(continuação)
INOCENCIO XI
“FOI O PAPA QUEM TOMOU BUDA,COMO JÁ HAVIA LIBERTADO VIENA”
em seguida para Roma, onde converteriam a Basílica de São Pedro em cavalariça do sultão.
Para os que de fato mediam o alcance de semelhante ameaça, o futuro se apresentava encoberto por lúgubres presságios. E não faltavam os que julgavam invencível o poderio do Islam e que inútil seria qualquer resistência.
Inocêncio XI, ao subir ao trono pontifício, toma conhecimento dos verdadeiros termos da questão, que não era nova para ele. Ainda Cardeal, destinara a elevada soma de 90.000 escudos de ouro para a causa antiturca. E, logo no início de seu governo da Igreja, incumbe o capuchinho Frei Paulo de Lagni, perfeito conhecedor do império otomano, de elaborar os planos de uma vasta ofensiva contra o mundo sarraceno. Esse Religioso não formava entre os derrotistas que acreditavam na invencibilidade do Islam. Pelo contrário, era de parecer que uma ação convergente de larga envergadura facilmente quebraria o poderio de Maomé IV. "O grande erro dos Estados cristãos a respeito do Crescente, dizia, consistia em haver-se deixado sempre surpreender por ele. Era preciso tomar a iniciativa do ataque. O que disto apartava os Príncipes cristãos era o pavor turco. Este medo, entretanto, era completamente infundado. Desde a batalha de Lepanto não possuíam os turcos mais do que a sombra do primitivo poderio. A Meia-Lua se achava em minguante. A causa disto era antes de tudo a extensão do império otomano: era demasiado vasto para em caso de ataque por diversos pontos poder acudir a todos com remédio" (Pastor, ibid., p. 32/33).
Daí o desejo de Inocêncio XI de organizar uma Cruzada contra os turcos. Ora, uma Cruzada em pleno século XVII? Não eram as guerras santas um fenômeno da Idade Media, morta pelo menos duzentos anos antes, daquela era sacral já superada por uma sociedade em que começava a imperar o pluralismo religioso?
Não é somente nos tempos de hoje que se julga inviável a idéia de uma Cruzada contra um perigo iminente que ameace a Cristandade. Também no século XVII havia quem sustentasse semelhante opinião. Assim é que, em 1681, espalhando-se pela Itália o rumor de um próximo ataque dos turcos contra a Sicilia, Inocêncio XI ordena aos Superiores das Ordens religiosas que em todas as suas casas se elevem preces para impetrar ao Céu a conjuração de tamanho perigo. E, a 11 de setembro de 1681, "promulgou o Papa indulgencia plenária, como se se tratasse de um ano jubilar, afim de conseguir por meio das orações dos fiéis a tão suspirada e necessária concórdia dos Príncipes cristãos na questão turca" (Pastor, ibid., p. 98).
PREGANDO A CRUZADA CONTRA OS TURCOS
Dirige o Soberano Pontífice um apelo todo especial a Luís XIV, através do Cardeal D'Estrées. "O Papa se entusiasmava de tal sorte por sua idéia, como refere o Cardeal D'Estrées, que já imaginava o Rei Luís como Imperador coroado em Constantinopla. Naquela audiência e na seguinte foi tal seu ardor ao falar, que o Cardeal quase se sentia arrastado pelo ímpeto de seu discurso. O Cardeal D'Estrées replicou ao Papa que já havia passado a época das Cruzadas. Pode ser que o magno projeto de Inocêncio XI realmente pareça algo fantástico; não obstante, é de um valor extraordinário para se ajuizar da política pontifícia. No pensamento de Inocêncio XI não existia mais do que uma questão política, a saber, conjurar o perigo otomano. O meio para consegui-lo era a unidade dos Príncipes cristãos e uma liga tão ampla quanto possível contra o inimigo comum" (Pastor, ibid., p. 99).
Ora, para realizar essa Santa Aliança era preciso em primeiro lugar pacificar os Estados católicos, em suas variadas querelas e discórdias. A política do Pontífice nessa primeira fase da campanha antiturca pode ser resumida do seguinte modo: paz no Ocidente cristão e ofensiva contra o Oriente pagão.
Mas esse grandioso projeto de Inocêncio XI esbarra em insuperáveis obstáculos, sobretudo à vista da atitude de Luís XIV. Ambicionando abater a grandeza do império dos Habsburgos, o Soberano francês chega mesmo em seu maquiavelismo político a enviar emissários ao sultão, assegurando-lhe que não interviria no caso de um ataque muçulmano aos domínios do Imperador Leopoldo. Diante deste desentendimento entre as nações cristãs, que causa grande amargura a Inocêncio XI, aprestam-se os turcos a invadir a Hungria e a Áustria.
O santo Papa, entretanto, não desanima e não descansa: malograda a liga ofensiva, começa metódica e resolutamente a trabalhar em prol da liga defensiva, conseguindo, afinal, no mesmo dia em que o exército turco se põe em marcha, a aliança do Imperador e da Polônia, com a adesão de outras potencias.
VIENA CERCADA PELOS MAOMETANOS
A14 de julho de 1683 os turcos se acham diante de Viena e cercam-na completamente. A situação é desesperadora. O Imperador Leopoldo fora forçado a deixar a cidade, que cairia nas mãos dos infiéis se não chegassem a tempo os reforços prometidos pela Polônia.
A frente do exército imperial se achava o Duque Carlos de Lorena e era comandante da praça forte de Viena o heróico Conde Ernesto von Starhemberg. Após reiterados pedidos de socorro, pois a resistência dos austríacos estava no fim, chega o exército libertador polonês, tendo à frente o Rei João Sobieski. Apesar da inferioridade numérica dos cristãos, sofrem os muçulmanos completa derrota no combate decisivo. Viena estava salva, e o exército católico passa à ofensiva.
Em breve datado de 25 de setembro de 1683, respondeu Inocêncio XI às comunicações de Leopoldo I e de Sobieski sobre o glorioso triunfo alcançado, e em meio aos merecidos elogios incluiu a exortação a que se aproveitasse a vitória para o total aniquilamento do inimigo (cfr. Pastor, ibid., p. 149). Em sinal de agradecimento à Mãe de Deus, a Quem atribuiu tão grande graça, mais tarde o Pontífice estendeu à Igreja Universal a solenidade do Santíssimo Nome de Maria.
O VERDADEIRO ARTIFICE DA VITÓRIA
O Duque de Lorena, a 2 de setembro de 1686, reconquista Buda, chave do império otomano e baluarte do Islam na Europa. "Nenhum Príncipe se alegrou tanto com a tomada desta importante praça como o que era então ornato da Sé de Pedro, o grande Papa Inocêncio XI. Havia adoecido desde o princípio do ano, e estava cheio de preocupação por não alcançar a libertação da Hungria. Agora devia gozar desta alegria. Ao Rei da Polônia havia mandado para a guerra desse ano 200.000 florins, os Cardeais 100.000, as damas romanas outros 100.000. Ao exército enviou Inocêncio XI, a pedido do Imperador, Marco D'Aviano (Religioso que já havia sido o representante do Papa junto às tropas católicas no cerco de Viena): o capuchinho teve que ser mediador entre os chefes, entusiasmar os soldados. — Jaime II, que dedicava aos progressos do sítio um vivo interesse, saudou o Núncio que chegava à sua presença com a notícia da nova vitória, dizendo-lhe: Foi o Santo Padre quem tomou Buda, como já havia libertado Viena, Há séculos não se sentava outro Papa semelhante na Sé de São Pedro" (Weiss, obra cit., vol. XI, p. 921).
Este o Papa que agora será elevado à gloria dos altares, e que edificou a Cristandade até no seu leito de morte, quando, beijando o Crucifixo, repetiu as palavras de São Pio V: "Senhor, dai-me mais sofrimentos, mas também mais paciência".
Eis o extraordinário exemplo de caridade e de amor à verdadeira liberdade que nos deixou esse grande Pontífice: tudo para a glória de Deus, para salvaguardar os direitos e a liberdade da Santa Igreja, e para livrar a Cristandade de seus acérrimos inimigos. Para nós mesmos, peçamos a Deus, por intercessão de seu Servo, mais sofrimentos e a necessária paciência para suportá-los. Não é outra a Mensagem da Santíssima Virgem aos homens de nossa atribulada época.
MICHELANGELO conseguiu representar com incomparável poder de expressão a face varonil e inspirada de Moisés, pastor paternal e severo do povo de Deus na sua longa peregrinação em demanda da Terra Prometida. O exemplo do grande Patriarca permanecerá por todos os séculos como afirmação de que, a serviço do bem, cumpre construir e destruir. Legislador e guia do povo eleito, ao mesmo tempo revelou-se inexcedível batalhador contra todos os que se opunham ao Decálogo e queriam conspurcar a Lei de Deus. Os Macabeus, os cruzados, os heróis de Belgrado são dignos continuadores desse espírito de afirmação e pugnacidade, tão louvável em todas as épocas e tão necessário em nosso dias.
RESISTENCIA ARMADA
CONTRA OS INIMIGOS DO DECÁLOGO NO SÉCULO XX
Plinio Corrêa de Oliveira
As Cruzadas constituem um tema histórico que vai adquirindo hoje uma inesperada atualidade. Não propriamente que se procure - fora do mundo fechado dos especialistas - fazer pesquisas mais amplas a respeito do assunto, ou conhecer-lhe melhor os pormenores. É o substractum doutrinário das Cruzadas que interessa hoje um número crescente de pessoas cultas, especialmente nos círculos católicos. Em última análise, pergunta-se com uma insistência maior, com uma atenção mais viva, com um anseio de clareza mais exigente, se as Cruzadas constituíram um movimento coerente com os princípios fundamentais de nossa Religião.
Não é difícil adivinhar a razão desta “ressurreição” de um tão velho tema. Com efeito - queira-se ou não - a situação internacional vai pondo em evidência sempre maior um fato que há vinte ou trinta anos atrás se afiguraria de todo em todo impossível para a maior parte dos políticos. É o entrelaçamento entre as questões religiosas e internacionais. Desde os tratados de Westphalia, a dissociação entre umas e outras veio se acentuando constantemente, até nossos dias. De tal maneira que a simples ideia de uma tomada de posição da Igreja em um conflito internacional, em nome dos direitos e dos interesses da Fé, a muitos pareceria de todo descabida e ultrapassada pelos acontecimentos. Entretanto, nas últimas décadas a situação internacional sofreu transformações que exigem uma revisão desta atitude psicológica. Seria fácil demonstrá-lo com a análise da política europeia nas vésperas da segunda guerra mundial. Mas a presente conjuntura diplomática nos fornece neste sentido elementos de observação ainda mais salientes. Não parece difícil evocá-los e estudá-los.
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Segundo o linguajar jornalístico, o mundo está dividido hoje em três grandes zonas. De um lado, os Estados Unidos, seguido da Inglaterra, da França e das potências livres da Europa, América e Oceania. É o que se chama o Ocidente, que conta com o apoio do Japão e algumas outras nações da Ásia. De outro lado, a Rússia não só com a China e os satélites circunscritos pela cortina de ferro, como também com alguns países que ficam geograficamente fora desta cortina, por exemplo a Iugoslávia... e São Marino. Por fim, a Índia, as nações árabes, etc., que constituem como que uma terceira força que se afirma neutra entre Washington e Moscou.
Ora, sucede que cada um destes três grandes blocos se diferencia dos outros por certos traços culturais, morais, políticos e sociais, por todo um estilo de vida enfim. E é certo que, depois de uma eventual guerra mundial, se a humanidade não for aniquilada, ou como que aniquilada, será inteiramente dominada, durante muitos séculos, pelos princípios culturais, morais etc., do vencedor.
É o que todos sentimos. Vivemos em anos que constituem o ponto agudo de toda uma imensa crise multissecular. Há um anseio universal por que esta crise se resolva afinal. A solução não pode tardar muito. Resta saber em proveito de quem se dará.
Isto posto, é impossível evitar que um católico, movido pelo ideal da instauração do reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo os anelos do Santo Padre Pio XII, se pergunte a si mesmo qual dos desfechos seria mais conducente a este fim. O que implica, para ele, em passar em revista os elementos constitutivos do espírito dominante em cada campo, e ver o que está mais próximo, ou menos distante da Igreja. Aquele que oferece à Igreja condições de existência e de ação mais fáceis, ou menos dificílimas, se se pudesse assim dizer.
Ora, desta análise resulta que num dos campos as autoridades pura e simplesmente não consentem na existência da Igreja.
A Igreja vive, naquele campo, em regime de clandestinidade. Ou, se se Lhe permite viver à luz do sol, é apenas para mais seguramente golpeá-La. De onde nasce o problema: é lícito ao católico empunhar o gládio para lutar contra este adversário? Em outros termos, no caso de explodir uma guerra mundial, em que de um lado estejam os comunistas e do outro os ocidentais, os católicos das nações não atacadas devem entrar no conflito, se isto for necessário para a derrota da Rússia?
Na atual confusão dos espíritos, é particularmente difícil dar resposta, nos estreitos limites deste artigo, a uma questão que envolve tal pluralidade de aspectos. Entretanto, duas faces do assunto são magnificamente esclarecidas por um recente documento do Santo Padre Pio XII. Queremos, pois, pôr em foco os tópicos a elas concernentes em dito documento, a saber, na Carta Apostólica aos povos perseguidos da Europa, datada de 29 de junho
(continua)