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LUX VERA QUI ILUMINAT OMNEM HOMINEM VENIENTEM IN MUNDUM

Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira

Em seu célebre "Discurso sobre a História Universal", Bossuet observa que um dos efeitos da Redação foi libertar o homem da escravidão dos sentidos, e torná-lo capaz de viver de princípios racionais e abstratos.

Depois de lembrar que, Fora do povo eleito, mesmo as Inteligências mais lúcidas permaneciam imersas na idolatria, pergunta ele como se pode conceber que espíritos cultos e superiores caíssem num erro tão crasso, como esse. Em resposta, Bossuet observa que a idolatria não era primordialmente um desvio do raciocínio, do qual decorriam consequências errôneas para a vontade e para a sensibilidade. Antes, resultava ela de uma escravização total do espírito à matéria, da razão à sensibilidade. Após o pecado original, só por meio da graça o homem se torna capaz de estabelecer o império de sua inteligência sobre as forças inferiores: de sua alma e de seu corpo. Deixando-se dominar cada vez mais pela vida dos sentidos, os pagãos acabaram amoldando sua razão ao imediatismo dos prazeres. Incapazes de subir das sensações particulares às causas universais, atribuíram aos objetos materiais predicados divinos, e passaram a adorá-los como deuses.

Evidentemente, essa escravização da inteligência, no exercício de sua atividade cognoscitiva, aos sentidos, não constituía, entre os gentios, uma lei absoluta e inelutável, à qual todos deveriam necessariamente sucumbir. Alguns houve, como Sócrates, Platão e Aristóteles — para citar os mais em evidência — que, à custa de ingentes esforços, lograram ter uma noção mais exata de Deus; mas mesmo eles só em parte conseguiram se libertar dos preconceitos idolátricos. Outros, praticando a lei natural, chegaram a ter a graça santificante, que Deus lhe dava na previsão dos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eram estes os únicos que realmente conseguiam se livrar da idolatria. Entretanto, estas exceções são tão raras que não invalidam o princípio de que os pagãos viviam escravizados à sensibilidade. Com efeito, se hoje são relativamente poucos os que logram manter-se na graça divina, apesar da abundância de recursos sobrenaturais que temos à nossa disposição, quão mais reduzido não deve ter sido esse número antes da vinda de nosso Divino Redentor. No seu conjunto, o mundo gentílico era o império da sensibilidade desregrada. A razão podia realizar maravilhas no terreno da arte, da filosofia ou da matemática, mas era incapaz de regular o procedimento do homem.

Houve altos vôos especulativos de alguns espíritos privilegiados, mas os povos eram incapazes de viver de princípios abstratos.

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Neste mês de dezembro, em que a Santa Igreja comemora o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, convém que reflitamos sobre os efeitos de sua vinda ao mundo, e que apliquemos essas reflexões à época histórica que atravessamos.

Deixando de lado outros aspectos da questão, focalizaremos aqui apenas os efeitos da Redenção sobre a vida intelectual do homem, e em especial sobre seu elemento mais essencial, que é a capacidade de abstrair.

Pela abstração, subimos do caso concreto aos princípios gerais, da sensação particular às idéias universais. Os animais são incapazes de abstrair. À medida que cedemos às solicitações dos sentidos, aumentam em nós as manifestações da animalidade; tudo quanto é do espírito adquire um odor de morte. É natural, pois, e é inevitável, que, na época de decadência religiosa e moral em que estamos, também a vida intelectual tenha entrado em declínio e a atividade abstrativa se torne cada vez mais penosa para o homem. A experiência de todos os dias comprova de modo impressionante essa trágica verdade.

Assim, não é verdade que o sucesso alcançado pela música americana "Rock and Roll" é, entre muitos outros, um excelente exemplo do predomínio assustador que por toda a parte a animalidade vai conquistando sobre o espírito? Diga-se de início que o "Rock and Roll" não merece o nome de música. É uma sucessão desconexa de sons e de batuques, entremeados de gritos frenéticos e sem sentido. Inventado por um ex-motorista de caminhão que não conhece música, o "Rock and Roll" se executa pela percussão desordenada das cordas do violão, acompanhada de guinchos de um saxofone ou de um contrabaixo, e do ruído caótico das baterias. A letra não passa de um conjunto de exclamações: "Oh! Ah! Yes! Crazy! Baby!" etc.. Pois essa cacofonia teve uma aceitação entusiástica entre a juventude dos Estados Unidos, e invadiu a Europa provocando delírios de admiração. Um filme que

(continua)