EXSURGE DOMINE! QUARE OBDORMIS?
Plinio Corrêa de Oliveira
A situação da Igreja, como a via com providencial lucidez S. Luiz Maria Grignion de Montfort, se caracterizava por dois traços essenciais, que ele nos descreve, em sua oração pedindo Missionários, com palavras de fogo ( ).
De um lado, é o inimigo que avança perigosamente, é a investida vitoriosa da impiedade e da imoralidade: “Vossa divina Fé é transgredida; vosso Evangelho desprezado; abandonada vossa Religião; torrentes de iniquidade inundam toda a terra, e arrastam até vossos servos; a terra toda está desolada, desolatione desolata est omnis terra; a impiedade está sobre um trono; vosso santuário é profanado, e a abominação entrou até no lugar santo”. Os servidores do mal são ativos, audaciosos, bem sucedidos em suas empresas: “Vede, Senhor Deus dos exércitos, os capitães que formam companhias completas, os potentados que ajuntam numerosos exércitos, os navegadores que reúnem frotas inteiras, os mercadores que se congregam em grande número nos mercados e nas feiras! Quantos bandidos, ímpios, ébrios, libertinos, se unem em massa contra Vós todos os dias, e isto com tanta facilidade e prontidão! Basta soltar um assobio, rufar um tambor, mostrar a ponta embotada de uma espada, prometer um ramo seco de louros, oferecer um pedaço de terra amarela ou branca; basta, em poucas palavras, uma fumaça de honra, um interesse de nada, um mesquinho prazer animal que se tem em vista, para num instante reunir os bandidos, ajuntar os soldados, congregar os batalhões, convocar os mercadores, encher as casas e os mercados, e cobrir a terra e o mar de uma multidão inumerável de réprobos, que, embora divididos todos entre si, ou pelo afastamento dos lugares, ou pela diversidade dos gênios, ou por seus próprios interesses, se unem, entretanto, e se ligam até à morte, para fazer-Vos guerra sob o estandarte e sob o comando do demônio”.
Capitães, potentados, navegadores, mercadores, isto é, os homens-chave de seu século, movidos todos pela impiedade, pela ganância, pela sede de honrarias, depravados por vícios graves, constituem com as massas que os seguem - salvas as exceções, bem entendido - uma multidão de ébrios, bandidos e réprobos que pelas vastidões das terras e dos mares se unem para combater a Igreja!
Eis o que se pode chamar clareza de conceitos e de linguagem, coragem de alma, coerência imaculada no classificar os fatos! Como este Santo há de parecer descaridoso, imprudente, precipitado em seus juízos, ao homem moderno, que teme a lógica, se choca com as verdades radicais e fortes, e só admite uma linguagem edulcorada e feita de meias tintas!
De outro lado, ou seja, entre os que ainda são filhos da luz, S. Luiz Maria vê campear a inércia. Este fato o aflige: “E nós, grande Deus, embora haja tanta glória e tanto lucro, tanta doçura e vantagem em servir-Vos, quase ninguém tomará vosso partido? Quase nenhum soldado se alistará em vossas fileiras? Quase nenhum S. Miguel clamará no meio de seus irmãos, cheio de zelo pela vossa glória: quis ut Deus?”
S. Luiz Maria quer tantos ou mais numerosos paladinos do lado de Deus, quanto os há do lado do demônio. Ele os quer fiéis, puros, fortes, intrépidos, combativos, temíveis, como o Príncipe da Milícia celeste. Não se limita a dizer que devem ser como S. Miguel. Ele quer que sejam como que versões humanas do Arcanjo: “quase nenhum S. Miguel clamará no meio de seus irmãos...?”
Quanto esta aspiração de ver o mundo cheio de apóstolos brandindo espadas de fogo diverge da curteza de vistas, da frieza, do sentimentalismo dulçuroso e incongruente de tanto católico hodierno, para o qual fazer apostolado é fechar os olhos para os defeitos do adversário, abrir diante dele as barreiras, entregar-lhe as armas de guerra, aceitar seu jugo e, consumada a capitulação, afirmar que há todas as razões para se estar contente, pois poderiam as coisas ter corrido ainda pior.
Enquanto esses apóstolos de fogo não vêm, corre o risco de graves revezes a Santa Igreja. Não o viam tantos tíbios e indolentes. Viu-o porém S. Luiz Maria, que a todos conclama à luta: “Ah! permiti que eu brade por toda parte: Fogo! fogo! fogo! socorro! socorro! socorro! Fogo na casa de Deus! fogo nas almas! fogo até no santuário. Socorro, que assassinam nosso irmão, socorro, que degolam nossos filhos, socorro, que apunhalam nosso bom Pai”.
É a devastação na Igreja e nas almas, o fogo que consome as instituições, as leis, os costumes católicos, e a impiedade que degola as almas e apunhala o Sumo Pontífice.
Legiões inteiras de almas fora e dentro do santuário (S. Luiz Maria claramente o deixa ver) cruzavam os braços, cuidando de seu pequeno microcosmo, sem se preocupar com a Igreja e seus grandes problemas. Estavam imersas em sua pequena existência de todos os dias, seus pequenos confortos, suas pequenas economias, suas pequenas vaidades, ao par de suas pequenas devoções, suas pequenas caridades, seus pequenos apostolados, no centro do que estava muitas vezes tão somente sua pequena pessoa.
S. Luiz Maria, pelo contrário, era uma alma imensa. Posto numa situação obscura, dedicava-se inteiro a salvar o próximo nos ambientes miúdos em que vivia. Mas seu zelo não tinha fronteiras nem limites, e abrangia toda a Igreja. Ele vivia, palpitava, se rejubilava ou sofria, em função da causa católica inteira, na acepção mais ampla do vocábulo.
E por isto, dirigia a Deus uma súplica admirável: se fosse para
(continua)
"LEMBRAI-VOS DE DAR A VIRGEM UMA NOVA COMPANHIA, A FIM DE POR ELA RENOVAR TODAS AS COISAS, E TERMINAR POR MARIA SANTISSIMA OS ANOS DE GRAÇA, ASSIM COMO POR ELA OS COMEÇASTES"