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CORRESPONDÊNCIA

De um leitor: — "Li numa revista católica o fato seguinte. Operários católicos e comunistas se encontravam na mesma praça para ouvir a conferencia de graduado líder católico. Os católicos para aplaudir, e os comunistas para tentar impedir o comício. O orador demorou mais do que o esperado. Passou-se a hora e ele não chegava. A prolongada espera foi excitando os ânimos ao ponto de se transformar a praça num verdadeiro pandemônio. Quando eis que chega o conferencista. Grandalhão, facilmente visível, domina o auditório com sua voz forte, e muito mais com as palavras que pronuncia. — "Ai de vós, ricos!" começa, e segue uma serie de objurgatórias contra os ricos, desalmados opressores das classes humildes, dos pobres operários. Coisa curiosa: católicos e comunistas aplaudem delirantemente o orador.

Eis o fato. Não reproduzo, os nomes da pessoa, da cidade, da revista. Narro apenas o que li, porque desejo uma explanação em tese, e esta venho pedir a CATOLICISMO: pode-se aprovar a maneira de agir desse líder de operários católicos?"

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R. Como a pergunta é feita em tese, vamos responder também em tese, tomando o fato como nos é narrado, sem nos preocuparmos em saber se, na realidade, ele se deu precisamente como está apresentado. Acrescentamos, não obstante, que, a julgar por notícias que nos chegam especialmente da França, não achamos nada impossível um meeting operário como o descrito acima.

Realmente, há muitos lideres católicos que, dedicando-se a combater o comunismo, baseiam sua tática em procurar um terreno comum no qual se encontrem de acordo os seguidores do Evangelho e os de Marx. Nesse terreno comum se iniciaria o diálogo, cujo termo seria — na opinião desses lideres — a conversão dos comunistas e a conseqüente destruição do comunismo. Com efeito, convencidos os marxistas de que suas críticas à ordem social existente são admitidas também pela Igreja, e esclarecidos de que a Igreja, tal como eles, deseja uma renovação desse estado de coisas, não haverá mais comunistas, e sim uma frente única — já agora católica — para levar avante a reforma social.

Por isso mesmo, não é raro se utilizarem esses lideres dos mesmos slogans vermelhos contra a desigualdade de classes, a opressão do proletariado, o luxo e o egoísmo dos ricos, a injustiça da distribuição das riquezas, a desonestidade da opulência, etc. E não é de admirar que, católicos como se apresentam, revistam eles seus pensamentos com roupagem tomada às Escrituras, com palavras de Jesus Cristo ou dos Apóstolos.

A tática consistiria em usar tais textos sagrados, tais slogans, de maneira que os comunistas possam aceitá-los e aprová-los. Num segundo momento — que, para os escritores franceses a que aludimos, ainda não chegou — viria a explicação verdadeira das palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo ou dos Apóstolos, viria a distinção, a nuance que separaria o trigo do joio, a verdade do erro, o pensamento da Igreja do absurdo marxista, o espírito do Evangelho do egoísmo vermelho. Em resumo: trata-se de pescar em águas turvas. Turvam-se as águas para que os comunistas não vejam logo na sua limpidez cristalina a doutrina da Igreja, pois que, se vissem, a rejeitariam antes de qualquer diálogo possível.

Para dar um exemplo. O Divino Mestre, em vários lugares dos Evangelhos, alerta seus discípulos contra o apego aos bens terrenos. Esse apego pode existir no rico como no pobre. Operários há que até aos domingos trabalham de sol a sol para enriquecer, para poder levar mais tarde a vida dos ricos que eles invejam. Que é isso, senão o apego condenado por Nosso Senhor? Não obstante, é claro que a tentação dos bens da terra encontra forte apoio quando ataca pessoas que já possuem fortuna. Assim se explica porque Jesus Cristo ilustra com os ricos suas advertências contra o apego aos bens deste mundo. Não que a riqueza em si seja um mal; mas porque, de fato, objetivamente, auxilia ela a tentação de uma vida despreocupada dos valores eternos. Tanto isso é verdade, que Jesus contou, entre seus melhores e mais dedicados amigos, pessoas abastadas. Rica era a família de Lázaro de Betania, que o Senhor elegeu como ambiente de repouso das suas fadigas no apostolado em Jerusalém; rico, S. Marcos, em cuja casa estava a sala escolhida para a instituição do mais augusto dos Sacramentos, o Sacramento do Amor, da Caridade; rico, José de Arimatea, a quem Ele concedeu a honra e o privilégio de servir-Se de seu túmulo para ser sepultado. Para o Salvador, portanto, a riqueza não é um mal em si; apenas, abusar dela constitui pecado e pode perder a alma.

Nesse contexto evangélico entende-se, sem perigo de erro, a terrível maldição: "Vae vobis, divites! — Ai de vós, ricos!" (Luc. 6, 24).

Ora, essa expressão é interpretada pelos discípulos de Marx em sentido totalmente diverso. Vêem eles nos ricos os exploradores do suor dos operários, na desigualdade social um fardo insuportável para os que possuem menos, e odeiam ao rico, como a qualquer pessoa colocada em posição elevada por qualquer motivo, ainda que honesto e histórico: ascendência, dignidade, fortuna.

Para os comunistas, os ricos devem, pura e simplesmente, desaparecer; para Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Igreja, os ricos existirão sempre, e, dentre eles, os maus não devem necessariamente ficar pobres, mas devem se converter. Para os comunistas, os pobres devem invejar seus rivais, os ricos, e trabalhar para destruí-los; para Jesus Cristo e sua Igreja, os pobres existirão sempre, e na sua condição de pobres poderão ser mais felizes do que os ricos, pois que têm o privilégio de serem mais semelhantes Àquele que foi pobre durante toda a sua vida. O que devem é santificar-se na sua condição, acrescentando à pobreza atual, a pobreza de espírito, ou seja, o desapego dos bens terrenos, a deposição da inveja que corrói o coração. Para os comunistas, não há pobre ruim, nem rico bom. Para Jesus e sua Igreja, o rico será bom se for pobre de espírito, e o pobre será mau se for rico de espírito.

No caso da consulta, utilizando-se de uma expressão que comunistas e católicos admitem, aquele líder de operários tinha intenção de agradar aos primeiros, para atraí-los, captar-lhes a benevolência, e depois introduzir-lhes na alma o espírito do Evangelho.

O problema, pois, vem a ser este: atraídos os bolchevistas com frases que apreciam e entendem a seu modo, mas que também têm outro significado, pode-se depois levá-los a esvaziar o conteúdo comunista dessas locuções, para preenchê-las com a concepção católica? Em outras palavras, trata-se de saber se é possível mudar o diabo em monge, cobrindo-o com o burel monástico.

Se é possível, e se é licito.

Temos razões para duvidar.

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1 - O Divino Mestre aborrece as dissimulações. Recomenda-nos que nossa palavra seja "sim, sim", "não, não". Com o que entende proscrever a intenção de tornar ambígua uma noção clara: o que é "sim" seja "sim", e o que é "não" seja "não". As objurgatórias contra os ricos nos Evangelhos têm um significado preciso. Usá-las com o intuito de permitir que se lhes dê outro conteúdo, ainda que para atrair quem quer que seja, é ir contra o preceito do Salvador. Não deseja Jesus Cristo que nosso "sim" seja meio "não", e muito menos que seja todo "não", como no caso apontado pelo consulente.

Com efeito, as palavras são sinais dos conceitos, de maneira que, quando em determinadas circunstâncias certas palavras só podem ser entendidas num sentido especifico, considera-se que quem as usa nessas mesmas circunstâncias exprime esse sentido. Quem fala a comunistas que entendem de um só modo a maldição aos ricos, e usa dessa maldição, apresenta-se como partidário do significado comunista da locução, ou passa por um homem falso. Nem uma nem outra coisa é licita.

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2 - À mesma conclusão nos leva o exame da atitude e do ensinamento constante dos Santos. Tomemos por exemplo São Pio X. Durante seu pontificado constituiu-se na Itália uma federação de associações católicas que visavam a expansão da doutrina e ação social da Igreja em prol da cristianização das relações econômico-sociais. Era presidente desta federação o Conde Estevão Medolago Albani. Pois, em todas as cartas que lhe dirigiu em nome do Papa, o Cardeal Secretário de Estado, Servo de Deus Rafael Merry del Val, jamais deixou de insistir em que o Pontífice desejava que a federação fosse aberta e ostensivamente católica. "O Catolicismo não é mercadoria avariada que deva entrar de contrabando", escreveu São Pio X ao Conde Medolago Albani.

Coerente com esse modo de agir é a doutrina do mesmo Papa, nas suas Encíclicas e Cartas Apostólicas. Na Encíclica "Communium Rerum" chama de "erro grosseiro" o daqueles que, "no falso e vão interesse de obter a paz para a Igreja", dissimulam, "sob pretexto de conquistar os fautores de novidades", "os interesses e os direitos da mesma Igreja". Igual pensamento pode ler-se na Encíclica "Iucunda sane", publicada por ocasião do décimo terceiro centenário da morte de São Gregório Magno. E na Carta "Singulari quadam" aos Bispos da Alemanha, só permite o Papa o ingresso de operários católicos em sindicatos mistos — isto é, constituídos também de protestantes — quando haja ao mesmo tempo associações em que possam eles, por meio de instruções e práticas piedosas, conservar o fervor religioso, e quando os sindicatos nada absolutamente tenham que possa, em qualquer terreno, ainda no da justiça e da caridade, ofender os princípios católicos. O documento recomenda que os Bispos se mantenham atentos a este ponto, uma vez que os operários, se não são levados tempestivamente à vigilância nesse terreno, ficam expostos ao perigo de cair num "vago e indefinido cristianismo" interconfessional, ou seja, no que há "de mais contrário à pregação de Jesus Cristo".

Toda essa cautela exige o Santo Pontífice para uma colaboração com protestantes, com os quais é possível, em tese, formar um sindicato em que nada ofenda, no domínio econômico, os princípios do Catolicismo. Com o comunismo já não há possibilidade de semelhante colaboração, porquanto é ele "intrinsecamente mau" também na ordem econômica, à qual, aliás, visa imediatamente.

O pensamento de São Pio X é o pensamento da Igreja, e foi corroborado por documentos pontifícios posteriores. Veja-se, entre outros, a Encíclica "Quadragesimo Anno", a propósito do chamado "socialismo católico".

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3 - Mais particularmente com relação ao marxismo, há a afirmação peremptória de Pio XI na "Divini Redemptoris". Segundo essa Encíclica, "o comunismo é intrinsecamente mau, e com ele não é possível nenhuma colaboração". Ora, a pretensão de estabelecer com seus sequazes um diálogo, ou seja, discussão —em nível de inteira igualdade para recíproca elucidação de pontos de divergência — nisso é que importa qualquer diálogo —afirma implicitamente que há alguma coisa de aproveitável no comunismo, a saber, aquilo que constitui a base para início de uma conversa. Não é isso que o Papa ensina. Para a "Divini Redemptoris" o comunista deverá ser instruído, e convertido, isto é, deverá convencer-se de que está inteiramente errado, e de que precisa mudar completamente sua maneira de pensar e agir. Ele não é um interlocutor, é um aluno; não esclarece seu pensamento, abandona-o. Nada há de comum entre católico e comunista.

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4 – Esse esforço por dialogar com tais sectários é prejudicial. De fato, leva o católico a buscar um ponto inicial, um terreno neutro viável também ao adversário. Ora, a busca não se dá em nosso campo. É o católico que pesquisa no campo inimigo o ponto de intersecção de ambas as correntes. E quando pretende tê-lo achado, de fato passou para o outro lado, pois começou a admitir algo de bom no marxismo, contra a declaração oficial da Santa Igreja. A julgar por certos autores franceses que nos chegam, são as reivindicações sociais dos comunistas que tais apóstolos do diálogo acham legítimas, perfeitamente justificáveis. Esquecem-se, então, da categórica advertência de Pio XI — o comunismo é intrinsecamente mau, com ele não há colaboração possível — e passam a censurar o capitalismo, os ricos, os burgueses, de maneira tal que já não se sabe se visam os excessos dos capitalistas, ou pura e simplesmente o regime da propriedade privada, como fazem os asseclas de Lenine. Assim se favorece a estes últimos, pois se cria nos operários a persuasão de que suas críticas procedem.

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5 - A aberração a que chegam tais católicos é fruto de um desvio inicial. O comunismo toma como base da evolução social o chamado materialismo histórico. Toda atividade do homem é comandada por uma questão de estômago. Dêem fartamente pão ao trabalhador, e ele será feliz em todos os setores da vida humana. Em outras palavras, o comunismo é antes de tudo uma heresia, um erro filosófico que tem do mundo e da sociedade uma visão falsa, anticatólica. De onde resulta que qualquer combate a esse inimigo deve, para ser eficaz, matar o mal na sua raiz, ou seja, deve levar os homens todos, ricos e pobres, patrões e operários, a uma concepção do mundo e da sociedade que seja conforme à revelação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é o que fazem os propugnadores do diálogo. Esperam eles sanar o mal com paliativos da ordem presente, efêmera, terrestre, e julgam que proporcionar o bem-estar material ao operário, ao pobre, é matar nele a ânsia de ser rico, o ódio à classe que possui. Terminam, pois, incidindo no mesmo erro que dá vida ao comunismo: tudo se resolve por meios econômicos.

A tentação, neste ponto, é grande, pois que os remédios de ordem material são os que impressionam mais imediata e diretamente, e como que se impõem por sua mesma apresentação. Por isso, já São Pio X advertia: "Enganam-se grandemente os que, na distribuição de socorros, principalmente em favor das classes populares, se preocupam no mais alto grau com as necessidades materiais, negligenciando a salvação das almas e os deveres soberanamente graves da vida cristã" (Encíclica "Iucunda sane").

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Talvez não possamos apresentar ao nosso consulente melhor comentário a respeito da posição falsa desses católicos, do que as considerações de um ex-sindicalizado socialista: "Quando os aruspices comunistas pretendem que o pauperismo lavra nos países capitalistas, aparecem sempre os que lhes opõem, armados de números, que a massa trabalhadora vive melhor do que antes, e que a soma de bens que ela recebe é superior às rações dadas aos escravos dos países comunistas. É certo, os opositores têm razão, e os fatos durante muito tempo serão favoráveis ao seu raciocínio.

"Mas acontece, então, que o mundo refoge ao espiritualismo. As competições, as comparações se fazem com base em termos de alimentação e de gozos materiais. O homem não mais se avalia segundo a grandeza de sua alma, a sensibilidade de seu coração, o grau de sua confiança em Deus.

"Certamente não convém dizer que os homens do século XX têm excesso de salário, excesso de lazer, excesso de férias, excesso de seguros sociais. O que convém salientar é que o que eles têm não os satisfaz; que seus sofrimentos são feitos de cobiça e desejo de possuir mais. O uso que se faz das presentes conquistas sociais endurece os corações e resseca as almas. No meio em que vivemos não é hábito olhar para baixo. A qualidade de pobre já não é admitida, e os que a possuem tomam aos olhos dos outros o estigma da decadência.

"Ora, é pelo caminho da pobreza que eu vou a Deus" (George Dumoulins, "Itinéraires", no 6, pag. 27).

Esse documento — cujo valor não é preciso sublinhar, pois se trata de um indivíduo que procurou a felicidade no sindicato revolucionário, e percebeu muito bem que "nem só de pão vive o homem" — mostra como o comunismo só se vence com armas espirituais. É fazendo o operário conhecer a Jesus na austeridade de seu espírito de mortificação e renúncia pela remissão dos pecados, é fazendo-o viver em função de sua finalidade última, no Céu, para a qual este mundo é uma preparação, e só vale enquanto for preparação, é fazendo o operário convencer-se dessas verdades, e aplicá-las à sua existência, que se logrará fazê-lo verdadeiramente feliz, e torná-lo um soldado anticomunista.

Para tanto é necessária a graça de Deus, graça que se obtém pela oração e pela penitência, como nos adverte o Santo Padre Pio XI: "O mal que hoje em dia assola a humanidade (fala o Papa do comunismo) não poderá ser vencido a não ser por uma santa e universal cruzada de oração e penitência" (Encíclica "Divini Redemptoris"). — A Redação.


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

A mocidade foi feita para o heroísmo ou para o gozo?

Plinio Corrêa de Oliveira

Com o o violão a tiracolo, e o microfone na mão, o "artista" campeão mundial do frenesi, que está pondo em delírio milhões de pessoas. Elvis Presley, canta e dança em meio de instrumentos de orquestra, diante de um público alucinado.

No homem a inteligência deve dirigir a vontade, e ambas devem, por sua vez esclarecer a sensibilidade, guiá-la, e ampará-la contra a fraqueza que lhe é própria. Pois, das faculdades humanas, todas nobres si mesmas, mas todas atingidas pelo pecado original, aquela por onde mais frequentemente começam as desordens, as crises, os desmandos, é precisamente a sensibilidade.

Pelo contrário, no porte, no gesto, na fisionomia deste pobre jovem, tudo indica o desencadeamento total da sensibilidade, subjugando inteiramente a vontade, e determinando movimentos em que absolutamente não se notam o equilíbrio, o bom senso, a compostura inerentes, ação rectrix da inteligência.

E, ainda, no caso presente nem sequer se trata precisamente da hipertrofia da sensibilidade, à maneira dos românticos. Censurável nestes era o excesso de emotividade em relação a determinados assuntos políticos, sociais, artísticos ou literários, ou em face de certas situações pessoais como a orfandade, a viuvez, a solidão afetiva, etc. De um certo ângulo, o erro do romântico consistia em fazer do sentimento o ápice e o termo de toda a vida mental. Erro, sem dúvida, e erro grave, que produziu na história da cultura ocidental funestas consequências. Mas erro que, pelo menos, ainda pressupunha uma verdade, ou seja, que o sentimento é um dos elementos integrantes do processus intelectual.

No caso concreto, há um mero vibrar de nervos. De nervos doentios e superexcitados, que vibram sem outra razão, sem outro ponto de partida e sem outro objetivo senão o prazer mórbido de vibrar, e cujo frenesi pede por sua vez vibrações sempre maiores. Por onde se chega rapidamente às manifestações extremas: ritmos delirantes, gestos desordenados, expressões fisionômicas contorcidas, um conjunto de desmandos, enfim, típicos dos que, segundo a expressão incisiva de Dante, "perderam a luz do intelecto".

Em uma palavra, e baixando o nível destas considerações, se um bêbado cantasse e dançasse, fá-lo-ia estertorando assim. Embriaguez contagiosa, pois se estende como uma nova "dança de São Guido" a milhões de pessoas. Embriaguez muito mais perigosa do que a do álcool, porque indica uma desordem fundamental da alma, que não passa como os efeitos do vinho.

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Ao lado desta lamentável manifestação de indisciplina interior de tantos jovens de nossos dias, dão belíssimo exemplo estes estudantes católicos alemães, que participam do Katholikentag de 1954, realizado em Fulda.

Fisionomias que exprimem o hábito de concentrar-se e estudar, criado por uma formação intelectual profundamente séria, começada nos bancos do curso primário. Vigor físico resultante de um trato do corpo, contido em seus justos limites, sem os exageros do "esportivismo" frequente entre nós. Um porte firme, do qual está excluída qualquer moleza, e que nos faz ver nestes jovens, não só futuros intelectuais, mas homens dispostos para a ação e a luta.

O traje tradicional dos estudantes alemães corresponde plenamente a toda esta concepção da mocidade. De um lado, é policromico, alegre, variado e prático como convém a jovens. De outro lado, tem a distinção própria de estudantes que sabem respeitar-se, e às coisas do espírito, às quais se dedicam. Por fim, a espada, com suas reminiscências medievais de lutas heróicas, acrescenta uma nota de idealismo militante. E simultaneamente perpetua a tradição da esgrima, o esporte intelectual por excelência, pois é admiravelmente apto a formar a atenção, a solércia, o espírito de iniciativa e o "panache", ao mesmo tempo que põe em ação o corpo todo.

Neste clichê, tudo faz pensar na grande verdade enunciada por Claudel: a mocidade não foi feita para o prazer, mas para o heroísmo. Ao passo que na primeira gravura tudo parece dizer-nos que a mocidade não foi feita para o heroísmo, mas para o prazer. Ou pior ainda, para o gozo.