(continuação)
de um esquema ideológico. Assim, por detrás da cortina de ferro ou de bambu, há riquezas de alma que não se deixaram absorver pelo comunismo, e que até talvez marchem em sentido oposto. Pois não será de admirar que, na resistência ao marxismo, amparados pela Providência, cismáticos e pagãos se vejam na contingência de aprofundar melhor o conhecimento e o amor a todas as suas tradições nacionais, e acabem por ver que o que elas têm de bom encontra na Igreja não só amparo e simpatia, mas seiva vital e plenitude. Mais ainda, há por detrás das fronteiras do mundo soviético blocos católicos de valor inestimável. Pensamos com veneração e ternura nos fiéis oprimidos da Europa, e particularmente num povo e num homem que o simbolizam. Um povo, a Polônia mártir. Um homem, o cardeal Myndszenty, Arcebispo de Esztergom na Hungria. Pensamos com amor nos inúmeros católicos perseguidos da Ásia, e naquela Polônia do Oriente, que é a brava nação vietnamita, opressa, dispersa, entregue às feras, mas cuja perseverança enche de ufania todas as almas fiéis. De outro lado, há nos países da gentilidade núcleos pequenos de católicos, velhos uns como nossos admiráveis e queridíssimos “compatriotas” de Goa, novos outros, mas que constituem no seu conjunto uma verdadeira primavera de fé. E por fim, neste ocidente, cheio de tanta luz e de tanta glória cristã, quanta miséria: heresias declaradas ou veladas, imoralidade, ateísmo, neomaniqueísmo enfim, mil vezes mais odioso do que o paganismo asiático ou africano.
Em cada país há hoje uma profunda divisão. Nosso século não é apenas o da Guerra Universal, de que a de 1914 e a de 1939 foram apenas dois marcos. É a época da Grande Revolução, que inspira e suscita mil “revoluções” internas em todos os povos. Grandes e pequenos, homens de cultura e proletários, todos se entredigladiam. E o segredo de tudo isto está em Jesus Cristo. Pois é por ou contra Ele que, conscientemente ou não, se luta. Se Ele fosse obedecido haveria paz. Mas como se O ignora, o irmão se levanta contra o irmão, e o filho contra o pai.
Cristo e a Igreja, aqui também, são o centro da vida, e o eixo em torno do qual se agita a história, a grande cordilheira que a transpõe e a divide em duas vertentes, desde o primeiro Natal até o fim dos tempos.
Considerando o passado
Referindo-se às condições hodiernas do Ocidente, Pio XII, em seu discurso aos historiadores, notou que sua situação é de funda crise religiosa: “O que se chama Ocidente ou mundo ocidental sofreu profundas modificações desde a Idade Media: a cisão religiosa do século XVI, o racionalismo e o liberalismo conduziram o Estado do século XIX à sua política de força e à sua civilização secularizada. Tornava-se pois inevitável que as relações da Igreja Católica com o Ocidente sofressem um deslocamento”.
Estas palavras lembram sensivelmente as concepções históricas de Leão XIII, esparsas em seus diversos atos de magistério, e enunciadas num corpo harmônico na Encíclica “Parvenu à la vingt-cinquième année”: a Idade Media representara na história do Ocidente cristão o ponto mais alto, em matéria de influência da Igreja sobre a vida pública, as leis e a cultura. Veio depois o protestantismo, explosão de liberalismo religioso, que conduziu à Revolução Francesa, explosão de liberalismo político, a qual teve por fruto a sociedade secularizada do século passado.
Acerca do luminoso ponto de partida desse triste processus, a Idade Média, Leão XIII, em sua Encíclica “Immortale Dei”, tem estas palavras cheias de admiração e ternura: “Tempo houve, em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Naquela época, a influência da sabedoria cristã e sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e relações da sociedade civil. Então, a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, florescia por toda a parte, graças ao favor dos príncipes e à proteção legitima dos magistrados. O Sacerdócio e o Império estavam então ligados entre si por uma feliz concórdia e uma amistosa permuta de bons ofícios. Assim organizada, a sociedade civil produziu frutos superiores a qualquer expectativa”. Mas, lendo-se com atenção os documentos do ilustre Papa, vê-se que ele considera que nem todos os fatos ocorridos da Idade Média para cá, constituíram decadência. Profundamente golpeado, o Ocidente cristão continuou entretanto a progredir. Mais ou menos como um adolescente contaminado de tuberculose - a comparação é nossa - em que ao mesmo tempo pode crescer o organismo e progredir a moléstia. Qual é para nós hoje o remédio, depois de alguns séculos desse processo complicado, de crescimento e degenerescência simultâneos? Voltar pura e simplesmente à Idade Média? Seria uma solução tão simplista quanto a do médico que julgasse consistir a cura do adolescente, já feito moço, em voltar aos seus 15 anos. É preciso curar a tuberculose, e não fazer voltar atrás os ponteiros do relógio.
E neste ponto o discurso de Pio XII aos historiadores contém um princípio que domina do mais alto todo o assunto. A doutrina do Evangelho é imutável. Mas, ao ser posta em prática, ela deve atuar sobre inúmeras circunstâncias concretas das mais variáveis, ordenando-as, corrigindo-as, elevando-as. E como uma civilização católica, considerada no plano histórico, é sempre a realização dos princípios doutrinários imutáveis do Evangelho, em circunstâncias históricas mutáveis, como de outro lado a Igreja não esta vinculada senão à Revelação, daí decorre que Ela não Se identifica com qualquer cultura, ou qualquer civilização, por mais que lhes tenha servido de fonte de inspiração.
Princípio altíssimo, princípio fecundo, que melhor se compreende em toda a sua extensão, considerando-lhe a aplicação, a título de exemplo, numa esfera mais acessível, isto é, esfera individual.
Tenhamos em vista, assim, não a história de um século, mas a de um homem, a de um Santo. Cada Santo dá uma realização plena aos preceitos e aos conselhos do Evangelho. Mas esta realização tem como campo de ação as circunstâncias pessoais, sociais e culturais do Santo. A Igreja impõe que se imite o exemplo dos Santos? Cumpre distinguir. Em seu espírito, nos princípios que o nortearam, sim, mas no que decorria de circunstâncias históricas contingentes, não. Santo Antônio falou aos peixes. Quer isto dizer que todo católico deve ir ao litoral convocar os peixes para uma conferência? Não. São Simeão Estilita passou a vida no alto de uma coluna. Quer isto dizer que o mundo se deva transformar numa floresta de colunas, com um bom católico no alto de cada uma? Também não. Mas o espírito dos Santos, as regras de moral que praticaram, a virtude de que deram mostras, isto é perene, isto é imitável em todos os tempos e lugares.
Assim com a Idade Média. Tudo quanto nela foi inspiração dos princípios católicos, devemos desejar vê-lo revigorado no mundo inteiro. Mas o que foi circunstancial pode mudar.
Como distinguir o essencial do circunstancial? A tarefa comporta riscos consideráveis. Pois se há um excesso possível, no se considerar imutável algo que foi circunstancial, há também outro excesso possível, no se considerar circunstancial algo que é imutável. Isto não quer dizer que esta distinção não deva fazer-se. Quer dizer que deve fazer-se com muita prudência, muito tato, muito amor à Igreja. E muita desconfiança de que nos influenciem os erros tão pertinazes, tão aliciantes, de nosso século.
Um exemplo para ilustrar o assunto. A Igreja ensina ser obrigação do Estado professar a Religião Católica oficialmente, e organizar-se segundo os ditames do Evangelho. Na Idade Média, os Estados cristãos cumpriram este dever. O mesmo ideal continua a ser o de todos os católicos... não maritainizados. (É o que poderia ponderar um escritor do Rio de Janeiro, admirador fogoso e irrestrito de Maritain, que viu no discurso de Pio XII uma justificação da atitude de seu mestre nessa questão). Mas isto não quer dizer que muitos dos pormenores concretos dessa união - estilos e protocolos, por exemplo - não mudem conforme os tempos e os lugares. E é bem de ver que o campo do contingente não se limita a pormenores tais. Basta ler para este efeito a alocução de Pio XII.
Se pois os católicos podem e devem inspirar-se no passado, é para imitá-lo, e não para o copiar servilmente. Neste mudar de ano quer Pio XII que entremos em 1956 com a cabeça cheia da sabedoria da Igreja e da boa inspiração do passado, mas com os movimentos livres.
Olhos postos no futuro
A própria Idade Média, lembra o Pontífice, tomou inspiração em épocas e culturas anteriores. Sem os ridículos e nefastos excessos da renascença, nutriu-se ela do leite rico da cultura clássica, do vinho forte de certos costumes germânicos, e das tradições de Fé dos séculos que a precederam. O que significa que tomou elementos culturais contingentes, para fazer a sua grande obra. De onde decorre que, embora ela tenha sido uma cultura católica, outras culturas católicas são possíveis, igualmente fiéis ao espírito da Igreja, mas alimentadas de seivas diferentes. E com isto Pio XII abre largamente os braços para as nações hoje ainda pagãs. Pode haver no Japão ou na Pérsia, desde que se convertam, uma cultura católica que assuma, purifique, eleve e ordene todos os valores tradicionais daqueles países. Claro está que, neste sentido histórico da palavra “cultura” terá nascido uma autêntica cultura católica nova, profundamente afim com a do Ocidente enquanto católica, profundamente diversa enquanto persa ou japonesa. E Pio XII quer mostrar bem claramente aos povos gentios que a Igreja não deseja de modo nenhum desnacionalizá-los, nem ocidentalizá-los. Católica, a Igreja entretanto não é cosmopolita. Ao contrário do que hoje se pratica, Ela não quer impor ao mundo inteiro uma mesma arte, um mesmo estilo de vida. Na imensidade de seu coração, cabem todos os povos folgadamente, de sorte que o suíço continue inteiramente suíço sendo profundamente católico, e o mesmo suceda ao afegão, ao esquimó ou ao bororó. Ela não sente necessidade de os reduzir a uma matéria-prima única e informe para os abranger todos. Cabem portanto em seu seio todas as culturas, em tudo aquilo que tenham de naturalmente bom, e aceitável pela Igreja, sob a condição de que se deixem guiar por sua doutrina e embeber inteiramente de sua vida sobrenatural.
Entramos, pois, em 1956, como o Pai Comum, com o coração e os braços largamente abertos, para uma acolhida cheia de discernimento, inteligência, prudência e afeto, para esses povos de tão glorioso passado...
* * *
O que fica então de fora? Tudo aquilo que a Igreja repudia como contrário ao Evangelho. Antes de tudo, as leis, instituições, a própria inspiração do comunismo. A Igreja ama intensamente os povos que gemem sob o peso deste erro. Mas execra o erro que os domina. Em seguida, todos os elementos que formam a velha ganga do paganismo na gentilidade: idolatria, costumes corruptos, naturalismo profundo, brutalidade. E por fim tudo aquilo que constitui em nossa civilização ocidental o veneno mil vezes pior do chamado “neopaganismo”, que antes devera chamar-se o maniqueísmo moderno, sob todas as suas formas declaradas ou larvadas.
Que o ano de 1956 marque um passo avantajado na derrota de todo este mal, na edificação de uma civilização autenticamente católica em cada país do mundo, é o que de melhor, a respeito dele, podemos pedir a Nossa Senhora.
TAMBÉM NESTE 5o ANIVERSÁRIO, é de afeto e louvor a mensagem do Bispo Diocesano, relativamente a CATOLICISMO.
As condições da benemérita Editora Boa Imprensa não lhe permitem publicar um jornal de grande tiragem, destinado por sua própria natureza a uma divulgação doutrinaria e moral de larga extensão. Nestas condições, cabe-lhe tirar todo o proveito possível — "ad maiorem Dei gloriam" — do mensário que a Providência lhe permite editar. Que feitio dar-lhe? Folha popular, de sólida doutrina, apresentada em nível cultural primário ou secundário? Folha de porte intelectual superior, destinada às elites? Foi este um primeiro problema, diante do qual se viu posto desde o inicio CATOLICISMO.
Outra questão importante era relativa à escolha dos assuntos versados. Tratar exclusivamente de temas concernentes à causa católica? Seria, na aparência, renunciar a atrair leitores não católicos. Tratar então de temas de interesse geral? Mas como esperar que leitores não católicos fossem procurar em uma folha católica informações que órgãos laicos tombem lhes fornecem?
Com estas questões se defrontam os jornalistas católicos do mundo inteiro. Temos por certo que, atentas as circunstâncias peculiares de Campos, resolveu-as muito bem CATOLICISMO.
O Brasil tem poucos diários católicos. Mas possui um número considerável de revistas e jornais católicos de todos os formatos, semanários ou quinzenários, em sua grande maioria de nível cultural médio. Graças ao próprio fato de não serem diários, conservam-se atuais por muitos dias. E, com a grande facilidade de comunicações hoje existente no Brasil, estas folhas, muitas vezes, circulam em todo o território nacional. Em Campos, penetram elas largamente, atendendo plenamente à procura dos leitores. E, assim, neste ponto, a lacuna não é das mais sensíveis. Uma folha a mais, como tantas outras já existentes, dotadas de bela tradição e largos serviços? Porque tal dispersão de esforços?
Parecia mais adequado lançar um órgão de nível marcadamente superior, com feitio de jornal, com fisionomia muito peculiar, que pudesse desenvolver-se em seu âmbito próprio, e por isto mesmo atendendo a algumas das legítimas necessidades da opinião católica, sem fazer inútil e antipática concorrência a qualquer das iniciativas já existentes. Para recomendar ainda mais a adoção desta fórmula, concorria a circunstância de que o povo brasileiro é dos mais fina e ricamente intuitivos da terra. E por isto CATOLICISMO, ainda que visando um porte intelectual alto, seria compreendido, e lido com sofreguidão, por pessoas de nível cultural comum. Para isto, bastaria que evitasse de tomar um caráter muito técnico. A zona de influência do jornal poderia pois ser bem grande, sem prejuízo de seu alto teor.
Quanto a publicar matéria de interesse não religioso, nas condições do Campos seria impraticável. A cidade possui sete diários atualizadíssimos. Nela entram as revistas do mundo inteiro. Como esperar que, de modo eficiente e normal, um mensário houvesse de fazer-lhes concorrência? Melhor seria aproveitar ao máximo a boa vontade existente nessa imprensa, valorizando quanto possível o noticiário religioso que ela graciosamente publica. É o que com proveito se tem realizado.
E assim se configurou nos moldes atuais CATOLICISMO: folha de alto teor cultural, mas acessível às inteligências despertas, de todo nível; folha especializada em assuntos católicos, mas capaz de interessar também a não católicos cultos e desejosos de se informar seriamente sobre nossa santa Religião.
Escrevendo estas considerações lembramo-nos da confirmação que lhes trouxeram certos fatos típicos, entre tantos outros: a carta cheia de admiração de um espírita do Estado de Santa Catarina, que via em CATOLICISMO a folha católica mais bem feita do Brasil; e a avidez com que são lidas, a inteligência com que são comentadas, mesmo por leitores sem a menor pretensão intelectual, secções cintilantes de sugestões para os espíritos intuitivos como "Ambientes, Costumes, Civilizações" e "Verdades Esquecidas".
Um verdadeiro sucesso jornalístico, pois, decorrente em boa parte da solução criteriosa de alguns problemas básicos. A crescente difusão da folha, o seu tão grande prestigio aí estão para o demonstrar.
Vivificado todo este esforço por uma devoção ardente à Sagrada Eucaristia, a Nossa Senhora, e ao Augusto Vigário de Jesus Cristo, devoção esta que é a força e o santo ideal de CATOLICISMO, já tem feito e ainda fará muito bem. Disto lhe sejam penhor a dileção e as bênçãos do Bispo Diocesano.
Antonio, Bispo de Campos
CLUNY, ALMA DA IDADE MÉDIA
Celso da Costa Carvalho Vidigal
Ninguém ignora que o grande Santo que na segunda metade do século XI governou a Igreja sob o nome de Gregório VII era a monge Hildebrando, formado espiritualmente para sua grandiosa missão num dos mosteiros a que a Abadia de Cluny havia imposto sua reforma. Este fato insere o pontificado de S. Gregorio VII no movimento espiritual da reforma cluniacense e torna interessante conhecer as origens desta, tanto mais que a Idade Média deveu sua feição católica em grande parte à ação de Cluny.
A Abadia de Cluny foi fundada em 910 por dois homens, um Religioso e um senhor feudal, que não sabiam, estar com isto influindo poderosamente na história da idade Média e de toda a civilização cristã: o Bemaventurado Bernon, Abade de Baume e de Gigny, e Guilherme o Piedoso, Conde de Auvergne e Duque da Aquitânia.
CLUNY, FEUDO DE S. PEDRO E S. PAULO
Bernon era um nobre borguinhão, profundamente piedoso como tantos outros de sua classe. Tendo fundado a Abadia de Gigny, pouco depois fizera-se monge e tornara-se Abade dessa casa. Propôs-se ele então restaurar a Abadia de Baume, que estava abandonada. Conseguindo do Papa Formoso uma bula que declarava os seus monges isentos completamente das ingerências do poder temporal, e os colocava na dependência direta de São Pedro, o Beato Bernon se empenhou em que, nas casas que dirigia, se observasse estritamente a Regra de São Bento. Os dois cenobios adquiriram com isto tão grande reputação de santidade, que dois varões insignes, Santo Adgrin e Santo Odon, se retiraram à Abadia de Baume, então considerada a mais fervorosa de tôda a França. E com eles muitos outros, a ponto de as duas casas se tornarem pequenas por causa da afluência considerável de monges. Tendo Bernon conhecido o Duque da Aquitânia, Guilherme o Piedoso, pediu-lhe uma propriedade que este possuía, e da qual era senhor feudal, em Cluny. Gliilhenne acedeu ao desejo de Bernon, e, a 11 de setembro de 910, se fundava em Cluny, na presença de grande número de Bispos e de leigos, um novo mosteiro que deveria ter um papel preponderante na história monástica dos dois séculos seguintes. A fim de melhor assegurar a independência da nova casa, o Duque da Aquitânia a doou com todas as suas dependências aos Apóstolos Pedro e Paulo e aos Pontífices Romanos, os quais, com exclusão de qualquer poder temporal, eram constituídos seus protetores.
Bernon dirigiu a nova Abadia de 910 a 926. Em pouco tempo ela se tornou um mosteiro moda() que era o exemplo e a admiração de todo o povo fiel. Diversos príncipes e senhores feudais, entusiasmados com o SUCCSSO de Cluny, começaram a convidar o seu santo Prelado para reformar ou fundar Abadias em seus territórios. Interessante é considerar que êsse ~violento surgiu, não de concessões ao espírito do século, mas da grande severidade com que o Beato Bernon tratava de manter a estrita observância da Regra de São Bento. Para assegurar a efetiva instauração desse espírito, eram enviados para as casas que acabavam de ser fundadas, ou que careciam de reforma, grupos de monges de Cluny.
Bernon não instituiu um laço perpétuo que ligasse todas as Abadias que dele dependiam; todas elas se uniam sob sua autoridade a título exclusivamente pessoal. Em 926, cansado pela idade, decidiu de doar as suas Abadias: a Guy, seu parente, confiou Gigny Baume e Ethice, e a Santo Odon, Cluny, Déols e Massay, com as possessões desses mosteiros. Alguns meses depois Bernon morria santamente.
SANTO ODON E SUA OBRA
ABADE de Cluny de 926 a 942, Santo Odon não mediu esforços para estender a obra de seu predecessor; se Bernon havia dado a Cluny uma posição de relevo na vida monástica da Aquitânia e da Borgonha, seu sucessor lhe deu um renome e uma importância universais. Filho zeloso de São Bento, Odon foi ao mesmo tempo um místico e um homem de ação. Não fugia às mais rudes mortificações nem às mais humilhantes penitências; e lutava ardentemente para aumentar a sua santa milícia.
Como os Apóstolos, Santo Odon levava vida errante a fim de ganhar homens para a causa de São Bento. Exemplo seguido por todos os seus sucessores, foi ele um infatigável viajante que percorreu a França e a Itália tendo ao seu lado falanges de seus monges, que o ajudavam em suas missões. Em sua ação, tinha Odon um método habitual. Passava uma temporada em cada comunidade. Ao chegar, procurava o apôio dos Religiosos antigos e mais bem intencionados. Todas as manhãs reunia o capítulo para comentar ou fazer comentar a Regra. Chegado o momento de partir, deixava alguns de seus monges para continuar a sua obra, e voltava de tempos em tempos para estimular o fervor e observar os resultados obtidos. Muitos senhores feudais ouviam falar dele, e o convidavam para dirigir Abadias; outros lhe pediam que enviasse alguns de seus monges para estimular alguma casa relaxada. Em 931 o Papa João XI, dando seu augusto apoio a este movimento edificante, encarregou Odon da reforma de todos os mosteiros infiéis à Regra de São Bento, e ao mesmo tempo colocou Cluny sob a dependência direta da Santa Sé. Confirmou ainda o estatuto de Guilherme o Piedoso dando à Abadia plena imunidade, e liberdade na eleição do seu Abade. Em 936, estando Roma sob o poder de Alberico II, Marquez de Camerino (filho da famosa Marosia, senhora do Castelo de Sto. Ângelo ), este convidou Santo Odon a reformar todos os mosteiros da cidade pontifícia e dos arredores, com o título de Arquimandrita, o que lhe permitiu introduzir ali a Regra de São Bento.
Nem sempre o reformador era acolhido com simpatia. Chamado pelo Conde Elisiern para a Abadia de Fleury-sur-Loire, os monges desse mosteiro pegaram em armas para recebê-lo. Odon os venceu pela humildade, chegando montado em um jumento, o que levou os Religiosos a lhe abrir as portas. Na Abadia de Farfa, na Itália, que lhe havia sido confiada por Alberico, Odon não pôde penetrar devido a dois homens que ali viviam e eram os assassinos do último Abade. Somente mais tarde, falecidos ambos, é que uma expedição militar pôde instalar um Abade reformador.
A obra ainda estava imperfeitamente organizada para durar. A regra geral
(continua)