Jackson um fardo incômodo
Cunha Alvarenga
De como se pretende transformar a legendaria bengala do fundador do Centro Dom Vital no ridículo guarda-chuva do homem de Munique
Por ocasião do 25o aniversário da morte de Jackson de Figueiredo, resolveu o sr. Tristão de Athayde desfazer ou atenuar o mal entendido que afirma existir entre aquele inolvidável batalhador da causa católica e a geração que agora se acha na casa dos vinte anos.
Tarefa árdua, pois na realidade consiste em procurar transformar a legendária e temível bengala do grande Jackson no conciliador e ridículo guarda-chuva do sr. Chamberlain, que a tanto equivale tentar fazê-lo passar de discípulo de Louis Veuillot a discípulo do sr. Maritain.
REVOLUÇÃO E REAÇÃO
Jackson de Figueiredo foi um homem marcado e inconfundível. Contra-revolucionário intransigente, proclamava-se abertamente reacionário, e quando pensou em congregar em torno de si um grupo de intelectuais para combater pela boa causa, qual o patrono que escolheu? Dom Vital, o homem do espanto, o Atanásio brasileiro, vítima da conjuração maçônica que solapou o império e que vem infectando a república desde os seus primeiros dias. Pelo seu destemor, pelas suas atitudes definidas em favor de um movimento católico sem compromissos com qualquer espécie de erros, por mais que estivessem em voga, Jackson alardeava esse título de reacionário por bem saber a origem de tal qualificativo em sua acepção pejorativa. Reação e reacionário são ex-pressões exploradas pelos inspiradores da propaganda revolucionária para ferretear seus adversários, sobretudo os ultramontanos, que sempre se colocaram na linha de frente. Tomando a revolução por representativa em grau de monopólio do progresso social e da liberdade, para aqueles fautores do mal reação vem a ser o "esforço de um partido político ou social, para voltar a um estado anterior; — o partido conservador; — Ultramontanismo; — Absolutismo; — qualquer sistema contrário ao progresso social" ( Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Candido de Figueiredo, edição de 1925, época em que Jackson se achava em plena atividade). Do mesmo modo, para os agentes da revolução reacionário significa "relativo ao partido da reação ou ao seu sistema; — Oposto à liberdade; sectário da reação política ou social" ( op. cit. ).
Eis porque em certos círculos infectados pela propaganda revolucionária nunca esteve em voga atribuir a alguém o título elogioso de reacionário. Só mesmo homens com o destemor de um Jackson de Figueiredo seriam capazes de enfrentar esse modo de combater condenado pelas próprias leis da guerra, e que corresponde ao envenenamento das cisternas. Sendo, portanto, incomoda a posição de um Jackson diante da revolução, os adesionistas preferem dar por morta a reação, com o que parece liquidado o assunto. Assim é que o sr. Tristão de Athayde nos afiança fazer parte o reacionarismo daquilo que "parece ter sido levado pelos ventos e tempestades do último quarto do século". Mas Jackson foi um reacionário, eis a pedra no caminho, eis o fato contundente. Como sair, então, da dificuldade? Nada mais fácil: trocando a palavra reação por outra que, por coincidência, lhe é contrária, isto é, revolução. Ao se colocar ao lado da reação, Jackson de Figueiredo estaria pondo os ombros à roda da revolução no sentido atual da palavra. E ao combater a revolução, por conseguinte, seria sua intenção esbordoar a reação em seu sentido ultramoderno. Pode parecer pilhéria, mas não é.
COMO SE MALTRATAM AS PALAVRAS
Eis o que diz o sr. Tristão de Athayde com todas as letras: "Ora, os termos reação e revolução sofreram, nesses vinte e cinco anos, uma transformação semântica considerável. Os termos reação e reacionário passaram a significar poder arbitrário, hipertrofia do Chefe, centralização estatal, neopaganismo político, imperialismo, etc. Enquanto o termo revolução se vem aplicando a toda transmutação profunda de valores, inclusive os mais espirituais. Para as novas gerações, se chamarmos a Jackson de revolucionário estaremos mais próximos da verdade do que lhe dando o qualificativo de reacionário de que ele tanto se orgulhava" ( crônica "Foi há 25 anos", no "Diário" de Belo Horizonte — 29 de novembro e 1o de dezembro de 1953).
Lamentemos ver como assim se infligem maus tratos às palavras, mas não nos devemos espantar com isso. Pois são elas simples meios instrumentais usados pelos homens para se entenderem uns com os outros. Nem sempre, porém, a loquela é empregada para transmitir a verdade e o bem. Pelo contrário, essa terrível arma também se presta para a dissimulação de intenções. Assim é que à argúcia de Jackson não escapava o verdadeiro conceito teórico e prático de revolução. "A revolução é uma arte, diz Olstock Ryder, mas os revolucionários desejariam que acreditássemos ser ela um cataclisma natural, tão inevitável quanto uma erupção vulcânica — um turbilhão espontâneo da revolta popular contra agravos insuportáveis". Como arte, é intento último e principal da revolução "destruir até os fundamentos toda a ordem religiosa e civil estabelecida pelo Cristianismo, levantando à sua maneira outra nova com fundamentos tirados das entranhas do naturalismo" (Leão XIII na Encíclica Humanum Genus). Eis porque ainda hoje repete Pio XII: "Não, não se acha na revolução, diletos filhos e filhas, a vossa salvação" ( alocução sobre a paz para o mundo e a colaboração das classes, de 13 de junho de 1943 ).
VEUILLOT E JACKSON
Não mudou, portanto, o sentido da palavra revolução para os católicos, e se lhe são dadas outras conotações, isto corre por conta de quem tem interesse em fazer uma cortina de fumaça sobre a verdadeira revolução que continua atuando no seio da sociedade contemporânea. Do mesmo modo, os que se opõem aos progressos da revolução continuam a ser reacionários, e é este o sentido autêntico da palavra: reacionário, ultramontano, é aquele que se opõe ao espírito revolucionário, desagregador das bases naturais e sobrenaturais da sociedade humana remida pelo Sangue de Nosso Divino Salvador.
Se vivo fosse, coerente e desassombrado como era em suas atitudes, continuaria Jackson a remar contra a corrente revolucionária, não dando margem ao menor mal-entendido entre a nova geração e a sua figura ímpar, quanto à mensagem de fogo que nos veio trazer.
Reacionário e ultramontano, tinha Jackson de Figueiredo em Louis Veuillot seu modelo em ortodoxia, em combatividade, em intransigência diante dos direitos da verdade. Não basta, portanto, tentar transformar o Jackson reacionário em um Jackson revolucionário. Seria também indispensável remover essa identidade de ponto de vista existente entre Veuillot e Jackson. Pois bem. Depois de citar a conhecida frase de Veuillot: "Le monde sera socialiste ou chrétien, il ne sera pas liberal", comenta o sr. Amoroso Lima: "O mundo de hoje não é nem socialista, nem cristão, nem liberal. Veuillot partiu do falso postulado de que o mundo seria necessariamente uma só coisa, one world. O mundo de hoje é pluralista. É ao mesmo tempo liberal, socialista e cristão. E outras coisas mais. Essa é a realidade histórica que um Matitain viu infinitamente melhor que um Veuillot. E acredito que o Jackson teria chegado ao mesmo resultado que Maritain. A menos que, por temperamento, desembocasse na catástrofe apocalíptica de Bernanos" ( art. citado ).
A OPÇÃO DO MUNDO MODERNO
De modo que, se ainda vivesse, não haveria outro remédio para Jackson: ou teria que trocar a bengala de sua intrepidez e de sua intransigência pelo guarda-chuva do pluralismo maritaineano, ou então teria que descambar para os desatinos de um Bernanos. Tamanha é a intolerância do sr. Tristão de Athayde que não admite nem sequer que Jackson permanecesse fiel a si mesmo, o que equivale dizer: fiel à Igreja que ele punha como razão norteadora de toda a sua atividade, e ao pensamento político contra-revolucionário que ainda era uma forma de trazer para a arena político-social a defesa da causa católica.
Quando vemos em vésperas de realização as previsões de Veuillot sobre o futuro do mundo, quando, pelos quatro pontos cardeais e num crescendo assustador, a apostasia liberal vai cedendo lugar à apostasia socialista, quer em sua forma crua e declarada, como por detrás da cortina de ferro, quer em sua forma farisaica, através do último estágio da decomposição do democratismo liberal, segundo o qual a lei passa a ser a expressão do número ou da vontade geral manifestada pela alquimia de duvidosos sufrágios demagógicos, — quando Pio XII nos aponta a terrível imagem do Leviatã socialista como um dos maiores flagelos que ameaçam a sociedade humana em nossos dias, vem o trêfego sr. Tristão de Athayde nos dizer que nada nos resta fazer senão nos conformarmos com o liberalismo e com o socialismo e "com outras coisas mais", pois a época é do pluralismo. ... Resta saber se o socialismo segue o figurino pluralista do sr. Maritain no que diz respeito ao Cristianismo, ou se, pelo contrário, como última etapa da revolução, seu fito não será, segundo advertência do Papa, destruir até os fundamentos toda a ordem religiosa e social estabelecida pela Igreja.
Anti-liberal e anti-socialista em uma época em que os estragos causados pelo liberalismo já eram arqui-evidentes e em que os males do socialismo em grande parte apenas podiam ser vislumbrados, hoje em que a fase liberal já se acha superada, e quando o socialismo promove verdadeiras devastações no mundo universo, esse grande espírito que foi Jackson de Figueiredo, se ainda estivesse entre nós, continuaria por certo a dizer, com Veuillot, que a opção para a humanidade não se acha entre o Cristianismo e as meias tintas da mediocridade liberal, mas entre a Igreja e o dragão socialista, último estágio daquela revolução a que de Maistre dava o nome de satânica.
Verdadeiramente, Jackson é um fardo incômodo para aqueles que largaram sua bandeira em meio do caminho e que trocaram Dom Vital e Veuillot pelo infeliz Dom Lacerda e por Maritain. Apresentemos à atual geração o Jackson autêntico, reacionário e ultramontano, afastando desses qualificativos toda a peçonha que lhes procura inocular a propaganda revolucionária. Eis o único modo de desfazer quaisquer possíveis mal entendidos entre esse grande paladino e a mocidade inteligente e generosa de nossos dias.
Os católicos franceses no século XIX
O DEVER DO JORNAL CATÓLICO
Fernando Furquim de Almeida
Observando as diretrizes que presidiam à Restauração, Joseph de Maistre teve a célebre frase que bem sintetiza a política dos Bourbons ao voltarem ao trono da França: "Tudo restabelecido, nada restaurado". De fato, Luís XVIII, de formação voltairiana, não acreditava completamente nos princípios que representava, e era de uma fraqueza que os longos anos de exílio só tinham acentuado. Daí sua incapacidade de promover uma verdadeira restauração. Cercados de colaboradores quase todos revolucionários, limitou-se a restabelecer as aparências da antiga monarquia francesa, sem lhe comunicar o espírito que a animava. Pelo contrário, deixava que os erros revolucionários fossem corroendo o pouco que restava do Ancien Régime.
Profundamente decepcionados com o rei, que viam entregue à louca tentativa de realizar uma simbiose entre a monarquia e a revolução, muitos dos que tinham lutado por Luís XVIII não se conformavam com essa sua orientação, e combatiam-na o quanto lhes permitia a fidelidade devida ao soberano. Surgiu então o nome de "ultras", pelo qual ficaram conhecidos todos os que, embora favoráveis à permanência de Luís XVIII no trono, desejavam uma restauração autêntica, que o rei não fazia. A posição dos "ultras" estava bem definida no dístico "Vive le roi quand même", que o jornal "Le drapeau blanc" ostentava.
O partido "ultra" reuniu o que havia de melhor na restauração. Nas suas fileiras se achavam os elementos mais entusiastas e capazes do movimento legitimista, e sua ação durante o reinado de Luís XVIII impediu que este se tornasse o continuador de Napoleão e da Revolução Francesa.
O chefe dos "ultras" era o próprio irmão do rei e herdeiro da coroa, o Conde de Artois. Infelizmente, porém, quando subiu ao trono sob o nome de Carlos X, Artois, já velho e cansado, não soube manter as tradições da mocidade e continuou a política do irmão, levando a restauração ao completo fracasso, com a queda dos Bourbons em 1830. A culpa, como soe acontecer, foi lançada injustamente sobre o partido "ultra", e durante muito tempo, na França, "ultra" foi sinônimo de incapacidade de realizar qualquer coisa por causa da intransigência.
Quando a facção liberal se constituiu em partido no seio do catolicismo francês, a situação deste tinha muita semelhança com o estado de coisas no tempo de Luís XVIII. O movimento católico nascera com o ultramontanismo de Lamennais. A campanha pela liberdade de ensino e a penetração da ortodoxia do "Univers" tinham tornado quase impossível um católico não ultramontano na França de então. A posição dos católicos liberais era bastante incômoda, e daí a famosa distinção que foram obrigados a fazer entre a teoria e a prática: teoricamente, continuavam ultramontanos; na prática eram liberais, galicanos, etc. Tal como acontecera com o legitimismo no tempo de Luís XVIII, a teoria ficava completamente esquecida e a prática era a única a ser defendida, sustentada e propagada. Essa falsa posição foi o traço de união entre todos os adversários de Veuillot, que assim puderam fazer guerra ao "Univers" numa unanimidade desoladora.
Como exemplo do triste papel que chegaram a representar, basta o seguinte fato. Entre os jornais mais anti-católicos de Paris, o "Siècle" era o mais reles e grosseiro. O "Univers", revoltado com suas infâmias, lembrou que o governo não deveria permitir que a Igreja fosse tão baixa e insolentemente insultada por um jornal. Isso foi o suficiente para que o "Ami de la réligion" publicasse um artigo do Pe. Cognat negando qualquer solidariedade com o "Univers", pois não se deve reclamar a "intervenção do poder nos combates da fé".
O "Univers", mantendo a posição ultramontana com enorme sucesso, era uma reprovação constante da atitude de seus adversários católicos, principalmente dos liberais. Procuraram estes então lançar o descrédito sobre o jornal, chamando Veuillot e seus adeptos de "ultra-ultramontanos". Não obstante, o "Univers" continuou tendo grande aceitação e em franco progresso, enquanto que o "Correspondant" cansava-se de lançar apelos e fazer campanhas para obter assinantes; o que bem demonstrava que, mesmo na prática, era a posição de Veuillot a verdadeira.
Aproveitando a circunstância de ter o "Correspondant" pedido um conselho a seus leitores, Veuillot escreveu um artigo sobre o dever do jornalista e o papel da moderação, que acabou definitivamente com esse jogo de seus adversários:
"A função de jornalista cristão, reduzindo-a à sua expressão mais simples, é ao menos a de sentinela. O dever da sentinela vai algumas vezes até o de fazer fogo; mas deve, no mínimo, examinar o que se passa e dar conta fielmente do que vê. Custos, quid de nocte? Ora, o que é uma sentinela não só desarmada, mas muda, ou que grita invariavelmente: ‘durmam, tudo está tranqüilo’? Somos os olhos e os ouvidos do campo, colocados para assinalar aos chefes o que se passa nos arredores, para atirar sobre aqueles que pretendem assaltar os muros. Deixá-los agir, e mesmos às vezes pactuar, pode ser mais caridoso, mais cômodo, e pode-se mesmo dizer que, num certo sentido, assim se mantém a paz. No entanto, desse modo não advertimos nossos amigos do perigo nem nossos adversários do seu erro, o que é um perigo também para estes. Nossa função perde toda a utilidade, todo o interesse, e os leitores não vêm, ou se vão! Que lhes importam jornalistas sonolentos, contemporizadores, embaraçados, semelhantes a militares de gabinete aniquilados no campo de batalha?"
E terminava: "Por que não estava eu lá? — perguntava o bárbaro, ouvindo a narrativa da Paixão. Em toda parte onde a Paixão de Cristo se renova, estejamos lá. Façamos guerra, uma franca e boa guerra a todos esses doutores, a todos esses gritadores cuja insolência intimida os simples, e cuja falsa sabedoria ilude os ignorantes. Assim salvaremos a honra, e provavelmente mais do que a honra. Merecemos ao menos que Deus nos ajude. Sem nos iludirmos sobre o valor de nossos esforços, faremos no entanto o esforço de não incensar mais os ídolos, de não nos apagarmos diante do erro, de não mais subordinar à nossa sabedoria, sujeita ao temor, os impulsos sensíveis do espírito de verdade. Isso é alguma coisa: é o que se chama procurar primeiro o reino de Deus e sua justiça. O resto, inclusive os leitores, virá por acréscimo.
"O Correspondant pede conselhos: nós lhe damos o conselho de combater o inimigo".
O "Correspondant" nunca chegou a ter muitos assinantes, ao passo que o "Univers" progredia e o número de seus leitores aumentava consideravelmente. Continuar a chamar Veuillot de ultra-ultramontano equivalia a confessar que a intransigência na defesa dos princípios era causa de sucesso. Além do mais, o êxito do "Univers" seria, até certo ponto, reabilitação dos antigos "ultras", o que incomodava bastante aos católicos liberais. Era melhor deixar essas coisas no esquecimento. Daí o desaparecimento da denominação de ultra-ultramontano, que o "Univers" durante algum tempo sustentou com garra.
RESENHA DE 1953
UM ANO DE GUERRA FRIA
VIVEMOS numa época em que os acontecimentos se sucedem com terrível rapidez, cada qual tão crítico, tão complexo, tão sério que exige de nós a maior atenção. Perde-se assim, facilmente, a visão de conjunto dos fatos, isto é, a única "anschauung" em que adquirem todo o seu significado.
Dado o vivo interesse que têm provocado os comentários internacionais estampados nesta folha, estamos certos de atender aos justos desejos de nossos leitores publicando a presente resenha de 1953. Agrupamos os acontecimentos segundo os meses; mas, para maior facilidade da leitura, julgamos preferível não seguir, dentro de cada mês, a ordem cronológica, evitando de expor, uns junto aos outros, e sem nexo, acontecimentos díspares.
JANEIRO
ANTES da posse do General Eisenhower na presidência da República, Churchill vai aos EE.UU. a fim de pedir maior atenção para os problemas europeus.
Prisão de médicos judeus em Moscou. Uma onda de repressão anti-semita se desencadeia na Rússia.
Os novos Cardeais recebem o chapéu das mãos do Papa Pio XII. — Sua Santidade altera a legislação concernente ao jejum eucarístico.
A França, que iniciou o ano sem gabinete em conseqüência da queda de Pinay, tem novo governo. René Mayer é ó presidente do Conselho de Ministros. — O projeto da CED é enviado à Assembléia Francesa.
É descoberto um complot nazista na Alemanha Ocidental.
Os snrs. Foster Dulles e Harold Stassen partem para a Europa, a fim de obter a aprovação do tratado da CED. — Montgomery advoga a participação da Inglaterra na CED.
Se bem que as relações entre a Inglaterra e a Pérsia sejam tensas, continuam normais as relações entre Teerã e Washington. — Mossadegh, investido de plenos poderes, torna-se virtualmente ditador da Pérsia.
Êxodo da população de Israel, que continuará por todo o ano de 1953.
Taylor sucede a Van Fleet no comando do 8o Exército na Coréia. — Noticia-se que, a despeito da guerra na Coréia, o comércio dos ingleses e americanos com a China comunista continua intenso.
Comunistas e ingleses lutam na Malásia. Esta luta continuará durante o ano inteiro.
Os Mau-mau continuam a se agitar na África. Suas atividades não cessarão no decurso do ano.
O "caso" Rosenberg continua a provocar discussões e pedidos de clemência. Truman, prestes a terminar seu mandato, não se pronuncia, e deixa a solução do caso para Eisenhower.
Batismo, e posse de Eisenhower na presidência dos EE.UU.. Nomeação de secretários: todos republicanos conservadores, à exceção do Ministro do Trabalho, que é democrata sindicalista.
Começa uma acentuada tensão entre a Argentina e o Uruguai, que se prolongará durante todo o ano.
Distúrbios na Colômbia e na Bolívia. Continua no Brasil a crise de energia elétrica que não cessará no decurso de 1953.
A opinião pública continua interessada no inquérito do Banco do Brasil.
É sancionada no Brasil a lei do câmbio livre.
O snr. Ricardo Jafet pede demissão da presidência do Banco do Brasil.
Os jornais noticiam distúrbios comunistas em Minas e Goiás, não confirmados posteriormente.
Continua a percorrer o Brasil, conduzida por uma comissão portuguesa, a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima, esculpida segundo as instruções da Irmã Lúcia. Em quase todas as grandes cidades do Brasil, é recebida pelas autoridades eclesiásticas e a população católica a faz alvo das mais ardentes manifestações de fé.
FEVEREIRO
A Itália se declara favorável à aprovação do tratado da CED. — Adenauer recebe uma mensagem de Eisenhower, recomendando a aprovação da CED.
Aproximação entre a Rússia e a Argentina.
Stalin recebe o embaixador da Índia em Moscou.
Diante das primeiras medidas de energia do governo Eisenhower no campo internacional, a Inglaterra toma uma atitude menos enérgica, o que cria entre as duas nações uma divergência que se acentuará no decurso do ano.
Cada vez mais, a Inglaterra se aproxima da CED.
Anunciam-se novos rumos na política internacional americana. Alterando a linha acentuadamente pacifista de Truman, o Presidente Eisenhower, em discurso ao Congresso, anuncia a suspensão do bloqueio de Formosa, e ameaça denunciar os acordos de Potsdam e Ialta.
É proclamada a república no Egito. Acordo entre Londres e o Cairo sobre o Sudão.
Tomam certo vulto nos EE.UU. as atividades do senador republicano Mc Carthy contra o comunismo.
Visita de Perón ao Chile. Discurso propondo a união entre o Chile e a Argentina.
O General Perón anuncia que uma colheita de trigo inesperadamente grande sana a economia argentina.
Desavenças da Argentina e Chile com a Inglaterra, por causa das ilhas Falkland.
É sequestrada judicialmente parte do ouro do Brasil depositado nos EE.UU. Empréstimo de 300 milhões de dólares do Eximbank ao Brasil.
Secas no nordeste. Surgem iniciativas de socorro em todo o País.
MARÇO
VISITA do Marechal Tito, chefe do governo iugoslavo, a Londres.
Morte da Rainha Mary, viúva de Jorge V.
Viagem do Snr. René Mayer, chefe do governo francês, aos EE.UU.
Pacto entre a Iugoslávia, a Turquia e a Grécia.
Visita do Marechal Juin ao Oriente. Viagem do General De Gaule aos territórios franceses da África Ocidental.
No dia 5, morte de Stalin. No dia 20, esboça-se nova ofensiva de paz por parte da Rússia.
Nomeação da Sra. Clara Booth Luce para representar os EE.UU. junto ao Quirinal.
O Bundestag ratifica o tratado da CED.
O Cardeal Alfredo Ottaviani, Secretário do Santo Oficio, pronuncia em Roma importante discurso sobre as relações entre a Igreja e o Estado.
Graves distúrbios em Teerã.
Viagem de Adlai Stevenson, candidato democrata à presidência dos EE.UU. derrotado por Eisenhower, ao redor do mundo. Essa viagem prolongou-se por vários meses.
O snr. Jânio Quadros é eleito Prefeito de São Paulo.
ABRIL
BERIA, Malenkov e Molotov, que governam a Rússia, levam ao auge a ofensiva de paz. São libertados os médicos judeus que haviam sido presos em janeiro. — Churchill propõe uma conferência com Malenkov para resolver a crise internacional.
O Snr. Butler, ministro das finanças da Inglaterra, anuncia haver sido alcançado o reequilíbrio orçamentário pelo gabinete conservador.
O partido liberal do Japão vence as eleições. Iochida continua no poder. Fragorosamente derrotados os socialistas. Os comunistas alcançam apenas uma cadeira.
Invasão do Laos pelos comunistas.
Negociações entre as forças da ONU e o comando comunista sobre os prisioneiros de guerra na Coréia. — Firma-se o acordo sobre a troca de prisioneiros.
Rumores não confirmados de desentendimentos entre a Rússia e a Coréia do Norte.
O Snr. Konrad Adenauer visita os EE. UU.
Suicida-se na Argentina o Snr. Juan Duarte, irmão da Sra. Eva Duarte Perón. São presas muitas pessoas acusadas de dilapidação dos cofres públicos.
Chega a Campos a imagem de Nossa Senhora de Fátima, pessoalmente recebida pelo Exmo. Revmo. Sr. Bispo Diocesano, D. Antonio de Castro Mayer, diante de notável multidão. A imagem permanece entre nós vários dias, sendo objeto de ardente veneração popular.
Em São Paulo, diversos sindicatos exigem aumento de salários. Irrompem greves. Graves distúrbios na Praça da Sé.
MAIO
Os trabalhistas vencem em eleições parciais na Inglaterra,
Churchill propõe a conferência das Bermudas, mas adoece gravemente nas vésperas de sua realização, que em consequência é adiada.
O General De Gaulle dissolve o Rassemblement du Peuple Français. Os representantes desse partido agirão no Parlamento em seu nome pessoal.
Cai o gabinete francês presidido por René Mayer.
O Bundesrat alemão aprova o tratado da CED.
Reaproximação da Iugoslávia com a Rússia.
Substituição dos principais chefes militares dos EE.UU.: Gruenther sucede a Ridgway à frente da NATO, e Radford a Bradley na chefia das forças armadas. Viagem do Secretário de Estado americano, snr. Foster Dulles, e do snr. Harold Stassen ao Oriente Médio.
Atinge a seu auge a crise política na Argentina. Em Buenos Aires, multidão enfurecida incendeia a sede do Jockey Club, destruindo-se nessa ocasião obras de arte mundialmente famosas.
JUNHO
REVOLTAS e distúrbios sacodem os países satélites da U.R.S.S., demonstrando sério descontentamento das populações subjugadas.
Eleições na Itália. O eleitorado manifesta tendências acentuadamente direitistas.
Coroação da Rainha Elizabeth II. Os festejos empolgam o mundo inteiro.
Sobe na França o ministério Laniel. O snr. Schumann é substituído pelo snr. Bidault no ministério das relações exteriores.
Acordo militar entre a Coréia do Sul e os EE.UU..
O snr. Sygmann Rhee, presidente da Coréia do Sul, solta prisioneiros de guerra anti-comunistas. Tensão entre a Coréia do Sul e os EE.UU..
As atividades anti-comunistas de Mc Carthy alcançam ressonância sempre maior em seu país.
Distúrbios na Colômbia.
Viagem do snr, Milton Eisenhower à América do Sul.
Reúne em Campinas o Congresso da FAO. A chamada questão agrária está sendo agitada intensamente nos meios políticos e rurais.
O snr. Oswaldo Aranha é nomeado Ministro da Fazenda.
Começa a circular a Carta Pastoral sobre problemas do apostolado moderno, de autoria do Exmo. Revmo. Snr. D. Antonio de Castro Mayer. A repercussão do notável documento em todo o país faz dele o acontecimento eclesiástico mais importante nas últimas décadas.
(conclui na pagina seguinte)
NOVA ET VETERA
A PROPÓSITO DO CÂMBIO NEGRO
J. de Azeredo Santos
Em sua alocução aos membros da Sociedade Internacional de Ensino Comercial, em 11 de setembro de 1953, mostrava Pio XII como a preocupação da Igreja, em face do comerciante, foi sempre a de assegurar uma verdadeira atividade mercantil, afim de proporcionar aos homens, do melhor modo possível, os bens e os serviços materiais de que necessitam.
Presta o comerciante um verdadeiro serviço a um verdadeiro cliente? Tem esse cliente um poder real de compra que se ajusta a necessidades reais? Entre as fortes tentações contra esse princípio de moral profissional, que ameaçam através da especulação malsã os fundamentos sólidos do comércio, cita o Santo Padre as seguintes: poder de compra falsificado, necessidades fomentadas artificialmente, negócios que chegam a fazer-se desmesurados, instabilidade de tipos monetários legais e, finalmente, a desordem que se insinua nas relações entre o Estado, a política e a economia.
O VERDADEIRO ENRIQUECIMENTO
Esboça o Soberano Pontífice em largos traços, com estas palavras, todo um programa de bem estar econômico: estamos em presença do problema do enriquecimento, do teor de vida do povo e da estabilidade econômica.
O verdadeiro enriquecimento de uma coletividade, ou o aumento da riqueza média per capita, pode ser conseguido pelo incremento da produtividade, que é um problema de eficiência no aproveitamento dos recursos naturais, pressupondo-se constantes os capitais e o número de pessoas que se dedicam ao trabalho, ou então pela maior soma de capitais produtivos em relação a um número constante de indivíduos que realmente trabalham. Em ambos os casos, a condição essencial para que haja um aumento de riqueza per capita, é que haja uma produção real, ou um real benefício econômico.
Ora, o benefício econômico pressupõe um verdadeiro serviço prestado a um verdadeiro cliente, ou, por outras palavras, pressupõe uma melhoria social. "De tal maneira, escreve Azpiazu, que se pôde dizer que um benefício que se traduza unicamente em melhoria da fortuna privada, sem contrapartida da melhoria social, não se fundamenta legitimamente nem na economia nem na moral" ("La Moral del Hombre de Negocios").
ONDE DESAPARECE O BENEFÍCIO ECONÔMICO
Não se traduz em benefício econômico a ação de um ladrão, que rouba e se enriquece à custa de outrem, não só sem aumento, mas até mesmo com diminuição do bem estar social. Do mesmo modo, agem como parasitas sociais os que se dedicam a negócios ilícitos, como os que se entregam às especulações do câmbio negro, ou os responsáveis pela máquina estatal que estabelece impostos excessivos para fins políticos inconfessáveis. Não estamos, nestes casos, diante do enriquecimento oriundo seja da produção de bens necessários à sociedade, seja de serviços a ela prestados, mas de simples transferência injusta dos resultados dos esforços daqueles que realmente produzem os benefícios econômicos.
A função do comércio é aproximar os bens daqueles que deles necessitam. Presta com isto um benefício aos seus clientes, mas quando são estes verdadeiramente clientes? Quando de fato necessitam do bem adquirido, quer para consumo próprio, quer para lhe acrescentar outro benefício real de modo a prestar um verdadeiro serviço a outro cliente. Achamo-nos, assim, em presença do problema do intermediário. Quando é ele realmente necessário? Quando acrescenta um real benefício ao bem adquirido para passá-lo adiante, o que equivale a dizer que é ilícita toda transação comercial sem necessidade, com intuitos meramente de revenda com aumento não justificado de preço.
PODER DE COMPRA FALSIFICADO
Falsificam o poder de compra aqueles que, sem idoneidade financeira e econômica, não produzindo bens econômicos, nem lhes acrescentando qualquer benefício, se entregam a uma especulação malsã, de que foi exemplo a febre de aquisição de condomínios na capital da república, quando um imóvel, muitas vezes apenas existente na prancheta do arquiteto, era negociado várias vezes sucessivamente, deixando apreciável lucro para todos os especuladores.
A par dessa especulação desenfreada que gera a repartição injusta da riqueza e o progressivo empobrecimento de extensas porções do corpo social, surge aquilo a que o Santo Padre dá o nome de fomento artificial das necessidades, O público é bombardeado por todos os lados pelo rádio, pela imprensa, pela televisão, e arrastado por uma propaganda comercial que visa criar necessidades novas, aumentar além de toda a medida as existentes e desenvolver padrões de conforto em desacordo com o nível de vida das diferentes classes sociais. Anúncios que pregam a eficácia de medicamentos completamente inócuos ou mesmo nocivos à saúde, "slogans" martelados para convencer os incautos quanto aos mirabolantes resultados de certos produtos destinados a corrigir defeitos físicos, facilidades de pagamento para a aquisição de inutilidades, enfim, toda a arte da sedução é empregada nesse sentido dos cometimentos em dinheiro ou a crédito por parte do povo, substituindo o critério próprio dos clientes pela atoarda dessa propaganda inescrupulosa.
O ESTADO E A VIDA ECONÔMICA
E dentro desse quadro de corrupção da vida econômica, de negócios desmesurados que dão origem aos trustes e os açambarcamentos dos bens materiais, com a imposição do câmbio negro, temos a instabilidade dos tipos monetários e a desordem nas relações entre o Estado, a política e a economia.
"Uma sã democracia, diz Pio XII, fundada sobre os imutáveis princípios da lei natural e da verdade revelada, será resolutamente contrária àquela corrupção que atribui à legislação do Estado um poder sem freios nem limites, e que faz também do regime democrático, não obstante as contrárias mas vãs aparências, um puro e simples sistema de absolutismo" (Radiomensagem do Natal de 1944). Nesta época de impostura pseudo-democrática, é oportuno observar que o poder do Estado não é absoluto. Não pode ele, consequentemente, dispor arbitrariamente da propriedade privada de seus súditos. A tributação há de ser justa e nunca poderá chegar ao ponto de representar um verdadeiro confisco dessa mesma propriedade privada. E uma vez que o Estado não é o proprietário de todas as coisas, mas o protetor do justo usufruir dos bens por parte de seus súditos, não pode também dispor da política monetária de modo a tornar a moeda instável ou desvalorizada a tal ponto, que corresponda a um autêntico confisco das economias do povo.
A política monetária tem por objeto próprio regularizar a circulação da moeda de maneira a conseguir, na medida do possível, um estado de equilíbrio entre o volume econômico e o volume monetário. Subordina-se a vida econômica à orbita do direito privado, diz ela respeito ao problema da produção, da distribuição e do consumo de bens pertencentes aos homens. Ora, a moeda, subordinada modernamente aos atos do poder político, deve servir à economia, ou ao bem comum, e não aos interesses do grupo político que se acha à frente do Estado.
Veremos oportunamente como se exerce esse desastroso intervencionismo estatal na vida econômica. E como na linha de frente da desordem econômica e social se acham o poder sem responsabilidade e o lucro sem produção, triste consequência do amoralismo que de alto a baixo envolve a sociedade contemporânea.