RESENHA DE 1953 (Conclusão)
Discute-se por todo o Brasil a reforma agrária. O Exmo. Revmo. Snr. Bispo de Jacarezinho, D. Geraldo de Proença Sigaud SVD, publica importante estudo sobre o assunto, contendo diretrizes doutrinárias e práticas do Episcopado do Paraná. O documento desperta grande interesse nos círculos especializados, bem como nos meios católicos.
JULHO
PERDURANDO ainda os distúrbios na Alemanha Oriental, os aliados enviam uma nota à Rússia, convidando-a para uma conferência em que se estudariam os problemas alemão e austríaco. Propõem eleições livres em toda a Alemanha, e a formação de um governo único, com liberdade de ação interna e externa. — Nos setores ocidentais de Berlim, distribuição dos pacotes "Eisenhower" à população do setor russo. — Atrás da cortina de ferro continuam os distúrbios, que se prolongam ainda por vários meses.
Prisão de Laurenti Beria. Malenkov enfeixa em suas mãos toda a direção da política soviética.
Reúnem-se em Washington o snr. Foster Dulles, o ministro do exterior interino da Inglaterra, Marques de Salisbury, e o ministro do exterior da França, snr. George Bidault. Figuram na agenda a guerra da Indochina, a Comunidade Européia de Defesa, e as futuras eleições na Alemanha.
Rumores de descontentamento entre os marechais do Kremlin. A situação interna da Rússia é objeto de notícias e boatos desencontrados, e se manterá enigmática durante o resto do ano.
O snr. De Gasperi desiste da incumbência de formar novo gabinete, que lhe fora confiada pelo Snr. Einaudi, Presidente da República da Itália, e deixa a chefia do governo. A intransigência do premier para com os monarquistas é a principal razão de sua queda.
Carta do Santo Padre Pio XII ao Revmo. Pe. Paulussen, Diretor do Secretariado Central das Congregações Marianas em Roma, erigindo a Federação Mundial das CC. MM., convocando um Congresso universal de Congregações em Roma para setembro de 1954, reafirmando a Constituição "Bis Saeculari" e interpretando-a autenticamente.
É assinado em ambiente de frieza o armistício na Coréia.
AGOSTO
UM comunicado russo, logo confirmado pela comissão de energia atômica dos EE.UU., anuncia que, no dia 12 de agosto, uma bomba de hidrogênio explodiu em território soviético. Sensação nos círculos militares, políticos e científicos do mundo inteiro.
Nota russa aceitando a conferência proposta pelos ocidentais em julho, mediante as seguintes condições: inclusão na agenda, do problema da redução de armamentos; participação na conferência da China comunista; inclusão na agenda, igualmente, da discussão do problema do estabelecimento de bases militares em outros países. Os aliados observam que essa resposta significa uma recusa.
Nova nota russa aos ocidentais. Principais propostas: uma conferência dentro de seis meses; eleições na Alemanha, sem fiscalização de outros países; constituição de um governo provisório único na Alemanha, formado por representantes dos governos atuais, em igualdade de condições; qualquer governo alemão deve se comprometer a não ingressar na CED e na NATO.
Concordata entre a Santa Sé e a Espanha, assegurando, entre outras coisas, que a Religião Católica é a única a ter plenos direitos.
Ascensão do ministério Pella, depois de tentativa malograda do snr. Piccioni. Tensão em Trieste. O marechal Tito, em discurso, reivindica a cidade de Trieste para a Iugoslávia. Em consequência, as potências ocidentais entregam à Itália toda a zona jurisdicional a que tinha direito de acordo com a declaração anglo-franco-norte-americana de 1948. Brilhante vitória diplomática da Itália, que consolida o gabinete Pella. A questão perdurará no decurso de todo o ano, culminando em dezembro com a efetiva entrega à Itália da administração civil da zona a que faz jus.
Golpe no Marrocos francês. O Pachá de Marrakesh, El Glaui, chefia um movimento que depõe o sultão Sidi Mohamed Ben Yussef, acusado de favorecer manobras comunistas, e o substitui pelo príncipe Sidi Mohamed Ben Arafa. O ex-sultão e sua família são internados na Córsega.
Greves na França.
Viagem do Secretário de Estado norte-americano, snr. Foster Dulles, à Coréia do Sul, para obter desta a assinatura de um pacto militar com os EE.UU..
Mossadegh procura realizar um plebiscito. Fuga do xá Rezza Pahlevi para Roma; em conseqüência, a embaixada norte-americana comunica que os EE.UU. não mais reconhecem o governo Mossadegh. Este é deposto pelo General Zahedi. O xá regressa; Mossadegh é preso. Perseguição do partido comunista.
Morre o senador republicano dos EE. UU., Robert Taft.
Vitória eleitoral dos liberais sobre os conservadores no Canadá.
Tem início o "caso" Wainer. Depõem perante a Comissão de Inquérito da Câmara dos Deputados os snrs. Lutero Vargas, Conde Francisco Matarazzo, Ricardo Jafet, ex-diretor do Banco do Brasil.
Visita do presidente do Peru ao Brasil. De 11 a 15 realiza-se com grande afluência o Congresso Eucarístico Nacional de Belém, em preparação ao Congresso Eucarístico Internacional do Rio de Janeiro, em 1955.
O snr. Marcos de Souza Dantas é nomeado presidente do Banco do Brasil.
SETEMBRO
O ano de 1954, em que ocorre o primeiro centenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, é declarado ano marial pelo Santo Padre Pio XII, na Encíclica "Fulgens Corona".
Mons. Costa Nunes, Arcebispo de Goa e Patriarca das Índias Orientais, é nomeado Vice-Camerlengo da Santa Igreja Romana.
Recrudesce a perseguição religiosa atrás da cortina de ferro. É preso o Cardeal Wyszynsky, Arcebispo de Gniezno.
Reúne-se o Congresso das "Trade Unions" na Inglaterra. Manifesta-se entre seus membros uma tendência muito moderada no tocante às socializações. —Instala-se em Margate o Congresso do Partido Trabalhista. As correntes de tendência conservadora preponderam no conclave.
Realizam-se eleições na Alemanha Ocidental. Adenauer obtém uma vitória espetacular. Os comunistas e neo-nazistas são fragorosamente derrotados.
Acordo militar entre os EE.UU. e a Espanha. Fica autorizada a construção de bases americanas no território espanhol e assegurada a cooperação de ambas as potências em caso de guerra contra a Rússia.
A imprensa espanhola protesta contra a atitude francesa em face da deposição do sultão Sidi Mohamed Ben Yussef, do Marrocos, ocorrida no mês anterior.
Os socialistas vencem as eleições na Dinamarca.
O tratado da CED é ratificado pelo parlamento belga.
Nota dos ocidentais à Rússia. Principais propostas: uma conferência em Lugano, no dia 15 de outubro, para discutir os problemas alemão e austríaco; a China não participaria da reunião, nem se discutiria o problema chinês; tampouco se discutiria o problema coreano; eleições livres e fiscalizadas na Alemanha. — Resposta russa formulando diversas exigências; a principal é a participação da China na conferência. A nota provoca decepção em Londres e Paris.
Anuncia-se uma nova política agrária na Rússia.
Correm rumores de que Beria teria fugido do território soviético, encontrando-se na América Latina, Espanha, Iugoslávia, etc.
Kruchev torna-se o terceiro homem da Rússia, ascendendo ao cargo de Secretário Geral da Comissão Central do Partido Comunista.
A Sra. Pandit, representante da Índia, é eleita presidente da VIII Assembléia Geral da ONU.
A Assembléia Consultiva Européia, reunida em Strasburgo, aprova os planos de integração da Europa.
Eleições na Finlândia: direita 50%; socialistas 27%; comunistas 23%.
Noticia-se haver escassez de carne de vaca na Argentina.
Movimento separatista na Indochina, sobretudo no Cambodge. Graves acusações do governo do Cambodge à França. Inicia-se em Teerã o processo do ex-primeiro ministro Mohamed Mossadegh. — O embaixador russo em Teerã tenta suicidar-se. Certos rumores atribuem a tentativa ao fato de não ter esse diplomata conseguido evitar a queda de Mossadegh.
Nehrú, chefe do governo indu, afirma ser necessario o reconhecimento do governo de Pequim pelas nações ocidentais. Grande discussão na ONU em torno da participação dos neutros na conferência de paz na Coréia.
Anuncia-se no Cairo a descoberta de um complot contra o chefe do governo, snr. Nagib.
Rebelião armada na Indonésia. Demissão do Secretário do Trabalho dos EE.UU., o líder trabalhista Martin. — O ex-presidente Truman retira o seu apoio ao governo Eisenhower.
Visita o Brasil, o presidente da Nicarágua.
Rompimento político entre o prof. Lucas Nogueira Garcez, governador de São Paulo, e o ex-governador sr. Adhemar Pereira de Barros.
Define-se grave crise econômica em São Paulo. O snr. Quartim Barbosa, secretário da Fazenda, declara que a situação não é grave, mas calamitosa. O Estado suspende o pagamento dos bônus "rotativos", de credores e de funcionários.
OUTUBRO
O chefe do governo húngaro admite o fracasso da política agrária comunista. O snr. Jagan, chefe do governo da Guiana Inglesa, é deposto por Londres em razão de suas atividades comunistas. Assinado um tratado de auxílio mútuo entre os EE.UU. e a Coréia do Sul.
Anuncia-se que o marechal Von Paulus teria sido condenado a 25 anos de prisão pelas autoridades russas. Pouco depois ele é libertado.
Os três chanceleres ocidentais, reunidos em Londres, dirigem aos russos novo convite para uma conferência.
É assinado um acordo comercial anglo-cino-soviético.
Congresso do Partido Conservador Britânico em Margate. Restabelecido de sua grave enfermidade reaparece no cenário político o snr. Anthony Eden, ministro do exterior.
Uma delegação árabe vai a Madrid, negociar com o governo espanhol.
O general De Gaulle parte em visita aos territórios franceses do Índico. Na volta para na Abissínia, onde visita o imperador Hailé Salassié.
O snr. Nixon, vice-presidente dos EE. UU., inicia uma viagem mundial, de caráter político.
O snr. Foster Dulles admite que os EE.UU. cogitam de um pacto de não agressão com a Rússia.
É assinado um acordo militar entre os EE.UU. e a Grécia.
Para a vaga deixada pelo senador republicano Robert Taft é eleito um democrata. Os republicanos perdem a maioria no senado.
Antigos chefes políticos do Egito são processados por ordem do governo Nagib. Um operário é condenado e enforcado.
Depois de alguns incidentes de menor importância entre árabes e judeus, estes invadem a aldeia de Kybia, cometendo atrocidades.
Tensão entre Tóquio e Seul. Os sul-coreanos aprisionam, em águas internacionais, barcos de pesca japoneses.
Começa o "brain-washing", isto é, as explicações aos prisioneiros da guerra da Coréia que não querem ser repatriados. — O snr. Arthur Dean parte para a Coréia, afim de participar da conferência política como representante da ONU.
Grande movimento separatista no Vietnam.
Visita do presidente da Nicarágua à Republica Argentina.
Visita do General Perón, presidente da Argentina, ao Paraguai.
O governo argentino distende suas relações com a oposição, libertando vários presos políticos. — Aproximação entre a Argentina e os EE.UU.: a) o general Perón afirma que estes estão agora na linha política da Argentina; b) o embaixador norte-americano em Buenos Aires afirma que as declarações de Perón contribuíram para o melhor entendimento entre os dois países; circulam rumores de que o general visitaria os EE.UU..
Viagem do ministro João Alberto à Europa. Chega à Hungria.
Encontram-se na Fazenda "Galo Branco", Estado de São Paulo, o general Eurico Gaspar Dutra, ex-presidente da República, o general Canrobert Pereira da Costa, ex-ministro da Guerra, o prof. Lucas Nogueira Garcez, governador de São Paulo, e outras personalidades civis e militares. O encontro, ao qual se atribuem objetivos políticos, alcança repercussão nacional.
Aprovado na Câmara dos Deputados o projeto da Petrobrás, firmando-se assim a orientação nacionalista em matéria de exploração petrolífera no Brasil.
O snr. Oswaldo Aranha anuncia nova política cambial do governo brasileiro.
NOVEMBRO
Rainha da Inglaterra, Elizabeth II, inicia uma viagem pela Commonwealth. Londres depõe o "rei" da Buganda, de tendência anti-inglesa.
Após a visita de Cardeais franceses a Roma, fica autorizado o funcionamento da obra dos Padres-operários na França, mediante certas restrições.
O gabinete Laniel vê-se gravemente ameaçado na discussão do problema da CED. Salva-o a abstenção dos deputados degaullistas.
Nota muito enérgica da Rússia aos governos ocidentais, exigindo o abandono do plano da CED, o desmantelamento das bases da NATO e a participação da China na conferência sobre a Alemanha. O governo americano reage imediatamente, declarando que as propostas russas são inaceitáveis; a França e a Inglaterra são menos categóricas, mostrando-se dispostas a negociar. — Nota aliada rejeitando totalmente as propostas soviéticas.
Em vista da próxima realização da Conferência das Bermudas, os russos enviam aos ocidentais uma nota consideravelmente mais pacífica em sua linguagem, se bem que mantendo em essência a linha das notas anteriores. Pessimismo em Washington e otimismo em Londres.
Ho-Chi-Minh, chefe do governo do VietMinh, declara-se disposto a negociar a paz com a França.
Eleições na Iugoslávia. Os partidários de Tito são eleitos pela maioria de estilo.
Tensão entre a Espanha e a França. O governo de Madrid expulsa do território espanhol um jornalista francês. Como represália, o governo francês expulsa o correspondente do jornal ABC em Paris.
Correm rumores de que Sygmann Rhee, presidente da Coréia do Sul, e Chiang-Kai-Chec, chefe da China Nacionalista, teriam concluído um acordo secreto quando da visita do primeiro a Taipe, capital de Formosa.
Eleições no Sudão. Contra a expectativa do snr. Anthony Eden, vencem os partidários da anexação do Sudão ao Egito.
Derrota dos republicanos em eleições parciais nos EE.UU.. Perdem a maioria na Câmara Federal.
Explode no cenário norte-americano o caso Harry Dexter White. Este teria sido nomeado para o Fundo Monetário Internacional, por Truman, apesar das advertências feitas pelo FBI, de que se tratava de um espião.
Eleito o snr. Mag-Say-Say para presidente das Filipinas, o que representa a derrota dos elementos comunistas.
Novos sintomas de tensão entre a Argentina e o Uruguai.
Entendimentos comerciais da Argentina tanto com os EE.UU. quanto com a Rússia.
É publicado o relatório do snr. Milton Eisenhower sobre sua viagem à América do Sul. Vivo descontentamento em círculos políticos brasileiros.
Realiza-se com brilho em Curitiba o Congresso Eucarístico Provincial do Paraná, em preparação ao Congresso Eucarístico Internacional de 1955 no Rio de Janeiro.
Um jornal americano atribui ao snr. Oswaldo Aranha declarações contrárias ao capital estrangeiro. Foram depois desmentidas, mas só em parte, pelo titular da pasta da Fazenda.
Uma comissão de senadores norte-americanos visita o Brasil. O professor Vicente Ráo, ministro do Exterior, recebendo-os no Itamarati, protesta contra o descaso dos Estados Unidos em relação ao Brasil, e o espírito preponderantemente mercantil das atitudes norte-americanas para com o nosso país.
DEZEMBRO
O Cardeal Segura y Saenz, Arcebispo de Sevilha, pronuncia importante sermão contra o acordo militar EE.UU.-Espanha, em razão do efeito que o estabelecimento de bases americanas em território espanhol terá no problema da propaganda protestante.
Apresenta suas credenciais o novo embaixador russo na Palestina. — A Rússia e a Índia protestam contra um acordo militar que teria sido firmado entre os EE.UU. e o Paquistão. — São reatadas as relações entre a Inglaterra e a Pérsia.
— Concluído um acordo comercial entre a Índia e a Rússia.
O Santo Padre dirige a palavra ao mundo, por ocasião do Natal.
Falece em Roma o Sr. Cristiano Machado, Embaixador do Brasil no Vaticano.
Reúnem-se nas Bermudas o Presidente dos EE.UU. e os "premiers" da Inglaterra e da França, acompanhados pelos respectivos chanceleres. — Incidentes entre os representantes ingleses e franceses. - As três potências enviam uma nota à Rússia concordando com a realização de uma conferência em Berlim, sobre a Alemanha. — A Rússia propõe o dia 25 de janeiro para o início da conferência.
Inaugura-se a 13a sessão do Conselho da NATO. Assuntos: tratado da CED e rearmamento alemão. Eisenhower propõe a cooperação de todas as potências para manter a paz e aplicar a energia atômica para fins pacíficos.
Os rebeldes comunistas da Indochina atravessam o Laos e atingem a fronteira do Sião.
Em Pan-Mun-Jon, os delegados comunistas insultam os Estados Unidos. — Dean suspende as negociações até que os comunistas se retratem.
Beria é "julgado" e executado com seus "cúmplices".
As tropas italianas e iugoslavas se retiram das fronteiras de Trieste.
Depois de renhida luta política, é eleito Presidente da República da França o snr. René Coty.
Sérias dissensões internas no PDC italiano.
Com o resultado das eleições no Sudão, que representaram grave revés para o Ministro do Exterior britânico, snr. Anthony Eden, surgem rumores de cisão nas fileiras conservadoras, e de queda do gabinete Churchill.
Novo escândalo nos meios políticos brasileiros. Na Câmara Federal o deputado Raymundo Padilha levanta graves acusações contra o snr. Coriolano de Góis, o que dá origem à constituição de uma comissão parlamentar de inquérito. — Continuam os debates sobre o chamado "caso Wainer", na Câmara dos Deputados.
— O prefeito de São Paulo, snr. Jânio Quadros, determina a instauração de processo criminal contra o ex-prefeito Paulo Lauro. — Incidentes escandalosos na Assembléia Legislativa paulista: deputados governistas escalam a mesa da presidência, ocupada por um deputado oposicionista.
Em reunião de governadores, realizada em Curitiba, o Presidente da República, snr. Getúlio Vargas, pronuncia violento discurso contra as empresas estrangeiras de energia elétrica.
Correspondência
Do Revmo. Frei T., de S. Paulo, a respeito do comentário estampado na secção de "Ambientes, Costumes, Civilizações" do no 28, sob o titulo "Tudo igualar: mania e não necessidade":
"Estou plenamente de acordo com o autor quando considera antinatural e anormal que, nas mais variadas circunstâncias e sob os mais diversos pretextos, a mulher pareça homem. A razão e o bom senso aprovam-no. E não menos a Escritura, que considera tal inversão como coisa abominável diante de Deus (Deut. XXII, 5).
"Dele, porém, discordo num ponto: que sempre se deva considerar isto como mania, como manifestação de uma tendência de tudo nivelar, etc., e nunca como necessidade. Isto seria verdadeiro se não houvesse circunstâncias que o exigissem ou justificassem. Certo é, porém, que tais circunstâncias podem ocorrer: veja-se o exemplo de Joana D'Arc. Se tomamos só o caso da veste, Vamos encontrar todos os moralistas — inclusive S. Tomaz — a justificá-lo em certas circunstâncias. Creio que a crítica, para ser de todo objetiva, deveria ter por ponto inicial o esporte em apreço: se a equitação é lícita ou não à mulher... Supondo que tal esporte convenha ao sexo feminino, creio que não seria mania o uso de veste masculina e o modo de montar, mas uma necessidade. A razão está no perigo do salto: pode ser mortal para quem cavalga à maneira das snras. do último quadro (à amazona). Quanto ao traje, também acho adequado para salvaguardar o decoro : o vento não deixa em paz a veste feminina".
R- A base de toda a argumentação de nosso leitor está na necessidade da veste masculina para a prática do hipismo, devido ao perigo de uma queda, e ao risco a que, nesse esporte, o vento expõe o decoro feminino.
Que para a equitação não seja necessário vestir-se nem cavalgar à maneira masculina, mostram as grandes amazonas que, na própria cidade de nosso correspondente, por exemplo, fizeram-se admirar pela destreza, segurança e elegância com que saltavam obstáculos, sem que para isso tivessem precisado renunciar à ampla saia do vestido tradicional desse esporte, nem montar à califourchon.
Quanto ao vento, o argumento parece-nos nimis probare. Vento há sempre, de maneira que a consequência seria acabar com a veste própria do sexo feminino, conclusão que nosso próprio correspondente rejeita. E, aliás, o chamado traje de amazona compreende, sob a saia ampla e longa, culote e botas.
Que a prática de esporte seja conveniente à mulher, a Igreja o reconhece, desde que não seja em público, com exibição ao povo em geral, e observadas integralmente as regras da modéstia feminina. Veja-se o recente discurso do Santo Padre sobre o esporte, e as normas da Sagrada Congregação do Concilio a respeito do traje feminino, que se encontram em apêndice aos atos do Concilio Plenário Brasileiro (Apêndice XX).
Quanto a Santa Joana d'Arc, as circunstâncias que a levaram a usar traje masculino foram absolutamente excepcionais. E só circunstancias tais podem justificar este procedimento.
Isto posto, achamos que o comentário estampado em nossa secção de "Ambientes, Costumes, Civilizações" tem todo o fundamento, isto é, os exemplos ali aduzidos servem para ilustrar, junto com tantos outros, a tendência moderna de tudo nivelar, própria do socialismo que avança e do comunismo que se aproxima, e profundamente contraria ao espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo.
* * *
Do Snr. F. H. R. F., de Campos:
"Seria possível, útil, necessário, ou conveniente, um livro único de cânticos e orações para o Brasil inteiro?"
R - O assunto é da alçada da Hierarquia Eclesiástica. A orientação, porém, podemos deduzir da maneira como trata o Santo Padre Pio XII a questão das associações religiosas e de apostolado. Sua Santidade é contrario ao monopólio. Compraz-se antes na multiforme variedade com que o Divino Espírito Santo adorna a Santa Igreja. Neste ponto, o Exmo. Revmo. Sr. Bispo Diocesano compendiou o pensamento do Papa na proposição 19 de sua Carta Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno: "O Santo Padre Pio XII tem ensinado à saciedade, e mais solenemente, empenhando sua palavra de Pastor Supremo, na Constituição Apostólica "Bis Saeculari Die" de 27 de setembro de 1948 (A. A. S. vol. 40, pg. 393 se.), que e Ação Católica não pode ser organizada à maneira standardizada e totalitária dos Estados modernos. Por isso, no mesmo plano em que estão as organizações fundamentais da Ação Católica, coloca ele as Congregações Marianas e outras associações com fins e forma de apostolado, multiformes em seu espírito, constituição e atividade. E, pelo mesmo motivo, compraz-se o Pontífice na abundância luxuriante das demais associações religiosas".
Quem conhece a historia do Jansenismo, sabe como era muito do espírito dessa seita a mania da standardização em tudo. Não quer isto dizer que todos os que, em matéria de piedade ou apostolado, pretendem reduzir todas as coisas a um só tipo, sejam jansenistas. Mas não deixa de ser interessante conhecer o fato.
Não nos parece, pois, que deva haver um livro único de cânticos e orações para todo o país. É sumamente conveniente, todavia, que o texto de uma oração ou cântico seja sempre o mesmo nos vários livros. Neste particular, a tendência da Hierarquia é para a unidade.
AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas
Plinio Corrêa de Oliveira
O pressuposto de quanto se publica nesta secção é que, por motivos não apenas convencionais, certas cores, certas linhas, certas formas de objetos materiais, certos perfumes e certos sons têm afinidade com estados de espírito do homem. Há cores que são afins com a alegria, outras com a tristeza. Há formas que chamamos majestosas, outras simples. Dizemos de uma família que é acolhedora. E o mesmo podemos dizer de uma casa. Dizemos da conversa de alguém, que é encantadora. E o mesmo podemos afirmar de uma música. Podemos achar que um perfume é vulgar, e o mesmo podemos dizer das próprias pessoas que gostam de o usar.
Ambiente é a harmonia constituída, pela afinidade de vários seres reunidos em um mesmo lugar. Imagine-se uma sala com proporções amenas, decorada com cores risonhas, mobiliada com objetos graciosos, em que há muitas flores exalando um aroma suave; alguém toca nesta sala uma música alegre. Forma-se aí um ambiente de alegria.
É claro que o ambiente será tanto mais expressivo quanto mais numerosas forem as afinidades entre os seres que em tal sala se encontram. E assim, esse ambiente poderá ser, além de alegre, também digno, cultivado, temperante, se a dignidade, a cultura e a temperança existirem nas pessoas e coisas que ali se encontram.
O ambiente será o contrário de tudo isto, ou seja, triste, extravagante, feio, vulgar, se os objetos que o constituírem tiverem, todos, estas notas. Exemplo, algum salão da Bienal de arte moderna que ora se realiza em S. Paulo.
Os homens formam para si ambientes à sua imagem e semelhança, ambientes em que se espelham seus costumes e sua civilização. Mas a recíproca também é verdadeira em larga medida: os ambientes formam à sua imagem e semelhança os homens, os costumes, as civilizações. Em pedagogia, é isto trivial. Mas valerá só para a pedagogia? Quem ousaria negar a importância dos ambientes na formação dos adultos; formação, dizemos com toda a propriedade, pois nesta vida o homem, em todas as idades, tem de se dedicar ao esforço de formar-se e reformar-se, preparando-se assim para o Céu, que é só onde cessa a nossa marcha para a perfeição.
Assim, o católico pode e deve exigir dos ambientes em que está, que sejam instrumento eficaz para sua formação moral.
* * *
Da importância do ambiente para o equilíbrio da vida mental e a retidão da formação moral do homem, temos uma prova na sabedoria, beleza e magnificência com que Deus dispôs todo o quadro da natureza para que o contemplemos. Há no universo, não um, mas mil e mil ambientes, e todos propícios a instruir e formar o homem. A tal ponto é isto verdade, que a Sagrada Escritura numerosas vezes apela para seres materiais para nos fazer entender e apreciar realidades espirituais e morais. O homem, com seu poder limitado, constitui seus ambientes fazendo seres sem vida - móveis, estofos, etc. - e fabricando figuras da realidade: pinturas, esculturas, mosaicos. Deus, pelo contrário, fez a própria realidade, e, Autor da vida, deu realce e riqueza ao ambiente da criação colocando nele seres vivos: plantas, animais, e sobretudo o homem.
De que poder de expressão são para este último os seres inferiores e sobretudo os animais, temos provas no Evangelho. Assim, no seu formoso sermão de missão dos apóstolos, (Mt. 10,16 ), Nosso Senhor nos dá a pomba e a serpente como modelos de duas altas virtudes: a inocência e a prudência.
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Harmoniosa nas linhas, simples no colorido, graciosa nos vôos e nos movimentos, "afável" para com os outros animais, pura e cândida em todo o seu ser, a pomba nada faz que possa sugerir a idéia de rapina, de agressão, de injustiça, de intemperança, de impureza. É pois muito adequadamente que na linguagem do Salvador é símbolo da inocência.
Mas algo lhe falta: as aptidões pelas quais um ser assegura sua sobrevivência, na luta contra os fatores adversos. Sua perspicácia é mínima, sua combatividade nula, sua única defesa consiste na fuga. E por isto o próprio Espírito Santo nos fala em "pombas imbecis, sem inteligência!" ( Ozeas 7, 11 ).
O que nos faz lembrar certos católicos deformados pelo romantismo, para os quais a virtude consiste só e sempre em apagar-se, em baixar a cabeça, em levar pancada, em recuar, em deixar-se calcar aos pés.
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Quão diversa é a serpente, agressiva, venenosa, falsa, perspicaz e ágil! Elegante e ao mesmo tempo repugnante; frágil a ponto de poder ser esmagada por um menino, e perigosa a ponto de matar um leão com seu veneno; adaptada por toda a sua conformação, seu modo de mover-se e de agir, ao ataque velado, traiçoeiro, fulminante; tão fascinante que em certas espécies hipnotiza, e ao mesmo tempo espalhando em torno de si o terror, é ela bem o símbolo do mal, com todos os encantamentos e toda a felonia das forças de perdição.
Mas em toda esta malícia quanta prudência, quanta astúcia. A prudência é a virtude pela qual alguém emprega os meios necessários para chegar aos fins que tem em vista. A astúcia é um aspecto, e de certo modo um requinte da prudência, pelo qual se mantém todo o silêncio e se empregam todos os disfarces lícitos, necessários para se chegar a um fim. Tudo na serpente é astúcia e prudência, desde a penetração de seu olhar, até o esguio de sua forma, e o terrível de sua arma essencial: uma só e pequena perfuração na pele da vítima, mas através disto, um veneno que em poucos instantes circula pelo corpo inteiro.
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O Íbis nos dá um exemplo magnífico de como se podem aliar numa só ação a inocência da pomba e a astúcia da serpente. Faz ele seu ninho em árvores, e protege com vigilância e energia a sua progênie. Exemplo de virtude séria e forte, que assim dá ao homem.
Vem porém a cobra, e traga-lhe um ovo, ameaçando deglutir os demais. Não menos hábil e capaz do que o réptil, o íbis o ataca no ponto certo, inutilizando-lhe todos os recursos de agressão e de defesa. Depois de algum tempo de pressão, a serpente entrega o ovo, e cai desfalecida ao chão.
O íbis alcançou um objetivo honesto como a inocência da pomba, empregando os meios de luta que venceram em astúcia a serpente.