ARTE CRISTÃ INVADIDA PELO DEMÔNIO
Cunha Alvarenga
As considerações que até aqui vimos tecendo sobre o real significado de certa arte moderna, quer nas deformações de seus ramos figurativistas, quer no charlatanismo esotérico das alas abstracionistas, encontram honrosa e altamente credenciada confirmação em um artigo de Sua Eminência o Cardeal Celso Costantini sobre arte sacra, publicado no "Osservatore Romano" de 11 de outubro do ano próximo findo.
Para certos críticos de arte católicos, adeptos dessas alucinações plásticas, a razão pela qual a autoridade eclesiástica reprova "obras primas" como a "igreja" da Pampulha reside em dois fatos principais: 1) possuir a liturgia leis e exigências próprias que tais obras não satisfazem; 2) não estar o povo preparado para recebê-las. Chocariam elas o primarismo estético da massa, que a impede, dizem, de compreender a linguagem plástica empregada pelo artista de vanguarda.
Uma questão de primarismo estético?
QUANTO à primeira razão, não entraria a Igreja no mérito da obra de arte em si mesma considerada, coisa reservada aos críticos. A arte moderna simplesmente não se enquadraria, em determinados casos, dentro das exigências da liturgia, sem, entretanto, impedir o fiel católico de aderir a esses novos padrões estéticos e de afirmar seu alto valor.
Pela segunda razão alegada, chegaríamos à conclusão de que não se deveria reprovar essa arte dita de vanguarda e os seus criadores, mas sim o comum dos fiéis católicos, equiparados a massa bronca e ignara, portadora de uma burrice córnea que a impediria de assimilar a linguagem plástica de gênios da envergadura de um Picasso, de um Matisse, de um Orozco ou de um Portinari.
Ora, até aqui nos ocupamos não apenas da arte sacra, mas da arte em seu aspecto geral, e demonstramos que, em si mesma, certa arte moderna traz uma mensagem demoníaca que a torna inaceitável em qualquer espécie de ambiente e para qualquer espécie de público. E são essas razões de ordem geral que fundamentam sua incompatibilidade com a genuína arte sacra. É evidente que também na arte há uma hierarquia de valores e que tanto maior será a abominarão dessas deturpações quanto mais elevado for o tema tratado.
É o que afirma o Cardeal Costantini: "Alguns artistas, seguindo a moda hodierna de um falso primitivismo, ou de uma selvagem tendência à deformação, e de um abstratismo metafísico, pretenderam entrar em nossas igrejas com figurações que ofendem o senso cristão dos fiéis. É o caso de lhes dizer com Dante:
... nella chiesa
co' Santi, ed in taverna co' ghiottoni
(Inf. XXII)".
( ...na igreja com os santos e na taberna com os glutões).
Deformações da verdadeira arte
Os Sumos Pontífices Pio XI e Pio XII, continua o ilustre Purpurado, pronunciaram uma solene condenação de tais tentativas. Palavras de Pio XI: Tantas obras de arte, indiscutivelmente e para sempre belas... trazem-nos ao pensamento (quase por irresistível força de contraste) certas outras assim chamadas obras de arte sacra, que não fazem pensar no sagrado e torná-lo presente senão porque o desfiguram até a caricatura, até uma verdadeira e própria profanação.
"Palavras de Pio XII: Não podemos, entretanto, por dever de Nossa consciência, deixar de deplorar e reprovar aquelas imagens e formas por alguns recentemente introduzidas, que parecem ser depravações e deformações da verdadeira arte, e que por vezes repugnam abertamente ao decoro, à modéstia e à piedade cristã, e ofendem miseravelmente o genuíno sentimento religioso; elas devem absolutamente se manter afastadas e se pôr fora das nossas igrejas, como em geral tudo aquilo que não se acha em harmonia com a santidade do lugar".
Como se vê, as condenações da Igreja atingem essas próprias deformações e depravações da verdadeira arte, que devem ser combatidas não somente em nome desta última, mas também e sobretudo em nome da Fé. Citando carta recebida do Cardeal Jorge Grente, Bispo de Mans, escreve Mons. Celso Costantini: "Nós, co-irmãos no sacerdócio, nós, guardiães das vivas tradições da arte cristã, devíamos nos insurgir contra esses desvios não somente em nome da arte, mas também e sobretudo em nome da Fé. Hoje em dia se consuma um atentado pior que a heresia iconoclasta, porque se deita o machado sobre as raízes do Cristianismo. O comunismo combate radicalmente a concepção espiritual da vida, combate-a até no campo da arte sacra. Artistas e estudiosos escrevem-me denunciando essa nova ofensiva anticristã. Picasso é um comunista, e, segundo as graves palavras do poeta Claudel, ultraja sacrílegamente a figura humana, feita à imagem e semelhança de Deus: vir imago et gloria Dei est (1 Cor. XI, 7)".
Blasfêmias articuladas com pincel e escalpelo
Não há muito tempo, em um debate público sobre arte moderna, um publicista católico conferia a esse mesmo Picasso o título de profeta. Profeta, sim, dessa anti-igreja do demônio, que os seus discípulos tentam trazer para os lugares santos. "A pintura sacra é em si mesma uma liturgia, escreve um professor da Universidade de Friburgo. Devemos nos convencer de que é uma verdadeira blasfêmia deformar o aspecto de Deus feito homem, desarticulá-lo, dar ao Verbo encarnado uma fisionomia sinistra, idiota e patibular" (apud art. cit.).
"Quem frequenta as exposições, mesmo as de arte sacra, prossegue S. Em. o Cardeal Costantini, nota com desgosto como tantos artistas fazem de Cristo, da Virgem, e dos Santos, tipos repugnantes, com aspecto simiesco ou apalermado, que evocam as taras dos manicômios".
É o caso do Cristo-proletário de Orozco, com as feições de Lenine, dos atentados cometidos por Rouault contra a figura da Santíssima Virgem, ou daquele ridículo São Francisco de Assis dos azulejos de Portinari na citada "igreja" da Pampulha.
Não se trata, portanto, de mera falta de conformidade com os cânones da liturgia, mas de ação diabólica contra a qual nos devemos insurgir com maior vigor do que contra as blasfêmias orais, pois estas se desfazem no ar, mas as blasfêmias proferidas com o pincel e o escalpelo permanecem. Isto afirma o eminente Purpurado que vimos citando, para acrescentar: "Um dia se apresentou a Cristo um homem invadido por uma legião de demônios. Solicitou a cura e explicou que os demônios pediam que os enviassem a outros corpos. Cristo livrou o possesso e os demônios entraram em uma vara de porcos. Certa arte cristã se acha invadida pelo demônio e devíamos exorcizá-la. Para onde irão os demônios, não é coisa que nos preocupe. Façamos nosso o grito do Apocalipse, fechando as portas de nossos templos aos blasfemadores da arte cristã: Foris canes (Ap. XXII-15)".
Arte abstrata e maniqueísmo
Assim confirmado o que vínhamos expondo sobre o satanismo de certa arte figurativa moderna, vemos também que não menos suspeita aos olhos desse ilustre observador que se coloca no alto das Colinas Eternas é a chamada arte abstrata, contra a qual já havíamos premunido nossos leitores e cujas raízes gnósticas serpeiam pelas seitas ocultistas e teosóficas.
Eis o que nos diz o Eminentíssimo Cardeal Costantini a respeito deste ramo da arte de vanguarda: "Pretendeu-se, também, levar às nossas igrejas a arte não figurativa, isto é, um jogo de linhas e de cores, um verdadeiro abstracionismo. Sobre o frontão de uma igreja em França foi feita uma experiência desta arte, que pretendia representar o Sagrado Coração. Não há ali traço do Sagrado Coração, mas simplesmente um desenvolvimento de linhas e um contraste de cores. Os fiéis, nos vitrais e nos afrescos desejam ver as figuras, desejam rezar diante das sagradas imagens.
"O Cristianismo é a religião da Encarnação: et Verbum caro factum est (Jo. I, 14). Isto representa um imenso progresso em confronto com a arte de Israel e do Islam. Jesus Cristo viveu entre nós como Homem e nós desejamos ver a sua Divina Humanidade. A arte não figurativa nos faz recordar a antiga heresia do docetismo, na qual se negava a realidade corpórea de Cristo".
Alucinações pneumáticas
Ora, que é o docetismo senão um dos muitos disfarces do gnosticismo e do maniqueísmo, manifestado no ódio à matéria e à humanidade insuflado pelo demônio? Tendência que ressurge hoje na magia, nas falsas místicas orientais, no sincretismo religioso de fundo panteísta. Sincretismo religioso esse que, por sua vez, se transpõe para o campo estético não somente através dessa fuga representada pela arte não figurativa, que é o seu lado "construtivo", mas também na deformação e descrição repelente da criatura humana e do próprio Verbo Encarnado através do setor figurativo, seu lado "destrutivo", com o surrealismo à frente.
Do ponto de vista da arte sacra, falseia-se a representação de Nosso Divino Salvador quer por meio das deformações caricaturais de sua Humanidade, quer desprezando essa mesma Humanidade para apenas exaltar o Cristo "pneumático e glorificado". Em ambos os casos, vemos se infiltrar a gnose na arte sacra de nossos dias.
Passa, assim, a arte sacra, de "ancila nobilissima da liturgia", segundo a bela definição de Pio XII, para instrumento, no setor religioso, da revolução que procura subverter o Plano de Salvação trazido ao mundo pelo Filho de Deus, para implantar o reino das trevas.
Em outra oportunidade voltaremos ao estudo da solidariedade subterrânea que existe entre as várias frentes desse ciclópico movimento.
VERDADES ESQUECIDAS
Reino dos céus é dos violentos
Ainda da biografia de S. Luís Maria Grignion de Montfort, o insigne apostolo da devoção marial (1673-1716), escrita pelo Padre Louis Le Crom:
Durante uma missão em Nantes, penetra em um botequim mal afamado: "Para mostrar de quem é locotenente, O Padre (de Montfort), põe-se de joelhos no meio dessa malta frenética e reza uma Ave Maria. Depois, levantando-se, toma os instrumentos de música, quebra-os contra o chão, derruba as mesas, em uma confusão de copos e garrafas. O estupor é geral. Alguns resistem e desembainham a espada. Com um gesto trágico o Santo avança diretamente para eles, o terço em uma das mãos e o crucifixo na outra. Um resto de fé faz recuar esses miseráveis, e, apavorados por uma tal visão, fogem seguidos de todo o bando" (p. 223).
“Em Saint-Pompain havia o mau hábito de realizar feiras aos domingos... Montfort, ao que parece, organizou uma procissão guerreira; e, entoando cânticos, as crianças, as Virgens, os Penitentes, todos os fiéis, se lançaram ao assalto das prateleiras dos mercadores e da farândola de dançarinos. Desconcertado, o inimigo fugiu.
"O Padre de Montfort teria composto um cântico que recorda esse fato: A derrota das danças abomináveis e das feiras pagãs de Saint-Pompain, citado por Quérard" (p. 355).
("Un apôtre marial — Saint Louis-Marie Grignion de Montfort", pelo Padre Louis Le Crom, Montfortain — ed. Librairie Mariale, Calvaire Montfort, Pont-Chateau).