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UM HINO DE AMOR SOBE AO TRONO DO PONTÍFICE IMORTAL

Plinio Corrêa de Oliveira

Não foi sem alguma apreensão ante a confusa noção da dificuldade da tarefa, que começamos a reunir impressões e idéias a fim de escrever para CATOLICISMO um artigo sobre o Santo Padre Pio XII, a ser publicado por motivo de seu 80º aniversário natalício, que transcorre a 2 do corrente. Desde logo, tivemos de renunciar a um trabalho em que considerássemos em seu conjunto a obra do Sumo Pontífice: sua ação em favor da paz, suas diretrizes para a solução dos grandes problemas políticos, sociais e econômicos em que se debatem os povos hodiernos, a obra doutrinária realizada através de Encíclicas e outros documentos para orientar o pensamento católico e para trazer à Igreja os filhos transviados, o estímulo da piedade notadamente pela definição do Dogma da Assunção, a instituição da festa da Realeza de Nossa Senhora, e o incremento multiforme da devoção marial, a expansão missionária, a límpida definição e estruturação da Ação Católica em vários documentos, e principalmente na Constituição “Bis Saeculari”, a luta contra o comunismo, a consagração da Rússia e do mundo ao Coração Imaculado de Maria, as canonizações de uma oportunidade providencial como a de S. Pio X, o incitamento para a organização de um Mundo Melhor, isto é, no sentido dos documentos de Pio XII, o Reinado de Cristo e de Maria, o contato pessoal com as multidões nas audiências diárias do Vaticano e de Castel Gandolfo, tudo enfim dá ao presente pontificado uma tal densidade que quem deseje estudá-lo em um simples artigo, fica na alternativa de dizer só generalidades que todos sabem, ou transformar seu trabalho em livro! É a dificuldade que as personalidades pouco comuns, inconfundíveis, e riquíssimas em aspectos, causam ao historiador. Preparem-se os jovens que hoje cursam a secção de História das Faculdades de Filosofia: este Papa, com suas inúmeras atividades, tão originais (no sentido etimológico da palavra), de repercussões tão fundas, lhes dará um terrível trabalho! E o volume que a respeito dele se escreverá na crônica dos Pontífices Romanos será dos mais alentados... se for bastante!

Esbarrando em tão grande dificuldade, pensamos em escrever um trabalho só a respeito da obra doutrinária do Pontífice. Mas ainda aqui fomos forçados a nos deter. Nos últimos séculos pelo menos, nenhum Papa levou a cabo obra doutrinária tão farta, tão variada, tão profunda e subtil em muitos de seus aspectos.

Ficamos, pois, a excogitar um meio para escrever algo de adequado, sobre Pio XII, e enquanto o fazíamos veio-nos à lembrança seu lema “opus justitiae pax”. O Papa da Paz reza, sofre, age, para que haja paz internacional e paz social. Não haveria aqui algo de novo a dizer?

Trabalhar pela paz social é trabalhar para que cada classe compreenda a sua missão própria, e a das outras.

Pio XII tem a este respeito uma coleção de importantíssimos discursos, infelizmente pouco conhecidos, que dirigiu à Nobreza e ao Patriciado Romanos. Estes discursos bem marcam o papel e a responsabilidade das elites na manutenção da paz social. Pareceu-nos interessante consultar esses documentos, para os comentar. Mas, à medida que os folheávamos, a beleza dos textos nos ia seduzindo. Compreendemos que em vez de falar sobre o Papa, melhor e mil vezes melhor seria deixar falar o Papa. E acabamos, assim, por organizar uma compilação desses discursos, de que publicamos hoje um estudo introdutório, reservando os textos para nossa próxima edição. Fazemo-lo com um pensamento comovido de afeto, gratidão e veneração ao “Doce Cristo na terra”.

Em 1948, a Constituição da Itália republicana declarou abolidos os títulos nobiliárquicos. Desferiu-se assim o último golpe na situação política de uma classe mais que milenar, e ainda hoje em plena existência. E ficou assim criado um problema social complexo em todos os seus aspectos.

Esta complexidade já se faz notar nos antecedentes da questão. Ao contrário do que ocorre em outros países europeus - a França, a Espanha e Portugal, por exemplo - a composição da nobreza italiana é muito heterogênea. Antes do movimento de unificação política ocorrido na península, os vários soberanos que exerceram seu poder sobre alguma parte de seu território concediam títulos de nobreza: Imperadores do Sacro Império Romano Alemão, Reis da Espanha, das Duas Sicílias, da Sardenha, Grão-Duques da Toscana, Duques de Parma, e ainda outros, sem falar nos patriciados de cidades como Veneza, e principalmente - é o que mais nos interessa no presente estudo - os Papas. Estes, soberanos temporais de um Estado relativamente extenso, também concediam títulos nobiliárquicos. E continuaram a concedê-los até nossos dias.

Quando se consumou, em 1870, a unificação da Itália com a invasão de Roma pelas tropas de Garibaldi, a Casa de Sabóia tentou amalgamar todas estas nobrezas num só todo.

Política e juridicamente o intento fracassou. Muitas famílias nobres se mantiveram fiéis às dinastias depostas, das quais haviam recebido seus títulos. E principalmente a aristocracia romana continuou a figurar nas solenidades do Vaticano, recusou-se a reconhecer a anexação de Roma à Itália, rejeitou qualquer aproximação com o Quirinal, e cerrou seus salões em sinal de protesto. A esta nobreza assim enlutada se deu o nome de nobreza negra.

Socialmente, entretanto, de modo geral na Itália o amálgama se deu em escala não pequena, pelos casamentos, pelas relações sociais, etc. De sorte que a aristocracia italiana, em nossos dias, constitui sob muitos pontos de vista um só todo.

Os Pactos de Latrão, em seu art. 43, asseguraram entretanto à nobreza romana uma situação especial, pois reconhecem ao Papa o direito de conferir títulos nobiliárquicos, e aceitam os que anteriormente tinham sido outorgados pela Santa Sé. De sorte que, legalmente, continuaram a existir lado a lado as duas nobrezas, italiana e romana.

A esta situação se somavam outros fatos de complexidade. Na Idade Média, a nobreza constituía uma classe social com funções especiais dentro do Estado, às quais estavam ligadas as honrarias e também encargos correspondentes.

No decurso dos Tempos Modernos, esta situação foi perdendo gradualmente sua consistência, relevo e colorido. Ao longo das revoluções igualitárias do século XIX sofreu ela sucessivas mutilações. E isto a tal ponto que, na monarquia italiana tal qual existia no fim da última guerra, o poder político da nobreza sobrevivia em estado de fantasma ou de vestígio. Esse vestígio, esse fantasma, a República o destruiu.

Ora, enquanto se delineava tão rápida no quadro da História a curva descendente do poder político da aristocracia, a sua situação social e econômica seguia o mesmo rumo, mas muito e muito mais lentamente. Por suas propriedades agrícolas, seus palácios, seus tesouros artísticos, pelo prestígio social de seus títulos e de seus nomes, pelo valor moral e cultural exímio de seu ambiente tradicional doméstico, suas maneiras, seu estilo de vida, a nobreza ainda se encontrava, em inícios do século, no ápice da organização social.

As crises decorrentes da primeira guerra mundial trouxeram alguma modificação neste quadro, privando parte das famílias nobres de seus meios de vida e obrigando muitos de seus membros a aceitar profissões subalternas, em desacordo com sua psicologia, seus hábitos, seu prestígio social.

De outro lado, a sociedade contemporânea modelada cada vez mais pela finança e pela técnica, criava novas relações e situações, novos centros de influência social, totalmente alheios aos

(continua)