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A SANTA INTRANSIGÊNCIA: UM ASPECTO DA IMACULADA CONCEIÇÃO

Plinio Corrêa de Oliveira

Quis a Federação Mariana Feminina de Santos comemorar o aniversário de sua fundação com uma sessão solene realizada no salão nobre do Santuário de Sto. Antônio do Embaré, dedicada à Imaculada Conceição da Virgem Maria. Idéia particularmente piedosa e oportuna, pois se relaciona com o Ano Mariano decretado pelo Santo Padre Pio XII para reavivar a devoção dos fiéis para com este assinaladíssimo privilégio da Mãe de Deus. Convidado a fazer nessa solenidade uma conferência sobre o dogma definido por Pio IX, tive ocasião de externar algumas reflexões que amigos santistas quiseram possuir por escrito. Atendo a seu amável desejo, resumindo-as no presente artigo, e espero que interessem também a outros leitores deste jornal.

Na vida da Igreja, a piedade é o assunto chave. Piedade bem entendida, que não seja a repetição rotineira e estéril de fórmulas e atos de culto, mas a verdadeira piedade, que é um dom descido do Céu, capaz de, pela correspondência do homem, regenerar e levar a Deus as almas, as famílias, os povos e as civilizações.

Ora, na piedade católica o assunto chave é por sua vez a devoção a Nossa Senhora. Pois se é Ela o canal pelo qual nos vem todas as graças, e é por Ela que nossas preces chegam até Deus, o grande segredo do triunfo na vida espiritual consiste em estar intimamente unido a Maria.

Assim, não há objetivo mais essencial, nem tarefa mais fecunda, nem glória mais alta do que difundir a piedade mariana. E desta glória é todo refulgente o pontificado de Pio XII. Nos anos riquíssimos, trágicos, empolgantes, de seu Pontificado, tem ele tido muitas ocasiões de prestar à humanidade benefícios assinalados. Basta correr as coleções dos jornais dos últimos lustros, para o ver. Quando um dia se abrirem os arquivos e se escrever a História da II guerra mundial e de tudo quanto se lhe seguiu, essa verdade se radicará ainda mais: é o que qualquer observador criterioso pode desde já entrever. Mas por maiores que sejam os méritos e as glórias que a Historia inventariará, não haverá dificuldade em dizer qual a maior. Será sem dúvida o cunho profundamente mariano do reinado de Pio XII. Já o disse esta folha, e com razão. Bastaria a definição do dogma da Assunção, para glorificar até a mais remota posteridade o atual Papa. Mas a Assunção não é nos fastos de Pio XII uma pedra avulsa, um brilhante solitário. Refulge numa constelação de outras luzes marianas: a Constituição "Bis Saeculari", a fundação da Federação Mariana Mundial, a canonização de S. Luiz Grignion de Montfort, a consagração da Rússia e do Mundo ao Coração Imaculado de Maria, a Coroação de Nossa Senhora em Fátima, e finalmente o Ano Santo Mariano comemorativo do centenário do Dogma da Imaculada Conceição. Basta pensar em tudo isto, para compreender até que ponto o brilho específico de tudo quanto é mariano refulge na obra de Pio XII.

Os ensinamentos e o exemplo do Santo Padre nos incitam pois a incrementar a piedade para com a Santíssima Virgem.

Mas o "sentire cum Ecelesia" nos convida de modo todo especial a meditar este ano sobre a Imaculada Conceição, pois este é o mistério que no momento presente o Vigário de Jesus Cristo mais particularmente oferece à nossa piedade. Tema rico por certo de uma beleza cheia de poesia, digna de atrair e fazer brilhar o talento dos maiores poetas e artistas. Mas por isto mesmo, tema em que o temperamento brasileiro, naturalmente afeito a divagações, corre o risco de ficar só na poesia. Ora, toda a emoção - em piedade mais do que em qualquer outro campo - só é legítima e salutar na medida em que se funda na verdade, e tem a verdade por medida. De tal maneira que ela não seja em nossa sensibilidade senão a vibração harmônica, proporcionada, coerente, da verdade que nosso intelecto contemplou. Parece, pois, oportuno fazer sobre a Imaculada Conceição uma meditação sem qualquer pretensão literária, e unicamente voltada para a aplicação da inteligência à verdade contida no dogma.

A humanidade, antes de Jesus Cristo, se compunha de duas categorias nitidamente diversas, os judeus e os gentios. Aqueles, constituindo o Povo Eleito, tinham a Sinagoga, a Lei, o Templo, e a Promessa do Messias. Estes últimos, dados à idolatria, ignorantes da Lei, falhos de conhecimento da Religião verdadeira, jaziam à sombra da morte, esperando sem o saber, ou movidos às vezes por um secreto impulso, o Salvador que deveria vir. Entre os gentios, ainda duas categorias se poderiam distinguir: os romanos, dominadores do universo, e os povos que viviam sob a autoridade do Império. Uma análise da época em que ocorreu a vinda do Messias implica no exame da situação em que se encontrava cada uma destas frações da humanidade.

Fala-se muito do valor militar dos romanos, e do brilho das conquistas

(continua)