(continuação)
«ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM»
UM JORNALISTA PRÓ-SOVIÉTICO É INSPIRADOR POLÍTICO DE CERTA IMPRENSA CATÓLICA
Essa inexatidão, essa impropriedade de termos, diz Madiran, são perfeitamente voluntárias e decorrem de um método constantemente seguido por "Le Monde", que mascara e atenua suas opiniões ao mesmo tempo que as exprime, e que procede por sugestões, por insinuações, por omissões calculadas. O jornal do sr. Beuve-Méry, de caráter laico e político, pretende ser o sucessor de "Le Temps" e adquiriu uma reputação de "seriedade" e "objetividade" muito fácil, porque fundada sobre a comparação com outros jornais verdadeiramente muito medíocres ou muito visivelmente mentirosos. Tal seriedade, tal objetividade de "Le Monde" foram assim planejadas e premeditadas: evita-se a inexatidão grosseira e a mentira deslavada dos jornais sensacionalistas; - mas ao mesmo tempo multiplica-se nele a inexatidão hábil, a preterição tendenciosa, o equívoco sugestivo. É pela apresentação das informações, pela importância maior ou menor que lhes dá "Le Monde", pela escolha daquelas sobre as quais o jornal insiste e daquelas sobre as quais desliza rapidamente, que o sr. Beuve-Méry se esforça por desencorajar ou suprimir o espírito de resistência ao comunismo soviético. Embora essa tendência se exprima de maneira diferente, ela é fundamentalmente a mesma adotada nas publicações católicas de Mme. Sauvageot.
Se essa coincidência fosse fortuita, já seria muito grave, pois se trata de uma conjunção de esforços que de fato existe entre a imprensa católica mais poderosa e o mais "sério" diário político de Paris no sentido de desviar os franceses de uma resistência ativa ao comunismo...
Mas tal coincidência, acrescenta Madiran, tal conjunção de esforços não é fortuita. O sr. Beuve-Méry faz parte da "Société du Temps présent", que, como vimos, se acha na origem do poder de Mme. Sauvageot, pois é detentora da maioria das ações da "Vie catholique illustrée". Ficam assim esclarecidos os laços pessoais, políticos e financeiros existentes entre Mme. Sauvageot e o sr. Beuve-Méry, entre a linha de conduta de "Le Monde" e a política do maior truste francês de imprensa católica. Este pormenor, que tem sido tão cuidadosamente dissimulado, define singularmente as perspectivas. Prova, entre outras coisas, que o sr. Beuve-Méry exerce Influência política sobre certa imprensa e sobre certas editoras católicas. Quando o encontramos, diz Madiran, ao lado do Revmo. Padre Boisselot O.P., na direção de "L'Actualité religieuse", não é por simples acaso; não se trata de uma espécie de homenagem formal ao diretor de um grande jornal, nem de uma presença simplesmente honorífica em um comitê de patrocínio. O sr. Beuve-Méry se acha ali porque devia ali se achar, porque é ele que deve por em movimento certos métodos e uma tendência muito precisa. E pode ali se encontrar em pessoa pois que já se achava secretamente presente por toda a parte nas empresas Sauvageot.
O almoço hebdomadário do sr. Beuve-Méry e de Mme. Sauvageot e seus colaboradores deixa entrever que o diretor pró-soviético de "Le Monde" é também mentor da consciência política de certa imprensa católica de grande tiragem. Afirma-o Jean Madiran em seu livro, acrescentando que se trata de um assalto organizado contra a opinião católica. Madiran recusa essa moeda falsa: umas dez grandes publicações católicas, sem falar das pequenas, se apresentam aos leitores como moralmente e materialmente independentes umas das outras, e exploram constantemente o fato de se manifestarem de acordo sobre as mais importantes questões sem prévio entendimento e quase sem se conhecerem. Mas acontece que elas se conhecem perfeitamente e também se entendem de modo perfeito. E aí é que se acha o embuste, muito consciente e muito metódico. Um método que elas não inventaram, um método que os comunistas criaram e aperfeiçoaram. Diz a todo momento o órgão vermelho "L'Humanité": não somos os únicos, nós comunistas, a vos falar assim: vede, esta é também a opinião da C. G. T., Movimento pró-Paz, da União progressista. etc. Têm eles uma centena de organizações anexas e de jornais paralelos que são postos em ação e tomam o tom de voz desejado ao primeiro sinal. Isto faz número, faz censo e impressiona o público. Do mesmo modo, teses e posições idênticas são sustentadas ao mesmo tempo por "Témoignage chrétien". por "Le Vie intellectuele", por "L'Actualité religieuse", por "Esprit", por "La Quinzaine", pela "Vie catholicrue illustrée"... e por "Le Monde". Ora argumenta Madiran, viu-se, de maneira dramática em fins de 1953 e começo de 1954, como as mesmas oposições se manifestaram em todas essas publicações contra as decisões que a Santa Sé preparava a respeito dos "Padres operários". Como é que espíritos tão diversos, pensadores e publicistas tão afastados uns dos outros podiam ficar espontaneamente de acordo, senão por que tinham razão?
UMA PERFEITA MISE EM SCÊNE
Como é que "Le Monde" e "L'Actualité religieuse", que não tinham evidentemente nada em comum, podiam exprimir uma mesma recusa, senão porque essa recusa era essencial à consciência de todas as tendências do catolicismo francês? Tal foi a mise en scène. Afirma Madiran ter boas razões para crer que todos o entendem quando assinala que a presença do sr. Beuve-Méry no comitê de "L'Actualité religieuse" não é de modo algum acidental e que o diretor de "Le Monde" é o inspirador político de toda essa imprensa.
A "Société des Editions du Temps présent" agrupa Mme. Sauvageot, os srs. Beuve-Méry, Georges Hourdin e Stanislas Fumei. As duas principais publicações que ela controla, a "Vie catholique illustrée" e "Radio-Cinéma-Télévision", têm por co-diretores o sr. Hourdin e o Revmo. Padre Boisselot, dos Dominicanos de Paris. Este último era membro do comitê diretor de "La Quinzaine"; encontramo-lo, em companhia dos srs. Hourdin e Beuve-Méry, na direção de "L'Actualité religieuse dans le monde"; vemo-lo ainda na direção das "Editions du Cerf", que publicam "L'Actualite religieuse" e a "Vie Intellectuelle".
O sr. Joseph Folliet é ao mesmo tempo membro da direção de "La Vie catholique" e um dos seis co-diretores de "Témoignage chrétien"; o sr. Georges Montaron é diretor-gerente de "Témoignage chrétien" e participa da direção do "Centro nacional de imprensa" Sauvageot. O sr. Dubnis-Durnée é ao mesmo tempo diretor-gerente de "L'Actualité religieuse", co-diretor de "Témoignage chrétien" e membro da direção da "Vie catholique". Assim, um hebdomadário como "Témoignage chrétien", que não depende financeiramente (ao que parece) das empresas Sauvageot, utiliza um pessoal de direção e de redação em parte comum com estas últimas. Acrescentemos que o comentarista político de "Temoignage chrétien", sr. Georqes Suffert, é um dos animadores de "La Quinzaine" e membro dos grupos de "Esprit".
MAURIAC CONTRA ROMA
Não é por conseguinte nada arbitrário enfeixar em um mesmo grupo essas diversas publicações católicas que têm seja o mesmo apoio financeiro, sejam os mesmos animadores, quando não uma e outra coisa ao mesmo tempo. Essa imprensa católica "de esquerda" faz pensar nos gabinetes sucessivos das Republicas decadentes, em que reaparecem sempre os mesmos ministros, ora com uma pasta, ora com outra, mas sempre presentes e sempre os mesmos. Assim vamos do sr. Hourdin ao sr. Beuve-Méry, do sr. Dubois-Dumée ao Revmo. Padre Boisselot. Esquematizar-se-á um tanto, conclui Madiran, se se disser que Mme. Sauvageot representa a organização financeira desse grupo, o sr. Beuve-Mérv sua orientação política, e os Dominicanos de Paris seu arsenal ideológico e retórico.
O factotum desse truste de imprensa esquerdista católica é o Revmo. Padre Boisselot. Acha-se em toda a parte, e por toda a parte é co-diretor, animador, organizador da publicidade, intelectual e política: nas "Editions du Cerf", na "Vie catholique illustrée", na "Radio-Cinéma-Télévision", na "Actualité religieuse dans le monde", na "Vie Intellectuelle", em "La Quinzaine". É o homem de ação dessa formidável organização publicitária, a mais rica e a mais poderosa da França depois da que pertence aos comunistas. Nela o Revmo. Padre Boisselot difunde e divulga as tendências doutrinárias do Revmo. Padre Chenu. Esses dois Religiosos da Ordem de São Domingos foram atingidos, no início do ano de 1954, por uma medida de "afastamento", tomada a pedido da Autoridade romana. Tal medida, divulgada em meio a um incrível tohu-va-bohu artificialmente organizado, acabou por ficar quase letra morta. Na mesma ocasião foi levantada a questão da supressão do noviciado dominicano de Saulchoir.
O sr. Mauriac, entre outros, se insurgiu violentamente contra essas medidas disciplinares de Roma, acentuando: "Fremimos ao saber que o Santo Oficio se acha em vias de golpear a Ordem, aqui, em sua própria raiz, ao atacar o noviciado de Saulchoir”. Acrescentou o conhecido romancista que isso "equivalia a dinamitar uma de nossas catedrais".
Acontece, diz Madiran, que tais medidas disciplinares nada ofereceram de extraordinário ou de inesperado para quem vinha acompanhando os acontecimentos. Assim é que antes da guerra e durante longos anos, o regente dos estudos de Saulchoir foi o Revmo. Padre Chenu. Expôs ele o método e o conteúdo de seus ensinamentos em um livro intitulado precisamente "Le Saulchoir". Esse livro foi colocado no Index: não recentemente, mas há mais de dez anos atrás. Tal fato mostra que as citadas medidas do Magistério romano não foram nem rudes nem inesperadas, conforme faz crer o sr. Mauriac. Todos os outros meios, o conselho, a advertência, a persuasão haviam sido empregados por muito tempo. Por exemplo, a orientação errada desses Religiosos em face do comunismo, no sentido da não-resistência e da crítica aos católicos fiéis à sentença de que "o comunismo é intrinsecamente perverso" (Pio XI na encíclica "Divini Redemptoris") se acha resumida do seguinte modo em artigo do "Osservatore Romano" de fevereiro de 1954: "Chegam até a dizer que não se deve combater o comunismo, e que é mesmo bom que os operários a ele adiram, mesmo com o risco de se tornarem ateus, porque o que conta mais para eles é libertar a classe operaria da escravidão do capitalismo. Uma vez realizada essa libertação, dizem eles, poder-se-á evangelizar a classe operaria... Em presença de tais absurdos, pode-se perguntar se é a fé que lhes falece, ou se é o equilíbrio psíquico fundamental sem o qual não pode haver julgamento são".
"LA QUINZAINE"
Com o propósito de levar tão longe quanto possível a colaboração com os comunistas, em novembro de 1950 foi fundado o periódico "La Quinzaine". Os fundadores foram os Revmos. Padres Chenu e Boisselot, Mme. Sauvageot, o sr. Max Stern (membro dirigente do bolchevizante "Movimento pró-Paz") e o sr. Marcel Hoiroud (secretário geral dos "Cristão Progressistas"). Mesmo após as primeiras advertências do Episcopado francês contra "La Quinzaine", o Revmo. Padre Chenu nela continuou sua colaborarão regular sob o Pseudônimo de "Apostolus". Tais artigos diriam claramente que a imprensa Sauvageot-Boisselot escrevia de modo menos explicito, e como podia ser de outra forma, pois que o Revmo. Padre Chenu é o mentor intelectual de toda essa gente?
Muito ainda teríamos que escrever sobre a orientação ideológica dessa imprensa católica "de esquerda", com base no material fornecido por Jean Madiran. Por ora fiquem registrados os fatos acima resumidos. Em outra oportunidade retomaremos a exposição do impressionante relato contido no livro que tem provocado tantos aplausos e tanta celeuma: "Ils ne savent pas ce qu'ils font".
PRECE
pelos sacerdotes encarcerados
Mons. Joseph Gawlina
Muita coisa se faz hoje, de belo e de grande na Santa Igreja. Cremos entretanto que não há o que supere em sua beleza grandiosa e trágica, o martírio de tantos católicos que, na China, na Indochina e na Europa Oriental, sofrem tormentos indizíveis e vertem generosamente seu sangue Para a maior gloria de Deus. É um cântico de força, de dor e de esperança, superado em beleza apenas pelo cântico dos Anjos no Céu.
Sempre que se trata de sofrimento e de luta pelo nome de Jesus Cristo, a Polônia está na primeira linha. É bem justo que de um coração polonês se exale pois, com destaque particular, o protesto vibrante, a voz de compaixão, a súplica pungente apresentada a todo o Clero da Cristandade para que Deus alente os seus heróis, vítimas do comunismo.
E particularmente quando esse coração é o de um Prelado como o Exmo. Revmo. Mons. Joseph Gawlina, herói da resistência polonesa, símbolo de coragem apostólica e patriotismo cristão.
Nossos leitores, e especialmente os que são Sacerdotes, terão pois o maior interesse em ler estas linhas de fogo do eminente Diretor da Confederação Mundial das Congregações Marianas (os subtítulos são desta redação):
A lei do mutuo amor
Um dos maiores gênios do Cristianismo, o Cardeal John Henry Newman, exclamou: "Meu Deus, não sei o que significa o amor infinito; uma coisa porém eu vejo: que o teu amor é tão profundo e forte, que todas as minhas medidas e classificações se confundem e desfalecem" (Med. Chr. Doctr., X, 74, 5).
O amor divino, deitando a sua mais profunda raiz na divina bondade, escapa à inteligência humana.
Nossa alma foi criada à imagem e semelhança de Deus. O Filho de Deus, momentos antes de sua Paixão, deu aos Apóstolos a lei do mútuo amor: "Eu os fiz e os farei conhecer o teu nome, afim de que o amor com que Me amaste esteja neles, e Eu neles” (Jo. 17; 26). E o Apóstolo da caridade continua: "Quem não ama a seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a Quem não vê?" (1 Jo. 4, 20).
Crueldade maior que a de Babilônia
Vivemos em tempos singulares. O homem, nos últimos dez anos, penetrou num dos mistérios fundamentais da natureza; mas somente o futuro mostrará se este homem "progressista" será moralmente capaz de arrostar a responsabilidade pelo mundo futuro afim de que este não seja perverso.
O que é certo é que no campo moral, embora se trate de relações de homem para homem, vemos, não um progresso, mas um tremendo regresso. Nem sequer a própria Babilônia era tão cruel como a Europa o tem sido nos últimos quinze anos. Talvez só se pudesse compará-la com a Assíria.
Conheço certo baixo-relevo assírio, que mostra a expatriação de um povo vencido. Suas cabanas ardem em chamas; a cada um só é permitido levar alguns poucos objetos, e aos que não se decidem a abandonar os escombros fumegantes de sua querida choupana, a esses a soldadesca fixa no chão com suas lanças.
Desde 1939 presenciamos a deportação, os kolkozi, a proibição de contrair matrimônio, as câmaras de gás letal, os crematórios - a pior revelação de degenerescência e de perversão moral - verdadeiras "flores do mal" semeadas pelo inimigo do gênero humano.
Faz já doze anos que Deus me concedeu a graça de poder contemplar uma parte da desgraça que, naquela época, se precipitou sobre a Europa Oriental. Estive na Rússia soviética, para onde foram deportados cerca de dois milhões de poloneses, bem como centenas de milhares de ucranianos e lituanos.
Violentamente dispersadas as famílias - o pai deportado para as fronteiras da China, mãe para a Sibéria e os filhos para as margens do Oceano Glacial Ártico - trabalhos forçados aos vencidos, incestos, blasfêmias, proibição das práticas da Religião, fome física e moral o terrível inverno siberiano — oh! este inverno que permite compreender porque Dante colocou nos eternos gelos o último reduto do Inferno — eis a completa subversão da lei natural, eis a que ponto chegou a essência da negação moderna.
De meio milhão de crianças deportadas, só vi algumas dezenas de milhares de esqueletos ambulantes, em cujos olhos se lia a morte iminente. Neste mundo em que outras crianças se alegram com o cuidado e o carinho maternos, estes infelizes tinham que lutar pela própria subsistência com enormes sacrifícios. Vi um rapaz que conseguiu, por esmola do exército, um pedaço de pão, e contudo o enterrou, por economia, prevenindo-se para outros dias, em que talvez não houvesse mais quem lhe desse esmolas.
Retomando a senha dos primeiros cristãos
Revmos. Padres: Se alguma vez o ideal sacerdotal e o celibato foram submetidos a rudes provas - provas felizmente superadas - isso aconteceu, sem a menor dúvida, nestas terras sem limites da Rússia Soviética. Conheço casos de Sacerdotes que, embora não condenados à deportação, e infringindo determinações rigorosíssimas, penetravam, às escondidas, nos vagões dos desterrados para poder, lá longe nos gelos siberianos, levar o consolo da Religião a esta gente infeliz e compartilhar a sua sorte.
Apesar da severa proibição, faziam as preces litúrgicas e ofereciam o sacrifício da Santa Missa, geralmente às ocultas, em qualquer hora propícia e segura do dia ou da noite.
Para a Missa do galo, às três horas da madrugada, reuniam-se ao som das misteriosas palavras dos primeiros cristãos: "O peixe já está preparado".
Por minha parte, se fora poeta, como primeira cena do primeiro ato do moderno drama religioso, tomaria por tema a seguinte representação: um campo de concentração, tempestade de neve, arame farpado, noite, ventania. Guardas com metralhadoras embaladas, barracão desaparecendo na escuridão da noite, e diante dele os nossos vigias. Do barracão sai mansamente, vestido como prisioneiro de guerra, uma figura com estola aos ombros que chama para dentro da noite com voz sumida: "O peixe já está preparado". A seguir os vigias passam adiante essas palavras simbólicas. Da direita e da esquerda aproximam-se, com passos vagarosos, as sombras aqueles que em profunda calma e alegria procuram, no ósculo do Senhor Eucarístico, o amor infinito.
"Calar os dogmas seria o mesmo que negá-los”
Caríssimos irmãos meus, onde estão hoje esses Padres heróicos? Uma parte pereceu naquela terra desumana; outros nos campos de batalha, e os restantes se acham dispersos pelo universo, porque para eles não havia mais possibilidade de retornar à pátria. Se tivessem voltado, teriam sido novamente deportados. Mas os seus lugares são hoje ocupados por outros servos de Jesus Cristo. Foi desejo ardentíssimo do demônio joeirar os Sacerdotes como o trigo (Luc. 22, 31).
Não falo somente de minha pátria, mas de todos aqueles países que estão para além da cortina de ferro. Tenho diante dos olhos os Eminentíssimos Cardeais Mindszenty, Stepinac e Wyszynski; os Padres Slipyj e Reynis; os Snrs. Bispos poloneses, ucranianos, lituanos, tchecos, eslovacos, húngaros, romenos e russos brancos. Uns, encarcerados em sua própria pátria; outros, deportados.
Tenho diante de meus olhos a milhares de santos Sacerdotes condenados; — por que motivo? Unicamente porque serviam a Deus e a seu povo; unicamente porque obedeciam a Deus mais do que aos homens (At. 5, 29); unicamente porque repeliam as tentações do demônio; unicamente porque mostravam a coragem de cantar o hino do divino poder da consciência; unicamente porque não comprometiam o Santo Padre e muito menos queriam separar-se da unidade católica; unicamente, enfim, porque, intimados a calar o dogma do primado do Pontífice Romano, com São Maximo Confessor respondiam: "calar os dogmas seria o mesmo que negá-los!"
Do Clero polonês, dizimado já pela guerra, há centenas de Sacerdotes nas masmorras; outros tantos Sacerdotes ucranianos foram perseguidos e deportados; do Clero lituano resta somente um reduzido pugilo nos seus postos; e assim poder-se-ia estabelecer o número de perdas da Igreja na Europa Oriental em assustadoras estatísticas, que clamam aos Céus por vingança.
E estes heróis de Cristo acaso procuram vingança? Não! Bem sabem eles que a sorte do Sacerdote é a perseguição e o sofrimento, porque "o discípulo não é mais que o seu Mestre" (Mat. 10, 24); bem sabem eles que "as chagas suportadas por amor te Cristo garantem, não a morte, mas a vida" (S. Ambrosius ad Imperatorem Valentinianum).
Conta-se daquele admirável capitão de artilharia que, deportado para a Sibéria, aí ofereceu a Deus o seu cativeiro em holocausto pela conversão dessa nação ingrata que lhe destruíra a pátria, dividira a família e matara os amigos (depois de dez anos de cruel prisão, entrou ele para a Ordem do Carmo). Assim também os soldados de Cristo rezam e pedem aos Céus que o reino de Deus venha sobre essa imensa nação, em cujas terras não há liberdade, mas escravidão. E esperam que, embora carregadas de cadeias, suas mãos possam se manter erguidas graças ao fervor de nossas orações.
Quem reza por nossos irmãos "In vinculis"?
A esta altura, porém, pergunto: quem que reza por eles? Reza o Santo Padre, e continuamente clama e pede que outros rezem também. E quem ouve este apelo do Papa, novamente expresso na Encíclica "Ingruentium malorum"? Desgraçadamente, poucos, pouquíssimos Sacerdotes responderam a este brado do Pontífice. "Quoniam abundavit iniquitas, refrigescit caritas multorum — Porque se multiplicou a iniquidade, esfria-se a caridade de muitos" (Mat. 24, 12).
Principalmente nós que nos encontramos junto, ou melhor, que nos encontramos unidos ao Sumo Pontífice, deveríamos pensar na responsabilidade que nos cabe. Porque é que nos unimos sob o sinal "dell'amore infinito"? Ou acaso não nos damos conta dos tormentos com que são tratados esses prisioneiros, em comparação com os quais nada são as cenas do "Quo vadis", apesar da crueldade que contêm?
Por acaso não notamos ainda que atualmente a tudo se dá o nome de matéria? E esta "matéria" humana, preparada pela hipnose e pelas injeções, é obrigada a escutar, a arrepender-se nos processos, a acusar-se a si mesma, e até a negar-se a si mesma.
Não lhes adianta nenhuma preparação jurídica, porque o que os espera não é de nenhum modo um julgamento segundo as leis, mas tão somente uma farsa em que cada argumento em sua defesa faz maior peso para a sua condenação.
Antigamente se deixava ao cristão, como última palavra, a possibilidade de proclamar suas convicções, embora ao preço da própria vida. A Igreja e o povo viam na morte do mártir o triunfo da causa de Deus, e a esta morte se seguiam sinais extraordinários. Mas os batalhadores de hoje devem contar com nova tirania que lhes rouba até a glória do martírio; tirania tanto mais vil quanto é certo que também para isso conta com recursos especiais.
Quando o Inimigo rompe as barreiras da alma
Qual é a situação do Bispo ou do Padre há anos na prisão? Passa dias e noites com fome e com frio, interrompidos tão somente pelas terríveis extorsões da "verdade", sob a coação física e psíquica, com o fim de arrancar do infeliz o desejado segredo, ou fazer que ele tenha a sensação de ser criminoso. Quem de nós haveria de suportar este martírio?
"Nec fortitudo lapidum fortitudo mea, nec caro mea aenea est — Minha fortaleza não é como a das pedras, nem minha carne é de bronze" (Job 6, 12).
Conheço um Padre encarcerado há cinco anos, que está sendo preparado para o processo condenatório. Reduzido a um farrapo físico, sentiu que suas forças psíquicas chegavam ao fim, e temendo cair conseguiu transmitir através das grades do cárcere um pedido de orações.
Este clamor, este grito de "orações - orações!" ressoa das prisões dos Sacerdotes de além cortina de ferro para todo o mundo católico. Nossos pobres irmãos julgam que êles e toda a Europa Oriental foram esquecidos pelos seus confrades Sacerdotes. Julgam que já foram apagados e riscados de nossa memória. "Miseremini mei, saltem vos amici mei, quia manus Domini tetigit me" (Job 19, 21).
Estes irmãos lembrar-se-ão no dia do Santo Natal de que "apparuit benignitas et humanitas Salvatoris nostri Dei", e ao canto dos Anjos, "gloria in excelsis Deo", escapar-se-lhes-á dos lábios a palavra do Salmo: "De profundis clamavi ad te, Domine".
Ocasião de se confessar não encontram; e se encontrassem, não se sentiriam seguros, porque existe o perigo de serem escutados às escondidas. Assim, em Moscou confessei um Padre que havia já dez anos não se tinha confessado. Fizemo-lo em latim, pois esta língua não era conhecida do espião que nos seguia; mas, ainda assim, tivemos que contar com os microfones camuflados dentro das paredes.
"A minha alma está triste até à morte". Só quem pessoalmente sofreu no cárcere, ou no campo de concentração dos prisioneiros de guerra, sabe o que significa a saudade, mas também sabe o que significa a tentação. "Pericula inferni", quando o inimigo rompe as barreiras da pobre alma, para que as ondas do mal a possam alagar! Imediatamente investem sobre ela o medo, o pavor, o terror e a tristeza. Quem é que possui um ânimo tão forte que possa suportar todos os golpes do inimigo de aparência vil e terrível, que derrama sobre a cabeça do pobre e solitário Padre como que um mar de maus pensamentos, e escarnece ao mesmo tempo das suas orações, profana com más visões os seus olhos, tenta-o com a fascinação dos atrativos do mundo, ordenando à sua incontável legião diabólica que gire ao redor da pobre alma para levá-la ao desespero, nela realizar a obra da sua perversidade e exercer o seu despotismo satânico?
O inferno na terra e o inferno sob a terra trabalham precisamente nisso: na destruição não somente do corpo e da honra, mas igualmente da alma.
Carregados de grilhões, cantam os louvores de Cristo
O Deus misericordioso, livrai-nos de tamanha prova, a nós que vivemos na liberdade, e da fonte eucarística e da rocha de Pedro haurimos força e alegria; a nós que rezamos com prazer, ou pelo menos em paz, pois que tudo aquilo que sofremos não passa de canção idílica em comparação com o sofrimento dos irmãos encarcerados e deportados.
Sabemos que quando São Pedro estava na prisão, "oratio autem fiebat sine intermissione ab Ecclesia ad Deum pro eo - toda a Igreja sem cessar rogava a Deus por ele" (At. 12, 7). Hoje, São Pedro, pela boca de seu Sucessor, ora "sine intermissione" pelos seus filhos encarcerados.
Depositando os mais profundos agradecimentos aos pés do Soberano Pontífice, que governa este "grande e glorioso Corpo Místico", pedimos a todos os nossos irmãos que rezem para que também eles, os perseguidos possam dar testemunho da verdade, "porque se um membro sofre, todos os outros sofrem com ele" (1 Cor. 12, 26).
Embora agrilhoados, cantam estes prisioneiros de Cristo os seus louvores com palavras e com exemplos.
Conheço um Padre, condenado à morte, mas libertado pelo pacto de 1941, que
(continua)