(continuação)
AS NAÇÔES SE LEVANTARAM
NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO PRESERVOU AS FILIPINAS DA HERESIA CALIVINISTA
patrocínio de Nossa Senhora são muito difundidas, bem como a recitação familiar do santo rosário.
Não querendo tomar mais tempo a Sua Eminência, agradecemos-lhe a atenção e nos despedimos, após recebermos sua bênção.
UMA CAPELA VISITADA POR LEGIÕES DE SANTOS
LYON, a antiga Lugdunum, foi fundada pelos romanos e tem gloria de ter sido a sede do primeiro Bispado da Gália. Banhada pelo sangue dos mártires nas perseguições dos primeiros séculos, foi ela sempre um foco de vida católica e de devoção marial.
O Cardeal Pierre Gerlier, Arcebispo de Lyon e Primaz das Galias prestou-nos as seguintes interessantes declarações:
"Lyon se honra de ser a cidade da Virgem, e eu, antigo Bispo de Lourdes, orgulho-me de ser hoje o guardião do Santuário mariano de Fourvière.
"A devoção marial remonta às mais longínquas origens da Diocese. Diz-se que São Potino, seu primeiro Bispo, discípulo de São Policarpo, - que por sua vez foi discípulo de São João - para lá teria levado uma venerável imagem de Nossa Senhora. O que é certo é que no século XII os cônegos de Lyon se honram de terem defendido o privilegio da Imaculada Conceição.
"O recurso à Virgem aparece ligado a todos os grandes acontecimentos da vida lionesa. Votos célebres formulados repetidamente pelos "échevins" e pelos "recteurs de l'aumone" (administradores dos hospitais) imploraram o auxílio de Nossa Senhora de Fourvière por ocasião de grandes pestes que devastavam a cidade e cessaram logo depois.
"O santuário de Fourvière domina toda a cidade. Ao lado da grande Basílica, construída em 1870 em cumprimento de uma promessa, acha-se pequena e modesta capela, o verdadeiro centro do fervor da cidade, pela qual passaram legiões de Santos, notadamente Santa Teresa do Menino Jesus e o Santo Cura d'Ars, e na qual vários fundadores de Ordens religiosas receberam a inspiração de seus institutos.
"Não seria possível - concluiu o ilustre Primaz das Galias - separar Lyon de Fourvière sem mutilar sua história e sem trair sua espiritualidade".
Ao despedirmo-nos de Sua Eminência, notamos que o lema de seu brasão é "Ad Jesum per Mariam".
O QUADRO PINTADO MIRACULOSAMENTE
Não tivemos oportunidade de visitar Sua Eminência o Cardeal Crisanto Luque, Arcebispo de Bogotá, mas entrevistamos o Exmo. Revmo. Monsenhor José Restrepo Posada, Chanceler da Arquidiocese, que acompanhava o ilustre membro do Sacro Colégio.
Disse-nos S. Excia., inicialmente, que em sua pátria a mais antiga e venerada imagem de Nossa Senhora é a da Virgem de Chiquinquirá, padroeira da Colômbia. Seu nome é uma palavra indígena que significa vila úmida, devido ao fato de sua história ter decorrido às margens de um grande lago. Os espanhóis depois de conquistar a região, começaram a comerciar com os índios. Surgiram os "encomenderos", que percorriam as povoações indígenas à procura de metais preciosos - em troca de vestes e artigos religiosos.
Em Chiquinquirá um "encomendero" mandou pintar uma imagem da Virgem a um modesto artista local. Este fez suas tintas com sucos de ervas, e numa tela de fabricação indígena representou Nossa Senhora no centro, com Santo André de um lado e Santo Antonio de outro. A pintura logo escureceu; substituíram-na por outra. Mas no dia 26 de dezembro de 1588, milagrosamente, a imagem apareceu renovada, com cores vivas e muito bem pintada. Originou-se daí a devoção que se tornou nacional, tendo sido feito processo canônico do fato.
Agradecendo a S. Excia. Revma., tivemos a grata notícia de que o jornal católico mais importante da Colômbia chama-se também "Catolicismo", e se publica há mais de cem anos...
"POR SEREM TANTOS OS MILAGRES JÁ NEM SÃO REGISTRADOS"
O título de Primaz das Américas cabe ao Arcebispo de São Domingos, sucessor do primeiro Bispo de nosso continente. Sua Excia. Mons. Octavio Antonio Beras, Arcebispo Coadjutor, a quem fomos entrevistar, enviou-nos posteriormente por escrito as interessantes informações que aqui transcrevemos:
"A República Dominicana é eminentemente mariana. Assim o provam seu passado e seu presente. Todas as manifestações de piedade marial encontram ampla acolhida na devoção dos dominicanos.
"Já desde o tempo do descobrimento se iniciou o culto à Santíssima Virgem sob a invocação de Nossa Senhora das Mercês. Seu Santuário se ergue a 140 kms. de Cidade Trujillo, sobre uma graciosa elevação que acompanha o vale da Vega Real, na região denominada el Cibao.
"Os Padres Mercedários tiveram na Capital um grande Convento e uma igreja, e exerceram grande influência sobre o povo da ilha. O Convento desapareceu, mas permanece a belíssima igreja da Misericórdia, atualmente confiada aos Frades Capuchinhos. Nossa Senhora das Mercês foi declarada Padroeira da Ilha de São Domingos.
"Outra dentre as invocações marianas mais queridas é a de Nossa Senhora do Rosário. Seu culto nasceu também no período da colonização, com a chegada dos Padres Dominicanos. O templo mais antigo da cidade arquiepiscopal é o do Rosário. Também se poderia falar de muitas outras devoções marianas: os Remédios, Aguasanta (santuário antiquíssimo), a Caridade, a Candelária, Perpétuo Socorro, Maria Auxiliadora, Fátima, etc. etc.
"Mas a invocação marial mais querida deste povo desde os primeiros dias da colonização, é a de Nossa Senhora da Altagracia. É a devoção dos dominicanos.
"O documento mais antigo que se refere a esta venerável imagem de Maria SSma. é a Relacion Sumaria de la Isla Española, do cronista Cônego D. Luis Gerónimo de Alcocer (1598-1665), na qual se lê:
"A imagem milagrosa de Nossa Senhora de Altagracia está na cidade de Higuey...; consta que foi trazida a esta ilha por dois fidalgos naturais de Placencia na Extremadura, chamados Alonso e Antonio Trexo, que foram dos primeiros povoadores desta ilha, pessoas nobres como consta de uma cédula do Rei D. Felipe I no ano de 1526,... e lhes havendo feito alguns milagres, depositaram-na para maior veneração na Igreja Paroquial de Higuey... Está pintada num pano muito fino, de meia vara de largura, e a pintura é do Nascimento, e está Nossa Senhora com o Menino Jesus em sua frente e São José a seu lado... ; vão em romaria a esta santa imagem de Nossa Senhora de Altagracia fiéis de toda a ilha, e das partes das Índias que estão mais perto, e cada dia se vêm muitos milagres, que por serem tantos já não são averiguados nem escritos".
"A festa litúrgica, que é de preceito, se celebra em 21 de janeiro. O venerável Quadro foi coroado canonicamente em 15 de agosto de 1922. Por iniciativa do Snr. Rafael Trujillo Molina, na ocasião Presidente da República, está sendo construído um grandioso Santuário sob essa invocação. Espera-se que sua inauguração seja em 1957.
"São inumeráveis as Paróquias, Igrejas, Capelas, de Nossa Senhora de Altagracia. Em quase todas as famílias há quem tenha o nome de Altagracia. A devoção mariana por excelência, na República Dominicana, é pois a de Nossa Senhora de Altagracia; é a devoção que sustentou e sustenta a fé deste povo".
A IMAGEM QUE É ESCURA COMO NOSSA SENHORA APARECIDA
Os recentes acontecimentos de Siracusa, onde uma imagem da Virgem verteu lagrimas, atraíram a atenção de todo o mundo católico para a piedade mariana do povo da Sicilia. Nesta ilha, rica em templos consagrados a Nossa Senhora, um dos mais importantes centros de devoção marial é o Santuário de Tindari, a respeito do qual fomos entrevistar o Exmo. Revmo. Mons. Angelo Ficarra, que governa a Diocese de Patti, ao norte da Sicilia, desde 1937. S. Excia. nos fez interessante relato acerca do Santuário - que se situa em sua Diocese - da piedade mariana do povo siciliano.
O Santuário da Madonna de Tindari, disse-nos o ilustre Prelado, acha-se na localidade de mesmo nome, antiga cidade grega do norte da Sicília. A imagem da Virgem aí venerada tem a curiosa particularidade de ser escura, assemelhando-se à milagrosa da Padroeira do Brasil.
As origens do Santuário remontam ao século VIII, quando grassava no Oriente a heresia iconoclasta. Um barco que transportava a imagem de Nossa Senhora para furtá-la à sanha dos destruidores, ao passar por Tindari deteve-se e não conseguia mover-se dali. A imagem foi então transportada para a colina que se ergue junto ao mar e aí passou a ser venerada até nossos dias.
Perguntamos a S. Excia. Revma. pelos frutos espirituais desta devoção. Disse-nos que o número de peregrinos que anualmente visitam o Santuário é de cerca de 100.000 pessoas, muitas das quais caminham até 18 horas a pé para lá chegar. O afluxo dos fieis é particularmente intenso por ocasião da festa da Madonna de Tindari, a 8 de setembro, dia da Natividade de Nossa Senhora. Os peregrinos têm o hábito piedoso de acorrer à confissão e à comunhão durante a visita à "Bedda Matri", - que é o nome que Lhe dão e significa Mãe Formosa.
Falando de outras devoções do povo siciliano, Mons. Angelo Ficarra referiu-se a S. Benedetto, il Moro, originário da própria Sicilia, - que é o mesmo S. Benedito tão venerado entre nós.
A ANTIQUISSIMA DEVOÇÃO À MADONNA DE CREA
A Itália venera a Madonna com extraordinária piedade, de norte a sul da península. Desde a Sicilia, como vimos acima, até o Piemonte, como ouvimos de S. Excia. Revma. Mons. Giuseppe Angrisani, Bispo de Casale Monferrato.
Contou-nos S. Excia que a principal imagem de sua Diocese é a da Madonna de Crea, de tamanho um pouco maior que a de Nossa Senhora Aparecida, e cujo santuário se encontra na mais alta colina da região.
O início desta devoção remonta ao século IV. Santo Euzebio, Arcebispo de Vercele, foi preso e exilado de sua Diocese pela heresia ariana. Voltando mais tarde, trouxe consigo várias imagens, uma das quais é a da Madonna de Crea, que com o tempo se tornou objeto de culto tão difundido quanto fervoroso.
NOVA ORLEANS FOI SALVA POR NOSSA SENHORA
Vários Prelados norte-americanos vieram ao Brasil por motivo do Congresso Eucarístico. Tivemos ocasião de falar com o Exmo. Revmo. Mons. Joseph Franeis Rummel, Arcebispo de Nova Orleans, que se dignou fornecer-nos as seguintes notas, escritas de seu próprio punho:
"Temos na Diocese de Nova Orleans um santuário celebre consagrado à Santíssima Virgem Maria sob a invocação de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A imagem, que representa a Mãe de Deus tendo aos braços o Menino Jesus, foi trazida da França em 1810, e colocada na capela das Irmãs Ursulinas, onde tem sido objeto de constante veneração por parte de nosso povo católico.
"Muitos favores notáveis têm sido alcançados por intercessão de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; mas o mais célebre deles foi a libertação da cidade de Nova Orleans, no dia 8 de Janeiro de 1815, do poder do exército inglês que a sitiava com forças muito superiores, sob o comando do General Packenham. O exército americano era menos numeroso e mais pobremente equipado, mas tinha a seu favor o poder espiritual da oração no Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, onde as mães e esposas dos soldados católicos passaram a noite inteira em súplices preces. As forças britânicas foram inteiramente derrotadas, e a cidade se viu libertada. O General Andrew Jackson, comandante americano, reconheceu que Nossa Senhora do Perpétuo Socorro lhe havia concedido a vitória atendendo às orações das mulheres católicas.
"Podemos compreender muito bem a confiança que os fiéis da cidade e da Arquidiocese de Nova Orleans têm incessantemente conservado na proteção de sua Padroeira. Esta confiança tem sido recompensada reiteradamente, por favores públicos e particulares com que Deus tem se dignado atender às preces feitas neste venerável Santuário".
O "BARANGAY" DE NOSSA SENHORA NAS FILIPINAS
Colocadas em meio às nações pagãs do Extremo Oriente, as Filipinas constituem um bastião da Igreja graças ao catolicismo profundo de seus habitantes. S. Excia. Revma. Mons. José Maria Cuenco, Arcebispo de Jaro, contou-nos fatos que confirmam quanto a Igreja pode esperar daquele nobre país.
As Filipinas, disse-nos o eminente Prelado, colonizadas pelo espanhóis, foram muito influenciadas pela catequese dominicana. Com isso se difundiu a devoção a Nossa Senhora do Rosário, até hoje profundamente arraigada entre o povo, contando assim quase cinco séculos de idade. Esta devoção foi particularmente acentuada por uma relação íntima com a história do país. Na luta dos espanhóis católicos contra os holandeses calvinistas, os primeiros se encontraram em certa ocasião diante de dificuldades insuperáveis. Foi quando, vendo esgotados todos os recursos humanos, imploraram a intercessão de Nossa Senhora do Rosário - e com isto conseguiram vencer os hereges. Se estes tivessem levado a melhor, talvez as Filipinas não fossem hoje uma nação católica...
Perguntamos a S. Excia. Revma. quais as práticas de piedade marial mais correntes em sua pátria. Respondeu-nos Mons. José Maria Cuenco que no mês de outubro celebram-se em todo o território filipino grandes festas em louvor a Nossa Senhora do Rosário. A devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de outro lado, introduzida pelos Padres Redentoristas, cresceu muito, depois da segunda guerra mundial. Todas as quartas feiras cerca de quarenta mil pessoas visitam a Igreja de Baclaran, nos arredores de Manilha, consagrada sob esta invocação à Mãe de Deus.
Acrescentou que é particularmente interessante a devoção do "Barangay de Maria", típica da Arquidiocese de Jaro, e ali especialmente difundida: um determinado grupo de famílias propõe-se rezar quotidianamente o Rosário em comum, e para isso se reúnem cada noite, na residência de um dos membros do grupo, todos os moradores dessa casa e um membro, pelo menos, de cada uma das outras famílias. Além da reza do Rosário, que é feita em comum e constitui a prática principal, o chefe da casa faz uma exortação piedosa aos presentes. Rezam pelas intenções do Santo Padre, pelos habitantes da casa onde estão reunidos e pelos enfermos. Logo após o fim das orações, cada qual se retira para sua residência.
Nosso entrevistado salientou também que estão muito difundidas nas Filipinas as devoções à Virgem de Antepolo, grande centro de peregrinação, de Panãfrancia, de Manao-ag, de la Regla, del Pilar, del Piat, e do Monte Carmelo.
Concluindo, disse-nos S. Excia, que as Filipinas não podem vir a ser comunistas, pois não o permitirá a grande devoção que seu povo tem por Nossa Senhora.
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Virgem em majestade: imagem do sec. XII na Basílica de Saint Denis. Superposto em montagem: fragmento do tímpano da igreja de la Landede-Cubzac, sec. XII.
OS CATÓLICOS FRANCESES DO SÉCULO XIX
RESSURGE O "UNIVERS"
Fernando Furquim de Almeida
Os descendentes de Louis Veuillot encontraram entre seus papéis uma série de pequenos estudos sobre os homens de sua época, que não se destinavam à publicação. Um deles tratava de Eugène Taconet, proprietário do "Univers" até a supressão do jornal, e que várias vezes o salvou da ruína financeira. Para se compreender a sua atitude posterior ao fechamento, nada melhor do que esse pequeno trabalho de Veuillot, razão pela qual vamos reproduzi-lo integralmente:
"Nele o cristão e o comerciante estão em guerra contínua. O cristão resolutamente arrisca toda a fortuna do comerciante; o comerciante tenta perpetuamente salvar alguns vinténs das grandes somas que o cristão comprometeu.
"O coração é generoso e grande; o espírito, fraco, estreito e tímido. Ele compreende tudo com o coração, o espírito nunca entende nada. Esse coração admirável é humilde; esse espírito, débil, cheio de vaidade.
"Não se incomodem comigo — diz o coração —. Sou apenas um pobre comerciante sem espírito e sem luzes; conduzi-me, mas deixai-me no último lugar para arrumar a casa; dizei a missa e pregai; eu varrerei a igreja, arrumarei as cadeiras e custearei o culto, com esse dinheiro que Deus me fez ganhar unicamente para isso.
"Tenho uma das primeiras posições do mundo — diz o espírito —. Ando na frente das idéias, ensino aos ministros, aos reis, aos bispos e ao Papa. Fundo um partido e destruo outros. Quando trabalhamos, quando conversamos, ele desce das nuvens com idéias absurdas; impomos-lhe silêncio, algumas vezes duramente; fazemos exatamente o contrário do que pede; ele se submete com uma docilidade de criança.
"Diante de cinquenta pessoas que não conhece, mas bem colocadas e de mérito firmado, ele conversa e divaga, sem temor e sem emoção, sobre as coisas mais sutis e mais sérias. Diz tolices enormes com enorme desembaraço. É dedicado em tudo, oferece-se com ardor para todas as tarefas, apressa-se a tomar o último lugar e pagar para os outros; de repente, imagina que o desprezam e que o arruínam, e se queixa de ser a vaca leiteira de todo o mundo.
"Sem ele a obra teria sucumbido há muito tempo, foi ele que a salvou em condições em que poucos homens o fariam, com um desinteresse tão completo e perfeito: desinteresse de dinheiro e desinteresse de influência. Se hoje, depois de cinco anos, está fatigado, quem pode censurá-lo? É dele sobretudo que se pode dizer que o homem é admirável em suas imperfeições. Que milagre tirar tanto partido de uma tão pobre máquina!"
As qualidades de Eugène Taconet sobrepujaram os seus defeitos até o fechamento do "Univers". Desaparecido o jornal, ele conseguiu das autoridades licença para fundar outro órgão, "Le Monde", com a proibição, no entanto, de publicar qualquer trabalho de Louis Veuillot. Durante sete anos "Le Monde" viveu discretamente, sem a colaboração do célebre jornalista. Essa circunstância fez com que Taconet pensasse que Veuillot era dispensável, e que ele conseguiria substituí-lo com vantagem, pois não tinha o ardor do antigo redator-chefe do "Univers".
Em 1867, Napoleão III iniciou sua nova política interna de feição liberal. Muitas antigas leis de imprensa foram suspensas, o que permitia a Veuillot voltar ao jornalismo. Como Taconet não quisesse recebê-lo em "Le Monde" com a mesma independência de outrora, Veuillot pediu às autoridades a necessária licença para fundar um novo jornal com o nome de "Univers". O governo criou dificuldades para conceder a autorização com o mesmo título anterior, mas tudo se resolveu favoravelmente com a intervenção do próprio Napoleão III, que assim queria pôr em evidência a sinceridade de seus propósitos liberais.
Taconet, no entanto, se julgava proprietário do nome "Univers", e com isso causou embaraços bem mais sérios. Para obter os recursos necessários à fundação do jornal, Louis Veuillot foi obrigado a lançar uma sociedade por ações. O entusiasmo que essa iniciativa despertou entre os católicos franceses foi enorme, e em pouco tempo estavam subscritas todas as ações. A reivindicação de Taconet, porém, podia pôr tudo a perder, tanto mais que Veuillot era acusado de se ter apropriado indevidamente do título. Decidiu ele então ir a Roma, não só para consultar o Santo Padre sobre a oportunidade da obra, como também para lhe submeter a questão surgida com "Le Monde".
Recebendo-o com o afeto de sempre, Pio IX abençoou o jornal que ele se propunha fundar, e logo resolveu a pendência declarando que o "Univers" era de Louis Veuillot tal como Veuillot era do "Univers". Ficava assim definitivamente estabelecido que o título do jornal pertencia ao jornalista que o fizera.
Em Roma a notícia do próximo reaparecimento do "Univers" foi acolhida com alegria, e todos queriam colaborar para o êxito da iniciativa. Embora as ações já estivessem todas subscritas, muitos queriam comprá-las ou ajudar de qualquer outro modo, o que obrigava Veuillot a uma verdadeira batalha para recusar os auxílios financeiros dos amigos do jornal.
A 16 de abril de 1867 vinha a lume o novo periódico. Veuillot era agora o proprietário. Salvo essa modificação, já o primeiro número tornava evidente que era o antigo "Univers" que ressurgia. Toda a redação estava a postos, com exceção de Coquille, que preferiu continuar em "Le Monde": Du Lac atacava o governo italiano; Aubineau tratava do problema operário; Chantiel defendia a Irlanda católica; Eugène Veuillot mostrava o perigo que a ambição prussiana constituía para a França. E Louis Veuillot, no artigo de fundo, podia bem dizer: "Nosso programa é o nosso passado". Os antigos colaboradores também atenderam os chamados: o Conde de Lansade, D. Guéranger, o Conde de La Tour d’Auvergne, todos eles voltaram a escrever na folha que permanecera fechada por tanto tempo.
O "Univers" ressurgia com mais força e mais prestígio.
NOVA ET VETERA
Os vários caminhos da coletivização
J. de Azeredo Santos
Em sua alocução de 7 de inalo de 1949 aos membros da União Internacional das Associações Patronais Católicas, aludia Pio XII à necessidade de se porem de lado "injustas desconfianças" entre o trabalho e o capital e de se unirem espontaneamente todas as forças em jogo na vida econômica "enquanto é tempo", pois os horizontes se acham carregados com as nuvens negras do Leviatã socialista.
Em outras circunstâncias tem o Soberano Pontífice voltado ao mesmo tema. Não se encontra nas lutas empreendidas pelos sindicatos de classe a solução para a questão social. Mesmo porque, dizia Sua Santidade aos operários belgas, a 11 de setembro de 1949, "a força da organização, por possante que se deseje supô-la, não é, por si mesma, um elemento de ordem... Eis por que não Nos cansamos de recomendar instantemente a elaboração de um estatuto de direito público da vida econômica, de toda a vida social em geral, segundo a organização profissional".
SUPERAÇÃO DA LUTA DE CLASSES
E a 14 de setembro de 1952 dirigia as seguintes palavras aos católicos austríacos, depois de mostrar como se acha superada a fase meramente reivindicativa das associações operarias: "Se os sinais dos tempos não enganam, outros problemas dominam a segunda época das lutas sociais, em que parece que já entramos. Citaremos dois deles: a superação da luta de classes, e a defesa da pessoa e da família.
"A luta de classes deve ser superada pela instauração de uma ordem orgânica que una patrões e operários. A luta de classes nunca poderá ser um objetivo da doutrina social católica. A Igreja se deve sempre a todas as classes da sociedade".
Apesar de advertências tão claras, vemos no mundo moderno incursões cada vez mais atrevidas na esfera dos direitos da pessoa e da família, e a luta de classes erigida em sistema através da utilização do sindicalismo como arma de reivindicações que visa a passagem da liderança política, econômica e social para o proletariado, promovido à condição de classe dirigente. De um lado, a nacionalização das grandes empresas, a criação dos empreendimentos industriais autárquicos sob a égide estatal; de outro, a reforma da estrutura das pequenas e médias empresas, pela introdução forçada da co-gestão e da participação nos lucros. Ambas essas tendências abrem caminho para o Leviatã socialista, ou coletivização integral da vida dos povos, cercando toda a humanidade por uma imensa cortina de ferro.
Achamo-nos diante de urna fé supersticiosa e cega na ação do Estado. E é esse providencialismo estatal uma das principais características do totalitarismo, e mesmo a mais essencial: o Estado absorve todas as atividades, nessa socialização de todas as coisas, "ao fim da qual a terrível imagem do Leviatã se tornará uma horrível realidade" (Pio XII, mensagem citada de 14 de setembro de 1952).
Eis porque a doutrina social da Igreja é contrária à imposição compulsória da co-gestão, bem como à nacionalização indiscriminada das empresas econômicas. Admite ela a nacionalização em determinados casos, e mediante justa indenização, "mas fazer dessa estatização como que a regra normal da organização pública da economia seria inverter a ordem das coisas. A missão do direito público é, com efeito, servir o direito privado, não absorve-lo. A economia - muito menos que qualquer outro ramo da atividade humana - não é de sua natureza uma instituição do Estado: ela é, pelo contrário, o produto vivo da livre iniciativa dos indivíduos e de seus grupos livremente constituídos" (da citada alocução de 7 de maio de 1949).
OS LIMITES DO DIREITO PÚBLICO
De modo que quando a doutrina social da Igreja preconiza a adoção de um estatuto de direito público da vida econômica, não abre com isso as portas à ingerência do Estado em atividades que devem ser deixadas à livre iniciativa dos indivíduos e de seus grupos livremente constituídos. Tal estatuto se refere à alta estruturação da vida social e econômica realizada organicamente à base dos grupos profissionais, ou corporações. Tais grupos, entretanto, em seu dinamismo interno continuam como órgãos autônomos, confiados à direção e ao zelo de seus membros.
Ressalta claramente a doutrina da Igreja no que se refere aos limites do direito público das palavras que o Santo Padre Pio XII dirigiu aos membros do Instituto Internacional pela unificação do Direito Privado, a 20 de maio de 1948:
"Somente aqueles que não desejam ver no individuo senão uma simples unidade que faz número com uma infinidade de outras do mesmo modo anônimas, um simples elemento de uma massa amorfa, de um conglomerado que é o extremo oposto de qualquer sociedade, somente esses podem se embalar na vã ilusão de regular todas as relações entre os homens unicamente sobre a base do direito público. Sem contar que o direito público ele próprio se esboroará no dia em que a pessoa deixar de ser considerada, com todos os seus atributos, como a origem e o fim de toda a vida social.
"Estas reflexões valem sobretudo nas questões de direito privado relativas à propriedade. Ali se acha o ponto central, o núcleo em torno do qual, pela força das coisas, gravitam vossos trabalhos. O reconhecimento desse direito se mantém firme ou se desfaz com o reconhecimento dos direitos e dos deveres imprescritíveis inseparavelmente inerentes à personalidade livre que o homem recebeu de Deus. Somente quem recusa ao homem essa dignidade de pessoa livre pode admitir a possibilidade de substituir o direito à propriedade privada (e por conseguinte, a propriedade privada ela mesma) não se sabe por que sistema de segurança ou garantias legais de direito público. Que não vejamos despertar o dia em que, sobre este ponto, uma ruptura definitiva venha separar os povos. De difícil que já é, o trabalho da unificação do direito privado se tornará radicalmente impossível. Do mesmo passo, um dos pilares mestres que sustentaram durante tantos séculos o edifício de nossa civilização e de nossa unidade ocidental, cederá e, à semelhança daqueles templos antigos, ficará jazendo sob as ruínas acumuladas por sua queda".
VIOLAÇÕES DO DIREITO PRIVADO
"Graças a Deus - prossegue o Pontífice - não nos achamos ainda nesse ponto! Entretanto, a falta de escrúpulo com que se violam hoje em dia direitos privados incontestáveis, não somente na conduta particular de certos povos, mas também nas convenções internacionais e nas intervenções unilaterais, é de natureza a alarmar todos os guardiães qualificados de nossa civilização".
Faz referência o Santo Padre nessa alocução a outro elemento da socialização disfarçada da vida social e econômica de nossos dias: a previdência social sob a égide do Estado, bem como toda uma longa série de encargos e de obrigações que suprimem toda a espontaneidade e liberdade nas relações humanas. O Estado tudo regulamenta e tudo prevê, quando não chama a si atividades e iniciativas que pertencem ao próprio corpo social. Neste sentido nos lembramos de que nas últimas eleições uma candidata católica se propunha apoiar a iniciativa particular ajudando-a a fazer o que o governo não pode fazer.
Acontece que o governo gradualmente chama a si todas as tarefas, de modo que chegamos ao contrário daquilo que ensina a doutrina social da Igreja quanto ao papel supletivo da ação estatal, destruindo em sua base o princípio de subsidiariedade: segundo tais tendências coletivistas, a ação supletiva caberia à iniciativa particular!