Mirabeau: "A nação é um rebanho que, com bons cães, os pastores levam onde lhes apraz"

Quem dirige o jogo da opinião pública?

Cunha Alvarenga

Quem dirige o jogo da opinião pública? Quem manobra os cordéis desse imenso teatro de marionetes cujos figurantes dão à turba-multa a impressão de serem os verdadeiros atores do drama que se desenrola aos olhos do mundo?

Estas perguntas nos ocorrem ao meditar sobre um trecho da alocução que o Santo Padre Pio XII dirigiu aos membros do Congresso de Imprensa Católica reunido em Roma no ano de 1950. Expõe ali o Soberano Pontífice o verdadeiro conceito de opinião pública "Reconhecemos na opinião pública um eco natural, uma ressonância comum, mais ou menos espontânea, dos fatos e das circunstâncias no espírito e nos juízos das pessoas que se sentem responsáveis pela sorte de sua comunidade e estreitamente ligadas a ela. Nossas palavras assinalam quase outras tantas razões por que a opinião pública se forma e se expressa tão dificilmente". O que atualmente é conhecido por esse nome, diz o Papa, comumente não passa de uma contrafação da autêntica opinião pública: "O que se designa hoje em dia com o nome de opinião pública não tem a meúdo mais que o nome de tal, nome vario de significação, algo assim como um vago rumor, uma impressão fictícia e superficial; nada de um eco que haja despertado espontaneamente na consciência da sociedade e que dela emane".

OS POUCOS QUE DIRIGEM O JOGO

Achamo-nos diante de uma opinião pública artificialmente forjada e suscitada. Essa "impressão fictícia e superficial" não surge por um simples acaso. Mesmo porque há convergência de causas na formação dessa pseudo-opinião pública. Vemos ressaltar claramente este fato quando o Papa frisa a necessidade de se suscitar o aparecimento dos que hão de trabalhar pelo restabelecimento da autêntica opinião pública. E o envenenamento dos ambientes sociais já atingiu a um ponto tal que o campo parece se achar completamente nas mãos do inimigo: "Mas estes homens profundamente penetrados do sentido de sua responsabilidade e de sua estreita solidariedade com o meio em que vivem, onde encontrá-los?... Será que já desapareceram, nessas desafortunadas nações os homens dignos deste nome, marcados com o selo de uma verdadeira personalidade, capazes de fazer possível a vida interior da sociedade; homens que saibam contemplar à luz dos princípios centrais da vida, à luz de sólidas convicções, a Deus, ao mundo e a todos os acontecimentos, grandes ou pequenos, que nele se sucedem? Parece que homens deste estofo, graças à retidão de seu juízo e de seus sentimentos, é que deveriam ser chamados a edificar pedra sobre pedra o muro sólido em que, vindo a se embater, a voz de tais acontecimentos se refletiria com eco espontâneo. Ainda há, sem dúvida, homens, assim. Mas, ah, demasiado poucos, por desgraça! e cada dia em menor número, à medida que entram a substituí-los indivíduos céticos, enfarados de tudo, negligentes, sem consistência nem caráter, movidos a seu arbítrio por uns poucos que dirigem o jogo..." (alocução citada).

Há, portanto, "uns poucos que dirigem o jogo" e que fazem mover, a seu arbítrio, indivíduos sem caráter e sem consistência, incumbidos de criar artificialmente isto a que se dá o nome de opinião pública.

Qual seja a finalidade desse jogo dirigido, é o que ocorre perguntar em primeiro lugar. Responde Pio XII em outra ocasião: é a mesma que moveu os fariseus, os herodianos e os saduceus contra Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua Igreja: "O poder das trevas, que intentou confundir, atacar e extinguir em seu nascimento a sociedade fundada pelo Divino Redentor, também hoje em dia, com novos recursos muito poderosos, ameaça insidiosamente a Igreja de Deus. A Religião Cristã, ou é combatida abertamente e com furor em alguns lugares, onde são conculcados seus direitos divinos e seus sagrados Pastores são impedidos de cumprir sua missão ou arrojados nos cárceres, ou então é essa mesma Religião arrancada dos corações de muitos por meio de calúnias e falsas doutrinas. Pois quase por toda parte os que estão afastados da Igreja costumam combatê-la com inúmeras publicações e todas as armas mais apropriadas para causar-Lhe dano. De um lado, volumes laboriosos ou revistas fúteis, compostos e divulgados em profusão para escarnecer da virtude e exaltar os vícios; de outro lado, as folhas volantes dos diários difundem seu veneno mortífero, de modo que atraem para o mal o povo de espírito simples e particularmente a juventude incauta, e parecem converter a nobilíssima profissão de escritor em um comercio vergonhoso; — por estas e outras razões mal se pode dizer quão grande dano ameaçada a honestidade dos costumes, e quão grande perigo à incolumidade da Religião" (Carta de 5-12-1954, ao Cardeal Vigário de Roma por ocasião do encerramento do Ano Mariano).

O EXEMPLO DA REVOLUÇÃO FRANCÊSA

Temos a considerar os três elementos que entram nessa imensa obra de perversão: o povo de um modo geral, os manipuladores dos vários processos de atuar sobre a opinião pública, e "os que dirigem o jogo". Há um trecho de carta de Mirabeau a Chamfort que bem caracteriza esses três elementos: "Devemos temer a oposição da maioria da nação, que não conhece nossos projetos e não estará disposta a nos prestar seu concurso. Faremos com que ela o queira e obrigá-la-emos a dizer o que ela jamais pensou. A nação é um grande rebanho que não sonha senão em pastar e que com bons cães os pastores levam até onde lhes apraz.

O rebanho, os cães e os pastores, eis os elementos em jogo. Foi exatamente o que se viu durante a Revolução francesa. Dizia Camille Desmoulins que em Paris nos dias críticos da grande tormenta, havia só 29 republicanos. Mercier, depois da queda de Robespierre, assim se exprimia a propósito do regime do Terror: "Sessenta bandidos cobriam a França de sangue e de luto; quinhentos mil homens dentro de nossos muros eram testemunhas de seus desatinos e não tinham coragem para os enfrentar".

Do século XVIII para cá aumentaram vertiginosamente os efetivos das tropas de choque do mal. Os métodos porém, continuam os mesmos: um grande fogo de barragem, uma grande atoarda para confundir e intimidar a opinião pública e para fazer passar como fato consumado aquilo que até o momento existe apenas na cabeça desses artífices do erro. E cerca de duzentos anos de propaganda liberal prepararam um tipo sui generis de homem, talhado para sofrer a influência dessas trombetas do dirigismo revolucionário da opinião pública.

Deste triste exemplar da fauna humana Hello nos dá um retrato fiel: "O traço característico, absolutamente característico do homem medíocre é sua deferência pela opinião pública. Nunca fala, sempre repete. Julga os homens por sua idade, sua posição, seu êxito, ou sua fortuna. Sente o mais profundo respeito por aqueles que são conhecidos, não importa em virtude de que títulos; por aqueles que publicaram muita coisa. Faria a corte a seu mais cruel inimigo se esse inimigo chegasse a ser célebre..." (Ernest Hello em "O Homem").

A celebridade é tudo para o homem medíocre. E como a celebridade é fruto, via de regra, das "coteries" literárias, artísticas, científicas, eis o homem medíocre preso nas engrenagens da máquina de propaganda sectária e de deformação da opinião pública.

ONDE SE FERE O VERDADEIRO COMBATE

Outra característica do homem da rua é o seu horror pela coerência dos princípios, pelas atitudes inflexíveis diante da verdade. "Admite algumas vezes um princípio, diz Hello; mas se chegas às consequências desse princípio, dir-te-á que exageras. Se a palavra exagero não existisse, o homem medíocre a inventaria" (ibid.).

Esta atitude do homem medíocre se acha ligada a outra, que é o medo de comprometer-se, o que o obrigaria a sair de seu sossego e de sua paz com o mundo que o cerca. Mesmo porque outra fraqueza do homem medíocre é a preocupação de não passar por anacrônico. O respeito incondicional pelo que está na moda, eis um de seus tabus. Desde que, bem entendido, as mudanças não sejam bruscas. E como para isso há todo um exército encarregado de promover a degenerescência da humanidade por graus insensíveis, tal degeneração pela moda, pela literatura, pela imprensa, pela arte, pelos costumes é aceita pelo medíocre com a maior tranquilidade, mesmo porque tudo isso traz a marca do progresso, é o que se usa, é o que se pensa, é o que é atual.

E não se imagine que tal tipo seja integralmente laicista. Antes pelo contrário. Muitos de seus exemplares mais requintados se acham justamente no setor religioso, O medíocre católico apresenta facetas mais lamentáveis por se tratar da corrupção do ótimo. No que diz respeito à veneração pelas celebridades, por exemplo, o medíocre católico inventa a falsa noção da Igreja que, à maneira das trepadeiras, precisa de alguma coisa em que se firmar para crescer e vicejar. Alguma coisa que pode ser instituição ou pessoa. Agindo de modo contrário ao que diz a Escritura, acha que a Igreja deve se conformar com o século. Pois não é o que ele faz com grande êxito, para viver? Não granjeia amigos, não sobe nos meios intelectuais, nos meios políticos, não enriquece?

Tudo isso o homem medíocre recebe, por osmose, dos planificadores da opinião pública. Como salvá-lo? O Santo Padre nos indica o caminho: formando uma opinião pública genuína, para o que se torna indispensável arrebatar o bastão de comando dos "poucos que dirigem o jogo". Em outras palavras, a luta há de se ferir entre a elite a serviço do mal e a elite a serviço do bem. Não quer isto dizer que neguemos a imputabilidade moral dos que se deixam levar por esses caiadores de embustes. A questão é de gradação de responsabilidades. Mas se resolverá na esfera dos que a têm maior.

Deixamos à iniciativa do leitor o desenvolvimento deste importante tema que o Santo Padre oferece à nossa meditação. E que se acha radicalmente ligado a quanto já dissemos, em artigos anteriores nesta folha, sobre a ação gnóstico-maçônica no mundo contemporâneo.


VERDADES ESQUECIDAS

PERSEGUIR E MATAR OS HEREJES PODE SER OBRA SANTA

SANTO INACIO DE LOYOLA

De uma carta a S. Pedro Canisio, de 13 de agosto de 1554:

Lemos o que V. R., com pia solicitude, pedia em suas cartas de 7 e 17 de julho, a saber: que escrevêssemos o que pensássemos que poderia ser de mais proveito para conservar na Fé Católica as províncias (alemãs) sujeitas a S. M. Real, e nelas restaurar a Religião onde está caída, e sustentá-la onde ameaça ruína... Mas das coisas que aqui se escreverão, fica à prudência de V. R. ver quais se devam propor a S. M. R., porque assim como parece que todas serão muito úteis, se a todas der margem a razão dos lugares, tempos e pessoas, do mesmo modo pode acontecer que seja necessário calar algumas delas por causa da contraria disposição das províncias, ou dos homens...

E antes de tudo, se S. M. R. se professasse não somente católico, como sempre tem feito, mas abertamente contrário às heresias, e inimigo delas, bem como declarasse guerra manifesta e não encoberta, a todos os erros heréticos, — este parece que seria, entre os remédios humanos, o maior e mais eficaz.

...Finalmente, oxalá ficasse assente e fosse a todos manifesto que, sendo alguém convencido ou caindo em grave suspeita de heresia, não há de ser agraciado com honras e riquezas, mas antes será privado desses bens ! E este remédio seria tanto mais eficaz se se fizessem alguns escarmentos, castigando alguns com pena de morte, ou com perda de bens e desterro, de modo que se visse que o negócio da Religião se tomava a sério.

Todos os professores públicos da Universidade de Viena e das outras, ou os que nelas ocupam função de governo, se têm má fama nas coisas referentes à Religião Católica, devem, em nosso entender, ser depostos de seu cargo. O mesmo se diga dos reitores, diretores e leitores dos colégios particulares... De modo algum parece que se deva tolerar ali aqueles de quem há suspeita de que pervertem a juventude: muito menos ainda, os que são abertamente hereges. E até os estudantes de quem se veja que não poderão emendar-se facilmente, deveriam absolutamente ser despedidos...

Conviria que quantos livros heréticos se achassem - mediante diligente pesquisa - em poder de livreiros e de particulares, fossem queimados, ou levados para fora de todas as províncias do reino. Outro tanto se diga das obras dos hereges que não sejam heréticas, como as que tratam de gramática ou retórica, ou de dialética, de Melanchton, etc., que parece deveriam ser inteiramente relegadas em ódio à heresia de seus autores, porque não convém nem nomeá-los, e menos ainda que a eles se afeiçoem os jovens, em cujo espírito se insinuam os hereges por meio de tais obrinhas; e bem podem achar-se outras mais eruditas, e isentas deste grave risco...

Não se deveriam tolerar curas ou confessores que sejam suspeitos de heresia; e aos convencidos desta cumpriria despojar quanto antes de todas as rendas eclesiásticas, porque mais vale estar a grei sem pastor, do que ter por pastor um lobo...

Os pregadores de heresias, os heresiarcas e, em suma, quantos se encontrem que contagiam os outros com esta pestilência, parece que devem ser castigados com graves penas. Seria bom que se publicasse por toda a parte que os que, dentro de um mês desde o dia da publicação, se arrependessem, alcançariam benigno perdão em ambos os ferros; e que, passado esse tempo, os que fossem convencidos de heresia seriam infames e inábeis para todas as honras; e até, se parecer possível, talvez fosse prudente conselho penar-los com desterro ou prisão, e até alguma vez com a morte. Porém, do último suplicio e do estabelecimento da inquisição não falo, porque parece ser mais do que pode suportar o estado presente da Alemanha.

Quem chamar os hereges de evangélicos, conviria que pagasse alguma multa, para que não folgue o demônio de que os inimigos do Evangelho e Cruz de Cristo tomem um nome contrário as suas obras. Aos hereges se há de chamar por seu nome, para que cause horror até nomear os que são tais e cobrem o veneno mortal com o véu de um nome de salvação... ("Obras completas de San Ignacio de Loyola", Biblioteca de Autores Cristianos, Madri, 1952, carta 111, pag. 880).