(continuação)
INDULGENTES PARA COM O ERRO
É o amor ao algoz a principal preocupação de quem vê Cristo perseguido?
manifestavam dispostos a fazer (evolucionismo, idealismo, imanentismo, pragmatismo, existencialismo, historicismo), como também no campo da teologia e da exegese. A nova teologia pretendia adaptar-se aos tempos modernos e tornar mais natural e mais fácil ao sábio católico o conservar-se católico. Na realidade, começou-se arbitrariamente a corrigir o que existia, a suprimi-lo, a mudá-lo, a reconstruí-lo, a mitigar o rigor e a imutabilidade dos princípios metafísicos, a tornar mais flexíveis as definições dogmáticas precisas, a rever o sentido e o conteúdo do sobrenatural e sua estrutura íntima, a espiritualizar e modernizar a teologia da Eucaristia, a renovar e a reaproximar do pensamento e do modo de sentir modernos a doutrina da Redenção, da natureza e dos efeitos do pecado, e muitos outros pontos. Tal movimento se tinha também delineado no campo da exegese, no qual se queriam tomar em consideração as idéias e as conclusões das ciências profanas, porém muitas vezes sem exame sério nem ponderação”.
Erros de católicos sobre o celibato eclesiástico
Por fim, o Papa alude à “recentíssima Encíclica De Sacra Virginitate, de 25 de março de 1954, que manifestou o pensamento da Igreja, entre outros assuntos, sobre os debates intérminos dos contemporâneos, especialmente dos jovens, a respeito da importância e até mesmo - segundo alguns - da necessidade absoluta do casamento para a pessoa humana (a qual, sem ele, ficaria como que espiritualmente estropiada), bem como sobre a pretensa superioridade do casamento cristão e do ato conjugal sobre a virgindade (a qual não é um sacramento eficaz ex opere operato)” (“Osservatore Romano”, edição em francês, de 21 de setembro de 1956).
Obstinação de católicos contra o ensinamento pontifício
Também muito recentemente, em 22 de setembro último, o Santo Padre, tratando da Pastoral Litúrgica, em alocução aos membros do Congresso Internacional reunido em Assis para estudar este belíssimo tema, depois de se referir à Encíclica “Mediator Dei”, publicada no ano de 1947, além de reafirmar e explicar várias das condenações feitas naquele importantíssimo documento, se queixa da obstinação com que alguns receberam seus ensinamentos: “Não é licito afirmar que a única questão decisiva consiste, em última análise, em saber em que medida a participação pessoal, sustentada pela graça, que se tem nesta oferenda cultual, acresce a participação à cruz e à graça de Cristo, que nos une a Ele e entre nós. Este modo inexato de pôr a questão, Nós já o rejeitamos na alocução de 2 de novembro de 1954; mas certos teólogos ainda não consentiram em lhe dar sua aquiescência”.
Erros de católicos sobre a Eucaristia
Mais adiante o Pontífice deplora que “certos teólogos, aceitando embora a doutrina do Concílio (de Trento) sobre a presença real e a transubstanciação, interpretam as palavras de Jesus Cristo e as do Concílio de tal forma que da presença de Cristo não resta senão um como que envelope esvaziado de seu conteúdo natural. Segundo seu modo de ver, o conteúdo essencial atual das espécies do pão e do vinho é o Senhor no Céu, com o qual as espécies têm uma relação pretensamente real e essencial de continência e de presença”. Refere-se depois Sua Santidade aos que vêem um erro doutrinário na presença do tabernáculo sobre o altar. Para esses, “não se trata tanto da presença material do tabernáculo sobre o altar, quanto da tendência, para a qual quereríamos chamar vossa atenção, de uma menor estima para com a presença e a ação de Cristo no tabernáculo. Contentam-se eles com o sacrifício do altar, e diminuem a importância d’Aquele que realiza o sacrifício. Ora, a pessoa do Senhor deve ocupar o centro do culto, pois é ela que confere unidade às relações entre o altar e o tabernáculo e lhes dá seu significado” (“Osservatore Romano”, edição em francês, de 28 de setembro de 1956).
Para não alongar por demais as citações, contentamo-nos com as que aqui ficam.
Teologia não é jogo de palavras cruzadas
Em recente alocução ao Congresso dos Eclesiásticos encarregados da crítica de livros, o Emmo. Revmo. Sr Cardeal Alfredo Ottaviani, Pro-Secretário da Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício, teve as seguintes palavras:
“Voltemos, e incitemos os demais a voltar também, aos estudos sérios, e deste modo poderemos salvar os homens de amanhã. Se nossa teologia e as outras disciplinas dos estudos sagrados são discutidas, sem embargo também hoje havemos de nos apoiar nelas. Seríamos assim mais respeitados do que quando giramos em torno dos néscios, ou até em torno dos Sacerdotes encantados por novidades incoerentes, iludidos pela propaganda miúda ou por artifícios que dão fácil reputação, seguida de uma glória efêmera, e que tem por objeto o lucro.
“Infelizmente, para alguns, a própria teologia não é mais a mesma dos Padres e dos Doutores, das Encíclicas e dos Concílios, não é a de antanho, tão nobre, a dos Mestres veneráveis que apenas tivemos tempo de conhecer em nossa juventude: Gigantes erant super terram.
“Hoje, alguns pretendem construir uma teologia como se resolveria um jogo de palavras cruzadas, e inventam a teologia nova, a teologia do trabalho, a teologia do esporte, etc. Multiplicam-se as teologias e os mestres prurientes auribus, e se despreza o douto ensinamento dos mestres e dos órgãos competentes. Nunca, como no presente, se foi tão indulgente para com o erro, e jamais, também, se foi tão severo, tão desobediente e tão insolente para com a Igreja, como hoje em dia. O Magistério Eclesiástico inspirava respeito a Santo Agostinho, a São Tomás de Aquino, e ante ele se inclinavam com reverência os teólogos da segunda escolástica do século XVI, assim como os últimos grandes teólogos do século XVIII.
“Tudo isto sucede, não porém porque a Igreja não seja mais a Igreja. Acabemos, de uma vez por todas, de inculpá-la, e não acrescentemos nossos clamores aos de seus inimigos”.
Católicos que se inspiram na serpente
O egrégio Purpurado alude aqui a certos católicos para os quais tudo quanto há de mal se fez mais por culpa da Igreja do que pela malícia de nossos adversários. Assim, a questão social decorreria muito mais de um suposto silêncio da Igreja sobre os direitos dos operários, do que do espírito de revolução que vem soprando no mundo desde o século XVI. E a propósito desta atitude de espírito diz Sua Eminência: “Alguns intelectuais cristãos, neutralizantes e exaltados, só abrem a boca para falar mal de nossa história, de nossa casa, de nossos irmãos, de nós, mesmos. Não há nisto uma vilania? Não se entregam eles assim ao adversário? ... Não ficando aos pés de Jesus e Maria, mas permanecendo com a face voltada para a serpente, como Eva, deixam-se encantar para melhor serem presos e devorados” (“Cristiandad”, nº 295-296, 1º e 15 de julho de 1956).
Católicos causam grave apreensão ao Episcopado
Outro exemplo altamente significativo é o que deu o Emmo. Sr. Cardeal Angelo Roncalli, Patriarca de Veneza, em artigo publicado no “Osservatore Romano” sob o título de “A unidade é disciplina”: “Há algum tempo, o exercício das solicitudes episcopais, ..., encontra motivos de espanto, de surpresa, e de penosa inquietude. Trata-se de opiniões que se manifestam difundidas e frequentemente afirmadas com uma resolução não só eloquente mas imperiosa, e postas em circulação com persistência, trazendo grave detrimento para a pureza dos princípios e a clareza das orientações práticas, isto é, para a disciplina em que todo bom católico deve inspirar seu pensamento, suas palavras e sua vida”.
Católicos colaboram com os piores inimigos da Igreja
“Desde o Natal passado - continua o artigo - uma mensagem do Episcopado dos Três Vênetos convidava os católicos, especialmente os jovens, mais sensíveis à sedução e à aventura, a se premunir contra os desvios do reto caminho, as aproximações e os compromissos perigosos e nefastos com ideologias e organizações que são precisamente, por seus pressupostos fundamentais, a contradição e a subversão da ordem humana e social que o Cristianismo trouxe a este mundo”.
“Novos profetas da Igreja para os tempos modernos”
Mais adiante: “Se a advertência foi ouvida em geral, pena é que houve e há pessoas que preferem ficar em suas posições, determinando assim uma corrente que constitui motivo de confusão e oposição deploráveis; de qualquer forma, tal atitude merece ser qualificada para que os ingênuos não se deixem arrastar por ela à sua própria ruína; as almas abertas e inteligentes devem saber ponderar tudo e decidir-se; e os que estão de má fé devem pelo menos tomar consciência de que o estão, e reconhecer que não têm desculpas”.
O eminente Cardeal Patriarca estigmatiza com estas palavras o pensamento de “novos profetas da Igreja para os tempos modernos”, para os quais esta última “tem duas funções a preencher: a da Hierarquia, reservada ao magistério episcopal e sacerdotal em matéria de fé e de moral, e à distribuição da graça: oração e Sacramentos; e a função dos leigos, aos quais pertence, sob sua responsabilidade e autonomia de julgamento exclusivos, organizar a vida social e política em plena independência de quem quer seja,... Estranhas afirmações, nas quais é fácil discernir a contradição e o sofisma”.
Para fazer o bem é dispensável o apoio do demônio
Tratando de problemas da cooperação com o comunismo, Sua Eminência acrescenta:
“É-me também penoso assinalar que, para católicos, nos encontramos ainda uma vez em presença de erro doutrinário gravíssimo; e diante de uma violação flagrante da disciplina católica. O erro consiste em ser praticamente favorável e associar-se a uma ideologia, a ideologia marxista, que é a negação do Cristianismo, e cujas aplicações não podem coadunar-se com os pressupostos do Evangelho de Jesus Cristo.
“Não nos venham dizer que esta orientação para a esquerda tem o mero significado de mais sérias e mais largas reformas de caráter econômico, pois mesmo neste sentido o equívoco continua. De onde se segue o risco de que penetre nos espíritos o axioma especioso de que, para fazer justiça social, para socorrer os infelizes de todas as categorias e para impor o respeito às leis fiscais, é absolutamente necessário associar-se aos negadores de Deus, aos opressores das liberdades humanas, e dobrar-se até mesmo diante de seus caprichos. O que é falso nas premissas e tristemente funesto nas aplicações” (“Osservatore Romano”, edição em francês, de 14 de setembro de 1956).
* * *
Quase impossível organizar uma lista dos erros atualmente em curso entre os católicos, a julgar simplesmente pelas citações que aqui publicamos, colhidas um pouco a esmo, e que portanto só dão uma idéia incompleta da realidade. Aproximação e colaboração com o comunismo, que é a pior e mais completa negação da doutrina católica; pulular de “teologias” falseadas, conduzindo às concepções mais errôneas ou mais temerárias, entre as quais algumas chegam a atingir a própria doutrina da Igreja sobre a Divina Eucaristia; rebeldia de fiéis em relação à Sagrada Hierarquia, etc... A ofensiva do erro dentro de nossos próprios muros poderia ser mais funda, mais grave, mais audaciosa? E que autoridades melhores do que a do Soberano Pontífice, dos Emmos. Cardeais Pró-Secretário do Santo Ofício e Patriarca de Veneza, para atestar a existência desta ofensiva?
Repercute como um eco prolongado, doloroso, em nossos corações, a palavra autorizada do Emmo. Sr. Cardeal Ottaviani: “Nunca, como no presente, se foi tão indulgente para com o erro, e jamais, também, se foi tão severo, tão desobediente e tão insolente para com a Igreja, como hoje em dia”. E nestas condições, que fazer?
Há um dever de caridade e de justiça a cumprir. Este dever tem por principal objeto a Igreja de Deus. Pergunto: em que consiste esse dever para um jornalista católico? Em ignorar a ofensiva, em deixar que ela se desenvolva e chegue às ultimas audácias sem qualquer reação, em cruzar os braços e voltar pudibundamente a face?
A Igreja é o próprio Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quando em seu Corpo Místico Jesus Cristo é de tal maneira ultrajado, a justiça e a caridade nos mandam guardar o silêncio e desviar os olhos, por amor aos algozes?
O amor ao algoz é a principal preocupação de quem vê Jesus Cristo perseguido? O amor ao lobo é o principal objeto do zelo de quem vê as ovelhas devoradas?
Chegará a este extremo nossa fobia pusilânime de qualquer luta?
OS CATÓLICOS FRANCESES NO SÉCULO XIX
VIVA O PAPA INFALÍVEL!
Fernando Furquim de Almeida
A constituição "De Fide", antes de ser aprovada por unanimidade na sessão de 24 de abril de 1870, teve que voltar várias vezes à comissão especial, quer para ser modificada de acordo com as emendas apresentadas, quer para receber a redação definitiva. Nesse ínterim, os Padres Conciliares decidiram passar às questões disciplinares, tendo examinado sucessivamente os esquemas "De episcopis", "De sede episcopali vacante", "De vita clericorum" e "De parvo catechismo".
Os debates que se travaram durante o estudo da constituição "De Fide" já tinham manifestado que a infalibilidade do Papa era a preocupação máxima do Concílio. O exame das questões de disciplina tornou evidente que mesmo a boa ordem dos trabalhos exigia que, antes de mais nada, se resolvesse aquele problema. De fato, maioria e minoria, em todas as discussões, tinham sempre em vista a infalibilidade, e orientavam suas propostas de modo a facilitar ou dificultar a sua proclamação como dogma.
O Cardeal Schwarzenberg e Mons. Strossmayer, por exemplo, ao se iniciar o estudo do esquema "De episcopis", pediram que o Concílio fizesse um decreto sobre o Sacro Colégio, a Cúria e as congregações romanas, antes de cuidar da reforma do episcopado. Era clara a alusão ao Concílio de Trento, onde o Arcebispo D. Frei Bartolomeu dos Mártires lembrou que os cardeais precisavam de uma eminentíssima reforma, e a crítica à Santa Sé era patente. O Cardeal di Pietro respondeu defendendo a Cúria e os purpurados, desfazendo assim mais essa manobra da minoria. Os bispos da maioria, por seu lado, tudo faziam para aplainar as dificuldades que poderiam surgir quando fosse apresentado o esquema da infalibilidade, e procuravam mesmo apressar sua entrada em pauta, considerando que as condições políticas da época podiam a qualquer momento impedir a continuação do Concílio.
Entre eles, o Cardeal Manning, incansável, combatia de todos os modos pela definição do dogma. Todos os que conheceram o ilustre Arcebispo de Westminster descrevem-no como um homem cujo físico revela a nobre alma, e de uma dignidade que se impunha. Filho de um banqueiro de Londres, fora na mocidade amigo de Gladstone e tivera por ideal uma grande carreira política. Sua divisa nessa época era: "Ser César, ou não ser nada". O movimento de Oxford, do qual participou, levou-o a abjurar o protestantismo e colaborar com o Cardeal Wiseman na restauração do Catolicismo na Inglaterra. "Sua fisionomia nobre, grave, austera, com alguma coisa de firme e decidido, era daquelas que não se esquecem. Seu talhe era alto e um pouco curvo". Essa a descrição que dele faz F. Mourret, que o conheceu no fim da vida. Líder incontestável da maioria, e desligado pelo próprio Pio IX do segredo a respeito das sessões do Concílio, desfazia as intrigas diplomáticas que viviam tramando as potências interessadas no insucesso dos trabalhos.
Pois não era só no seio do Concílio que o problema da infalibilidade se punha a todo momento. Em toda a Europa, a agitação em torno do assunto ia crescendo à medida que se aproximava a discussão do esquema "De Ecclesia", onde a questão seria tratada. Na França, a polêmica atingiu o auge. O "Univers" publicava em todos os números petições e mais petições de fiéis, em favor da definição. Todos os católicos, com exceção do pequeno grupo liberal, ansiavam pela infalibilidade. Em Roma, o Papa proibira qualquer debate público a respeito, mas na porta de entrada do Concílio os curiosos apontavam os bispos "oportunistas", e era suficiente o aparecimento de Pio IX em qualquer lugar para logo o povo prorromper em vivas ao Papa infalível.
No dia 23 de abril, vários Padres Conciliares dirigiram ao Pontífice o seguinte Postulatum:
"Santíssimo Padre, propagam-se todos os dias, com zelo cada vez mais ardente, escritos nos quais se ataca a tradição católica, se diminui a dignidade do Concílio, se perturbam os espíritos dos fiéis, se exageram as divisões dos bispos, e enfim se ferem gravissimamente a paz e a unidade da Igreja. Por outro lado, aproximam-se tempos em que será talvez necessário suspender as reuniões do Concílio, e é portanto iminente o perigo de ver ficar sem solução a questão que agita os espíritos.
"Para não deixar por mais tempo as almas dos cristãos levadas ao sabor de todas as doutrinas, o Concílio e a Igreja Católica expostos às injúrias dos hereges e dos incrédulos, e o mal, que já tem tanta gravidade, se tornar irremediável, os Padres abaixo assinados suplicam humilde e instantemente, Bem-aventurado Padre, que — no desempenho da missão que lhe foi confiada por Cristo Nosso Senhor, de apascentar as ovelhas e os cordeiros, e do dever que lhe foi imposto, de confirmar seus irmãos — Vossa Santidade se digne aplicar a tão grandes males o único remédio eficaz, ordenando que o esquema sobre a infalibilidade do Soberano Pontífice seja imediatamente proposto às deliberações do Concílio".
Na sessão do dia 29, o Cardeal de Angelis anunciou que Pio IX, tomando em consideração os numerosos e instantes pedidos dos bispos, determinara que o esquema "De Primatu" e "De Infallibilitate" fossem submetidos a deliberação antes de todo o resto do esquema "De Ecclesia". A emoção foi enorme. Mas tão evidente era o acerto da medida, que os Padres Conciliares apressaram a votação do Catecismo, liquidando rapidamente as dificuldades que surgiam, de modo que ao fim de quatro sessões já se podia entrar no estudo da infalibilidade.
Louis Veuillot, comentando a atitude dos bispos da minoria, lembrou que eles tinham tornado oportuna a definição da infalibilidade, à força de afirmar a sua inoportunidade. Realmente, os acontecimentos políticos em breve provocariam a interrupção do Concílio. Se não fosse a agitação da minoria, a Igreja talvez tivesse ficado privada da grande graça que foi a proclamação desse dogma.
NOVA ET VETERA
DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA
J. de Azeredo Santos
A chamada "coexistência pacifica" foi uma formula mágica forjada por Moscou para entorpecer a resistência do Ocidente, um estratagema imaginado pelos dirigentes comunistas a fim de poder concentrar forças para o golpe de misericórdia o ser desferido nos países capitalistas.
Elementos católicos, conhecidos pelos seus pendores esquerdistas, acolheram pressurosos o engodo, mesmo porque, em seu linguajar, já possuíam a mesma fórmula sob as roupagens do "diálogo". E a atitude mental desses católicos esquerdistas já estava preparada para aceitar semelhante "coexistência". Efetivamente, distinguiam eles, no comunismo, dois aspectos que dizem acreditar inteiramente dissociáveis um do outro: o aspecto de filosofia de vida, e o aspecto exclusivamente político-econômico. Do primeiro ponto de vista, o único, segundo eles, que poderia apresentar incompatibilidade com a Religião o comunismo seria inaceitável. Como, porém, o ateísmo não pertenceria à sua essência, repudiado esse aspecto o marxismo, como mero sistema político-econômico, baseado no socialismo de Estado seria plenamente admissível.
O REGIME CAPITALISTA, EIS O INIMIGO
Assim sendo, e uma vez que por iniciativa dos próprios dirigentes comunistas o Ocidente foi convidado a estabelecer "diálogo" com o Oriente soviético, fazendo-se silêncio sobre o que realmente divide esses dois grupos da família humana, como não aceitar semelhante oportunidade para destruir mal-entendidos e exercer a caridade em relação aos equivocados sectários da ditadura do proletariado?
Tal coexistência seria, mesmo, condição indispensável para a verdadeira vida espiritual: "É para que esse diálogo interior (com Deus) seja possível, que devemos assegurar, no mundo político e exterior, o diálogo pacífico entre os partidos e as famílias de espírito, sem o qual é impossível ao silêncio falar e à solidão povoar o mundo de beleza e de santidade" (Alceu de Amoroso Lima em "Terceira Dimensão", artigo publicado no "Diário de Notícias" do Rio de Janeiro a 2 de outubro de 1955).
O comunismo, em sua luta contra o regime capitalista burguês, estaria prestando inestimável benefício à humanidade. Pouco importa que os nossos irmãos na Fé estejam sofrendo horrores nos países satélites, ou que as missões católicas na China comunista tenham sido exterminadas. O Catolicismo estava mesmo precisando dessa purgação para se redimir do pecado de cumplicidade com o mundo capitalista. O capitalismo burguês, eis portanto o verdadeiro, o real inimigo.
E os dois campos estariam bem definidos agora com o episódio de Suez: estaríamos assistindo, ali, "aos estertores de um mundo que morre e vagidos de um mundo que nasce". De um lado, o imperialismo capitalista e colonizador, destruidor das verdadeiras liberdades humanas. De outro, o espírito nacionalista de independência, que se ergue contra a opressão. Seriam os "have-not" a se insurgirem contra os magnatas do ouro e do petróleo.
EQUIPARAÇÃO INÍQUA
Com efeito, "é o imperialismo colonialista em luta contra as reivindicações da consciência nacional de povos de velhíssima estirpe, como os chineses e os egípcios, explorados longamente pelo capitalismo burguês, desde a Revolução Industrial do século XVII, que hoje acordam para a vida independente. Esse nacionalismo asiático-africano é afinal o mesmo que anima os povos da Polônia e da Hungria a lutarem contra o imperialismo comunista russo, como Tito o fez contra Stalin, na primeira grande resistência nacional contra o que, no momento, parecia uma força totalitária invencível" (Tristão de Ataíde em "Mundo enlouquecido", "Folha da Manhã", de S. Paulo, 11 de novembro de 1956).
Registremos alguns pontos dignos de nota neste curto trecho. Os chineses, sob o comando do títere moscovita Mao-Tsé-Tung, e incorporados às "democracias populares", acordam hoje para a vida independente. Por outras palavras, a independência teria baixado sobre a China nas asas do regime comunista, que quebrou o jugo do colonialismo capitalista-burguês. Mais ainda, haveria perfeita identidade entre a atual luta de poloneses e húngaros contra o imperialismo russo, e a luta do nacionalismo asiático-africano contra o imperialismo capitalista-burguês. Tito, que mantém a Iugoslávia sob o guante comunista e silencia com a prisão as vozes da Hierarquia que se levantam contra a transgressão do direito natural pelo socialismo marxista-titoista, esse sanguinário assassino de seus irmãos é, do ponto de vista de coexistência e de diálogo em que se coloca o Sr. Alceu de Amoroso Lima, o primeiro herói da resistência contra a força totalitária do imperialismo soviético. Estamos de fato em um mundo enlouquecido.
É este mais um sintoma característico da atitude insegura do Presidente do Centro D. Vital em relação ao problema comunista. E se segundo o Santo Padre Pio XII só se pode admitir a coexistência na Verdade, essa Verdade para o Sr. Tristão de Ataide é um conceito impressionantemente elástico. Tão elástico que — repitamos — no seu entender não existiria diferença essencial entre o que aconteceu na China com o advento do governo comunista "nacionalista" de Mao-Tsé-Tung, e o que agora se dá com os nossos irmãos na Fé que se levantaram na Hungria contra a opressão do marxismo-leninismo.
O imperialismo capitalista-burguês é, portanto, o verdadeiro grande inimigo contra o qual todos os revolucionários deveriam se unir em coexistência e estabelecer diálogo, para assegurar a seus semelhantes a liberdade de serem oprimidos por qualquer regime titoista ou mao-tsé-tunguista fomentado pelo socorro vermelho.
Para o Sr. Tristão de Ataide os chineses conseguiram o direito de serem livres sob o domínio de uma república socialista, do mesmo modo que os iugoslavos sob a tirania marxista-leninista de Tito. No fundo, portanto, o comunismo intra-muros ou nacional-socialismo não seria contrário ao direito natural mesmo porque a autodeterminação dos povos não se deixaria limitar por credos de que decorrem determinadas leis morais. Que cada país seja livre a seu modo, mesmo oprimindo sua população em sua religião e em suas liberdades mais elementares. No mundo pluralista haveria "verdades" para todos os gostos e feitios.
E PARA O CATÓLICO?
Não porém para o católico. Para ele a Verdade é uma só: e essa Verdade se acha espezinhada onde quer que o Leviatã socialista tente destruir a sociedade, a família, a vida íntima das almas, através da servidão econômica e política que lhe é inerente, seja na China de Mao-Tsé-Tung, seja praticado de modo cruel e sanguinário, quer por vias "evolutivas" e terra sob o domínio do socialismo trabalhista e fabiano. A questão é apenas de gradação, de agravantes, mas é sempre o mesmo crime, quer seja praticado de modo cruel e sanguinário, quer por vias "evolutivas" e constitucionais.
A coexistência na verdade repele o erro socialista. Razão pela qual, por estarem em jogo direitos essenciais, o católico deve defender — de armas na mão se for preciso — a existência da verdadeira liberdade contra toda e qualquer servidão socialista ou comunista.