QUEIMA o que adoraste e adora o que queimaste". Estas palavras de S. Remígio, Bispo de Reims, dirigidas ao primeiro Rei cristão dos francos, ficaram o símbolo da fortaleza apostólica. Aos comunistas de hoje, como outrora aos pagãos, a linguagem da verdadeira França católica só pode ser esta. Qualquer aproximação entre católicos e comunistas pressupõe que estes últimos comecem por queimar o que adoram e a adorar o que queimam. É contra esta virtude da firmeza cristã que se urde a tenebrosa conspiração da miopia, da moleza, do medo, denunciada por Jean Madiran. Conspiração cujo resultado seria a completa destruição da resistência católica contra os piores inimigos da Igreja.
Infiltrações comunistas em ambientes católicos
Cunha Alvarenga
Em seu livro "Ils ne savent pas ce qu'ils font", que começamos a estudar em artigo anterior, Jean Madiran se ocupa do problema das infiltrações comunistas em certos ambientes católicos.
Há um aspecto do problema por ele abordado que é de grande importância e atualidade não somente para o caso particular da França, mas também para o Brasil e outros países em que o embuste é maliciosamente empregado: trata-se do artificialismo de determinadas posições práticas e doutrinárias destinadas a preparar o caminho para o advento do comunismo. Uma delas consiste em pretender que as reformas econômicas e sociais, as chamadas "reformas de estrutura" seriam as únicas medidas capazes de destruir o poderio comunista. Não contestamos a necessidade de certas reformas, que aliás não seriam do agrado de muitos daqueles que apregoam desejar combater o comunismo com reformas de estrutura de puro sabor soviético. Por exemplo, somos pelo fortalecimento dos grupos intermediários, entre o Estado e o indivíduo, autônomos e pujantes. Não estamos entretanto de acordo com os que pensam em tirar a razão de ser da propaganda comunista por meio de "reformas de estrutura". Por melhores que estas sejam, a natureza humana continuará a mesma, e dará sempre origem a imperfeições e misérias. E o comunismo utiliza e explora a parte de imperfeição e de injustiça que é praticamente inseparável da sociedade humana. Por isso, diz Madiran, enquanto não se encontrar um meio de edificar uma sociedade absolutamente perfeita, será inelutável a alternativa de combater diretamente contra a organização comunista, ou capitular diante dela.
Em outras palavras, o comunismo soviético é uma organização política que utiliza e explora o sofrimento dos homens. Não aceita o comunismo a economia da Redenção, nem o ideal de perfeição cristã que consiste em cada qual tomar a sua cruz e seguir a Cristo Nosso Senhor. Eis porque, referindo-se a certos falsos pressupostos da ação desenvolvida pelos chamados Padres-operários, observa Madiran que o enviado de Cristo não é aquele que fala a cada homem principalmente das injustiças que sofre, mas das injustiças que comete. E acrescenta: "Porque Jesus Cristo não veio para os justos, não veio para aqueles que se crêem justos, não veio para aqueles a quem se persuadiu de que são uns justos: e na medida em que a classe operaria seja vítima e de nenhum modo culpável, na medida em que a deixais persuadir-se disso, é normal que Jesus Cristo dela esteja ausente. Jesus Cristo veio para a redenção dos povos: se persuadis um povo de que ele é inocente, se credes e lhe fazeis crer que ele não tem necessidade, nem de penitência nem de redenção, vós usais para com ele a linguagem do Maligno, e fechais sua alma. O Sacerdote é aquele que leva antes de tudo a mensagem de São João Batista, ou então não leva coisa alguma (se o Evangelho é verdadeiro)".
O ERRO ORGANIZADO
Outro falso pressuposto comunista que invadiu certos ambientes católicos é o da inumanidade intrínseca da vida da classe operaria, mito criado para fundamentar a teoria marxista da luta de classes. A condição operaria não impede a vida virtuosa, e a apostasia dos homens de trabalho não resulta da injustiça e da miséria, mas tem causas bem mais profundas e diferentes. A origem da descristianização da França, por exemplo, não se acha nas injustiças sociais clamorosas ou na profunda miséria, exagerada por vezes nos romances de folhetim. É fato histórico que a impiedade na França, como em outros países, começou pelos intelectuais, pelos aristocratas e pelos ricos, e deles passou para a classe operaria. A miséria desta concorreu para a tornar vulnerável aos pregoeiros da revolução, mas não foi a razão de ser primeira e capital de sua descristianização. Também é fato histórico que o sistema escolar maçônico e laicista imposto de cima para baixo pelo Estado influiu poderosamente nessa obra de irreligião. Eis porque Pio XII afirma que "hoje a salvação deve vir de onde a perversão teve sua origem. Não é difícil manter no povo a Religião e costumes sadios, quando as classes altas caminham em sua dianteira com seu bom exemplo, e criam condições públicas que não tornem desmedidamente pesada a formação da vida cristã, mas a façam imitável e suave" (alocução ao patriciado e à nobreza romana, 11 de janeiro de 1943).
Outro erro de perspectiva, que procede de um desconhecimento completo da realidade da vida social contemporânea, é imaginar que os lideres representativos do operariado, na luta de classes, com os quais certos católicos acham de seu dever mostrar-se solidários, se encontre nas organizações sindicais, e particularmente em organizações sindicais e políticas como a C. G. T. comunista. Quando a revista "Esprit" ou "La Vie Intellectuelle" falam de trabalhadores ou de classe operaria, trata-se sempre desse sindicalismo. A prova disso é que os Padres-operários se dirigiram, não aos sindicatos católicos, nem aos independentes ou autônomos, mas à C. G. T.: foi com esta organização comunista que eles estabeleceram contacto entabularam diálogo.
CHEGARAM ATRAZADOS
TRATA-SE de um erro trágico, continua Madiran, e de um erro de intelectuais, não de proletários. Os trabalhadores manuais em seu conjunto não desejam de modo algum ficar "solidários" com as lutas, com as diretrizes e com as manobras da C. G. T.: pelo contrário, abandonam a central comunista, que anunciava sete milhões de aderentes em 1947 e que, segundo declaração do próprio Marcel Cachin em fevereiro de 1954, não conta agora mais que dois milhões. Em sete anos, a C. G. T. perdeu mais de dois terços de seus efetivos Procurar a C. G. T. para se unir à classe operaria, no momento preciso em que os operários dela se afastam em massa, não deixa de ser uma atitude extravagante, ou própria de quem vive no mundo da lua.
Os dados fornecidos por Marcel Cachin, conforme velha praxe comunista, não deixam de ser exageradamente otimistas. Segundo estimativas dignas de toda fé, os efetivos reais da C. G. T. não passam de um milhão. E os de todas as centrais reunidas não perfazem, no total, mais de dois milhões de sindicalizados, quando é certo que existem na França onze milhões de trabalhadores sindicalizáveis.
Também não se pode acreditar que a minoria operaria atualmente sindicalizada seja a vanguarda proletária: antes pelo contrário, é a retaguarda. A prevenção ou a aversão dos operarias franceses em relação aos sindicatos pode ser um fato passageiro, mas é um dos fenômenos mais característicos e importantes dos tempos atuais. E os que se põem à margem dos sindicatos não são ignorantes que ainda não tomaram consciência, de sua condição proletária, segundo a linguagem do sr. Maritain: mais da metade dentre eles é composta de antigos sindicalizados que participavam do movimento operário e que, muito deliberadamente, dele se retiraram porque suas aspirações não foram satisfeitas.
Ademais, convém notar que é justamente a categoria mais numerosa e mais pobre que se coloca fora dos quadros sindicais. Os trabalhadores que permanecem ainda sindicalizados procedem principalmente das categorias privilegiadas sob algum aspecto: são funcionários, agentes de serviços públicos, empregados de empresas nacionalizadas, frequentemente os mais bem remunerados e sobretudo os que têm um estatuto que, em medida variável segundo o caso, lhes assegura um mínimo de segurança, a garantia do emprego, de aposentadoria, de promoção, etc.. Estão longe, pois, do papel que lhes é emprestado de vítimas indefesas da plutocracia capitalista.
A questão operaria, portanto, tal qual existe hoje em termos concretos, é vivida na imensa maioria de trabalhadores que se recusa conscientemente a participar do movimento sindical. É para essa maioria desprotegida, para suas razões morais e para sua situação material que importa voltar os olhos
COMPLEXO DE INFERIORIDADE
Ora, como pôde um erro tão contundente ser cometido por católicos que se reputam especialistas em tudo quanto diga respeito às questões sociais? A única explicação, prossegue Madiran, se acha em seu complexo de inferioridade em face da propaganda hábil e demagógica dos vermelhos.
O Partido Comunista, - mesmo que contasse com apenas cinco mil aderentes, e mesmo que sua linha auxiliar que é a C. G, T. se visse reduzida a apenas dez mil associados, todos funcionários burocratizados do Estado, - continuaria a empregar os mesmos métodos de propaganda e a se julgar o intérprete da vanguarda do movimento operário. E várias categorias de intelectuais católicos, Religiosos ou leigos, são vítimas ingênuas (ou cúmplices) dessas afirmações impudentes. Admitiram uma vez por todas que povo, proletariado e sindicalismo comunista são expressões absolutamente sinônimas. Partindo desse falso pressuposto, a propaganda vermelha, social e política, faz crer a esses intelectuais católicos tudo o que lhes apraz.
Não é para admirar, portanto, o apoio que encontra o marxismo em certos ambientes católicos, como revela Gilbert Mury em "Les Cahiers Internationaux", número 68, em artigo intitulado "Catolicismo francês e progresso": - "A história nos ensina que o clericalismo desempenha um papel importante e frequentemente nefasto na vida política e social de nosso país. Em contraste, um movimento autêntico se delineia na Igreja de França. No interior do Movimento da Paz, da Confederação Geral do Trabalho (C. G. T.), das associações França-U. R. S. S., das Amizades franco-chineses, etc., há católicos que lutam ao lado de materialistas, Encontramo-los na União Progressista, ou seja, no Partido Comunista. Por outro lado, certos grupos da J. O. C., da S. E. C. ou da C. F. T. C., a Jovem República, a equipe da Quinzaine, o Movimento de Libertação do Povo, que são ou foram em origem agrupamentos confessionais, aceitam, em diferentes graus, a unidade de ação com os marxistas para a defesa dos interesses operários, da democracia e da paz" (p. 23 e 24).
A revolução igualitária age por ondas sucessivas. No início deste século, após a publicação da Encíclica "Graves de communi", em que Leão XIII esclarecia em que sentido era aceitável e em que sentido era condenável o conceito de democracia-cristã, alguns elementos exaltados do democratismo liberal e socialista francês acreditaram haver vencido a peleja e exclamaram: "Fizemos o Pontífice tragar a palavra: em breve tragará a coisa" (apud J. Azpiazu, S. J., "Direcciones Pontifícias", p. 130, em "notas para a compreensão da Carta de Sua Santidade Pio X aos Bispos franceses sobre a condenação de le Sillon").
Oportunamente veremos como se tenta agora fazer a Igreja tragar essa mesma democracia social contra a qual Leão XIII já alertava os católicos de seu tempo,
VERDADES ESQUECIDAS
É Ofício do Estado Vingar a Honra de Deus
Santo Agostinho
Do Tratado XI sobre o Evangelho de S. João:
ADMIRAM-SE (os hereges donatistas) porque o poder temporal cristão se insurge contra os dissipadores da Igreja que devem ser detestados. Então não devia insurgir-se? E como prestaria ele contas da sua autoridade, ao seu Deus?
Atendei a que é dever dos reis temporais cristãos procurar que goze de tranquilidade, durante a vigência do seu governo, a Igreja, sua Mãe, que os gerou para a vida espiritual.
Nas visões e profecias de Daniel (Dan. 3, 91 e ss.) lê-se que três meninos louvaram o Senhor no meio das chamas em que foram lançados. O rei Nabucodonosor ficou maravilhado à vista dos meninos que louvavam a Deus, e à vista do fogo que os envolvia sem os molestar.
E, de maravilhado que ficou, que disse esse rei que não era judeu e, portanto, não era circunciso?
Que disse, ele que levantou a sua estátua e tinha imposto a todos a obrigação de a adorar?
Que disse, quando, comovido pelos louvores dos três meninos, viu presente no meio do fogo a majestade de Deus? — "Vou lançar um decreto sobre todos os povos de qualquer tribo e língua".
Que decreto foi esse? — "Pereça todo homem de qualquer povo, tribo ou língua, que tiver proferido alguma blasfêmia contra o Deus de Sidrac, Misac e Abdénago, e a sua casa seja destruída" (ibid. 96).
Eis até que ponto se exaspera um rei estrangeiro, contra os que blasfemam do Deus de Israel, só porque Ele pôde salvar do fogo os três meninos.
E não querem que se levantem os reis cristãos contra os que esbofeteiam Cristo, por quem foram salvos do fogo do inferno, não três meninos, mas todos os povos com os seus reis? ("Evangelho de S. João comentado por Agostinho", versão do latim pelo Pe. José Augusto Rodrigues Amado, Coimbra, 1944, vol. I, pag. 301).