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(continuação)

MISSÃO DAS ELITES

"Todos os povos devem ter certas instituições aristocráticas"

esta Sé Apostólica são a parte mais preciosa da hereditariedade recebida de seus antepassados, e que eles mesmos transmitirão a seus filhos” (1941).

A LEI NÃO PODE REVOGAR O PASSADO

E também se entende que, a despeito de proclamada a república na Itália, o Santo Padre tenha mantido o Patriciado e a Nobreza Romana, como ilustre lembrança de um passado do qual o presente deve conservar algo, a título de continuidade de uma tradição benfazeja e ilustre: “É bem verdade que, na nova Constituição italiana, os títulos nobiliárquicos não são reconhecidos (exceção feita, naturalmente, conforme o art. 42 da Concordata, no que diz respeito à Santa Sé, para aqueles que foram conferidos ou que serão de futuro conferidos pelos Sumos Pontífices); mas a própria Constituição não pôde anular o passado e nem a história de vossas famílias” (1949). Do que continua a provir para os nobres um pesado e magnífico dever, resultante desse prestígio que amigos e inimigos têm de reconhecer: “Portanto, agora também o povo - quer vos seja ele favorável quer desfavorável, quer tenha por vós respeitosa confiança ou sentimentos hostis - olha e observa o exemplo que dais em vossa vida. Cabe-vos, pois, responder a esta expectativa e mostrar de que maneira vossa conduta e vossos atos estão de acordo com a verdade e a virtude, particularmente nos pontos que acima recordamos em Nossas recomendações” (1949).

É considerando o que a nobreza romana foi no passado, e vendo nessa recordação, não algo de morto, mas “um impulso para o futuro” (1950), que o Santo Padre, “movido por motivos de honra e fidelidade” (1950), mantém, mesmo nas circunstâncias atuais, um tratamento de especial distinção para com ela, e convida o homem moderno a se associar a tal atitude: “Saudamos em vós os descendentes e os representantes de famílias que se sobressaíram no serviço da Santa Sé e do Vigário de Cristo, e permaneceram fiéis ao Pontificado Romano, mesmo quando este era exposto a ultrajes e perseguições. Sem dúvida, com o decorrer do tempo a ordem social pôde evoluir, e deslocar-se o seu centro; os cargos públicos, que outrora eram reservados à vossa classe, podem agora ser atribuídos e exercidos sobre uma base de igualdade; todavia, para um tal testemunho de grata recordação, que deve por outro lado servir-nos de impulso para o porvir, o próprio homem moderno, se quiser ser de sentimento reto e equânime, não vos pode negar compreensão e respeito” (1950).

DOIS ERROS EXTREMOS: ARQUEOLOGISMO E FALSA RESTAURAÇÃO

Mas, dir-se-á, Pio XII, com estes ensinamentos, emitidos numa época em que o desejo de igualdade mais desabrido e completo vence por toda a parte, parece reagir inteiramente contra a corrente, condenando a democracia.

Tal impressão não procede. A Igreja afirmou sempre a legitimidade da forma de governo democrática, e o pensamento do Pontífice não consiste em impor um sistema de governo de preferência a outro. À vista da avalanche igualitária, e sem entrar em preferências políticas, Pio XII procura tomar a tendência democrática como ela existe, e guiá-la de sorte a evitar mal maior.

É o que ele faz ver, quando dá à nobreza romana o seguinte conselho ao se reorganizar a Itália de pós-guerra: “Todos admitem geralmente que esta reorganização não pode ser concebida como um puro e simples retorno ao passado. Tal regresso não é possível; mesmo em seu movimento frequentemente desordenado, desconexo, sem unidade nem coerência, o mundo continuou a caminhar; a história não para, não pode parar; ela avança sempre, prosseguindo em sua marcha, ordenada e retilínea, ou então confusa e sinuosa, para o progresso ou para uma ilusão de progresso” (1945). Ora, nesta marcha para o “progresso ou uma ilusão de progresso”, querer restaurar até a última da menor das minúcias, o que foi destruído, seria impossível: “Não obstante, a história caminha, corre, e querer simplesmente fazer marcha-ré, não para reduzir o mundo à imobilidade em antigas posições, mas para reconduzi-lo a um ponto de partida infelizmente abandonado por causa dos desvios ou de falsas mudanças, seria empresa vã e estéril. Não é nisto que consiste, como observamos no ano passado, nesta mesma ocasião, a verdadeira tradição” (1945).

No reconstruir a sociedade, como no reconstruir um edifício, há dois erros extremos a evitar: um, a reconstrução arqueológica; outro, a construção de edifício diverso, isto é, uma reconstrução que não seria reconstrução: “Tal como a reconstrução de um edifício destinado a servir a usos hodiernos não poderia ser concebida à maneira de uma reconstrução arqueológica, assim também, essa reconstrução não seria possível de acordo com esquemas arbitrários, mesmo quando fossem teoricamente os melhores e os mais desejáveis: é preciso ter presente a imprescindível realidade, a realidade em toda a sua extensão” (1945).

INSTITUIÇÕES ALTAMENTE ARISTOCRÁTICAS TAMBÉM NAS DEMOCRACIAS

Ora, se a Igreja não pretende destruir a democracia, deseja que ela seja bem entendida, e que a distinção entre o conceito cristão e o conceito revolucionário de democracia seja absoluta.

Vem muito a propósito, a este respeito, lembrar o que Pio XII ensina sobre o caráter tradicional e o tônus aristocrático da democracia cristã: “Já em outra ocasião falamos das condições necessárias para que um povo se torne maduro para uma sã democracia. Mas quem o pode conduzir e elevar a esta maturidade? Sem dúvida, poderia a Igreja dar muitos ensinamentos a tal respeito, extraídos dos tesouros de sua experiência e de sua própria ação civilizadora. Mas vossa presença Nos sugere uma particular observação. Segundo o testemunho da história, onde reina uma verdadeira democracia a vida do povo está como que impregnada de sãs tradições, que é ilícito abater. Representantes destas tradições são, antes de tudo, as classes dirigentes, ou seja, os grupos de homens e de mulheres ou as associações que dão, como se costuma dizer, o tom na aldeia e na cidade, na região e no país inteiro.

“Daí a existência, em todos os povos civilizados, e o influxo de instituições eminentemente aristocráticas, no sentido mais alto da palavra, como são algumas academias de larga e bem merecida fama. Pertence a este número também a nobreza: sem pretender qualquer privilégio ou monopólio, ela é ou deveria ser uma daquelas instituições; instituição tradicional, fundada na continuidade de uma antiga educação. Certamente, em uma sociedade democrática, como quer ser a sociedade moderna, um título de nascença não é mais suficiente para proporcionar autoridade e credito; portanto, para conservar dignamente vossa elevada condição e vossa categoria social, ou mais, para acrescê-la e elevá-la, devereis ser verdadeiramente uma elite, devereis preencher as condições e satisfazer as exigências indispensáveis no tempo em que vivemos.

“Uma elite? Vós bem o podeis ser. Tendes atrás de vós todo um passado de tradições seculares, que representam valores fundamentais para a sadia vida de um povo. Entre essas tradições, das quais a justo título vos ufanais, contais em primeiro lugar a religiosidade, a Fé católica viva e operante” (1946).

Uma nobreza, ou elites tradicionais, cujo ambiente seja caldo de cultura para a formação de altas qualidades da inteligência, da vontade e da sensibilidade, e que alimentem o seu prestígio do mérito de cada geração que passa, não é pois para Pio XII o contrário da democracia cristã, mas um precioso elemento dela. Tanto difere a democracia cristã da democracia igualitária revolucionária.

Veremos no próximo número outros ensinamentos do Santo Padre sobre esta importante matéria.


CORRESPONDÊNCIA

Do Exmo. Revmo. Sr. D. José Mauricio da Rocha, Bispo Diocesano de Bragança (Est. de São Paulo): "Ao prezado Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, com cumprimentos, agradece a gentileza da remessa do exemplar de CATOLICISMO contendo a generosa apreciação do ilustre Prof. Azeredo Santos sobre a modesta conferencia O liberalismo e seus males. Roga-lhe a fineza de agradecer ao mesmo ilustre Professor a amabilidade das expressões da referida apreciação. Remete o exemplar anexo de A Voz de Bragança que transcreve, além do artigo do Prof. Azeredo, seu artigo sobre o comunismo ("O anti-comunismo e o reino de Maria", CATOLICISMO, n° 62, fevereiro de 1956), atestado de quanto é considerado aqui CATOLICISMO".

Do Revmo. Pe. Guilherme Frei, S. J., Pontifício Colégio Pio Brasileiro, Roma (Itália): "...o prestigioso mensário CATOLICISMO. Nós, na formação dos Sacerdotes brasileiros, batemo-nos pelos mesmos ideais: instauração do Reino de Maria Santíssima na sociedade, e afetuosa e absoluta adesão à Santa Sé, à sombra da qual temos a felicidade de viver e de trabalhar. Faço votos de que Deus abençoe os grandes esforços do Sr., para que o CATOLICISMO consiga realizar o mais possível os seus ideais".

Do Revmo. Pe. Afonso Di Giorgio, Vigário da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, Belém (Est. do Pará): "Cumprimentos, e augúrios de um progresso sempre maior, continuando nesta tremenda campanha de renovação de uma mentalidade ortodoxamente católica contra todos os irenismos e acomodações,... Cristo Nosso Senhor retribua todo esse titânico esforço para conservar o espírito da verdadeira Igreja. Todos os parabéns".

Do Sr. Michel de Penfentenyo, La Rochelle (França): "Permettez moi, tout d'abord, de vous exprimer mes voeux et mes félicitations les plus vives pour l'admirable combat doctrinal que ne cesse d'entretenir CATOLICISMO au service des vérités sans lesquelles notre monde ne cessera de glisser du libéralisme protestant au naturalisme philosophique et de l'indifférentisme oú il sera rendu aux pires erreurs révolutionnaires où nous voyons, Satan préparer l'effondrement des civilisations catholiques.

Il y a en France, malgré les sectes révolutionnaires qui y défigurent le visage de la Fille ainée de 1'Eglise, bon nombre de catholiques qui font tous efforts possibles pour défendre la pensée et la doctrine de l'Eglise sur les civilisations temporelles. Votre journal leur apport un tonus supplémentaire en même temps que la preuve de l'universalité de la réaction traditionnelle catholique contre les nuées révolutionnaires.

Pour ma part, je comprends fort mal, hélas, votres langue. Jusqu'à, il y a quelques mois, j'habitais Paris et y trouvais des amis capables de suivre tous vos articles. Je suis plus isole à La Rochelle. Lorsque je reçois CATOLICISMO, je le fais suivre à des amis qui parlent portugais, ..."

Da Sra. Maria Beatriz Rocha Velloso, Lisboa (Portugal): "Por intermédio duma pessoa conhecida, vieram-me às mãos alguns números do jornal CATOLICISMO, que achei de grande interesse".

Da Sra. Maria Wessely, Recife (Est. de Pernambuco): "Farei o possível para tornar conhecido entre as minhas relações esse jornal católico".


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Retidão natural e satanismo nas civilizações gentílicas

Plinio Corrêa de Oliveira

Em números anteriores, temos mostrado que não se deve confundir certa retidão natural existente em culturas gentílicas elaboradas antes da evangelização, com o caráter diabólico que infesta as manifestações culturais do neopaganismo hodierno. É que os frutos da natureza decaída podem ter algo de nobre e belo: é o que se nota entre os gentios. Ao passo que a apostasia da verdadeira Fé tem uma malícia muito maior que a dos povos que não conheceram Jesus Cristo. E não é de admirar que, na medida em que uma sociedade que foi católica se vá transformando em Cidade do demônio, na mesma medida o demônio lhe vá influenciando a arte e a cultura.

Não queremos com isto afirmar a inteira ausência do demônio em relação ao mundo gentílico. Antes pelo contrário. Mas sua influência sobre esse mundo se patenteou sempre de algum modo circunscrita e, se se manifestou com frequência na arte e na cultura, todavia não chegou a dominá-las.

Frisante exemplo disto está no contraste entre as duas fotografias desta página. A primeira nos apresenta duas japonesinhas no encanto e na inocência de sua tenra idade. Seus trajes são recatadíssimos, e constituem vigorosa lição para os nudistas neopagãos das praias do Ocidente. Os coloridos variados têm um que de poético, completado pelos ornatos da cabeça. Tudo muito regional, muito peculiar, muito artístico, muito digno e criterioso.

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Pelo contrário, este monstro em cuja máscara se instalaram todos os vícios, a ira, a lubricidade, o descomedimento, a insensatez, parece bem digno de participar num culto diabólico: é um dos figurantes de danças budistas no Tibet.

O demônio penetrou no budismo: isto é certo. Mas quem poderia afirmar que ele dominou toda a cultura pagã do Japão, vendo os trajes destas encantadoras crianças, que é impossível ver sem ter uma imensa vontade de as batizar?