CRISE INTERNA, A GRANDE LIÇÃO PARA NÓS
ATÉ aqui, temo-nos calado acerca do rumoroso caso dos "Padres-operários". Não tínhamos ainda em mãos os documentos essenciais sobre o assunto, e não queríamos agir com base em noticiário de agencias telegráficas, tantas vezes suspeitas e mal informadas.
Hoje, porém, damos a conhecer a nossos leitores três daqueles documentos. Do insuspeitíssimo jornal católico de Paris "La Croix", traduzimos o Comunicado dos Bispos franceses em cujas Dioceses havia Padres-operários, e a triste resposta que 73 dentro estes resolveram dar às decisões daqueles Príncipes da Igreja. Do "Figaro", outro grande diário parisiense, traduzimos um artigo muito sintomático do sr. François Mauriac. Para facilitar a leitura desses textos, acompanhamo-los de notas, todas da autoria desta redação. Publicamos igualmente diversas fotografias que permitem medir em toda a extensão quanto foi funda entre os Padres-operários a laicização.
Sabe-se que a Igreja dera prazo até 1o de março, para que os Sacerdotes recalcitrantes se submetessem às ordens recebidas, deixando os empregos que ocupavam em fábricas, e os cargos que exerciam em sindicatos operários. Não temos notícia sobre se esses esperados atos de submissão foram numerosos ou não. Não entendemos necessário aguardar tal informação, para tratar do assunto com nossos leitores. E isto por uma razão fácil de compreender.
Com efeito, ainda que os Padres-operários se submetam, os fatos escandalosos que culminaram com a eclosão da crise, e a própria crise em si mesma, constituíram sintoma iniludível de um estado de coisas gravíssimo. De um estado de coisas tão grave que levou perto de cem Ministros do Senhor a dois passos da catástrofe, se não ao fundo do abismo. E com eles muita gente sem dúvida. Pois um Padre, para subir ao Céu como para cair no inferno, raramente vai só.
Para que a crise seja efetivamente encerrada, será preciso que os Padres-operários se submetam com uma dessas submissões completas e irrestritas, das que o grande Bispo francês São Remígio tão bem definiu: queimem o que adoravam, e adorem o que queimavam.
Realmente, se tal não se der, se o misticismo falso e delirante que deu origem a um verdadeiro escândalo mundial não for inteiramente rejeitado por aqueles que eram ao mesmo tempo suas vítimas e seus apóstolos mais ardentes, ele continuará a queimar sob a cinza do silêncio. E, dia mais dia menos, produzirá mais uma vez seus frutos amargos. É preciso ir até a causa, é preciso encontrar e extirpar a própria raiz. E esta raiz é o delírio igualitário e naturalista, com visível tendência marxista, que penetrou em tantos meios católicos, e que arrancou ao Emmo. Cardial-Arcebispo de Toulouse, Mons. Saliège, as seguintes palavras:
"Tudo se passa como se houvesse uma ação orquestrada por certa imprensa mais ou menos periódica, por certas reuniões mais ou menos secretas, tendente a preparar no seio do Catolicismo um movimento de acolhida ao comunismo.
"Ha guias que o sabem, e asseclas inconscientes que caminham sob suas ordens" (apud "Documentation Catholique", 18-10-53, p. 1315).
Estamos certos de que os Padres-operários verdadeiramente emendados serão os primeiros a auxiliar a Igreja nesta obra de desinfecção doutrinaria.
A matéria tem uma atualidade palpitante. Primeiramente, porque os Padres-operários despertaram no Brasil admirações ardentes. Em segundo lugar, porque abre os olhos para um fato cuja incompreensão pode constituir, e até já tem constituído, um dos maiores óbices à ação esclarecedora desta folha entre nós.
Com efeito, precisamos ser homens de nosso tempo, e compreender à luz do exemplo dramático dos Padres-operários que uma crise muito grave lavra nas fileiras católicas; que há tendências internas profundas que minam mentalidades mais ou menos superficialmente católicas; e que fechar os olhos para essa crise, julgar que ela se resolve com sorrisinhos e silêncio, é praticar a política do avestruz. Se além disto se chega a caluniar e apedrejar em nome da união e da caridade os que apontam o problema, isto deve se chamar uma verdadeira traição, voluntaria ou não.
Devemos ser homens de nosso tempo. Ver os problemas religiosos fazendo abstração dessa crise interna que é a grande característica de nossos dias, é o mesmo que enfrentar um adversário moderno com as armas com que nos defendemos da invasão de Solano Lopes. É o mesmo que usar obstinadamente o carro de boi em lugar do avião, como meio de locomoção. É o mesmo que preferir à sulfa e à penicilina os emplastros, os unguentos e as mandingas de outros tempos.
Detivemo-nos na análise do artigo de Mauriac. Pode ser que ulteriormente ele venha a escrever mais moderadamente sobre o caso. Mas o certo é que jamais um artigo destes sairia da pena de um escritor que merecesse realmente a aureola com que enfeitam sua figura os que no Brasil o aclamam um dos "quatro evangelistas da nova cristandade". Que tal escritor tenha entre nós tantos admiradores, é coisa a que não pode ser indiferente um observador atento...
Temos algumas referências à Ordem Dominicana. Claro está que nossas palavras devem ser entendidas em seu sentido mais estrito, aplicando-se unicamente aos fatos e coisas a que diretamente aludem. E assim mesmo temos uma ressalva a fazer. Não pretendemos emitir juízo sobre o Noviciado do Saulchoir, por nos faltarem documentos. Supomos que os fatos sejam como no-los pinta Mauriac.
Quanto à Ordem Dominicana enquanto tal, aprovada e enriquecida de bênçãos pela Igreja como as demais Ordens Religiosas, e toda refulgente da gloria do Rosário, da Suma Teológica e da Inquisição, não podemos senão amá-la.
DIRETRIZES DA HIERARQUIA ECLESIÁSTICA
25 de janeiro do corrente ano, o jornal católico parisiense "La Croix" publicou a seguinte declaração dos Bispos franceses que tinham sob sua jurisdição Padres-operários:
"I — EVANGELIZAÇÃO DO MUNDO OPERÁRIO. - Profundamente angustiados com a situação religiosa em que se encontra o mundo operário, os Bispos abaixo assinados, prestando embora mais uma vez sua homenagem aos Sacerdotes que se dedicam ao serviço dos trabalhadores no ministério paroquial, bem como aos apóstolos leigos da J. O. C. e da A. C. O. (1), reputam necessário, pelo menos em certas regiões, consagrar determinado número de Sacerdotes a um apostolado especial, destinado a tornar o Evangelho e a Igreja mais acessíveis aos operários. Estão, pois, decididos a destacar Padres para assegurar, em ligação com o Clero paroquial e os militantes leigos, um apostolado sacerdotal no meio operário (2).
II — FORMA DE APOSTOLADO SACERDOTAL NO MEIO OPERÁRIO. - Só a Igreja pode determinar as modalidades de vida compatíveis com o exercício do sacerdócio (3). Reconhecendo embora a generosidade e a magnífica dedicação dos Padres que tinham enviado ao mundo operário (4), e a quem tinham permitido trabalhar em fábricas, os Bispos abaixo assinados declaram, em íntima união com o Sumo Pontífice (5), que essa experiência, tal como evoluiu até hoje, não pode ser mantida em sua forma atual, e que, daqui por diante, o apostolado sacerdotal em meio operário deverá conformar-se com as diretrizes contidas na declaração dos CardEais Liénart, Gerlier e Feltin, declaração essa que foi aprovada pelo Santo Padre (6).
III — EXIGÊNCIAS DA VIDA SACERDOTAL. - Antes de tudo, quer a Igreja salvaguardar o que constitui a missão própria do Sacerdote (7). Quer Ela dar ao mundo operário Padres genuínos que vivam, em meio a este mundo e para ele, uma vida plenamente sacerdotal. Ora, o Padre é consagrado para oferecer a Deus a adoração de todo o povo, principalmente pela celebração da santa Missa e pela oração pública do breviário; ele é também, junto aos homens, o dispensador dos benefícios divinos pela pregação da palavra de Deus e pela distribuição dos Sacramentos. Eis porque a Igreja pede aos Sacerdotes que envia ao meio operário que daqui por diante não trabalhem senão por um tempo limitado (8). É também para salvaguardar a orientação essencial do seu sacerdócio, que Ela lhes pede a renúncia a qualquer compromisso temporal (9). Afim de que de futuro não possa mais haver confusão, os Sacerdotes que exercerem apostolado em meio operário não serão mais chamados "Padres-operários", mas Padres da missão operária (10).
IV — A IGREJA E O TRABALHO MANUAL. - A Igreja honrou sempre o trabalho manual, principalmente na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo Filho de Deus, quis trabalhar com suas próprias mãos (11). Se a Igreja pede aos Padres da missão operaria que não trabalhem cada dia senão por tempo limitado, é para os colocar em condições de desempenhar todas as obrigações de oração e de apostolado que assumiram quando se tornaram Sacerdotes (12).
V - RECURSO À ORAÇÃO. — Os Bispos pedem ao Clero e aos fiéis que rezem pelos Sacerdotes (13) que, tendo-se empenhado pouco a pouco (14) em uma forma de vida e de atividade que não pode ser mantida, sofrem por certo com as diretrizes dadas (15). Conforme a declaração dos três Cardeais, os Bispos abaixo assinados lhes fizeram conhecer as modalidades práticas de aplicação. Mais do que nunca, nestas horas dolorosas, precisam eles das orações de todos".
NOTAS DA REDAÇÃO: (1) — Aqui se afirma um princípio importante. De modo geral, todo fiel deve ser apostolo no meio profissional ou doméstico em que vive. Mais especialmente, a tarefa deste apostolado incumbe aos membros da Ação Católica, isto é, aos congregados marianos, jocistas, etc. Este apostolado no meio profissional ou doméstico é de grande eficácia, pois atinge pessoas de outra maneira inatingíveis, e é exercido com pleno conhecimento de cada ambiente, seus verdadeiros problemas, sua psicologia própria, etc. O normal é que seja feito por leigos, pois estes, como é evidente, estão ligados aos ambientes profissionais e domésticos que formam a própria contextura da sociedade temporal.
O Padre, pelo contrário, está numa condição especial. Os deveres sacerdotais, a dignidade de Ministro do Senhor, fazem dele um elemento à parte. "Clero" quer precisamente dizer, em grego, "separado". Tal separação não implica numa renúncia a influenciar o mundo. Pelo contrário, o Sacerdote tem, pela santidade de sua vida, pela nobreza de seu ministério, pelo prestígio de sua participação na Hierarquia de Ordem da Igreja, pela pregação e sobretudo pelo valor sobrenatural dos Sacramentos, meios de influência incomparáveis.
A ação especifica e insubstituível do Padre, e a ação complementar valiosa do leigo, conjugam-se, cada qual em seu campo próprio, para assegurar o triunfo de Cristo-Rei.
É o que os Padres-operários negavam, querendo instituir uma ação de tipo inteiramente novo.
(2) — Em circunstancias excepcionais, como as do operariado francês, pode a Igreja destacar para o contacto direto com os trabalhadores, mesmo fora do âmbito paroquial, alguns Padres.
Em que condições estes Padres deveriam exercer seu apostolado? Devia este apostolado considerar-se um complemento da ação do Clero paroquial e do laicato católico? Ou devia suplantar um e outro?
A propósito destas questões nasceu a crise...
Vê-se que os Bispos tomam posição perante o problema, elogiando e apostolado do Clero paroquial e do laicato.
(3) — O sacerdócio foi instituído por Jesus Cristo para o serviço da Igreja. A esta compete dispor tudo quanto for necessário para assegurar a dignidade e eficácia do ministério sacerdotal. O Padre dá-se à Igreja ao receber as sagradas ordens, e, pois, deve aceitar o que a Igreja determinar para sua santificação e para o êxito do seu apostolado.
Os Bispos afirmam assim sua autoridade. Negando este princípio, numerosos Padres-operários se revoltaram.
(4) — Nenhum coração católico pode deixar de se sentir confrangido ao ler estas palavras. Sacerdotes de "generosidade e magnífica dedicação" arrastados por um falso misticismo ao escândalo e postos a dois passos da apostasia! São estrelas que caem do Céu! Como não rezar por eles e como não maldizer o misticismo falso que os transviou!
(5) — Declaração da mais alta importância: é o próprio Sumo Pontífice que deseja pôr cobro aos excessos dos Padres-operários.
(6) — Idem.
(7) — Trata-se pois de uma crise que pôs em risco valores dos mais sagrados e substanciais na Igreja. O Padre é "sal terrae, lux mundi" (Mt. 5, 13). Se alguma coisa põe em perigo "a missão própria do Sacerdote", é o mundo que está abalado.
(8) — É uma definição de princípios, que afirma a incompatibilidade entre a missão do Sacerdote e o exercício de uma profissão temporal, como a do operário. Este mesmo princípio foi exposto com notável clareza no item 31 do Catecismo anexo à Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno, de nosso preclaro Bispo Diocesano.
O "tempo limitado" são três horas por dia.
O pretexto dessa laicização do Padre era a penetração no meio operário. Como se o apostolado do Clero paroquial e o do laicato de nada valessem, e a condição de Sacerdote não tivesse exigências próprias imprescritíveis!
(9) — Muitos Padres-operários tinham se inscrito em sindicatos e outros órgãos profissionais: posição falsa, pois o Padre não pode ser membro de um corpo profissional de caráter inteiramente civil e temporal.
(10) — "Padre-operário" é expressão ambígua, que dá a idéia de que um mesmo homem é legitimamente uma e outra coisa, Padre e operário. E que o Padre pode ser habitualmente, além de Padre, um mero profissional. A designação nova é muito mais prudente.
(11) — Se pois a Igreja coíbe os abusos dos Padres-operários, não é porque despreze o trabalho manual. Agiria do mesmo modo com hipotéticos "Padres-diplomatas", "Padres-médicos", "Padres-engenheiros", se a tentativa de laicização do Sacerdote se tivesse dado no campo profissional do diplomata, do médico ou do engenheiro.
(12) — Mais uma vez se afirma a incompatibilidade entre as exigências da vida sacerdotal, e a integração do Padre na vida profissional profana.
(13) — Grave e suave dever. Quem não se sentirá inflamado de zelo pela salvação de tantas almas sacerdotais arrastadas ao erro por um falso misticismo detestável!
(14) — Assim são as falsas místicas, e em nossos dias mais especialmente a mística do igualitarismo naturalista. Começam por interessar. Depois entusiasmam. Por fim deslumbram. E como ultima etapa levam à ruiva.
(15) — Os Bispos não se desinteressam do sofrimento dos Padres-operários. Mas nem por isto deixam de tomar as providencias necessárias para atalhar o mal. Belo exemplo de equilíbrio! Fazer sofrer é triste. Mais triste ainda é deixar que as almas descambem para o erro e o mal.
COMUNICADO DOS PADRES OPERÁRIOS INSUBMISSOS
O diário católico parisiense "La Croix" publicou em 4 de fevereiro p.p. um comunicado de Padres-operários, precedendo-o do seguinte comentário: "Os matutinos de quarta feira divulgaram um comunicado que lhes foi distribuído pelos Padres-operários.
"Cremos de nosso dever, como órgão de informação que somos, dar conhecimento integral desse comunicado a nossos leitores. Fazendo-o, vencemos o desgosto que provoca em nós a leitura de um texto tal, bem como a repugnância que sentimos em o ver figurar em nossas colunas".
É o seguinte o texto do comunicado assinado por 73 Padres-operários (1):
"No momento em que milhares de trabalhadores (2), na França como no exterior, marcham rumo a sua unidade, na defesa de seu pão, de suas liberdades, e da paz; enquanto os patrões e o governo acentuam a exploração e a repressão movidos pelo intuito de sustar a todo o preço os progressos da classe operária e salvaguardar seus próprios privilégios (3), as autoridades religiosas impõem aos Padres-operários condições tais, que constituem o abandono de sua vida de trabalhadores e a deserção da luta em que estão empenhados solidariamente com todos os seus camaradas (4).
Esta decisão se apóia sobre motivos religiosos. Parece-nos, entretanto, que nossa vida de operários nunca nos impediu de continuar fiéis à nossa fé e ao nosso sacerdócio (5). Não vemos como, em nome do Evangelho, se possa proibir (6) Sacerdotes de compartilhar da condição de milhões de oprimidos e de ser solidários com suas lutas (7).
Mas cumpre não esquecer que a existência e a atividade dos Padres-operários desconcertaram os meios habituados a pôr a Religião a serviço de seus interesses e de seus preconceitos de classe (8). As pressões (9) exercidas por esses meios e as denúncias de toda a sorte, e de todas as procedências, estão longe de ser estranhas às medidas atuais.
Se estas medidas fossem mantidas, concorreriam para perturbar a consciência dos cristãos empenhados na luta da classe operária (10), no momento em que se fazem tantos esforços para os desviar do combate comum e lançar o descrédito sobre sua fé. Os Padres-operários reivindicam (11) para si e para todos os cristãos (12) o direito de se solidarizar com os trabalhadores em seu justo combate.
Os militantes operários (13) da classe operária confiam nos Padres-operários e respeitaram seu sacerdócio. Este respeito e esta confiança, que eles continuam a nos tributar impedem que aceitemos qualquer compromisso que consistisse em pretender continuar na classe operária sem trabalhar normalmente sem assumir os encargos e as responsabilidades dos trabalhadores (14). A classe operária não tem necessidade de pessoas que "se inclinem sobre sua miséria", mas de homens que participem de suas lutas e de suas esperanças (15). Em consequência, afirmamos que nossas decisões serão inspiradas por um total respeito à classe operária e à luta dos trabalhadores por sua libertação" (16).
NOTAS DA REDAÇÃO: (1) — Chamamos a atenção de nossos leitores para a extensão terrível desta crise: 73 Padres em revolta! O que pode haver de mais triste e perigoso?
E depois, se fossem só eles! Quantos fiéis, extraviados por seus exemplos, não estarão solidários com eles? E nas próprias fileiras do Clero Secular e Regular, não terão adeptos? Estamos por demais longe do teatro dos acontecimentos para responder. Mas estas perguntas não podem deixar de encher de preocupação qualquer coração zeloso, tanto mais quanto, segundo notícias de jornais fidedignos, três Provinciais da Ordem Dominicana na França foram destituídos pelo respectivo Mestre-Geral.
(2) — Nas notas seguintes, insistiremos sobre dois aspectos: naturalismo e luta de classe. Aqui não se distingue entre operários católicos ou não, nem se trata de fazer um movimento operário católico. O ponto de vista é inteiramente leigo e naturalista.
(3) — A expressão é injusta por sua generalidade. Não distingue entre patrões bons e maus, virtuosos e díscolos. O clima é de luta de classes, segundo os slogans de Moscou.
(4) — Em outros termos, as autoridades religiosas — é uma réplica ao comunicado dos Bispos feito segundo a vontade do Santo Padre — traem o operariado, para fazer, talvez inconscientemente, o jogo infame dos patrões e do governo.
(5) — As medidas de prudência impostas pelos Bispos conforme o desejo do Santo Padre se inspiram pois em receios quiméricos.
(6) — As medidas de prudência determinadas pelo Episcopado são também ilegítimas. Não se pode impor aos 73 Sacerdotes revoltados que deixem seu estilo de vida.
(7) — Ainda uma vez, luta de classes. Todos os patrões são ruins. Os governos os apóiam. Os operários precisam sacudir o jugo. Ponto de vista naturalista: trata-se de dar pão aos operários. Quanto à sua conversão, parece estar no segundo plano.
(8) — Slogan de sabor marxista. Luta de classes.
(9) — Palavra ambígua e injuriosa. Teriam as Autoridades Eclesiásticas cedido a ameaças, em detrimento da causa da justiça?
(10) — Clareza absoluta...
(11) — Contra quem? Contra a Igreja, é claro!
(12) — Incitamento aos fiéis, para que também se revoltem.
(13) — Note-se: os militantes operários "in genere", católicos ou não. Sempre ponto de vista leigo. Não se trata de converter, mas de dar pão.
(14) — O respeito e a confiança dos bons católicos e da Igreja de nada valem. Acima de tudo está o respeito e a confiança daquilo que é para eles o valor supremo, ou seja, a classe operaria.
Para conservar este respeito e esta confiança recusam a solução dada pela Igreja ao seu caso.
(15) — Manifesta censura à decisão dos Bispos.
(16) — E a Igreja, o que está valendo para estas almas sacerdotais obcecadas pela adoração do ídolo bolchevista que é a massa?
MAURIAC: POR UMA NOVA CRISTANDADE
O"Figaro" de 16 de fevereiro de 1954 publica o seguinte artigo de François Mauriac, sob o título acima: "Teria causado grande admiração aos homens políticos do fim do século passado quem lhes predissesse que algum dia a opinião francesa seria transtornada pelo fato de serem removidos por ordem de Roma alguns Religiosos franceses. É verdade que esta medida está ligada a outra que acaba de interromper um apostolado operário cuja fecundidade aparece melhor hoje: teria sido necessária esta extirpação para que descobríssemos quão profundas eram suas raízes. Em que se tinha transformado o grão de mostarda plantado pelo Cardeal Suhard em nosso terreno julgai-o por esta enorme árvore abatida à margem do caminho, que perde sua seiva como seu sangue, e na qual as aves do céu não farão mais os seus ninhos (1).
Deus sabe que não tenho nenhum prazer em fazer o papel dos "Cardeais verdes", como em outros tempos se chamavam os membros da Academia que se imiscuíam nos negócios da Igreja. Mas calar é um dever sem risco. Há 48 horas, as cartas, os apelos me chegam de todos os lados. "Não podemos gritar a não ser por vossa boca" (2). Grito de dor, não de revolta (3). Porque esses Padres, esses leigos intelectuais, esses estudantes temem que este seu silêncio induza a Santa Sé em erro, e lhe faça crer que eles não sentiram o golpe (4) no mais íntimo do seu ser. Toda a ala (5) vanguardeira da Igreja de França foi atingida muito dolorosamente (6): é preciso que as Congregações Romanas o saibam (7).
Elas já não podiam ignorar (8) que os Padres-operários se tinham tornado parte integrante do proletariado francês (9), que eles lhe estavam incorporados como Padres (10), como testemunhas de Cristo e da Igreja. É preciso revelar hoje a Roma outra verdade (11): que o laicato jovem, que era o grande pensamento de Pio XI, foi formado em grande parte, na França, pela Ordem de S. Domingos: Sept e Temps Presents outrora, hoje La Vie intellectuelle, as Editions du Cerf, constituem a fonte viva na qual toda uma geração veio nutrir sua fé. Que tenha havido imprudências, posições temerárias, nós o admitimos. Certos aspectos do apostolado dominicano podem ter irritado. Do "dominicano de choque", todos nós falamos mal. Mas hoje que eles foram atingidos nos seus mais eminentes teólogos, nós vemos melhor o que a Ordem encarna em nosso meio: o espírito dominicano é o espírito de liberdade no seio mesmo da Igreja, em estreita união com a Sé de Pedro (12).
Estremece-se ao saber que o Santo Ofício esteve a ponto de atingir a Ordem, entre nós, em sua própria raiz, golpeando o Noviciado de Saulchoir (13). Na França, tocar nos filhos do Padre Lacordaire, atingi-los mortalmente, equivaleria a dinamitar uma de nossas catedrais. Neste ponto se delimitam mal os direitos imprescritíveis da Igreja, e os não menos imprescritíveis da Nação (14). Certamente seria injusto imputar a Roma o erro cometido pelos homens políticos da 3a República. Não é fato seu a denúncia da Concordata. Se agora o Núncio Apostólico em Paris (15) não é um agente diplomático como os outros, se ele detém em terra francesa (16) um poder real mais extenso do que o de qualquer dos membros do governo (17), não podemos culpar senão a nós mesmos, ou melhor, a Emile Combes que apresentou, fará uns cinquenta anos no mês de novembro, o projeto de lei sobre a separação da Igreja e do Estado. Mas é na medida em que os católicos da França são católicos em que se pode confiar inteiramente, na medida em que se encontram vinculados por toda a sua fé e todo o seu amor, à Sé de Pedro, na medida enfim em que o risco de um cisma, no que lhes concerne, não é sequer imaginável (18), nesta medida é que eles se sentem mais premidos de encontrar um recurso (19). Seus Padres, seus Religiosos não podem permanecer mais tempo à mercê de denúncias (20) que, infelizmente (e Roma poderia tirar muito bom partido de no-lo lembrar), vêm quase todas da própria França. "Procurai entre vós aqueles que vos acusam", dizia-me recentemente um romano. Essa Concordata que a 3a República destruiu, a 4a República, no interesse da Igreja e da França, não teria razão para restabelecê-la, adaptada às exigências de nossa época? Coloco a questão. Mas o de que estou certo é que, se a ofensiva (21) em curso prosseguir sem respeitar aquilo que é devido a esta Santíssima Igreja de França (22), formadora e modelo de todas as outras tanto na filosofia, na teologia, como no apostolado missionário (23), a Nação inteira se sentirá atingida na pessoa de seus melhores filhos (24). Seria, parece-me, do interesse da Igreja, em um debate (25) desta ordem, encontrar um dia diante de si um interlocutor (26) que detenha um outro direito além daquele de se calar (27). Sugiro a idéia ao eloquente Maurice Schumann, que talvez se lembre de ter terçado suas primeiras armas ao meu lado sob a bandeira de S. Domingos".
NOTAS DA REDAÇÃO: (1) — Mauriac vê com lirismo essa "grande árvore abatida". Suas palavras velam a outra face da realidade. Se a grande árvore está abatida, a culpa disto não é do lenhador corajoso que em boa hora a deitou por terra. É ou não é verdade que o espírito de revolta fizera, desta árvore, uma figueira estéril de frutos de santidade? Desde que isto se deu, desde que a árvore começou a produzir frutos venenosos, como não a abater?
E se culpado houve, quem foi ele? Certamente não Roma, mas quem fez da árvore boa a árvore maldita.
Isto, Mauriac não o vê, ao que parece... E não nota que a seiva que corre do tronco ferido tem veneno...
Diante do quadro que ele pinta, fica-se com antipatia do lenhador. E nós teríamos vontade de beijar as mãos do lenhador e o machado de que ele se serviu.
(2) — Acusação velada. Roma estaria tão iracunda, tão intratável, que puniria qualquer representação dócil de seus filhos! Estes então só poderiam falar pela voz de Mauriac. Diante de Mauriac, o Vaticano estacaria. E pudera! Quem não tem medo de seu espadim de membro da Academia?
(3) — E porque não um grito de gratidão? Quando a Santa Sé condena, não é para matar mas para dar vida. É como o cirurgião que fere para curar. Esta dor sem gratidão não é revolta?
(4) — Ainda uma vez, foi um golpe? É assim que um filho recebe a reprimenda de seu Pai?
(5) — Expressão vaga e inquietante, que insinua o grande poder da tendência "golpeada" pelo Papa.
(6) — Tem-se receio por esta ala se, como diz Mauriac, as decisões de Roma só lhe causaram dor, e não gratidão.
(7) — "Saber" para que efeito? Mauriac terá sido muito inábil, se não percebeu que estas palavras têm de per si um nítido tom de ameaça.
(8) — Outra censura clara... mas "sem revolta".
(continua)