(continuação)
BARRABÁS
«A FORÇA PRINCIPAL DOS MAUS SE ACHA NA FRAQUEZA E NA COVARDIA DOS BONS»
como se eles fossem o próprio Messias: "O Messias veio a nós no dia 28 de fevereiro de 1790, com a Declaração dos Direitos do Homem" ( Archives Israélites, 1847, p. 801 — apud P. Denis Fahey em "The Kingship of Christ and the Conversion of the Jewish Nation", p. 187).
Ora, que são os chamados "Direitos do Homem" revolucionários senão a chave com que o totalitarismo hodierno encarcera a humanidade? Como em seu tempo já afirmava o Padre Ramière, "que quer dizer a Igreja ou a revolução? Quer dizer: a liberdade do homem na submissão voluntária a Deus, ou a servidão do homem na sujeição forçada a seus semelhantes. Porque, por mais que se faça, é necessário que em toda sociedade haja uma soberania e que essa soberania se faça obedecer, Ora, não há senão duas soberanias possíveis: a soberania de Deus, cujo livre reconhecimento pelo homem é a condição da moralidade, da ordem, da verdadeira perfeição: e a soberania do homem que, na ausência dos direitos que lhe faltam, deve necessariamente se apoiar sobre a força, e que, em lugar da perfeição moral, não pode trazer às vontades que lhe obedecem senão a ignomínia e a escravidão" ( "L'Eglise et la civilisation moderne", p. 218 ).
RENOVA-SE A PAIXÃO DE NOSSO SENHOR
Neste grande movimento de apostasia do mundo moderno, que tem por centro a Revolução, vemos, cada vez mais definida, a preponderância de Barrabás, vemo-lo preferido e aclamado com entusiasmo e delírio sempre crescente pelas turbas envenenadas pelo Sinédrio. Barrabás ganha prestigio, galga as culminâncias da hierarquia social, e não é somente o legista, não é somente o hermeneuta e defensor sectário dos direitos de Cesar, não é apenas o sofista que transforma em tese a deplorável hipótese da separação da Igreja e do Estado, mas é também o homem de espírito politécnico, a serviço de um progresso científico que é um dos mais terríveis instrumentos do pecado da imanência no mundo contemporâneo, por isso mesmo que se trata de uma técnica e de uma ciência dissociadas do fim último do homem, de sua verdadeira natureza. Eis o que leva o Santo Padre Pio XII a erguer sua voz para indicar à humanidade os perigos desse ídolo moderno: "A experiência moderna mostra precisamente que o olvidar ou desatender a presença de Cristo no mundo provocou o sentimento de extravio e a falta de segurança e de estabilidade própria da era técnica. O olvido de Cristo levou a desatender também a realidade da natureza humana, posta por Deus como fundamento da convivência no espaço e no tempo" (rádiomenssagem do Natal de 1955).
A Paixão de Cristo se renova nos dias que correm, em que os conspiradores pagam continuamente os trinta dinheiros da traição e já têm a Igreja perseguida e manietada em vastas porções do orbe. E perseguir e manietar a Igreja é perseguir e manietar a Nosso Senhor Jesus Cristo. Em presença dessa luta entre duas civilizações, a civilização católica e a civilização filosófica, naturalista, totalitária, indagava Danoso Cortés: "Das duas civilizações, qual conquistará a vitória no curso dos tempos? Respondo, sem que minha pena hesite, sem que meu coração trema, sem que minha razão se perturbe: a vitória pertencerá incontestavelmente à civilização filosófica. Deseja o homem ser livre? Sê-lo-á. Detesta os laços que o prendem? Estes cairão por terra a seus pés. Um dia, para experimentar sua liberdade, quis matar seu Deus. Não o fez? Não O crucificou entre dois ladrões? Desceram do Céu por acaso legiões de Anjos para defender o justo que morria sobre a terra? Pois bem, por que haveriam eles de descer hoje quando nossa consciência nos grita tão alto que, nesta grande tragédia, ninguém merece sua intervenção, nem os que devem ser vítimas, nem os que devem ser algozes?" (carta ao conde de Montalembert, de 26 de maio de 1849 ).
OS RESPONSÁVEIS PELAS CHAGAS DAS MÃOS DE CRISTO
Fala Donoso Cortés do que vemos, do que nos mostram a impressionante lição da História e os fatos contundentes que nos rodeiam. Mas perscrutando o futuro através das revelações da Sagrada Escritura, sabemos que em certa quadra que precederá o fim dos séculos, e cuja situação no tempo não nos é dado precisar, o Anticristo será senhor do universo. Quando isso acontecer, teremos atingido outra culminância catastrófica da História, com a vitória natural do mal sobre o bem, de que parece ser fundo de quadro essa civilização totalitária e socialista que nos aflige. Com efeito, esse espetáculo das desgraças contemporâneas é de tal modo pungente, dizia Pio XI, "que se poderia ver nele a aurora deste início de dores que trará o homem do pecado, aquele que se elevará contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto". Mais ainda, acrescenta Pio XI, "não se pode verdadeiramente deixar de pensar que estão próximos os tempos preditos por Nosso Senhor" (Encíclica "Miserentissimus Redemptor" de 8 de maio de 1928 ).
Como, porém, se resolverá essa catástrofe que se avizinha? Como as outras, significará o triunfo sobrenatural de Deus sobre o mal, por meio de uma ação direta, pessoal e soberana. Pois a esse iníquo, o homem do pecado, "o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca, e destruirá com o resplendor de sua vinda" (2 Tess. 2, 8). Eis porque diz Bossuet que quando Deus quer provar que uma obra é sua, espera que da parte dos homens tudo esteja perdido, para então intervir diretamente nos acontecimentos, com grande confusão daqueles que apenas confiam nos miseráveis meios humanos.
Mas não será essa expectativa um convite ao quietismo, à inação diante das forças do mal? Muito pelo contrário. Tal consideração nos traz alento em nosso combate. Antes da negação de Pedro, antes dos terrores da Semana Santa, disse-lhe o Senhor: "Simão, Simão, eis que vos procurou satanás para vos joeirar como se faz ao trigo. Mas Eu roguei por ti para que a tua fé não desfaleça, e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos" (Luc. 22, 31-33). Nessa oração de Nosso Senhor é que se achava a força que no futuro haveria de sustentar o primeiro Chefe da Igreja, e não em seus pobres recursos humanos. Mas o Filho de Deus exigiu de São Pedro sua colaboração na obra da salvação das almas. Do mesmo modo, espera Deus a colaboração dos homens na luta contra os males de hoje e, como na meditação das duas bandeiras que nos propõe Santo Inácio de Loyola, quem se recusará a alistar-se nas fileiras invencíveis do Senhor Deus dos exércitos? Eis porque nestes tempos de crise, como nos demais pontos culminantes da História, muito espera Deus de seus filhos, razão pela qual São Pio X se lamentava da falta de pugnacidade dos fiéis:
"Em nosso tempo mais que nunca dantes, a força principal dos maus se acha na covardia e fraqueza dos bons... Toda a força do reino de satanás é devida à comodista fraqueza dos católicos. Oh! se pudéssemos perguntar ao Divino Redentor, como o Profeta Zacarias fez em espírito: Que chagas são essas no meio de vossas mãos? (Zc. 15, 6). — a resposta seria sem dúvida: Fui ferido por estas chagas na casa daqueles que Me amavam (ibid.) Fui: ferido por meus amigos, que nada fizeram para Me defender, e que, em todas as ocasiões, se fizeram cúmplices de meus adversários. E esta queixa pode se estender aos católicos fracos e tímidos de todas as nações" (alocução de 13 de dezembro de 1908 por ocasião da Beatificação de Joana d'Arc).
Que de mais desprezível, que de mais absurdo que o episódio de Barrabás diante da Ressurreição do Divino Salvador? Enfrentemos pois O Sinédrio de nossos dias, denunciemos as conspirações e os crimes de Barrabás, confessemos com destemor o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, a cujo serviço consagramos nosso corpo, nossa alma, toda a nossa vida.
CORRESPONDÊNCIA
Recebemos da Secção de Língua Portuguesa da Rádio Vaticano (Cidade do Vaticano) amável cartão de boas festas, que cordialmente agradecemos.
Do Revmo. Pe. Oscar Mueller, S. J., Diretor espiritual do Colégio Pio Brasileiro, Roma (Itália): "Para nós que estamos longe do contacto com a realidade brasileira a revista vem trazer preciosos documentos da vida católica brasileira. No seu programa: a instauração do Reino de Maria Santíssima na sociedade, a revista tem-nos inteiramente ao seu lado".
Do Revmo. Pe. A. Messineo, S. J., Roma (Italia): "Rispondiamo alla vostra dell'll ottobre comuniando che il vostro mensile ci interessa molto..."
Do Dr. Placido Modesto de Mello, Presidente da Radio Vera Cruz, Rio de Janeiro (D.F.): "Leio sempre de joelhos tudo o que D. Mayer escreve e o que o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira escreve em CATOLICISMO, a luz maravilhosa dos católicos, neste oceano agitadíssimo em que bracejamos para o infinito".
Do Sr. L. N. A. F., São Paulo (Est. São Paulo): "Estou certo de que interessará aos leitores de CATOLICISMO saber que a ótima revista Avanzar, de Madri, que editou a tradução espanhola da Pastoral do Exmo. Snr. Bispo de Campos, publicou o seguinte em sua secção Libros que recomendamos:
"Carta Pastoral sobre Problemas del Apostolado Moderno y Catecismo contra los errores contemporáneos, por el Excmo. y Rvdmo. Sr. Dr. D. Antonio de Castro Mayer, Obispo de Campos. 6 ptas. (Ediciones Fé Integra, Santa Clara, 4, 2.o).
Tienen ustedes que divulgar muchisimo este libro, nos dice un amigo. El Excmo. y Rvdmo. Sr. D. Jacinto Argaya Goicoechea, Obispo Auxiliar de Valencia, nos escribe: Cuán oportuna es las edición en castellano de la Pastoral del Obispo de Campos! Es un verdadero sílabus de errores modernos. Le felicito y agradezco por la impresión y divulgación de esta importante Carta Pastoral. Y el Excmo. y Rvdmo. Sr. Dr. D. Eugenio Beitia Aldazábal, Obispo Coadjutor de Badajoz, con fecha 19 de octubre, afirma: La forma concisa y clara en que la obra está escrita, la hace utilísima para todas las reuniones de estudio de las Asociaciones Católicas. Muchos otros señores Obispos nos han escrito felicitándonos por esta edición".
Do Sr. Anselmo Camões Vieira, Machado (Est. Minas Gerais): "Será para mim uma grande satisfação receber por mais um ano o mensário CATOLICISMO, pois sou defensor dos princípios e ideais pelos quais se bate".
AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
Retidão natural gentílica e desvario de apóstatas
Plinio Corrêa de Oliveira
Durante oito séculos, a Cruz e o Islã estiveram empenhados, na Espanha, numa luta de morte que só terminou quando as tropas dos Reis Católicos tomaram Granada e expulsaram da península o último régulo muçulmano.
As razões desta oposição mortal eram múltiplas. No plano religioso ela se explicava por uma irredutível diferença de doutrinas, pelo contraste violento entre a moral do Evangelho e a depravação maometana, pelo duplo propósito em que estavam os adeptos de Mafoma, de impedir nas terras por eles dominadas a pregação do Cristianismo e de subjugar pela força as nações católicas, extinguindo nelas a nossa santa Religião.
A longa epopéia da Reconquista cristã foi inspirada por uma fé ardente e uma sublime intransigência. Mas essa intransigência não excluía uma atitude de inteligente discernimento em relação aos valores da civilização árabe. E por isto, exterminando o maometanismo, os vencedores conservaram numerosos monumentos levantados pelos vencidos, consagrando até ao culto do Verdadeiro Deus diversas mesquitas.
Sincretismo religioso? Quem poderia acusar desse erro repulsivo os heróis do Reconquista?
A razão disto é outra. O maometanismo, como tantas outras religiões falsas, não chegou a produzir em seus fiéis uma influência tão profunda que neles extinguisse todo o amor à verdade, todo o senso moral, e, em consequência, toda a inspiração artística. Pelo contrário, estes valores, nutridos por uma retidão natural que em boa parte persistia em sobreviver, e por tradições culturais preciosas, continuaram a se desenvolver, dando origem a culturas e sistemas artísticos admiráveis sob vários aspectos. Os vencedores do islã - movidos pelo espírito da Igreja, que não desdenha nem rejeita o que o homem produza de reto e de bom - mobilizando prudentemente contra os remanescentes de Mafoma a vigilância da Inquisição, conservaram com amor as maravilhas da arte árabe, e as consagraram legitimamente ao culto divino.
Expressão flagrante disto é o aspecto interior da Mesquita de Córdoba, hoje Catedral católica. Arcos numerosíssimos, engenhosamente sobrepostos uns aos outros, dão ao ambiente uma dignidade, uma leveza, um encanto inegáveis. O espírito se sente naturalmente propenso a deixar a terra, e a elevar-se a cogitações nobres e serenas. Claro está, que nesta obra nada pode haver do sopro de fé que faz da Sainte Chapelle de Paris, ou de Assis, como que ante-salas do Céu. Falta-lhe de todo em todo o sobrenatural. Mas ninguém poderia dizer que neste ambiente naturalmente harmonioso e digno não se poderiam desenrolar convenientemente as pompas sagradas da nossa liturgia.
Poder-se-ia dizer o mesmo de algum destes três edifícios [acima mostrados]? A que se destinam eles? Ginásio? Cinema? Clube? Teatro? Depósito de mercadorias? Fábrica? Formas deselegantes, pesadas, brutalmente simples, têm algo de sombrio, de proletário ( no pior sentido do termo ), de baixamente vulgar. Parece que dentro deles um mistério imanente atua à maneira da lei da gravidade, e que suas paredes, seus tetos, tendem a afundar-se no chão. Um movimento bem oposto, pois, àquele por que as almas tendem a levantar-se para o Céu. Quanto isto difere da nobre leveza, já não diremos de uma torre gótica, mas de um minarete árabe!
Ora, são três igrejas ultra-modernas, uma protestante, outra judaica e outra por fim católica, de uma universidade norte-americana [Brandeis University, Waltham, Mass.] . Em nenhuma delas há qualquer traço das tradições ou do espírito respectivo. Colocadas assim lado a lado dão a impressão de três espécies igualmente legítimas de um mesmo gênero, o gênero religião. Nelas um mesmo espírito deu a tudo uma mesma fisionomia.
Tem-se a impressão de que elas têm uma só alma, de que a força que as chumba ao chão é o mistério imanente, sinistro e frio, que lhes dá um ar de três gotas de um mesmo líquido, três caixas cheias da mesma substancia, três fábricas que produzem o mesmo artigo.
É a nosso ver a própria alma do neopaganismo contemporâneo, tintura mãe de tudo quanto o paganismo antigo tinha de pior, que corrói muito mais eficazmente do que este todas as manifestações culturais em que se aninha, e tudo reduz a uma uniformidade desoladora.