(continuação)

Nova heresia iconográfica

A ARTE NAO TEM NENHUM DIREITO CONTRA DEUS E CONTRA AS ALMAS

considerações sobre a arte das crianças, dos povos primitivos,

dos loucos e dos criminosos, nem em seu excurso histórico pelos domínios da arte no século passado.

O PENSAMENTO DO CARDEAL PRÓ-SECRETARIO DO SANTO OFÍCIO

Sob este título, transcreve o artigo trecho de discurso do Emmo. Cardeal Alfredo Ottaviani, pronunciado em 13 de dezembro de 1954, por ocasião do encerramento da exposição internacional do livro mariano:

"...Em meteria de prerrogativas da arte vem a propósito recordar que contra Deus e contra as almas não existem direitos para ninguém, e de nenhuma procedência; e quem contra Deus e as almas invocasse a arte e a modernidade, além de dar prova, assim agindo, de pouco entender destes assuntos, isto é, não só de Deus e das almas, mas também de arte e de modernidade - além de tudo isto - não faria senão blasfemar, ainda que sua blasfêmia ficasse desconhecida.

"Há quem sustente que uma obra de arte não perde sua beleza porque indecente; mas acrescentamos imediatamente que esta é uma beleza que desonra a arte, como certas exibições desonrariam uma senhora; e os que a celebrassem procurariam clientes, não para a beleza, mas para a torpeza.

"Quando; pois, se trata de arte sacra, devemos colocar o acento sobre o que quer dizer a palavra "sacra". Expondo-nos embora ao risco de passar por gente fora da moda, nós Sacerdotes, principalmente quando sobre nossos ombros pesa diretamente a responsabilidade das almas, estamos no direito, e até no dever, de expulsar do limiar das igrejas tudo aquilo que não conduz a Deus.

"Que dizer, pois, das coisas que perturbassem as mentes e escandalizassem os corações? Melhor, cem vezes melhor uma obra de arte fracassada do que uma alma perdida; melhor ignorar uma gloria da terra do que ignorar a gloria de Deus.

"Mas hoje, o perigo é principalmente constituído por aqueles que, não sabendo atingir em matéria de arte a beleza, querem salientar-se com a monstruosidade, com a aberração, emulo da caricatura e das artes dos primitivos, com dano das coisas e das pessoas santas. "Parece que um louco rancor devasta o homem, que não consegue atingir novamente as altitudes do passado, mas é um rancor contra. si mesmo; é o justo pesar por ter esquecido ou mesmo desprezado os fins sublimes do dom de Deus. Ora do mesmo modo porque não é permitido a ninguém mutilar-se fisicamente, assim lambem não é licito caluniar-se com a arte e ajudar por tal via a desagregação da pessoa humana.

"Somos ou não somos a imagem de Deus? E se o somos porque degradá-la e deformá-la? Mais ainda, quem a pode degradar e deformar nos Santos, em Nossa Senhora e por fim n'Aquele que é "speciosus forma prae filiis hominum"?

"Não se diga que queremos comprimir a arte: é fato notório que nos séculos passados, ainda que com todas as justas exigências dos sagrados cânones, quem mais fez trabalhar a arte foi precisamente a Santa Igreja; e hoje ainda, se certos artistas resolvessem não ser outros tantos semideuses, mas filhos de Deus, e como tais trabalhassem à luz da fé e com o ardor do amor cristão, a casa de Deus seria a sua casa e a arte seria no mesmo instante mais humana e mais cristã"

ALGUNS DEPOIMENTOS EXPRESSIVOS

EM seguida, o ilustre Chanceler da Igreja Romana publica estes depoimentos expressivos.

"Um grupo de artistas católicos me escreveu de Paris em 9 de janeiro de 1953:

"Em uma época na qual, sob a influência perniciosa do mundo materialista, se procura introduzir, com a cumplicidade inconsciente de certos membros do Clero, interpretações de figuras divinas sob uma forma demoníaca, nós, artistas cristãos, habitando Paris, vimos agradecer ao Santo Oficio o ter promulgado diretrizes sobre a arte sacra, correspondendo assim ao apoio que esperávamos de Roma.

"Enquanto cristãos, artistas, e chefes de família, lutamos com todas as nossas forças para que nossas igrejas na França, onde com nossos filhos vimos procurar a paz e a força, não se ornem de uma arte teatral e hermética, da qual a dignidade, a grandeza e a misericórdia de Deus estão excluídas.

"Nesta luta que sustentamos, apoiados em nossa fé, oferecemos às igrejas o contributo de nosso esforço artístico; mas, porque nos recusamos a ornar as casas de Deus com formas mórbidas e malsãs, não somente os poderes públicos, mas o próprio Clero, hesitam em nos confiar suas igrejas.

"Os líderes da extrema esquerda não querem considerar senão as produções de Saint Sulpice no mais baixo nível e as de seus ídolos no pináculo.

"Ora, as produções de Saint Sulpice estão arqui-condenadas e desprezadas há cinquenta anos por todas as pessoas dotadas de um mínimo de cultura, mesmo primaria. Não se esperou para isto os inúteis sarcasmos desses extremistas.

"Quanto aos ídolos dessa imprensa de esquerda, entre os quais há, certamente, pessoas de talento, e até mesmo de gênio, há entre eles uma grande maioria de mistificadores, de copistas e de glorias em ocaso soçobrando infelizmente na decadência física e mental.

"O mais difícil para o público não advertido das coisas da arte, consiste em distinguir, entre as obras desta última coorte, o que é valido do que não o é; pois ali a obra genial (aliás rara) ombreia sempre com a farça e a insuficiência.

"A verdade não está "no meio" como "eles" dizem: ela é outra. Ela está numa arte aberta a todas as tendências e temperada pela razão. Numa arte forte de uma ciência plástica reencontrada (às vezes reencontrada por "eles", os da esquerda) mas uma arte acessível, legível pelas multidões, uma arte que pode trazer a consolação e o amor, e não a perturbação, a polemica e o ódio.

"Por isso, é urgente que a Igreja sábia, equilibrada, e que apresenta a existência de uma arte e de artistas que estão de acordo sobre estes princípios, tome a dianteira de um movimento de Renascença produtiva que constitua prolongamento da Renascença experimental dos últimos cinquenta anos.

"Entretanto, tal movimento, para ser eficaz, deve começar, não pela escolha dos artistas e das obras, mas pela educação, pela cultura "dos que escolherão": os futuros Sacerdotes, as futuras Religiosas, todos os futuros cristãos de irradiação.

"Assim, com quanta alegria lemos a última alínea da instrução do Santo Oficio recomendando que haja cursos nos Seminários, a cargo de mestres esclarecidos, para que "os aspirantes às sagradas Ordens sejam formados na arte sacra de modo adaptado ao espírito e à idade de cada qual."

"Seja-nos permitido submeter este projeto ao Santo Oficio: que os professores se ponham em contacto com os técnicos da arte, mas de formação cristã, de maneira a promover cada vez mais no sentido da Igreja esta adaptação da arte sacra com a alma humana.

"Desde já, cada um de nós, segundo suas possibilidades, tenta pessoalmente esclarecer e fortificar os hesitantes (visita a Bispos e Vigários, cartas de protesto) insistindo sobre o valor das diretrizes do Santo Padre.

"Escreve um bom católico, em 5 de outubro de 1954:

"Pode-se realmente perguntar se os organizadores não tiveram como fito, ao promover as exposições, favorecer os insultos públicos ao que é sagrado, e ao mesmo tempo ridicularizar nossa Religião e os católicos. As intenções de algumas obras são por demais evidentes.

"Tudo isto é muito triste. Não é possível agir contra os que insultam a Deus?

"Uma senhora escreve da Suíça, em 20 de agosto de 1954:

"Todos os inimigos da Religião Católica se servem destas deformações artísticas para nos prejudicar.

"Então isto é Jesus Cristo! Nosso Senhor, fonte de Fé, fonte de Vida! É preciso ter o espírito deformado, ser louco, ou tender a um fim preciso, para entregar estas "obras de arte" ao grande público.

"Todas estas obras merecem a destruição, ou o ocre. Os jacobinos foram mais enérgicos do que nós. No mal, é verdade, mas tiveram êxito. E nós, que fazemos? Falamos, escrevemos, toleramos, pensando que esta arte moderna não durará mais que um fogo de palha, e que a Igreja é bastante grande e poderosa para nada sofrer com isto.

"Nós nos espantamos com os progressos dos comunistas. Não compreendemos ou não queremos compreender que eles tentam corromper o mundo inteiro, por todos os meios, afim de o dominar".

O RETORNO DO FILHO PRÓDIGO

E Sua Eminência Reverendíssima conclui seu magistral artigo com estas belas e carinhosas palavras:

"O Evangelho de São Lucas nos fala do filho transviado, que tinha abandonado a casa paterna e tinha ido in regionem longiquam, et ibi dissipavit substantiam suam vivendo luxuriose - para uma região longínqua, e ali dissipou o seu patrimônio vivendo dissolutamente (Luc. 15, 13 e segs.). O infeliz estava reduzido a guardar porcos. Tomando cobro de si, levantou-se e se dirigiu à casa paterna. O bom e velho pai o acolheu com alegria, porque - disse - seu filho estava morto e revivera, estava perdido e fora novamente encontrado...

"Também no campo da arte há destes filhos pródigos. Atualmente, muitos começam a reconhecer sua perdição, e vencem o respeito humano movendo-se em direção à casa paterna. A Santa Igreja os espera.

"As modas passam, as gerações se renovam, as idades se sucedem como as ondas procelosas que se acumulam umas sobre as outras e se quebram de encontro à rocha de um farol: o farol, sobre aquela rocha eterna, é a Igreja. Ela espera que as ondas amainem e que volte a serenidade.

"Há dois mil anos as borrascas se desencadearam de encontro àquela rocha. Grande força é esta, de poder esperar! Os séculos viram a ruína de todos os perseguidores. A Igreja, firme, paciente, amorosa, disse frequentemente palavras de perdão sobre a sepultura de seus inimigos.

"Não há no mundo inteiro instituição comparável à Igreja; para Ela os séculos são dias, para Ela o tempo não conta, porque Ela respira na atmosfera da eternidade. Christus heri et hodie; Ipse et in saecula — Cristo ontem e hoje, e Ele também por todos os séculos (Hebr. 13, 8).

"Na arte, todas as formas sãs honestas se confirmaram ou se reabilitaram com Ela; Ela esperou acolheu também o retorno dos filhos pródigos.

"E agora, calma, segura, amorosa, Ela espera".


CORRESPONDÊNCIA

Do Revmo. Pe. Louis Michel, C. P. C. R., Madri (Espanha): "...les deux numéros de CATOLICISMO qui nous sont arrivés et que j'ai lus avec le plus grand intérêt. C'est vraiment três bien rédigé et correspond à notre ideal à tous".

Do Revmo. Frei Aloísio da Virgem do Carmo, O. C. D., Seminário Carmelitano Tereziano, Santa Maria (Est. R. G. do Sul): "Confesso-me grande admirador desse mensário, que defende energicamente a doutrina católica contra certos erros modernos, alguns dos quais encontram ambiente propício até em mentalidades reconhecidas por muitos como autênticos representantes do movimento católico".

Do Revmo. Pe. Luiz Gonzaga, Cidade do Frade (Est Ceará): Como atestado de meu grande entusiasmo por esse excelente mensário católico,... arranjei doze assinaturas de CATOLICISMO, o que me alegra sobremaneira, porquanto assim proporciono a uma dúzia de meus paroquianos um alimento substancioso para sua inteligência e um pábulo precioso para sua fé. CATOLICISMO merece o apoio decidido e a dedicação de todos os bons brasileiros e Sobretudo do Clero. Na qualidade de Sacerdote, sinto-me grandemente honrado em ser agente e ardoroso propagandista em minha Paróquia".

Do Sr. José Renato de Araujo Gomes, Juazeiro (Est. Bahia): "Desejo nesta oportunidade expressar-lhe a minha mais viva admiração por CATOLICISMO, jornal que leio do princípio ao fim, sem saltar uma linha, saboreando o substancioso conteúdo dos seus magistrais artigos".

Do Tenente Claudio da Cunha Matos, 9° Regimento de Infantaria, Pelotas (Est. R. G. Sul): "...CATOLICISMO... seguro e profundo difusor das verdades de nossa santa Religião e das soluções dos vários e tormentosos problemas sociais brasileiros".

Do Sr. Renato Garcia, Fortaleza (Est. Ceará): "Asseguramos-lhe que tudo quanto estiver ao nosso alcance envidaremos em favor da maior difusão de CATOLICISMO, certo de que tão oportuna e benéfica publicação encontrará sempre boa acolhida".


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Classicismo pagão e desvario neopagão

Plinio Corrêa de Oliveira

Emergindo de um arvoredo sombreado e ameno, e tendo como fundo de quadro as montanhas de delicados contornos e as águas plácidas do porto de Hong Kong, alteia-se, dominando a cidade com seu vulto a um tempo forte e esguio, o famoso Pagode Branco.

Trata-se de uma construção de caráter religioso, pois o pagode é uma capela ou templo. Notável por seu mérito artístico, o Pagode Branco pode ser apresentado como um tipo característico de certa arquitetura religiosa chinesa. E como tal espelha ele, pelo menos em muitos de seus traços, a psicologia, a índole, o espírito da religião para cujo uso foi concebido e plasmado.

É bem certo que neste monumento não se nota o "quid" excelso, absolutamente imponderável, impalpável, mas impressionante e vivo, que marca os ambientes altamente impregnados pela influência católica, e que nos imerge por assim dizer numa atmosfera sobrenatural: basta lembrar certos lugares como a Sainte Chapelle de Paris, por exemplo, ou Assis, ou ainda certas cenas como o Sumo Pontífice entrando em São Pedro na sédia gestatória, ou a procissão do Santíssimo Sacramento em Lourdes.

Não obstante, neste monumento se manifestam tantos elementos de equilíbrio, harmonia, delicadeza e distinção, que nele poderia instalar-se sem desdouro - assim pensa pelo menos o autor deste comentário - uma igreja católica. Quanto nos sorri a idéia de uma China enfim convertida à única Igreja de Deus, e este pagode consagrado ao culto da Rainha do Céu e da terra!

Uma torre inteiramente isolada de qualquer conjunto arquitetônico é obra difícil de se realizar com verdadeiro gosto. Pois facilmente cai nos extremos. Se se procura dar-lhe ares de força fica exposta a parecer vulgar e brutal. Se, pelo contrário, se a constrói muito esguia, é difícil que não dê a impressão de caniço insignificante.

Com quanto amor ao equilíbrio, à harmonia, ao bom senso enfim, os construtores desta torre souberam evitar ambos os excessos! A altura é perfeitamente proporcionada ao diâmetro da base. E, para tornar o edifício realmente leve, cada andar suporta outro menor. A leveza é realçada por parapeitos finamente trabalhados, e por magníficos beirais "franzidos", quase diríamos "flexíveis", que se terminam tão delicadamente que parecem até flutuar no ar, prontos a se deixarem ondular com suavidade se por eles perpassar o sopro de alguma brisa. Para corrigir o que os beirais e os parapeitos pudessem ter de excessivamente frágil, cada andar constitui um octógono robusto, de paredes absolutamente lisas, aberto em cada faceta tão somente por um arco de linhas severas, coerentes e simples. Dir-se-ia que o octógono considerado em si mesmo tem toda a precisão, a força e o peso de um sólido raciocínio, e os parapeitos e beirais toda a leveza, a graça, a nobreza de uma suave fantasia.

Para terminar esta apreciação, imagine o leitor que um incêndio destruísse o teto do último andar. E procure um outro desenho que o substituísse bem. Dificilmente encontraria idéia melhor. Dir-se-ia que este teto é uma flor cuja corola tenha sido voltada para a terra. Os olhos acompanham insensivelmente as nervuras da corola, chegam até a haste, e se comprazem em acompanhar a sequência dos anéis sempre mais finos que a compõem, detêm-se um último instante no ornato final, e perdem-se no céu...

Não é este o momento de fazer uma análise da religião chinesa. Sem nos esquecermos de que a gentilidade é o reino do demônio, é preciso reconhecer que o império do espírito das trevas não chegou a ponto de apagar entre os chineses um certo amor ao bom senso, ao equilíbrio, à beleza, que se patenteia de modo esplendido neste edifício. E de quantas outras culturas antigas se poderia fazer o mesmo elogio! É o que explica a dileção, o cuidado, o gosto com que a Igreja, nos países de missão, se acerca destes restos, por vezes ainda palpitantes de velhas civilizações, conservando-os, estudando-os, purificando-os das sordícies pagãs, para finalmente lhes infundir outro espírito e os assumir e os integrar no imenso acervo da cultura católica.

Volvamos os olhos, da torre alva, esbelta, forte e delicada em que a razão e a fantasia tão harmoniosamente se fundem, para este pobre aleijão, que faz pensar num aerólito de cristal que se tivesse espatifado em terra, desfazendo-se em cacos, e dando no seu conjunto a impressão desordenada, disforme, escarrapachada ( para certas realidades, só certos vocábulos! ), algum tanto ridícula de tudo que se desmancha e estatela ( mais uma vez. para certas realidades só certos vocábulos) no chão depois de uma pesada queda. Este violento e desastrado conjunto de aberrações é uma capela interconfessional desenhada para uma grande universidade do Novo Mundo. Mas segundo os cânones de certa "arte" internacional, poderia igualmente servir de capela católica, budista ou maometana em qualquer parte do globo [Bruce Goff's proposed chapel for the University of Oklahoma ( Bruce Goff's Crystal Chapel )].

Encontra-se nesta produção tão típica do mundo moderno neopagão algo que exprima ainda as qualidades humanas que no próprio paganismo antigo se afirmavam? Ou pelo contrário se diria que se exprime neste estilo precisamente o contrário daqueles predicados, e que estamos em presença de um monumento erguido em homenagem à extravagância, à desproporção, à incongruência, ao grotesco enfim? Se um demônio, com permissão divina, sacudisse com ódio e brutalidade uma capela, não é bem assim que ela ficaria?

Triste verificação que serve de pequeno pórtico a uma grande conclusão. O neopaganismo hodierno, fruto envenenado da apostasia, é de uma espécie mil vezes pior que o paganismo antigo, deforma muito mais a fundo o homem, a arte, a civilização e a vida, levando-os a um nível infra-humano em que triunfa sem restrições o Poder das Trevas. É em outros termos a vitória de Satanás através da vitória do maniqueísmo.