(continuação)
Eisenhower confirma (conclusão)
A proteção contra a catástrofe atômica só poderá vir pelas mãos de Maria
gravemente sobre o país. As agitações no Marrocos, embora resolvidas com êxito por El Glaui, também perturbaram a vida da Metrópole, na qual se nota que a efervescência da África do Norte declinou, porém poderá renascer a qualquer momento. Infelizmente, pois, a recuperação francesa, que é indiscutível, entretanto é muito menor do que poderia ser se a situação nas colônias fosse normal. O ressurgimento espantoso da Alemanha cria para a França uma situação particularmente difícil. O patriotismo francês reage com toda a razão contra a dissolução do exército e do próprio Estado no pot-pourri de povos e de tropas que a C.E.D. tende a ser. A política norte-americana em relação à França se mostra terrivelmente inábil neste sentido. E Churchill agrava com sua conduta os erros americanos. Estas são para a França as perspectivas no Ocidente. No Oriente, apresenta-se-lhe como contrapeso o apoio da Rússia...
De Gaulle retirou-se ostensivamente do terreno da luta partidária. Sua ação contra a C.E.D. parece entretanto ter alcançado repercussão junto ao povo.
Para a Igreja o ano foi difícil na França, em razão do problema dos Padres-operários, e da invasão lamentável do espírito esquerdista em certos meios católicos influentes.
A Alemanha Ocidental viu seu prestigio internacional subir constantemente em 1953. Sua recuperação interna causa assombro. As eleições para o Bundestag foram uma consagração para o chanceler Adenauer. Na Alemanha Oriental, violentas desordens mostraram até que ponto a ocupação comunista é odiada. É difícil saber qual o grau de liberdade real de que goza o marechal von Paulus, e qual a repercussão que sua atuação no cenário político poderá ter na Alemanha. Russos e ocidentais cortejam, cada qual a seu modo, a Alemanha, cuja unificação será, dia mais dia menos, um fato consumado. Operada essa unificação, a Alemanha será, em boa medida, fiel da balança. Para onde penderá? Que surpresas dará ao mundo?
Fiel da balança, visa sê-lo muito nitidamente a Inglaterra. Mas não obstante os esforços que vem fazendo, sua situação interna, como nação e como cabeça do Império levanta obstáculos sérios para tal. É verdade que o gabinete conservador logrou um verdadeiro êxito equilibrando o orçamento. É verdade que a coroação da Rainha foi uma brilhante confirmação de tudo quanto há de grande na Inglaterra e na Commonwealth. Mas no Paquistão, no Sudão, em Suez, na África do Sul, a influência inglesa declina a olhos vistos. Apenas na Pérsia os acontecimentos favoreceram a Inglaterra. Se é verdade que uma tendência acentuadamente direitista se pronuncia, é certo também que o Partido Conservador está com sua unidade abalada, e parece duvidoso que, em caso de dissolução do Parlamento, mantenha o número de cadeiras de que agora dispõe. Ora, um eventual reforço do trabalhismo só pode favorecer a política vergonhosa de renúncias e recuos de Attlee, a que a ascensão de Churchill pôs fim.
A diplomacia espanhola alcançou êxitos reais em 1953. Em primeiro lugar com a assinatura da concordata com a Santa Sé. Depois, com os acordos hispano-norte-americanos que alteraram substancialmente a situação internacional da Espanha. A grande voz do Cardeal Segura ressoou em todo o mundo, como testemunho de admirável fortaleza cristã e espanhola. As relações da Espanha com o mundo árabe não cessam de melhorar.
Portugal, a Suíça, a Bélgica, a Holanda, as monarquias escandinavas, a Turquia, a própria Grécia, parecem ter tido um ano politicamente tranqüilo. Foram sem dúvida os povos mais felizes.
Na Ásia, o armistício da Coréia marcou o ano: armistício não menos carregado de apreensões, que o de 1945 com a queda de Hitler. O Japão se reergue muito silenciosamente. E o noticiário telegráfico não nos dá elementos para saber o que há por detrás deste silêncio. Todos os boatos de cisão entre a China e a Rússia não tiveram confirmação. Colaboram ambas para a bolchevização da Indochina e remotamente da Indonésia. A Índia, cujo prestígio internacional cresce a olhos vistos, é auxiliar incalculavelmente precioso da política soviética. O bloco maometano, que vai do Paquistão ao Marrocos, se afirma sempre mais coeso e influente. Nagib atenuou suas tendências socialistas, mas entretém relações cordiais com a Rússia, e hostiliza com êxito a Inglaterra. Alcançou ele no Sudão uma vitória marcante. A situação persa melhorou para o Ocidente e piorou para a Rússia, mas a estabilidade de Zahedi não inspira confiança. Os mau-mau mantiveram aceso durante todo o ano o fogo da revolta na África.
Quanto à Rússia, a morte de Stalin, a ascensão do triunvirato Malenkov-Molotov-Beria, a “depuração” deste último, os boatos de descontentamento no exército, criaram uma atmosfera de mistério, que continua impenetrável. Só o que se sabe é que a situação russa em caso de invasão dos satélites europeus será má pois as desordens ocorridas na Alemanha e Checoslováquia o provam.
Nos Estados Unidos, a situação interna é confusa. De um lado os democratas parecem estar ganhando popularidade. Mas no extremo oposto cresce a influência de Mc Carthy.
Na América Latina, agitações, revoltas. Na Argentina, modificações na situação interna e externa.
E nosso Brasil? Teríamos demais a dizer. Ficará para uma ocasião que nos pareça oportuna, pois o tema é candente: o próximo número, talvez.
Seria supérfluo lembrar aqui o longo e tedioso “dialogo” Oriente-Ocidente que a resenha da 5ª página rememora. Convém notar simplesmente que ao longo dessa troca de notas a divisão entre franceses, ingleses e norte-americanos não fez senão acentuar-se. Há sérios descontentamentos contra os Estados Unidos na América Latina e no mundo muçulmano, bem como na Coréia do Sul e em Formosa. Em uma palavra, o isolamento dos Estados Unidos cresce sem cessar.
PERSPECTIVA NA QUAL TUDO PARECE PEQUENO
Tudo isto é interessante, é até importante. Mas a que ficará reduzido qualquer destes fatos, ou todos eles em seu conjunto, se algum incidente inopinado exacerbar russos ou americanos e desencadear o dilúvio atômico que nos ameaça? A que ficará reduzido qualquer destes fatos, se os Estados Unidos, cada vez mais isolados no cenário internacional, quer da Inglaterra e da França, quer do bloco maometano, quer de certas nações da América Latina, forem em certo momento julgados alvo maduro de uma investida soviética?
Enfim, o noticiário que acabamos de condensar nos mostra um mundo agitado, confuso, em estado de geral e profunda transformação. De todos os lados saltam centelhas de guerra. A qualquer instante, uma delas poderá provocar o dilúvio da guerra atômica... o que tanto poderá ocorrer daqui a cinco anos ou mais, como poderá já ter sucedido quando esta folha sair a lume.
Contra esta eventualidade, Eisenhower propôs remédios diplomáticos. De que valem eles? Valerão mais, ou valerão menos: isto é discutível. Mas o certo é que por mais que valham, valerão muito pouco, pois são apenas diplomáticos, e o mal é outro.
Não sabemos se Eisenhower conhece as profecias de Fátima. Como protestante que é, se as conhece provavelmente não lhes terá dado importância. É precisamente o que torna mais impressionante a seguinte realidade: o discurso de Eisenhower, tão insuspeito no assunto, prova que as advertências terríveis de Nossa Senhora de Fátima se estão realizando. O mundo até agora não se emendou, e a Rússia está ameaçando difundir por toda a terra seus erros, espalhando guerras e desordens.
SÓ O PAPA APONTOU O VERDADEIRO REMÉDIO
O remédio onde está? Falamos em remédio, não em analgésico para minorar a dor sem lhe eliminar a causa, nem em paliativo que adia a morte, porém não a evita. O remédio só em Fátima pode ser encontrado. É na conversão das idéias e dos costumes, na piedade, na instauração no mundo de uma ordem cristã - o que equivale a dizer católica, pois só o que é católico é plenamente cristão.
E por isto - sorriam os cépticos - só acreditamos numa solução. Foi a que o Santo Padre Pio XII gloriosamente reinante apontou, proclamando 1954 ano marial.
Com efeito, se toda a solução do problema nos há de vir de Nosso Senhor Jesus Cristo, só poderá vir pelas mãos de Maria, a Medianeira Universal. Lançados a um báratro de desordens intelectuais, morais, materiais, carregados de pecados sem conta, como poderemos subtrair-nos à ira de Deus, senão apelando para Sua misericórdia? E como alcançar misericórdia, senão pela prece onipotente daquela que é a mais alta, a mais soberana, a mais larga, a mais delicada, a mais generosa e constante das expressões da misericórdia, daquela que é de algum modo a própria personificação da misericórdia, isto é, a Mãe de Jesus Cristo, nosso Salvador?
Onde todos os esforços humanos parecem estar conduzindo ao fracasso mais estrepitoso, Maria Santíssima pode salvar tudo por um milagre. É este milagre, que no ano de 1954 Lhe devemos pedir.
Seguindo pois jubilosos os desejos do Vigário de Cristo na terra, façamos de 1954 um ano de união filial particularíssima com Nossa Senhora, afim de dela alcançarmos aquilo que é o maior anelo de nossos corações, e a condição para a salvação da sociedade contemporânea: a exaltação da Santa Igreja, a humilhação e confusão de seus adversários.
Nosso clichê da primeira página: operários da Alemanha Oriental ouvem um propagandista comunista.
Nosso clichê da primeira página:
Operários da Alemanha Oriental ouvem um propagandista comunista.
NOTA INTERNACIONAL
RELIGIÃO, POLITICA E ECONOMIA - II
Adolpho Lindenberg
PROSSEGUIMOS hoje nas considerações sobre a política econômica seguida pelas grandes potencias neste tormentoso período de após guerra.
ESTADOS UNIDOS: O sistema de livre concorrência comercial, a liberdade de trabalho, a relativa moderação da legislação social, a independência das empresas em relação ao governo, a inexistência de luta de classe, a aversão com que é encarada qualquer intervenção estatal na economia privada, e inúmeros outros fatores de economia livre que ainda ocorrem na América do Norte, fazem da maior potência mundial o país cuja estrutura social e econômica maior resistência oferece ao processo de socialização. É verdade que o crescente prestígio das organizações trabalhistas AFL e CIO, e certos pontos semi-socializantes do programa do Partido Democrático — seguros sociais extensíssimos e obrigatórios, medicina socializada, intervenção estatal na economia, aumento exagerado dos impostos, etc. — constituem uma incipiente mas seria ameaça às liberdades econômicas de certo modo ainda em vigor nos Estados Unidos.
Felizmente, no entanto, a vitoria do Partido Republicano nas últimas eleições federais e o escândalo da cooperação do governo do sr. Truman com elementos comunistizantes agora revelada, vieram reforçar poderosamente a oposição de grandes setores da opinião pública norte-americana ao socialismo.
FRANÇA: Se o socialismo constitui um fracasso sempre que posto em prática nos países germânicos e anglo-sexões, como aconteceu na Inglaterra de Atlee e na Alemanha de Hitler, o que dizer quando se tenta aplicá-lo sobre povos latinos, individualistas e empreendedores por natureza? Na França, a experiência das nacionalizações dirigida pelo infeliz gabinete Bidault logo após o término da guerra, redundou em um desastre completo. As minas de carvão uma vez desapropriadas, tiveram uma redução de 25% em sua produção, e o pessoal administrativo e burocrático teve que ser duplicado; as usinas Renault começaram a se tornar deficitárias; e a grande industria de construção aeronáutica SNECMA pouco depois de sair das mãos de particulares entrou em falência espetacularmente.
ALEMANHA: O mundo pasma diante da assombrosa reconstrução e recuperação econômica da Alemanha Ocidental e esse sucesso é atribuído geralmente ou ao auxílio financeiro norte-americano ou ao espírito de sacrifício e de organização do povo alemão. Mais acertados andariam os que assim supõem se acompanhassem de perto as atividades do ministro das finanças do governo de Bonn, Ludwig Erhard, que fez da eliminação das leis nacionalistas e socialistas do tempo do nazismo a pedra angular de toda a política econômica da nova administração. Diminuição progressiva dos impostos, transferência para o domínio privado de grandes trustes governamentais, eliminação dos controles de preços, liberdade de trabalho e de comércio, facilidades para a aplicação de capitais estrangeiros, e varias outras medidas da mesma orientação fizeram do marco alemão uma das primeiras moedas do mundo, e elevaram de tal modo a capacidade exportadora da nação que esta se constituiu na principal ameaça para o comércio inglês e "yankee" com a América Latina.
Pouco depois de acabada a guerra, o economista ou sociólogo que se atrevesse, em qualquer país, a criticar os programas de nacionalização e socialização que iam sendo aplicados por toda a parte, seria imediatamente apontado à execração pública com reacionário, inimigo dos pobres, capitalista burguês, antiquado, como um tipo marginal e incapaz de apreender a realidade social, etc., etc. Os fracassos, hoje incontestáveis, das medidas econômicas socializantes dos trabalhistas na Inglaterra e dos demo cristãos na França tiveram pelo menos a vantagem de permitir que nós católicos ergamos bem alto a voz para proclamar que a experiência veio confirmar aquilo que os Santos Padres tantas vezes já ensinaram: que o socialismo é uma aberração das leis econômicas e é visceralmente oposto à natureza humana. Por outro lado, economistas de grande relevo nos dias de hoje, como Jacques Roueff, Louis Rougier, von Mises, John Baker, Hayeck, François Perroux, Walter Lippman e outros, têm publicado uma série imponente de trabalhos condenando o socialismo como sistema econômico.
No Brasil a intervenção do Estado na esfera da economia privada está na ordem do dia: numerosos elementos se batem pela constituição de empresas oficiais para a exploração com exclusividade, de determinadas fontes de energia, como o petróleo, a eletricidade, o carvão, etc.; outros são favoráveis a uma elevação drástica do imposto sobre a renda e sobre a herança; outros, finalmente, anseiam por "reformas agrárias", pela extensão da legislação trabalhista à agricultura, etc.. Por que não aproveitamos a experiência dos países europeus? Por que, sendo o Brasil uma nação nova e progressista como fazemos questão de afirmar, nos apegamos a soluções e sistemas já antiquados e fracassados? A Estrada de Ferro Central do Brasil é a pré-figura do que seria um Brasil socialista. Enquanto, ao contrário, a Cia. Paulista de Estradas de Ferro é a prova da força criadora do brasileiro no campo econômico, desde que o governo não lhe crie embaraços nem o desencoraje por meio de uma legislação socializaste.
A EUCARISTIA COMO ALIMENTO DA VIDA DE FAMILIA
D. Antonio de Castro Mayer
No Congresso Eucarístico Provincial do Paraná, realizado de 25 a 29 de novembro último, em Curitiba, o Exmo. Revmo. Sr. D. Antonio de Castro Mayer, Bispo Diocesano, proferiu brilhante discurso, que causou em todos os congressistas funda impressão.
Falsas concepções da vida de família
Começou o ilustre Prelado por se referir às deformações introduzidas na vida de família pela concepção romântica, que nega o pecado original, afirma a inocência perene de todos os impulsos e movimentos espontâneos do homem, e alicerça a vida doméstica sobre o mero sentimentalismos reputado sempre reto e benfazejo. O resultado disto foi a glorificação do "amor" sentimental, e a degradação de costumes que daí se seguiu, pela negação da legitimidade de qualquer lei e qualquer freio que se oponha aos movimentos cegos deste "amor".
Quando o romantismo produziu todos os seus frutos, seguiu-se-lhe uma reação extrema, e igualmente errada, negando o papel do sentimento na formação do lar, reduzindo o casamento a um contrato feito por vantagens econômicas, e a família a mera sociedade de auxílios financeiros entre seus membros. O utilitarismo moderno, sucedendo ao romantismo do século passado sem lhe remediar as consequências funestas, não fez senão agravar a situação da família no Ocidente.
A solução católica
Para a Igreja, diz S. Excia., a família não se baseia, nem no sentimento, nem no cálculo utilitário. A concepção católica nem é individualista, nem materialista ou coletivista. E acrescenta: Bispo da Santa Igreja, não temos o direito de ensinar meias verdades. Não temos necessidade de cerrar os olhos para a gravidade terrível dos problemas concretos que a vida contemporânea suscita a todo momento, relacionados com a prática da Religião.
S. Excia. mostra, em seguida, que a base da vida de família é, para a Igreja, a pratica da pureza, em obediência à lei natural confirmada pela Revelação. E prossegue apontando todos os obstáculos que as condições atuais de vida criam para a pratica da pureza. Acrescenta que em todos os tempos essa virtude que é prescrita pela lei natural, não pode ser praticada pelas sociedades humanas alheias à verdadeira Religião. Os povos pagãos tiveram a poligamia, os povos heréticos e cismáticos têm o divórcio, e se manifestam incapazes de manter o celibato eclesiástico. A razão disto está em que, para a imensa maioria dos homens, a pureza é virtude que não se consegue praticar sem o auxílio da graça, e pois não a podem praticar as nações que se afastam de Deus.
Daí também o fato de que, quando os povos católicos se vão deixando invadir pela apostasia do laicismo, declina neles a pureza dos costumes:
— Doe-nos dizê-lo — afirma S. Excia. — mas outra prova desta asserção achamos na experiência das nações católicas. Quando nelas se entibia a fé, o laicismo invade o Estado, o ensino, a família, a sociedade, a pureza começa imediatamente a decair. No início deste século, a moral pública censurava e punia com uma espécie de excomunhão, excluindo-a do convívio social, a esposa conhecidamente adúltera, o afastava do recesso dos bons ambientes familiares a jovem simplesmente leviana. Entretanto, por uma lamentável incongruência que trazia em si o estigma do laicismo que começava a dominar, tolerava a impureza entre os jovens e até entre os homens casados. À medida que a influência do laicismo foi crescendo, as devastações da impureza se foram estendendo. Hoje em dia, o divórcio conta numerosos partidários, os costumes se mostram cada vez mais indulgentes para com a esposa adúltera e a jovem leviana. Mais alguns decênios neste caminhar, onde estaremos?
Em que país ocorre a transformação a que aludimos? Com quanta dor o dizemos, com quanto pesar o ouvis. É o Brasil, a maior nação católica da terra!
Falamos sob as vistas de Deus e é preciso que nossa sinceridade seja sem mácula ante Aquele cujo olhar perscruta renes et corda, os corações e os rins. Sobre os pecados públicos e notórios não adianta correr o véu de um otimismo convencional e insincero. Mais vale a pena reparar os pecados que bradam aos céus, bradando igualmente aos céus nossas culpa e nossa contrição, pois só assim obteremos as bênçãos da Misericórdia Divina.
Em nossa própria casa, no exemplo de nosso próprio país temos a prova histórica e social palpável de que realmente a pureza autêntica é superior às forças naturais da imensa maioria dos homens.
"Quem me libertará deste corpo de morte?"
Qual o remédio para essa situação? Aponta-o o ilustre Prelado:
"Infelix ego honro, quis me liberabit a corpore mortis huius? Gratia Dei per Iesum Christum Dominum Nostrum" (Rom. 7, 24-25).
Na falência de todos os recursos humanos, voltamo-nos para Vós, Senhor Jesus. Todos os homens de nossos dias, opressos pela luta interior entre as duas leis, a do espírito e a da carne, poderiam e deveriam exclamar diante de Vós com santa audácia e invencível confiança: "Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte? A graça de Deus por Jesus Cristo, Nosso Senhor".
Porque, Senhor, nos destes leis senão para que as cumpríssemos, e cumprindo-as nos salvássemos, conseguíssemos nosso fim último? Porque morrestes na Cruz e instituístes o Sacratíssimo Sacramento da Eucaristia, senão para que tivéssemos em nós a força sobrenatural necessária para praticar Vossas leis indiscutivelmente pesadas demais para as simples energias de nossa natureza?
Nisto está o triunfo de Vossa misericórdia. Vossa bondade não consistiu em nos deixar atolados em nossa fraqueza, dispensando-nos do cumprimento de leis árduas para nossa miséria. Ela quis ir além, misteriosamente além, e para dar-nos a gloria e a ventura de viver segundo Vosso beneplácito, tonificou o nosso nada, agigantando-nos com os dons de Vossa graça.
Adverte a Igreja que o fiel, reconhecendo humildemente sua incapacidade, deve implorar, numa oração ininterrupta e confiante, da Bondade Divina os auxílios indispensáveis para a prática dos mandamentos. Para quem reza com ardente desejo, para quem implora sinceramente a graça com intuito de lutar pelo cumprimento da lei divina, Deus acorre benignamente com Sua amável onipotência.
"Per Iesum Christum Dominum Nostrum". Eis o Medianeiro cujo sangue fala mais alto do que o de Abel, e do Céu alcança todos os benefícios que restauram a humanidade pecadora. Eis que o pólo da piedade cristã é necessariamente a Sagrada Eucaristia, onde se concentra o Sangue Divino, e como em inefável, inesgotável e preciosíssimo reservatório das misericórdias de Deus. Se do Santo Sacrifício da Missa se irradiam todas as graças, se em nossos altares está realmente o Divino Salvador tão presente como esteve nos braços de Maria Santíssima em Belém, ou nos braços da cruz no Calvário, como não nos voltarmos para a Sagrada Eucaristia afim de Lhe pedir a graça das graças que é a perseverança na virtude?
Ouvem-nos neste momento muitos jovens levitas, apóstolos leigos do Paraná e de todo o Brasil. Permitam eles a um coração de Bispo uma expansão. O segredo de nossa vitória junto às almas não consiste em lhes ocultar quanto é árdua a luta pela pureza. Muito menos ainda em silenciar esta verdade evidente de que na realidade para a imensa maioria das almas, a luta pela salvação eterna se identifica com a luta pela pureza. Não atrairemos as almas condescendendo com modas e modos que são um estímulo constante ao pecado. Bem no centro desta sociedade corrupta devemos cravar a Cruz de Cristo como a serpente de Moisés foi por este ostentada ao povo errante no deserto. Devemos ensinar que fitando a Cruz, implorando humildemente a graça, teremos força para tudo vencer, em vez de capitular ante nossa fraqueza e deitar um manto de esquecimento e de respeito humano diante daquilo que é a glória única, toda a força de atração da Santa Igreja: a Cruz sacratíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Se conhecêssemos o dom de Deus, se conhecêssemos toda a abundância de forças sobrenaturais que jorra da Sagrada Eucaristia, sem dúvida nosso apostolado ganharia em coragem, em desassombro e em fecundidade. Pois o grande apóstolo ou antes o único apóstolo e salvador é Jesus Cristo, na Sagrada Eucaristia. Aproximemos d'Ele as almas e elas terão forças para tudo.
Para ter vida eucarística não basta comungar
Não basta, porém, comungar:
— A comunhão, diz S. Excia. Revma., é a condição indispensável de qualquer vida eucarística, pois sem a recepção do Sacramento falta o elemento essencial que irá desenvolver na pessoa a união com Jesus Cristo.
Não basta porém o simples ato da recepção do Sacramento. Já em seu tempo o advertia S. Paulo: "multi infirmi, imbeciles multi", eram os que se nutriam do pão dos fortes e dos sábios. Por quê?
Porque faltava a assimilação. "Imbeciles, infirmi", porque cifravam sua vida eucarística na simples recepção do Sacramento. Sua união com Cristo não ia além dos minutos da divina presença em seu coração após a Sagrada Comunhão. O esforço para assimilar-se a Cristo faltava, e por isso o Sacramento se tornava ineficaz.
E S. Excia. cita a este respeito o ensinamento do Santo Padre Pio XII, na Encíclica "Mediator Dei":
— "Para que a oblação com que, no sacrifício eucarístico, os fiéis oferecem ao Pai celeste a Vítima divina, tenha o seu pleno efeito, é necessário que eles se imolem a si mesmos como vítimas".
E mais adiante: "Do mesmo modo, nos livros litúrgicos, são exortados os fiéis que se abeiram dos altares para tomar parte nos sagrados mistérios".
"Seja neste altar, prossegue Sua Santidade, o culto da inocência, aqui se imole a soberba, aqui se abrande a ira, aqui se vença a luxúria e toda a paixão libidinosa, aqui se ofereça em vez das rolas, o sacrifício da castidade, e, em vez de pombinhos, o sacrifício da inocência. Assistindo, pois, ao altar, devemos transformar-nos de modo que em nós se extinga radicalmente o pecado, e se restaure e revigore com toda a diligência quanto, por Jesus Cristo, nos confere a vida sobrenatural, e assim nos tornemos, em união com a Hóstia Imaculada, vítima agradável ao Padre Eterno".
"É bem verdade, continua o Papa, que Jesus é Sacerdote; não o é, porém, para Si mas para nós, apresentando ao Eterno Padre os votos e sentimentos religiosos de toda a humanidade; assim mesmo é Vítima, mas para nós, substituindo-se ao homem pecador; ora, o dito do Apóstolo: "tende em vós mesmos os sentimentos de Jesus Cristo" exige de todo cristão que reproduza em si, quanto está nas possibilidades humanas, o mesmo estado de alma que tinha o Divino Redentor quando realizava o sacrifício de si mesmo: a humilde submissão do espírito e a adoração, louvor e ação de graças à Suprema Majestade de Deus. Mais: que reproduza em si mesmo a condição de vítima, a abnegação segundo os preceitos do Evangelho, o voluntário e espontâneo exercício da penitência, a dor e expiação dos próprios pecados. Numa palavra: que todos espiritualmente morramos com Cristo na cruz, de modo a podermos dizer com S. Paulo: estou pregado na cruz com Cristo (Gal. 2, 19)".
Sem Maria não há vida eucarística
Ardente apostolo da devoção a Maria SSma., o Exmo. Revmo. Snr. Bispo Diocesano lembra por fim:
— Jamais podemos esquecer o primeiro e inefável sacrário que na terra recolheu o Salvador do mundo: o seio virginal de Nossa Senhora. Foi nesse sacrário que Jesus se formou homem e salvador, foi nessa primeira comunhão de natureza entre o Verbo Encarnado e Maria Santíssima que se operou a primeira e perfeita vida eucarística, pois teve como consequência a mais perfeita assimilação entre a criatura e o Criador, feito carne para nossa salvação. Divinal modelo de todos os fiéis, é Maria sobretudo o caminho indispensável para chegarmos a Jesus Cristo, isto é, para nos assimilarmos a Jesus Cristo. Em outras palavras, é recolhendo-nos nesse sacrário vivo que é o místico seio da Virgem Santíssima que conseguiremos a transformação necessária de nossas vidas na vida do Salvador, de nossos sofrimentos nos sacrifícios do Divino Redentor, que obteremos a união perfeita de nossas vontades com a Santíssima vontade divina. É Maria que nos proporcionará a perfeita vida eucarística, fazendo-nos vítimas de oblação pura dignas da Hóstia Imaculada, que "ab ortu usque ad occasum solis" glorifica incessantemente a Deus no universo inteiro.
A vida eucarística gera a verdadeira vida de família
E conclui:
— Uma vida eucarística assim concebida forma necessàriamente um povo casto. E de um povo casto, necessàriamente nasce a verdadeira vida de família.
...Assim constituída, com suas raízes alimentadas pelo Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo, a família poderá estender a sua fronde, sempre rica de flores e de frutos, em qualquer latitude, em qualquer clima, sob o sol ardente e abrasador da atmosfera neo-pagã dos países burgueses, ou no vendaval diabólico das regiões em que a perseguição comunista já está desencadeada.
Conclusões
Por fim, S. Excia. Revma. propõe que o Congresso aceite os seguintes princípios, como conclusão de seu trabalho:
1 — Não haverá solução para os problemas do mundo contemporâneo, a não ser que se reconheça a pureza como elemento essencial da honra masculina e feminina, e que deve ser ela não só virtude dos indivíduos, mas hábito social, impregnando a vida da família, os costumes públicos, a difusão do pensamento escrito ou oral e a legislação.
2 — Essa virtude social só é possível mediante uma vida eucarística intensa, que consta não só dos atos de piedade, mas sobretudo do esforço ascético para assimilar a vida de Jesus Cristo, vítima pelos nossos pecados.
3 — Evite-se cuidadosamente nos meios católicos uma falsa pureza de molde naturalista, em que o homem conta só com suas próprias forças, e em que o principal motivo da virtude colhe-se em considerações meramente naturais, deixando de lado as razões e meios de ordem sobrenatural.
4 — Não se procure ocultar, mediante concessões aos costumes neo-pagãos, o que a prática da pureza tem de árduo.
5 — Incremente-se nas famílias e associações católicas o apreço da castidade perfeita, pela veneração do celibato eclesiástico, do estado religioso, da virgindade no século, bem como da fidelidade conjugal da esposa e, igualmente, do esposo.
6 — Como o amor da pureza não existe sem a detestação da impureza, encareça-se o mérito e a oportunidade de uma atitude intransigente em face do desregramento dos costumes, fechando o lar aos casais constituídos à margem das leis da Igreja, à televisão, livros, revistas e jornais imorais, e velando pela pureza e elevação das conversas, especialmente em família.
7 — Não seja a preparação para o casamento eivada de romantismo, cienticismo ou utilitarismo; mas seja ela feita numa atmosfera criada pela visão sobrenatural da vida, em que se exalte o espírito de sacrifício e a fortaleza que os deveres do estado conjugal exigem.
8 — Elimine-se também do noivado o romantismo sentimental, e tudo quanto possa favorecer a sensualidade.
9 — Inculque-se que a pureza e a piedade eucarística só se alcançam por meio de uma ardente e filial devoção a Maria Santíssima.
Cremos, termina o eminente Prelado, que desta maneira teremos preparado a família para se tornar um sacrário eucarístico em que mutuamente crescem a pureza pela vida eucarística, e o fervor eucarístico pela pureza dos costumes.
Na assembléia de encerramento, o Exmo. Revmo. Sr. D. Manuel da Silveira D'Elboux, Arcebispo de Curitiba, declarou que o Congresso fazia suas essas luminosas conclusões.