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Pregando a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo em uma época sedenta de prazeres, S. Luiz Maria Grignion de Montfort levantava frequentemente calvários como memorial de suas missões. Um deles foi ignominiosamente destruído por ordem de Luiz XIV. Foram esses calvários e a tradição de fé, mortificação cristã e espírito de hierarquia, que fizeram da Bretanha evangelizada pelo Santo um dos melhores redutos na luta contra a explosão satânica de sensualidade e orgulho que foi a Revolução Francesa.

SERVO DE MARIA AMIGO DA CRUZ E APOSTOLO DA CONTRA-REVOLUÇÃO

Cunha Alvarenga

Eles têm Moisés e os profetas: que os ouçam", disse Abraão ao mau rico (Lucas 16, 29), Não manda Deus os mortos a este mundo para levar à oração e à penitencia aqueles que vivem na impiedade. Temos a Lei e os profetas que nos tornam inescusáveis por ignorância.

E em todas as épocas a Providência Divina suscita Doutores, Mártires e Confessores, criaturas extraordinárias que recebem não somente essa missão de lembrar aos homens as verdades eternas, mas também a de combater os erros e os vícios característicos da quadra histórica em que surgem. Assim, nos tempos que precederam proximamente a Revolução Francesa e com a missão profética de alertar a humanidade para os horrores que lhe estavam reservados se não abandonasse a grande apostasia onde já se encontrava, brilham como astros de primeira grandeza um São Vicente de Paulo, um Santo Afonso de Ligorio, um São Luiz Maria Grignion de Montfont.

É a essa fase preparatória dos tempos tormentosos em que vivemos, que desejamos levar os nossos leitores, neste mês de abril em cujo dia 27 a Santa Igreja comemora o 240o aniversário da passagem ao Céu do santo autor do "Segredo de Maria", do "Amor da Sabedoria Eterna" e do "Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem".

Nascendo a 31 de janeiro de 1673 e ordenando-se Sacerdote a 5 de junho de 1700, por dezesseis anos, a partir dessa data, o Padre Grignion de Montfort haveria de se entregar ao seu apostolado providencial em terras de São Luiz.

Passava então a França por uma tremenda crise religiosa, que foi a verdadeira precursora da Revolução. Dizíamos recentemente que talvez fosse mais consentâneo com a realidade falar de “revoluções francesas”. Assim é que hoje vamos aludir a uma fase da ação revolucionária no "front" religioso. Com efeito, do mesmo modo que a pseudo-reforma de Lutero não se explica pela ação exclusiva desse frade apóstata, mas vem a ser o epílogo de uma campanha iniciada muito antes, semelhantemente aquilo a que se dá o nome de Revolução Francesa não consistiu tão só no golpe espetacular dado pelos Robespierre, pelos Danton, pelos Marat.

As guerras de religião deixaram sulcos calvinistas profundíssimos no solo francês. Mas nos séculos XVII e XVIII vemos o calvinismo ceder lugar, ali, a uma heresia muito mais perigosa, por isso que mais subtil tanto do ponto de vista doutrinário quanto do ponto de vista dos processos táticos usados pelos seu sectários. Era o jansenismo a continuação do calvinismo, agindo, porém, dentro do próprio seio da Igreja. Assim é que Saint Cyran, um dos mais ativos propagadores dessa heresia em sua primeira fase, certa vez disse a São Vicente de Paulo: "Calvino agiu bem no que empreendeu, mas se exprimiu mal". Por outras palavras, propunha-se o jansenismo fazer o mesmo que Calvino, mas com outro habilidade, através de uma cortina de fumaça que pusesse os seus mentores a salvo das condenações de Roma.

Joseph de Maistre traçou o seguinte retrato dessa tática jansenista: "A igreja, desde sua origem, nunca viu heresia tão extraordinária como o jansenismo. Todas ao nascer se separaram da comunhão universal, e se glorificaram mesmo de não mais pertencer a uma Igreja de que rejeitavam a doutrina como errônea em certos pontos. O jansenismo se comportou de modo diferente: nega estar separado; comporá mesmo, se se quiser, livros sobre a unidade, da qual demonstrará a indispensável necessidade. Sustenta, sem corar nem tremer, ser membro dessa Igreja que o anatematiza. Até agora, para saber se um homem pertence a uma sociedade qualquer, nós nos dirigimos a essa mesma sociedade - isto é, a seus chefes, que só através deles todo corpo moral tem voz - desde que ela diz: ele não me pertence, ou ele não mais me pertence, tudo se acha dito. Só o jansenismo pretende escapar a essa lei eterna... Tem ele a incrível pretensão de ser da Igreja Católica, apesar da Igreja Católica, e lhe prova que Ela não conhece seus filhos, que Ela ignora seus próprios dogmas, que Ela não compreende seus próprios decretos, que Ela não sabe ler enfim. Zomba de suas decisões, delas apela, calca-as aos pés, ao mesmo tempo que prova aos outros hereges que Ela é infalível e que nada os pode excusar" ("De l'Eglise gallicane", cap. 3).

Usando de semelhantes artifícios, o jansenismo deturpava a doutrina católica e solapava a disciplina eclesiástica, abrindo uma era de decadência religiosa e civil para a França, e nessa infeliz empresa tinha por comparsa um outro movimento religioso de lamentáveis consequências para o mundo católico, que foi o galicanismo. São grandes as afinidades entre os dois erros, tanto do ponto de vista disciplinar, quanto do ponto de vista dogmático. Deseja farisaicamente o jansenismo uma Igreja livre de elementos terrenos, uma Igreja exclusivamente espiritual, segundo o figurino gnóstico. "O princípio fundamental que deve reger o novo direito canônico (segundo os jansenistas) há de basear-se sobre o conceito da Igreja como sociedade puramente espiritual, sujeita à sociedade civil em tudo o que é exterior e temporal. De onde nenhuma jurisdição propriamente dita, porque esta importa em um direito coativo, que não pode convir à Igreja. Em seguida a Igreja e seu chefe (sobretudo seu chefe) precisam despojar-se de seu invólucro terreno" ("S. Alfonso de'Liguori e il Giansenismo", G. Cacciatore, p. 122)

Reduzido, assim, a modestas proporções o primado do Papa, de modo a suprimir praticamente sua influência sobre a Cristandade, o campo estaria aberto à livre circulação dos erros jansenistas e de suas apregoadas "reformas".

Nesse sentido foi inestimável o concurso prestado pelo galicanismo à causa jansenista. Por exemplo, qual o resultado prático da Declaração dos Bispos galicanos de 1682 senão esse enfraquecimento da autoridade do Papa e a submissão dos Bispos e do Clero ao poder civil, como já acontecia nos países protestantes? Com efeito, podemos resumir a Declaração da assembléia dos 34 Bispos franceses do seguinte modo: 1o) redução do poder do Papa sobre a Igreja Universal; 2o) independência do Rei em relação ao poder eclesiástico e sobretudo em relação à Santa Sé.

Não é para surpreender, portanto, que tal Declaração haja provocado grande euforia nos meios reformados. Segundo os observadores protestantes, a França não tardaria a se separar de Roma. A intenção não era, entretanto, de provocar uma ruptura completa com a Santa Sé, mas sim levar os fatos no estilo jansenista até o limite do suportável.

Com efeito, tal pronunciamento dos Bispos galicanos constituía uma das mais importantes etapas no caminho da revolução que estava para eclodir, tanto pelo que dizia, quanto pelo que insinuava. Formou esse infeliz documento a base lógica, no fundo dos espíritos, dessa demagogia revolucionária que dali para diante progrediria sem cessar na França. Sem nos referirmos ao muito que ela serviu para o desprestigio da Igreja, a Declaração postulava de fato e de direito que em uma sociedade qualquer um grupo pode se reunir e deliberar contra o chefe e

(continua)