre virtude, e odiar é sempre pecado. S. Tomás nos mostra que, pelo contrário, o ódio pode ser por vezes um grave dever.

Publicando o próprio texto do Doutor Angélico (Suma Teológica, IIa. IIae., a. 6), acompanhamo-lo de algumas notas destinadas a facilitar a aplicação dos princípios por ele ensinados, a casos concretos frequentemente verificados na vida quotidiana.

Para se aquilatar toda a importância deste texto, convém lembrar a autoridade de S. Tomás, não só enquanto teólogo máximo da Igreja, mas ainda como Santo, proposto à veneração e imitação dos fiéis.

Se os pecadores (1) devem ser amados (2) em razão da caridade (3).

Parece que, por motivo de caridade, não devem ser amados os pecadores:

1 — Com efeito, está dito nos Salmos (Ps. 118, 13): "Odiei os iníquos". Ora, Davi tinha caridade. Logo, conforme a caridade, mais se deve odiar os pecadores do que amá-los.

2 — Ademais, "o amor se prova pelas obras", conforme diz S. Gregório na homilia de Pentecostes (hom. 30 in Evang.). Ora, os justos não praticam para com os pecadores obras de amor, mas obras que parecem ser de ódio, conforme aquilo dos Salmos (Ps. 100, 8): "Pela manhã eu aniquilava todos os pecadores da terra". E o Senhor deu por preceito no Êxodo (Ex. 22, 18): "Não suportarás que os maus vivam". Em consequência, segundo a caridade, não devem ser amados os pecadores.

3 — Além disso, é próprio à amizade que desejemos para os amigos o que é bom. Ora, os Santos, inspirados pela caridade, desejam o mal para os pecadores, conforme aquilo dos Salmos (Ps. 9, 17): "Sejam precipitados no inferno os pecadores". Portanto, os pecadores não devem ser amados segundo a caridade.

4 — Acresce que é próprio de amigos alegrarem-se com as mesmas coisas e querer o mesmo. Porém a caridade não leva a querer o que querem os pecadores, nem a alegrar-se naquilo em que eles se alegram; antes pelo contrario. Portanto, não é conforme a caridade amar os pecadores.

5 — Por fim, é próprio dos amigos conviverem entre si, como se diz no livro VIII da Ética (C. 5, n. 3: S. Th. lect. 5). Ora, não se deve conviver com os pecadores, conforme está escrito em II Cor. 6, 3: "Retirai-vos do meio deles". Logo, não se deve amar segundo a caridade, os pecadores.

— Porém, é em sentido contrário o que Santo Agostinho diz em I de Doct. Christ. (cap. 30) : "Amarás ao teu próximo, refere-se evidentemente a todos os homens". Ora, os pecadores não deixam de ser homens, pois o pecado não destrói a natureza. Logo, segundo a caridade, deve-se amar os pecadores.

— A esses argumentos respondo que se podem considerar nos pecadores dois aspectos: a natureza e a culpa. Segundo a natureza que receberam de Deus, são capazes de adquirir a bem-aventurança, sobre cuja comunicação se baseia a caridade, como ficou dito acima (A.3; q. 23, a. I, 5). E portanto, segundo sua natureza, os pecadores devem ser amados (4). Porem, sua culpa desagrada a Deus, e constitui impedimento para a beatitude. De onde, em razão de sua culpa, que os torna inimigos de Deus, devem ser odiados quaisquer pecadores, ainda que sejam pai, mãe, ou parentes, conforme S. Lucas 14, 26 (5). Devemos com efeito odiar nos pecadores o fato de que são pecadores, e amar neles o fato de que são homens, capazes de bem-aventurança (6). E nisto consiste amá-los verdadeiramente, conforme a caridade e por amor de Deus.

Ao primeiro argumento, pois, deve-se responder que o Profeta teve ódio aos iníquos enquanto iníquos, odiando sua iniquidade (7), que é o que neles há de mal. É este o ódio perfeito, do qual o mesmo Profeta diz (Ps. 138, 22): "Odiei-os com ódio perfeito". Pois pela mesma razão se deve odiar o que em alguém há de mal, e amar o que há de bom. Por onde também este ódio perfeito pertence à caridade (8).

Ao segundo argumento responde-se que, como, diz o Filósofo no livro IX da Ética (C. 3, n. 3: S. Th. lect. 3): "Não devemos privar nossos amigos pecadores, dos benefícios da amizade, desde que haja esperança de que se emendem: porém mais se deve auxiliá-los a recuperar a virtude, do que o dinheiro que tenham perdido; tanto mais que a virtude é mais afim com a amizade do que o dinheiro (9). Mas, quando caem na mais profunda malicia e se tornam insanáveis (10) deve-se-lhes recusar um trato familiar de amigo. E, portanto, a pecadores tais, de quem mais se deve temer que prejudiquem a outros, do que se pode esperar que se emendem, a lei divina e humana manda que sejam mortos. — É o que faz o juiz, não por ódio deles, mas por um amor inspirado na caridade, amor este que prefere o bem público à vida de uma só pessoa. — Aliás, a morte imposta pelo juiz ao pecador é útil para este, pois se se converter lhe servirá de expiação para a culpa, e se não se converter porá termo à sua culpa tirando-lhe a possibilidade de pecar por mais tempo.

Ao terceiro se responde que as imprecações desse gênero contidas na Sagrada Escritura devem ser entendidas de três maneiras. Primeiramente, como prognóstico, e não como desejo: e assim se deve entender o "sejam os pecadores precipitados no inferno" no sentido de que

(continua)

Legenda: Orar e combater, essas são as ocupações do monge guerreiro, que consagrou toda a sua vida ao serviço da Igreja. Na oração, pede a Deus que o preserve, a si e aos justos, contra as investidas do demônio, do mundo e da carne; e que pelas vias da misericórdia reconduza à vida da graça os inimigos da Igreja. No momento do combate, extermina implacavelmente os ímpios para que não ponham a perder as almas resgatadas pelo sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amor e ódio são as duas virtudes de que o monge guerreiro é magnifico exemplo.