LUX FULGEBIT HODIE SUPER NOS
Plinio Corrêa de Oliveira (Atribuído)
"Lux in tenebris lucet”: foi com estas palavras (Jo. 1, 5), que o Discípulo amado anunciou para seu tempo e para os séculos vindouros, o grande acontecimento que celebramos neste mês. Fórmula sintética, sem dúvida, mas que exprime o conteúdo inexaurivelmente rico, do grande fato: havia trevas por toda a parte, e na obscuridade dessas trevas se acendeu a Luz. Por isto é que a Santa Igreja afirma com estas palavras proféticas de Isaías o seu júbilo na noite do Natal: “A Luz brilhará hoje sobre nós, porque nos nasceu o Senhor. Seu Nome é Admirável, Deus, Príncipe da Paz, Pai do século futuro, e Seu reino não terá fim” (Is. 9, 2 e 6, intróito da 2a. Missa do Natal).
Qual a razão destas metáforas? Porque luz? Porque trevas?
Os comentadores são unânimes em afirmar que as trevas que cobriam a terra quando o Salvador nasceu eram a idolatria dos gentios, o ceticismo dos filósofos, a cegueira dos judeus, a dureza dos ricos, a rebeldia e o ócio dos pobres, a crueldade dos soberanos, a ganância dos homens de negócio, a injustiça das leis, a conformação defeituosa do Estado e da sociedade, a sujeição do mundo inteiro à prepotência de Roma. Foi na mais profunda escuridão dessas trevas que Jesus Cristo apareceu como uma luz.
Qual a missão da luz? Evidentemente, dissipar as trevas. De fato, aos poucos, foram elas cedendo. E, na ordem das realidades visíveis, a vitória da luz consistiu na instauração da civilização cristã que, ao tempo de sua integridade, foi, embora com as falhas inerentes ao que é humano, autêntico Reino de Cristo na terra.
Não é o caso de se fazer aqui a história do crepúsculo da Cristandade ocidental. Basta lembrar que, do século de S. Tomás e S. Luiz deslizamos para esta nossa era de laicismo e de ateísmo militante. Os ricos são novamente duros, os pobres tendem cada vez mais para a rebeldia e o ócio, a crueldade penetrou novamente nas leis dos povos e nas relações entre as nações, a ganância dos homens de negócios não tem limites, as leis são cada vez mais socialistas e, pois, cada vez mais injustas, a conformação da sociedade e do Estado se torna cada vez mais defeituosa. O quadro que traçamos do mundo antigo poderia aplicar-se facilmente ao mundo de hoje, com simples mudanças de nomes, falando por exemplo não de Roma, mas de Washington e Moscou. Essas as trevas. E a luz? A luz é Jesus Cristo, e a luz somos nós, pois “christianus alter Christus”. Como agir para dissipar as trevas? Como fez Jesus Cristo que foi a luz por excelência. Concretamente como? Que métodos empregar?
Poucas vezes talvez, na vida da Igreja, tenha a questão do método de apostolado despertado tanto interesse. As três grandes correntes que a este respeito se delineiam poderiam descrever-se assim:
I - Todas admitem que três são, em essência, os fatores que retêm os homens no erro e no pecado: o demônio com suas tentações; o mundo com suas seduções; a carne com seu aguilhão.
II - Em que proporções agem estes três fatores no produzir a imensa apostasia do mundo contemporâneo? Aqui nasce a divisão. Não pretendemos apontar as várias posições teoricamente possíveis no problema assim considerado, as que se extremam num sentido, as que se extremam no outro sentido, e por fim o meio termo moderado. Queremos registrar apenas os dois estados de espírito mais generalizados, e os vários matizes com que se apresentam.
III - Temos antes de tudo a posição rotineira, que era há alguns anos ainda a mais generalizada, e que consiste em não compreender, em não considerar sequer o problema. Ao escolher para si um campo de trabalho na imensa linha de ação, a muito poucos ocorria considerar previamente, e em seu conjunto, os interesses da Igreja, para tomar posição no ponto mais importante, mais abandonado talvez, e em que o trabalho seria mais útil ou mais urgente. Agia-se ao sabor das circunstâncias. As relações pessoais atraiam para esta ou aquela obra ou associação, e ali se ficava. Ou então um pendor pessoal por certo gênero de atividade, uma circunstância fortuita que fazia ver este ou aquele aspecto de um problema, era o motivo determinante da escolha. Como se vê, este sistema tinha um que de instintivo e irrefletido, e este cunho se transmitia, da escolha do campo de ação para a do método. Seguiam-se pura e simplesmente os precedentes já fixados. Na escolha dos horários, dos temas das reuniões, dos métodos de ação e propaganda, tudo se passava como se estivéssemos meio século atrás.
Este sistema - trata-se no fundo de algo que é, além de um sistema, uma mentalidade e um estilo - tinha inconvenientes tão óbvios que nem é necessário enunciá-los. Manda a justiça que se enumerem algumas das vantagens que - acidentalmente o mais das vezes - trazia consigo:
1) - esta rotina era profundamente ortodoxa, e pois carreava consigo valores inestimáveis e perenes que lhe asseguravam de qualquer forma um teor de espiritualidade e eficácia não despiciendo;
2) - a Providência não dirige as almas apenas por raciocínios científicos, e a espontaneidade das tomadas de posição deixava campo livre aos impulsos da graça, que aponta por vezes o caminho a certas pessoas por meios todo excepcionais.
Não achamos que em tese estas vantagens sejam inerentes à rotina; mas afirmamos que no caso concreto essa rotina tinha ou tem, ao lado de graves inconvenientes, pelo menos essas vantagens.
IV - Ao lado dos rotineiros, havia e há os ardorosos. Para estes, implicitamente algumas vezes, explicitamente outras, o quadro se apresenta muito claro. A questão de saber qual dos três fatores - demônio, mundo ou carne - é o preponderante no mundo de hoje, é em boa parte falsa e inútil, como seria a do homem que, fortemente agarrado pelo pescoço por um agressor, em lugar de reagir, se perguntasse a si mesmo se era do antebraço, do braço ou dos dedos do adversário que provinha o mais forte da pressão. De fato, o homem entregue às volúpias da carne tende a atirar-se com todo o peso de sua miséria às delícias do mundo; e sua alma cheia de tanto lodo está preparada para receber a ação do demônio. Cada um destes fatores abre pois o campo para o outro, em lugar de lhe disputar o terreno. E por isto, instaurado numa alma o jugo do demônio, ela se torna mais escrava do mundo e da carne. É o que se pode chamar um círculo vicioso.
De mais a mais, carne, mundo e demônio não constituem três etapas distintas, três abismos sucessivos. A capitulação diante de qualquer deles, por mais
(continua)