O ANTICOMUNISMO E O REINO DE MARIA
Plinio Corrêa de Oliveira
A prece, impressionante e profunda, redigida pelo Exmo. Revmo. Mons. Joseph Gawlina em favor dos Sacerdotes católicos de atrás da cortina de ferro, publicada por esta folha em seu número de dezembro último, atraiu, mais fortemente do que nunca, a atenção de nossos leitores para o dever de lutar contra o comunismo. Feliz oportunidade para que consagremos ao tema do anticomunismo algumas considerações.
O fundo de quadro em que estas se inspiram é a um tempo simples, complexo e dramático. Há uma pergunta extremamente simples, que domina todo o assunto. Sendo o comunismo sustentado no mundo por uma minoria, e estando o ouro, os canhões, a cultura, em mãos da maioria contrária, como explicar que esta se sinta estarrecida e aparvalhada diante da perspectiva de se ver derrotada? A esta pergunta, a resposta adequada é das mais complexas. E de outro lado este estado de pânico traz consequências das mais dramáticas, como a paralisação das iniciativas, a inibição das reações, a desarticulação dos esforços.
Uma outra forma de ver o mesmo problema consistiria em indagar porque, neste mundo em que são tantos os anticomunistas, os empreendimentos declaradamente destinados a combater o perigo vermelho são - pelo menos relativamente - tão pouco apoiados.
É deste problema que desejamos tratar.
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Antes de tudo, é preciso mencionar como responsáveis pela atonia de tantas pessoas em face do problema comunista, as doutrinas, e os hábitos mentais de uma formação liberal que data de há mais de cem anos. O liberal tem certezas, ou pelo menos pode tê-las. Mas são certezas débeis, vacilantes. Uma certeza só é vigorosa quando, posta em face da contradição, se mantém firme, e até cresce em vigor. E esta firmeza não consiste apenas em recusar a tese oposta, mas em estigmatizá-la como errada, em denunciá-la, em persegui-la. Pois diante do erro, ou do mal, a coragem não está simplesmente em recusar a cooperação, em manter neutra a fisionomia e cruzados os braços, mas em reagir, em denunciar, em lutar. Ora, é infenso a isto o espírito liberal. Não se opõe o liberalismo a que alguém afirme qualquer das verdades elementares e básicas que o comunismo brutalmente nega: o direito para cada qual, de professar e difundir a Religião Católica, o direito de constituir uma família reconhecida e protegida pela lei, o direito de possuir bens e dispor livremente de seu próprio trabalho. Mas daí a declarar erradas, evidentemente erradas, monstruosamente erradas as posições opostas, há para o liberal um abismo. E para combater com energia, com perseverança, com perspicácia a propaganda soviética, vai outro abismo. Estes abismos, o liberal não os transpõe. Inerte, tíbio, comodista, cruza os braços. Em tese, é a favor de um mundo baseado sobre a Religião, a família e a propriedade. Na prática, nada fará para impedir que o mundo se construa - se é que a isto se pode chamar “construir” - sobre o ateísmo, o amor livre e o coletivismo.
Claro está que uma atitude tão aberrante nem sempre é consciente. Ela se traduz por vezes em fórmulas sonoras mas ocas, que revelam um terrível desejo de não brigar.
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Uma delas consiste em afirmar que o comunismo não se combate com a força das armas ou das polêmicas, mas única e exclusivamente com escolas, com obras de assistência e com “diálogos”.
Nesta proposição, há alguns fragmentos de verdade, em que estão incubados numerosos erros, dos mais palmares.
É certo que a desorganização da vida temporal, em seu aspecto intelectual ou material, cria uma atmosfera propícia ao comunismo. De onde, em tese, trabalha contra o comunismo quem difunde a boa instrução, a assistência social, a fartura.
Mais ainda. Na medida em que as classes dirigentes negligenciarem o dever de velar pelos interesses espirituais e materiais do povo, estarão fornecendo às intrigas comunistas alguns dos pretextos necessários para desencadear a luta de classes.
Assim, pois, ninguém discute a legitimidade, a necessidade, a urgência, de se proporcionar assistência espiritual e material às classes desamparadas.
Tudo isto é tão claro, tão evidente, que chega a ser banal. Afirmamo-lo taxativamente, só para evitar explorações.
Mas enumeremos agora os erros e os equívocos que nestas verdades estão incubados.
Antes de tudo, um equívoco. Não se pense que a razão principal pela qual se deve fazer bem aos pobres é o medo do comunismo. A razão principal é o amor de Deus. Ainda que o perigo comunista não existisse, seríamos obrigados a agir para com o pobre com justiça e caridade.
Em segundo lugar, não se pense que o perigo comunista resulta da ignorância e da miséria, de sorte que, eliminadas estas, o comunismo deixaria de existir. Há uma diferença essencial entre causa e circunstância favorável.
Assim, por exemplo, a má conduta do Clero em um dado país poderia constituir fator favorável ao anticlericalismo. Entretanto, seria absurdo depreender daí que o anticlericalismo existiu neste ou naquele país em razão da má conduta do Clero. Primeiramente, porque o anticlericalismo é em si mesmo um fenômeno de irreligião que tem causas ideológicas e morais muito mais profundas. Em segundo lugar, porque há regiões muito anticlericais, com Clero modelar, e finalmente houve também cidades com Clero tíbio ou até
(continua)